DE VOLTA À CAPELA

CAPÍTULO 10 - APROXIMAÇÃO

Quando Lisa chegou ao Ginásio Taylor, logo chamou a atenção de um pequeno grupo de alunos, que ela deduziu serem Bud e seus colegas do time de futebol, já que Alex também estava com eles, e que se surpreendeu ao vê-la. Os quatro rapazes jogavam conversa fora no estacionamento, observando todo mundo. Ela estacionou seu jipe que tinha acabado de pegar no conserto ao lado deles, e caminhou tranqüilamente em direção ao prédio sob os assobios do trio de garotos levados e mesmo de Alex, passando por outros grupos de alunos que se formavam na entrada, antes do sino tocar. Era inegável que ela, assim como Mancinci ou Lachance, passava despercebida em meio a todos eles, como sendo policiais. Como se já não bastasse o fato de aparentarem muito mais jovens do que realmente eram, os policiais da capela também levavam ao pé da letra a primeira reunião com o capitão Hanson, e se vestiam e se comportavam como verdadeiros adolescentes. Lisa, inclusive, que já tinha um visual bastante radical, mesmo para sua idade, abria mão de suas tranças rastafári naquele dia, para assumir um visual que pudesse aproximá-la das garotas que seriam as supostas autoras de outras perseguições dentro do colégio. Com um penteado comportado, ela também vestia um suéter rosa e um casaco branco de couro.

Enquanto procurava seu armário, notou o olhar atento de Lachance, ao final do corredor, provavelmente conversando com Carl Whitfield.

"Bom, então, pode me ajudar com história?", perguntou ele ao irmão de Clarence, retomando a conversa que tinham iniciado antes de Lisa aparecer. Durante dois dias ele havia tentado se aproximar do garoto, que parecia recluso e isolado demais. Assim que descobriu que ele costumava ajudar alguns colegas nas matérias em que tinha mais facilidade, antes da morte do irmão, Lachance descobriu uma boa oportunidade de tentar se tornar próximo dele. Mas Carl parecia distante e desinteressado demais. Contudo, ao ver Bud e seus amigos atravessarem a porta de entrada, pegando rapidamente seus livros do armário, disse:

"Encontre-me no final da aula", e correu para a sala em que teria aula.

Lachance olhou na direção dos garotos com seus uniformes de time de futebol, descobrindo, assim, o que amedontrava Whitfield, e balançando a cabeça, negativamente, cada vez mais impressionado com aquela mania de perseguição, também caminhou na direção da mesma sala, já que teria a mesma aula com Carl.

...

"E o quê foi que ele disse depois?", perguntou uma garota à outra, próximo de Lisa, que acabara de entrar na sala em que teria aula, sentando-se próximo das duas, já imaginando de quem elas se tratavam: Nicole Feldman e Patricia Blake.

"Que nunca conheceu uma garota que beijasse tão bem!", exclamou a outra, respondendo a pergunta. "Pode?!"

"Com licença?", perguntou Lisa, aproximando-se das duas, que a encararam com desdém. "Podem me dizer se essa é a classe da Sra. Clayton?"

As duas se entreolharam, confirmaram, e voltaram à conversa que tinham antes de serem interrompidas. Persistente, Lisa tentou mais uma vez chamar sua atenção:

"Desculpe", disse ela, "só mais uma coisa".

As garotas pararam de falar e, como se já estivessem irritadas com a "intrusa", deram-lhe atenção, esperando apenas que fosse importante o que ela tinha a dizer.

"Eu sou nova, e pelo que eu percebi vocês duas são bem populares por aqui", disse ela, conseguindo obter mais atenção delas, "e acho que vocês podiam me dar umas dicas".

"Que tipo de dica?", perguntou uma delas, apoiando a cabeça com a mão, encarando a aluna nova de cima a baixo.

"Bom, do tipo que possa me ajudar a ficar o mais longe possível dos babacas do colégio", disse Lisa, com um sorriso cínico, finalmente, acreditando que havia usado a sua desculpa mais esfarrapada para se aproximar daquelas duas garotas esnobes.

Nicole e Patricia se entreolharam mais uma vez, e como se se sentissem as maiorais, ainda mais com a abertura dada pela suposta nova aluna, que as enalteceu ainda mais, apresentaram-se, e perguntaram de que colégio Lisa vinha, e esta respondeu que acabava de chegar de Vancouver, no Canadá, como fez constar na sua falsa ficha de transferência, cujo intuito era mesmo o de impressionar as patricinhas de plantão.

"E qual o seu conceito de 'babaca'?", perguntou a outra, com um pequeno sorriso no canto dos lábios.

Lisa olhou à volta, examinando os alunos que já estavam acomodados nos seus lugares aguardando a chegada da professora, e reconhecendo Carl Whitfield, por uma fotografia que viu na casa dele, mesmo por trás das grossas lentes dos óculos que agora usava, sentado ao lado de Lachance, que continuava a tentar puxar conversa com ele, disse:

"Como aqueles dois otários lá da frente", respondeu ela.

"Legal, pode ficar com a gente, que vai se dar muito bem por aqui", disse Nicole, sorrindo para Patricia, que balançava a cabeça, favorável ao conselho da amiga.

Lisa sorriu, satisfeita.

...

"É o seguinte", disse Bud a Alex, junto de seus inseparáveis amigos, Fred e Eric, em meio ao intervalo, no corredor, "você tem que pegar o jeito. E isso a gente te ensina, direitinho".

"E como é esse tal jeito?", perguntou Alex, que fingia interesse na explicação dos brutamontes, que tentavam convencê-lo a entrar no time de futebol do colégio.

Bud viu Carl e Lachance que se aproximavam e disse:

"Mais ou menos, assim!", exclamou, empurrando Carl para cima do colega, derrubando-os no chão. Lachance, que se levantou prontamente, ajudou Carl, que parecia preferir ficar ao chão.

"Isso mesmo, otário!", gritou Bud, enquanto uma multidão de alunos parava para olhar a cena. "Pode ficar no chão, pois aí é o seu lugar!", disse, repetindo a fala de alguns dias antes, e que parecia seu lema às suas vítimas de bullying.

Lisa, que estava com Nicole e Patricia, ficou horrorizada e pensou em socorrer o rapaz, mas ao notar que as duas garotas riam da situação, lembrando do disfarce, começou a fingir que também achava graça da situação, por mais indignada que estivesse.

"Eles não são demais?", perguntou Nicole para Lisa, que concordou prontamente, com um sorriso.

...

Mais tarde, na sala dos professores, Hoffs, que estava disfarçada de professora substituta de língua inglesa, tomava café enquanto puxava conversa com dois outros professores, Ada Clayton, de história, e Matthew McCoy, de matemática.

"Vocês não ficam chocados com essas confusões?", perguntou ela, referindo ao espetáculo no corredor, que havia sido apartado por um inspetor, e que eles viram de relance, já que saíam de suas aulas.

"Se você soubesse...", comentou Ada, lendo uma revista e tomando um gole de chá quente.

"Isso acontece com muito mais freqüência do que você possa imaginar", explicou Matthew, sentado ao lado da colega.

"E ninguém faz coisa alguma?", perguntou Hoffs.

"E fazer o quê?", indagou Ada, encarando-a.

"Puxa, alguém pode se machucar", comentou Hoffs, mostrando-se indignada e tentando obter um esclarecimento maior daqueles dois professores, que simplesmente se entreolharam, de modo a permitirem que Hoffs aproveitasse a deixa:

"Ou será que alguém já se machucou?", perguntou ela, esperando que eles mencionassem o caso de Clarence, fingindo não saber.

"Pelo visto você não lê os jornais", disse Matthew, cruzando os braços, enquanto Hoffs o ouvia com atenção: "Semana passada um aluno foi encontrado morto no vestiário".

"Eu soube disso", comentou, então, Hoffs, preterindo outro rumo à conversa. "Mas não que fosse caso de perseguição, como a que acabamos de ver ali fora", explicou ela, referindo-se à pequena confusão entre Bud e Carl.

"Aquilo ali?", perguntou Matthew, como se fosse pouca coisa. "Aquilo acontece todos os dias e a tendência é a de cada vez se tornar pior".

"A ponto de um aluno acabar morto?", insistiu Hoffs, já imaginando que eles sabiam do envolvimento de bullies no assassinato de Clarence.

"A polícia não pode fazer nada porque está de mãos atadas", disse Ada, que até então preferia não emitir sua opinião. "Esses alunos são filhos de políticos e juízes, que só não estão em colégios particulares porque já foram expulsos de todos eles. Estão aqui para se divertir. Nem com animais eles podem ser comparados. Nunca vão pegá-los".

Hoffs, que já sabia que alunos como Bud Wilson, Nicole Fordman e Patricia Blake eram mesmo filhos da nata da sociedade, e que já tinham sido mesmo expulsos de outros colégios por mal comportamento, ficou impressionada e indignada com a frieza dos professores, que preferiam fechar os olhos para o que estava acontecendo, por mas que soubesse, ainda, que, realmente, eles estavam certos: aqueles alunos nunca seriam pegos se não houvesse provas de que estariam envolvidos na brutalidade que ocasionou a morte de Clarence.

...

Mais tarde, na casa de Patricia, Lisa fingia que estava pegando matérias que perdeu no começo do semestre e que poderiam prejudicá-la nas provas, enquanto Nicole e a amiga pareciam cada vez mais interessadas na recém- chegada. Lisa já não suportava mais inventar estórias sobre sua falsa vida em Vancouver, mesmo que conhecesse bem a cidade, uma vez que chegou, efetivamente, a morar no Canadá por mais de dois anos, quando era mais jovem e, quando as duas pareciam mais concentradas nos livros, aproveitou o ensejo para mudar de assunto:

"Eu achei o máximo o quê aconteceu hoje no colégio", comentou ela. "No colégio onde estudei, o pessoal odiava esses nerds, mas ninguém fazia nada".

Nicole sorriu.

"O Whitfield é um idiota", comentou.

"Se bobear, vai acabar como o irmão dele", disse Patricia, deitada de bruços na cama, com um livro de história à sua frente.

"Como assim?", perguntou Lisa.

"Patricia, você fala demais", disse Nicole, que parecia que não queria que Lisa soubesse dos detalhes da estória.

"Não é segreto algum", justificou Patricia, achando que a nova amiga devia saber.

Nicole bateu o lápis sobre o caderno, pensativa, e disse:

"Tudo bem. Não é mesmo nada demais".

"Sabe aquele garoto que o Bud derrubou no corredor?", perguntou Nicole, e quando Lisa confirmou com um gesto afirmativo, continuou: "Ele tinha um irmão: Clarence, muito mais babaca que ele. O cara era um desastre. Não fazia nada direito".

"Encurtando a estória", interrompeu Patricia: "ele foi encontrado morto no chão do vestiário masculino".

Lisa ergueu as sobrancelhas.

"E alguém sabe quem foi que o matou?", perguntou ela, não esperando que elas lhe revelassem coisa alguma.

"O Clarence era odiado pela escola inteira", disse Patricia. "Pode ter sido qualquer um".

Lisa ficou pensativa, e olhando para o semblante das duas, que voltavam normalmente às suas leituras, acreditou que podiam não ter relação alguma com o assassinato.

...

Na manhã seguinte, a turma de Lisa teria aula no laboratório de informática, e quando ela foi prontamente na direção do computador em que alguém enviou o e-mail para Clarence, duas semanas antes, Patricia e Nicole a advertiram:

"Essa máquina está com problemas", disse uma delas.

"Como assim?", perguntou Lisa, fingindo não entender.

"Começou a dar problemas algumas semanas trás e o Sr. Atkins tentou arrumá- lo numa manhã em que estávamos tendo aula, mas não adiantou muito... parece que está deconectado da rede ou algo parecido", explicou Nicole.

"Quando foi isso?", perguntou Lisa, enrugando a testa.

"Umas duas semanas atrás", respondeu Nicole.

"E quem é o Sr. Atkins?", indagou Lisa, supresa.

"O faz-tudo", respondeu Patricia.

"O zelador?", questionou Lisa.

"O quê importa?", indagou Nicole, indiferente, e já mostrando estar bastante confusa com o interrogatório da colega.

"Eu preciso ir ao banheiro", disse Lisa, subitamente, enquanto o professor de informática avançada entrava na sala. Antes de atravssar a porta, no entanto, viu um mural de recados, e uma nota de Clarence, com seu e-mail pessoal, dizendo que estava disponível a dar aulas particulares de informática.

No banheiro, depois de certificar-se de que estava só, Lisa telefonou do celular para a capela, e pediu para falar com o capitão Hanson.

"O quê houve, Swanson?", perguntou ele.

"Acho que temos um suspeito", respondeu ela, ainda abalada com a hipótese.

"Algum dos alunos?", indagou Hanson, preparando-se para tomar notas.

"O zelador", respondeu ela. "Uma das meninas me contou que no mesmo dia em que tiveram aula, há duas semanas, o computador estava com problemas e ele tentou arrumá-lo enquanto estavam em aula".

"Isso coincide com a data em que Clarence recebeu o e-mail?", perguntou Hanson.

"Não só com a data, pois foi o último dia em que tiveram aula no laboratório, como também com o horário", respondeu ela. "Além do mais, na própria sala de informática, há um mural de recados, e o e-mail de Clarence disponível a todos".

"Então ele pode ter conseguido o e-mail ali mesmo, mandado de um computador da escola, em meio a uma aula, forjando responsabilizar qualquer um", concluiu Hanson.

"Foi premeditado, capitão", completou Lisa.

"Tudo bem", disse ele, fazendo anotação num papel que estava à sua mesa. "Vou colocar outro pessoal para investigar a ficha desse zelador, cujo nome foi omitido na ficha do assassinato do Whitfield, e quero que você alerte Mancini e Lachance".

"Continuo com o disfarce?", perguntou Lisa, acreditando que o caso rumava para outro lado.

"Claro que sim", respondeu ele, "e me mantenha informado".

"Certo", desligou ela.

Continua...