Amar por Correspondência

Cap 01 - Lágrimas

Seria mais um dia comum se o bip rítmico do aparelho que a mantinha viva não pudesse ser ouvido. No seu sono a cena se repetia incessantemente, como um inferno. O cheiro de gás se espalhando pelo ar e o pânico por suas veias. A sentença: Nenhum sobrevivente. Não... Espere... Ela estava viva... Apesar de ter desejado com todas as suas forças morrer no momento da colisão, Deus fora impiedoso suficiente para deixá-la viver. E mais uma vez, ela sentia seu pulmão arder quando tentava puxar algum ar. Tentava gritar pelo irmão, mas não obtinha resposta, ou talvez o barulho das labaredas se espalhando cada vez mais rápido não a deixasse fazê-lo. A fadiga tomou conta do seu corpo e tudo apagou ficando apenas os vestígios da solidão e da morte.

No primeiro momento em que abriu os olhos, a luz entrou dolorida nas suas retinas. Ainda não conseguia identificar aquele lugar. As cortinas estavam abertas e o local era extremamente limpo. Ma não lembrava como tinha ido parar ali. A porta abriu e um homem bem jovem com penetrantes olhos azuis entrou no cômodo. Ele trajava uma roupa social com uma bata branca por cima.

- Senhorita. É bom saber que já está melhor. Eu tenho algumas perguntas.

Ele puxou uma cadeira para perto da cama sentando-se e tirando de algum lugar desconhecido uma prancheta, que ajeitou no colo de modo que facilitasse a escrita. Ela o observava atentamente. Tentava, sem sucesso, encontrar algum traço familiar no rosto daquele rapaz.

Varias partes do seu corpo ainda doíam e uma dessas partes era a cabeça. Isso a impedia de raciocinar direito qualquer fato lógico. Suas lembranças eram vagas e embaralhadas. Apenas o calor intenso e o medo se faziam presentes na suas memórias. Algo ruim acontecera.

- Ok! Você lembra do que lhe aconteceu? - ele perguntou amigavelmente.

Kagome processou aquela pergunta com calma. Não lembrava de muita coisa, mas tentou ser sincera com aquele rapaz tão simpático.

- Não lembro bem. Só sei que foi algo ruim. Não tenho idéia de onde eu esteja.

- Qual é a ultima coisa de que se lembra?

Ele olhava para a prancheta com a caneta pronta para registrar qualquer palavra.

- Bom, eu... Acho que procurava alguém antes de tudo escurecer.

Ele fitou-a preocupado. Kagome não gostou nenhum pouco daquele olhar. Com certeza significava algo ruim.

- O que foi? - ela perguntou um pouco temerosa.

- Tem algo que eu tenho que lhe dizer. Espero que compreenda.

- Fale logo! Assim me deixa impaciente!

- Você... Você foi a única que... Sobreviveu.

- O quê?

O pânico novamente corria pelas veias dela.

- Eu sinto muito. Mas se você tinha algum familiar dentro daquele metro, ele não está mais aqui a essa altura.

Ele abaixou a cabeça. Dar aquela noticia era muito doloroso mesmo que para uma desconhecida que nunca vira antes.

- Bom, pelo menos você está viva. E bem - ele falou com um sorriso amargo.

- Sim, eu estou bem - ela falou com os olhos molhados. "Mas eu estaria melhor se estivesse morta!" Sua mente gritou.

- As circunstancias foram muito estranhas e ainda estão investigando a causa desse acidente. É um milagre você estar viva considerando o estado em que ficou o metro - ele fez uma pequena pausa e rodou a caneta nos dedos - Um oficial a encontrou jogada do lado de fora e o mais estranho...

Kagome levantou a cabeça e o fitou. Não sabia onde ele queria chegar.

- Nenhuma janela quebrada. Todas intactas. Nenhuma fissura. Nenhum lugar por onde você pudesse ter sido arremessada para fora do trem.

Kagome ficou surpresa. O que aquilo podia significar?

- Mas isso não importa agora - ele sorriu tentando animá-la - A policia ainda tem esperanças de encontrar uma explicação. Tente descansar, em breve você receberá alta.

Ele já estava de pé e apertou a mão dela.

- Logo eu virei vê-la novamente.

Ela afirmou com a cabeça e o rapaz sumiu pela porta.

Depois que ele saiu a solidão era mais esmagadora. Ela não agüentou. Desabou em lágrimas.

- Isso não está acontecendo! - gritou para o nada. As lágrimas rolavam soltas por seu rosto - Não pode ser verdade... - ela sussurrou para si mesma tentando conter a angustia. Kagome levantou-se da cama num impulso. Aquilo era mentira e seus únicos familiares não estavam mortos. Ela os acharia nem que fosse no inferno, porém, a dor em seus membros atingiu-a duramente. Ela gemeu e caiu de bruços no chão.

- Droga... - falou com o rosto espremido contra o chão frio. Tentou levantar-se, mas só o que conseguiu foi mais um hematoma para a coleção. Então, desistindo de lutar, ela apoiou as costas no pé da cama e chorou até adormecer.

^____^

- Durma querida. Eu estou bem aqui, com você - sussurrava uma voz doce em seu ouvido. Kagome sentiu uma paz invadir. Sorriu e fechou os olhos, a cabeça apoiada no colo aconchegante da mulher.

- Mamãe...

- Tudo vai ficar bem querida.

- Mana! Mana! - o menino corria em volta dela enquanto o avô ajeitava alguns ofudas.

Mas aquilo tudo tornou-se distante. Aquele sonho se desintegrava lentamente, distanciando-a cada vez mais daquela boa sensação, o mal estar novamente se fazia presente. Ela estava só, na escuridão, no meio do vácuo. Debruçou-se sobre as pernas e voltou a chorar.

Apenas um pequeno foco de luz se derramava sobre ela, formando um circulo ao seu redor. Uma forte rajada de vento fez esvoaçar seus cabelos e ela levantou o rosto, assustada. Desejava que aquilo fosse só mais um pesadelo. Que quando acordasse teria sua família de volta e o conforto dos braços maternos. O vento depositou na sua frente um envelope. Branco diante do negrume da noite e da escuridão devastadora. Ela pegou a carta, receosa, e tirou um pequeno bilhete lá de dentro.

Você não está só.

Era uma escrita graúda. Não tinha remetente. Era muita coisa para uma só mente assimilar.

"Você não está só" A voz ecoou na sua mente.

O que isso significava? Mas não deu tempo de descobrir. Sentiu-se erguida por dois braços fortes. Abriu os olhos e a velha sala do hospitalar voltou ao seu campo de visão, trazendo consigo a dura realidade.

- Foi um sonho? - ela perguntou-se atordoada.

- Esteve sonhando?

- Anh? - ela olhou para o medico que terminava de ajeitá-la na cama.

- Tente não fugir mais da cama! Você ainda não tem condições de andar.

- Tudo bem - ela afirmou ainda intrigada, não queria discutir com o médico.

- Para quem perdeu a família você parece bem.

- Eu não estou bem! - ela bramiu furiosa.

- Ok - ele sorriu, agora notando como ela parecia bonita apenas com a camisola do hospital.

- Senhorita - ele pegou as mãos dela entre as suas.

- Quê? - Kagome ficou surpresa.

- Você quer ter um filho meu?

- O Quê??? - gota.

- Doutor! - a enfermeira chamou abrindo a porta.

- Sim? - ele olhou para trás ainda com as mãos da paciente entre as suas. E aquele implacável sorriso sem vergonha. Distraidamente, Kagome olhou para o bolso da blusa dele e notou alguns papeis brancos.

- A paciente do quarto numero 5 está passando mal! - respondeu a mulher.

Ele soltou as mãos de Kagome e dirigiu-se a porta.

- Eu volto amanhã para lhe dar auta. Ah sim! - ele lembrou - alguém deixou isso para você na secretaria do hospital - ele tirou o envelope do bolso e levou até ela - Meu nome é Miroku e eu sou o medico daqui.

- Percebi... - Kagome falou depois de ele fechar a porta. Sua atenção estava distraída para aquela carta - Se não fosse seria... O faxineiro brincando de doutor?

A carta não tinha remetente.

- Que estranho... - abriu e leu o bilhete.

Você não está só.

Ela ficou surpresa. Era igual a carta que vira naquele sonho.

- O quê? - estava muito surpresa.

- Só faltava mais essa - ela suspirou e fechou os olhos, relaxando sobre os lençóis da cama.

- Eu devo estar ficando louca. O acidente afetou minha mente e isso tudo é fruto da minha imaginação - ela abriu os olhos melancolicamente. Colocou a carta sobre o peito desejando que aquilo realmente fosse verdade. Que tudo se tratasse de um mero engano. Quando ela dormiu, um vulto desapareceu do vidro da porta.