Capítulo Quatro – Sobre Sangue e "Sangue"

Draco chegou feliz do trabalho, havia comprado uma surpresa para os filhos. Nicolle já sabia da idéia do marido. Os dois haviam discutido, brigado e, por fim, depois de uma boa dose de "charme apelativo" - como Draco gostava de dizer - ela acabou cedendo. Ele entrou com o embrulho nas mãos e o colocou em cima da mesa de centro. Então gritou para os filhos.

- Nattie, Dyll, papai trouxe algo para vocês...

Depois de esperar alguns momentos e escutar o barulho vindo do quarto dos dois, Draco observou satisfeito ambos entrarem derrapando na sala, Nicolle vinha logo atrás.

- Vocês deixaram uma bagunça lá no quarto e... - ela se deparou com o marido.

Nicolle olhou o pacote, ligeiramente grande. Será que ele tinha sido louco o suficiente para comprar algum bicho mágico ou encantado?, pensou ela, já prevendo o que estaria debaixo do papel.

- E então? Não vão abrir o presente, meus pestinhas?

Nattie abriu um enorme sorriso para o pai, correu até ele e lhe abraçou as pernas enquanto Dylan se ocupava de rasgar parte do embrulho.

- "Bigada", papai - a menina disse, indo ajudar o irmão.

Nicolle foi até os filhos e terminou de descobrir a enorme gaiola. Lá dentro duas pequenas corujinhas dormiam encolhidas.

- Oh, Draco! Que coisa mais fofa - Nicolle adorou o presente quase mais do que a filha, que sorria de orelha a orelha. - Ainda bem que são apenas corujas. Eu fiquei com medo que trouxesse um cachorro, uma lontra, um urso... - ele riu com o canto dos lábios, puxou a esposa para perto e lhe deu um beijo doce.

- Nikki, eu não daria nada maior que meus filhos. Eles precisam ser donos do bicho, não o contrário... E precisam alimentá-los, não serem o alimento deles... - Nicolle deu uma gargalhada e apontou o filho com o queixo.

- Olha como ele está compenetrado. Ainda não disse uma só palavra. E Nattie está tão eufórica que é bem capaz que molhe a cama esta noite...

Draco segurou a mão da esposa e se dirigiu aos filhos.

- Bem, cada um é dono de uma dessas corujinhas - abaixou-se para ficar na altura deles. - Vocês devem cuidar delas e fazer carinho. Elas serão suas amigas... - continuou apontando para as duas pequenas bolinhas, uma branca e a outra marrom, encolhidas no fundo da gaiola.

- Eu "quélo" a "banca", papai - Nattie disse apontando para a menor delas, Draco sorriu.

- Muito bem, minha coelhinha. Essa será a sua e Dylan fica com a marrom, como Boss, a coruja do papai - o garoto olhou para o pai, que havia erguido Nattie do chão e feito um barulho com a boca na barriga da filha, o que fez com que a menina desse uma série de gritinhos e risadinha estridentes.

- Draco, não agite tanto os dois... Assim quem não dorme depois somos nós... - Nikki reclamou, colocando a menina no chão. - Agora vamos dormir... - Nicolle chamou. - Hora de colocar o pijama e de ouvir uma bela estória...

Os dois pareceram não ouvir, empacados na frente da gaiola. Draco piscou para os filhos.

- Tudo bem... Papai vai tomar um banho e depois coloca vocês na cama. Podem ficar e brincar com as corujinhas enquanto isso... - Nicolle ia reclamar mas antes que o fizesse ele sussurrou em seu ouvido. - Eu mencionei que é a "mamãe" que vai me dar o banho? - ela corou.

- As crianças...

- Elas vão ficar bem. Vão passar horas olhando para essas bichinhas aí... Vamos. Eu também quero olhar você um pouco hoje... - ela riu.

- Só olhar?

- Bem, olhar não tira pedaço, tira? - perguntou maliciosamente.

- Infelizmente não... - respondeu em tom quase perverso.

- Ouch... - ele disse, puxando-a pelo corredor e beijando-a assim que entraram no quarto.

Os dois entraram no banheiro e ligaram o chuveiro. Draco desabotoou o vestido da esposa devagar, beijando-lhe o pescoço. Nicolle riu quando ele desceu o caminho dos botões com a mão e fez cócegas em sua cintura.

Ela retirou rapidamente as roupas do marido. Sabia muito bem agora, depois de ter dois filhos, o quanto cada minuto era precioso e não convinha desperdiçar. Os dois entraram debaixo da água quente e começaram a se beijar cada vez mais intensamente. O calor e o vapor eram tantos que o banheiro estava completamente esfumaçado e o espelho da pia totalmente embaçado.

Nicolle parou um pouco antes que Draco chegasse a um ponto em que ela não seria capaz de fazer isso. Afastou o rosto do dele e lembrou de algo.

- Draco, o barulho...

Ele já estava com pouco sangue no cérebro e não entendeu a colocação da esposa.

- Podemos fazer em silêncio... Ninguém vai nos ouvir... - suplicou.

- A questão é essa, meu amor. Eles não nos ouvem e nós não os ouvimos...

Draco respirou fundo. Colou a testa no ombro da esposa e abriu um pouco da água fria, deixando esta escorrer por sua nuca. Aquilo parecer fazer com que ele voltasse a ter alguma linha de raciocínio.

- Nell. Ela avisa se algo acontecer, ela avisa. Por Merlin, aquela ET tem que servir para isso... Nikki... - segurou a esposa pelos quadris e sussurrou em seu ouvido. - Só uma vez... Só um pouco... Não vai acontecer nada... - começou de novo a beijá-la, escolhendo pontos específicos dessa vez. As mãos deslizavam por seu corpo.

- Você está jogando sujo... - ela disse num gemido.

Draco sorriu enquanto a erguia pela cintura.

- Eu sei, eu faço isso... E você gosta... - ela se deixou levar por ele por alguns minutos.

Nicolle já estava começando a adorar a idéia do marido ter trazido uma surpresa para os filhos quando algo aconteceu. Os dois ouviram claramente o grito agudo de Nell. Depois a elfa doméstica começou a bater na porta do banheiro.

- Sra. Malfoy, Sr. Malfoy, por Merlin... - ela chorava.

Os dois pararam na mesma hora o que estavam fazendo. Draco bateu com a cabeça no queixo de Nicolle ao se levantar. Ambos deram um grito de dor. Vestiram os roupões imaculadamente brancos e abriram a porta de supetão, quase derrubando Nell. Quando chegaram ao quarto já podiam ouvir claramente o choro de Nattie. Draco aparatou na sala, passando a frente da esposa, que chegou lá depois dele.

Quando Nicolle chegou o marido segurava Nattie no colo. Ele se virou para a esposa. O roupão estava coberto de sangue.

- Minha filhinha... - ela gritou desesperada e correu até os dois.

Draco ainda estava examinando a menina para ver de onde vinha o sangue quando Nicolle a arrancou desesperadamente de seu colo. Nattie chorava sem parar e gritava. A mãe olhou o rosto, pescoço, pernas, barriga. Nada, nenhum arranhão. Foi checar os bracinhos e viu que a menina mantinha as duas mãos fechadas e unidas. De dentro destas um sangue mais vivo escorria. Abriu as mãos da filha com cuidado, imaginando que estivesse com algum corte. Mas quando ela viu do que se tratava ficou chocada. Dentro das mãos jazia a pequena coruja branca. Esmagada. As tripas haviam saído e a menina chorava compulsivamente.

- Tudo bem, meu amor... - Nicolle tentou consolar a menina. - Tudo bem... - disse com os olhos cheios de lágrimas, encarando Draco, que se abaixou ao lado das duas.

- Está tudo bem, princesinha. Isso acontece... - ele tomou a coruja morta das mãos dela.

- Faz ela "vu", papai – Nattie disse chorosa, Draco sorriu tristemente.

- Eu não posso, querida... - lamentou-se sinceramente.

- Faz mágica, papai - pediu apontando a corujinha morta.

Draco se voltou para a filha e afagou-lhe a cabeça.

- Certas mágicas o papai não pode fazer, meu amor. A sua corujinha está no céu agora... - simplificou.

Nikki ainda chorava e tremia de nervoso, agarrada à filha.

- Ela foi para o céu, papai? Dylan mandou ela para o céu? - os dois olharam o filho, que embora tivesse uma das mãos suja de sangue observava calmamente a sua coruja, agora completamente acordada e com os olhos esbugalhados, colada contra o fundo da gaiola, bem longe do alcance do garoto.

Nicolle levou Nattie para o banho e ficou com a filha no quarto até que a menina dormisse. Draco por sua vez ficou na sala, queria conversar com Dylan. Tinha achado estranho o que tinha acontecido.

- E então filhinho? - perguntou colocando o menino sentado em seu colo. - Você gostou das corujinhas que papai trouxe? - Dylan sacudiu a cabeça timidamente. - Mas o que aconteceu então, pequeno? - ele deu de ombros.

Os dois ficaram em silêncio por um bom tempo. Draco recostou no sofá e o menino aconchegou a cabeça em seu peito, olhando fixamente dentro de seus olhos, como se pudesse adivinhar o que Draco estava pensando. Ele afagou a cabeça do filho e sorriu. Depois de algum tempo Nicolle aparecia na sala.

- Nattie está dormindo. Depois você pode enfeitiçar o abajur para que ele acenda se ela acordar? - Draco assentiu.

Ela deu um olhar na direção do filho, tentando ver se o menino estava bem.

- Ele está acordado. Vem aqui, "mamãe", sentar conosco - Draco disse esticando a mão para a esposa.

Nicolle sentou ao lado dos dois e passou uma fralda de pano embebida em loção para bebês nas pequenas mãozinhas de Dylan, limpando o sangue que havia secado ali. Ela trocou um olhar preocupado com Draco, que indicou que não deviam falar mais nada. Não naquele momento. Dylan olhou Nicolle e passou subitamente os braços em volta da cintura da mãe.

- Mamãe, desculpa? - ele disse chorando.

Nicolle segurou o rostinho molhado de lágrimas entre as mãos e beijou a testa do menino.

- Meu bebezinho, está tudo bem... - abraçou-o com força e olhou séria para Draco. Não estava nada bem.

Depois de colocar o menino na cama e enfeitiçar o abajur Draco voltou para o quarto. Nicolle estava sentada na cama. Tinha os braços cruzados e uma postura nada amistosa.

- Bem... - ele disse desanimado. - Esse seu rostinho contraído significa que está fora de cogitação terminarmos o que começamos mais cedo - Nicolle rolou os olhos. - Tudo bem. Não está mais aqui quem falou. Não me culpe por tentar. Com certeza seria mais divertido do que a sua opção e...

- Draco - ela o cortou indignada. - É o seu filho. Por favor, tente levar algo a sério... - bufou.

- Eu não posso levar a sério um acidente como esse. Isso acontece. É natural e...

- Você viu o quanto ele demorou pra chorar?

- Nikki, o menino é ótimo, okay? - ele tentou argumentar.

- Draco, ninguém ama essas crianças mais do que eu. Eles são meus filhos. Eu sou a mãe deles. MÃE deles - enfatizou. - Então não me diga o quanto eles são maravilhosos. Você sabe o quanto eu os quis...

Draco sentou ao seu lado, na beira da cama.

- Eu sei disso, Nikki. Eu sei. Me desculpe... - ela olhou séria para o marido.

- Draco, há algo que você não quer me contar, não há? - ele baixou os olhos.

- Não - disse com a voz incerta. - Não, por Merlin, não - respondeu irritado, levantando-se bruscamente.

Draco caminhou até a sacada e debruçou nesta. Nicolle acompanhou o marido com o olhar. Sabia que ele estava mentindo. Respirou fundo e foi até ele, que estava por trás das cortinas. O rosto estava iluminado apenas pela penumbra da noite e das fracas luzes da iluminação das ruas de Londres. Mesmo assim percebeu que ele tinha os olhos cheios de água.

- Draco... - ela levou a mão ao seu rosto, mas ele deteve o movimento, segurando a mão da esposa e beijando-lhe a palma.

- Não diz nada, Nikki. Por favor. Só me abraça... - segurou a esposa entre os braços por alguns instantes.

Depois de algum tempo, como se tivesse recuperado as forças, ele ergueu o queixo dela e disse calmamente.

- Eu vou te contar tudo...