Os dois sentaram no chão do quarto. Nicolle se encostou à lateral da cama e o marido se apoiou na parede, ficando um de frente para o outro. Ela esperou que ele se sentisse confortável o suficiente para falar.
- Nikki, a questão é... Dylan é um bruxo... - Nicolle ergueu a duas sobrancelhas.
- Draco, isso eu já sei. Desde que ele nasceu. E depois, quando as coisas sumiam ou explodiam inexplicavelmente aqui em casa, quando ele tinha cólicas ou muita fome... - Draco sorriu, lembrando-se.
- Eu sei que você sabe, mas tem algo mais que você não sabe. Algo que eu só percebi hoje... - disse com a voz arrastada. - Eu só percebi porque ele me olhou nos olhos de uma forma...
- Draco, pare de me torturar. O que Dylan tem de errado? - perguntou ansiosa.
- Eu ainda não sei o que ele tem de errado - a mulher ensaiou protestar mas ele emendou. - Mas ele me olha exatamente como o meu pai me olhava - Nicolle ficou muda; engoliu em seco. - Ele tem o mesmo olhar frio e vazio, Nikki... Você entende como é isso para mim? Amar tanto uma pessoa que te olha exatamente como a pessoa que você mais odeia no mundo? - Nicolle respirou fundo, devagar, mas ele ainda não tinha terminado. - Nikki, eu tenho medo. Medo de que não consigamos criá-lo direito. Medo de falharmos... Droga! Eu tenho medo de que a maldição do meu sangue, que corre nas veias dele, o transforme em algo que não poderíamos mais reconhecer como nosso. Como fruto do nosso amor...
Nicolle se ajoelhou e abraçou o marido, recostando a cabeça dele em seu ombro. Ele chorou como um menino assustado.
- Draco, isso não vai acontecer. Nós não vamos deixar. Nós vamos ajudá-lo a ficar bem e...
- Nicolle, você não me entendeu. Você sabe o quanto o meu pai se esforçou para eu ser o que ele era? Para eu me transformar no monstro que ele teria orgulho em chamar de filho? E mesmo assim eu não consegui. Eu puxei à minha mãe, e isso foi inevitável. Se ele tivesse conseguido eu não estaria com você. Eu seria uma droga de um assassino maldito...
- Mas você não é, Draco. Você é um homem bom. Você tem os seus defeitos mas, que droga, todo mundo tem... E Dylan...
- Dylan pode ser o que o meu pai sempre sonhou, Nikki. Dylan pode ser, de verdade, na sua mais pura forma... - ele parou por alguns instantes. - Um Malfoy - completou num sussurro. - Um maldito Malfoy...
Nicolle caiu sentada. Tinha entendido o que o marido queria dizer.
- Draco, o que nós podemos fazer?
- Nada, Nikki. Nada. Esperar talvez... - ele passou nervosamente as mãos pelos cabelos. - Eu nunca pensei que fosse dizer algo assim mas eu gostaria que os meus dois filhos fossem trouxas...
- Mamãe? - a vozinha aguda de Dylan cortou o silêncio que havia se abatido repentinamente sobre o casal Malfoy.
Draco voltou os olhos em direção à porta, Nicolle fez o mesmo.
- Nattie está "cholando"... De novo... - o menino continuou inexpressivamente, voltando-se para o corredor, fechando a porta atrás de si.
Os pais se entreolharam.
- Será que ele ouviu alguma coisa, Draco? - Nicolle perguntou aflita.
Ele deu um muxoxo e sacudiu negativamente a cabeça, mas sabia que o filho tinha ouvido perfeitamente tudo o que tinha dito. Nicolle se apoiou nos joelhos e fez menção de levantar mas Draco gesticulou para ela.
- Deixa que eu vou, meu amor - disse calmamente. - Pode se deitar. Eu já volto... - emendou, beijando o alto da cabeça da esposa.
Quando chegou ao quarto dos filhos Nattie estava chorando baixinho, abraçada a uma boneca de pano velha e surrada que a avó havia lhe dado quando nascera.
- Ainda chorando, coelhinha? – perguntou, sentando-se na beirada da cama da filha.
- Está escuro... Tenho medo... - ela reclamou baixinho.
Draco esticou a mão para acender o abajur, que supostamente já deveria estar aceso, mas estava estranhamente quebrado ao meio.
- Tudo bem, minha princesinha - reparou o abajur com um movimento de varinha, fazendo com que o quarto ficasse mais claro. - Melhor assim? - a menina soltou um pouco a boneca e, sentando na cama, abraçou o pai.
- Papai, fica aqui comigo? - perguntou dengosa.
Draco sorriu. Olhou os olhinhos azuis assustados da filha, miniaturas dos olhos de Nicolle, como costumava dizer. Então se voltou para a cama do filho e viu com o canto do olho que este estava bem acordado.
- Muito bem, meus pequenos - pensou um pouco. - Vamos fazer melhor. Vamos dormir em família essa noite... - a menina sorriu, abraçando o pai ainda mais. - Pegue a Emily, Nattie - ele indicou a boneca velha -, ela também pode ir.
Nattalie deu alguns pulinhos alegres na cama enquanto Draco abria os braços e a segurava.
- Vamos, campeão? - Draco se voltou para o filho, que se deixou segurar também.
Assim que Draco entrou no quarto com os filhos, um em cada braço, foi recebido com muita surpresa por Nicolle, que discretamente se cobriu com um robe.
- Mudança de planos, Nikki. Temos convidados muito especiais esta noite – disse, colocando as duas crianças deitadas na cama. - Vamos dividir a nossa cama com esses pequenos intrusos hoje - completou, fazendo cócegas na barriga dos dois ao mesmo tempo.
- Mamãe, mamãe - os dois se livraram de Draco e correram para se esconder debaixo das cobertas, junto da mãe.
Depois de alguns minutos brincando com os pais os dois estavam deitados tranqüilos entre Draco e Nicolle, que sorriam. Estavam um de frente para o outro, faziam carinho nos filhos, beijando as mãozinhas delicadas e afagando os cabelos destes. Pararam então, dando-se conta de que os dois já dormiam profundamente. Olharam-se e depois correram os olhos pelos dois corpinhos miúdos, perdidos entre eles na imensidão da cama king size, voltando de novo a se olhar no momento seguinte.
- Amo vocês três... - os dois balbuciaram ao mesmo tempo.
Riram. Passaram os braços por cima dos filhos, com cuidado para não acordá-los e entrelaçaram as mãos. Draco deu um sorrisinho com o canto dos lábios.
- O que foi? - Nicolle sussurrou.
- Deixamos duas pessoas se meterem entre nós... - ela riu em meio a um bocejo.
Logo toda a família Malfoy dormia tranqüilamente.
Assim que amanheceu Hermione abriu os olhos e não conseguiu dormir mais. Mexeu-se diversas vezes na cama. Rony finalmente percebeu algo estranho e acordou.
- O que foi, querida? – ela respirou fundo e começou a chorar. Rony se sentou na cama.
- Eu não sei, Ron. É uma sensação estranha. Como se algo ruim estivesse para acontecer com a Haly... – ele a abraçou forte.
- Mione, nada vai acontecer com ela. Ela está bem. Vai adorar a pré-escola, ela é exatamente como você e vai se dar muito bem com as outras crianças... – ele prosseguiu fazendo carinho nos cabelos da esposa. Mione não conseguiu parar de chorar.
- Eu não sei o que é, Rony. Mas é alguma coisa muito séria que está para acontecer. Eu posso sentir... – ele a afastou e olhou dentro dos seus olhos.
- Nada vai acontecer com ela. Com nenhuma de vocês duas. Eu não vou deixar. Ouviu? – Mione fungou.
- Promete? – ele sorriu.
- É claro que eu prometo. Eu não sou o homem da casa? – ela riu.
- É sim, mas quem troca os fusíveis e conserta o encanamento sou eu... – ele corou.
- É porque no porão tem aranhas e você sabe o quanto eu as detesto... – Hermione passou a mão pelo rosto contrariado e ofendido do marido.
- Mas eu não posso negar mesmo assim que você sabe como ser o homem da casa... – disse enquanto puxava o rosto dele para perto do dela e lhe dava um beijo apaixonado.
- Bem, eu vou te mostrar do que um homem é capaz, e que é bem melhor do que consertar o encanamento... – sussurrou enquanto deitava por cima da esposa.
Depois de algum tempo os dois sorriam satisfeitos abraçados na cama. Os raios de sol já iluminavam o quarto e logo seria a hora dos dois levantarem e irem para o trabalho. Seria também o primeiro dia de aula de Haly na pré-escola.
- Isso me lembra a nossa primeira vez... – Mione disse enquanto passava a mão na barriga do marido. Ele parou a mão dela e beijou as pontas dos seus dedos.
- Por quê? – ele perguntou curioso.
- Não é pelo desempenho, acredite... – ela debochou. Rony ficou vermelho e mordeu os dedos dela.
- Que bom ouvir isso assim! – ela riu.
- Ora, meu querido. Vamos convir que houve uma melhora notável. De ambas partes... – Rony pareceu mais conformado.
- E o que te lembrou a nossa primeira vez? – ela virou para ele e olhou séria.
- Eu também estava chorando antes, lembra? – Rony fechou os olhos e se lembrou exatamente do dia.
Mione, Harry e ele estavam sentados na sala comunal. Os três estavam discutindo a partida de Harry para a Irlanda e tentando convencê-lo a não terminar o namoro com Gina daquela forma tão irracional.
"Mione, eu já decidi. Eu não poderia viver sabendo que a Gina poderia ser usada por Voldemort a qualquer momento. Eu a quero fora disso. Eu preciso dela fora disso. Eu simplesmente não suportaria. Já me basta vocês dois correrem tantos riscos...", Mione sacudiu a cabeça indignada.
"Você não sabe o que está fazendo. Vai se arrepender o resto da vida por isso, Harry. Ela é o amor da sua vida. Essas coisas não se esquecem assim. Eu lembro muito bem de como vocês mudaram. Só podem ser felizes juntos, Harry", ponderou. Harry deu um soco na mesa.
"Eu não posso ser feliz agora. Muito menos fazê-la feliz agora, Mione. Ninguém pode ser feliz com a corda no pescoço. Vocês têm que me entender. Eu quero tirar ela disso. Quero deixá-la em segurança. Droga, eu vou passar seis meses na Irlanda. Ninguém sabe o que pode acontecer enquanto eu estiver fora. Ela vai se tornar um alvo fácil e eu não vou estar aqui para protegê-la...", Rony ficou vermelho como um pimentão.
"Mas nós vamos estar, Harry. Mas que diabos, ela é a minha irmã. Você acha que eu não posso protegê-la?", Harry sacudiu a cabeça.
"Não, Ron. Sinto muito, mas no que diz respeito a Voldemort você não pode fazer nada. É responsabilidade minha. Eu queria poder deixar vocês fora disso também, já os envolvi demais...", Rony e Mione bufaram.
"Você é um idiota Harry. Um idiota burro e cabeça dura. Está jogando a sua felicidade fora e vai magoar profundamente a Gina. Você não imagina o quanto ela ama você...", Harry abaixou a cabeça e os olhos se encheram de lágrimas, mas ele impediu que essas caíssem. Estava decidido.
"Eu não posso. Não espero que me entendam ou me apóiem..."
""timo, porque não vamos apoiar", Rony retrucou, cruzando os braços, na esperança que o amigo mudasse de idéia. "Você vai destruir a minha irmã, Harry. E você sabe que nunca vai conseguir se livrar disso...", Harry sacudiu a cabeça.
"Eu pretendo voltar, e quando... – deu uma pausa. – Se eu acabar com Voldemort eu espero que ela possa me perdoar e tudo ficará bem de novo...", Rony riu de nervoso.
"Harry, você talvez não tenha oportunidade de pedir perdão, se eu bem conheço a minha irmã. Quando você voltar poderá ser tarde demais. Ela não vai esperar por você depois de você arrebentar o coração dela em pedaços...", Harry respirou fundo.
"Eu sei disso. Mas eu vou correr esse risco. Eu preciso..." Rony deu um muxoxo.
"Depois os Weasley é que são teimosos. Não conte comigo quando quebrar a cara e precisar de ajuda para desfazer essa grande burrada...", Rony acrescentou. Mione olhou dentro dos olhos do amigo.
"Você sabe o que vai fazer, não é?", Harry assentiu.
"Ela está na beira do lago me esperando...", Mione sentiu os olhos se encherem d'água.
"Como você pode fazer uma coisa dessas com ela, Harry?"
"Porque eu a amo demais para perdê-la para Voldemort, Hermione. Eu não suportaria. Você não entende, mesmo?", Mione se ofendeu.
"Entendo sim, Harry. Entendo que nunca chegou a dizer essa frase para ela, que eu sei. Ou você pensa que ela nunca me disse isso? Entendo que daria a minha vida por qualquer um de vocês três se fosse preciso. Entendo tanto que preferiria morrer a ter que ver qualquer um de vocês machucado como você vai machucar a Gina. Eu preferia morrer a ter que destruir o Rony dessa forma. Isso é amor, Harry. O que você sente é egoísta demais para ser amor, é medo. Um dia você vai me dar razão...", ela virou as costas e subiu correndo as escadas dos dormitórios.
Harry tomou fôlego. Rony o encarou por alguns instantes mas não disse nada até que esse saísse da sala comunal. Sabia, por mais que não concordasse com o que o amigo faria, que seria muito difícil para ele e o que menos precisava agora era de que Rony lhe dissesse que concordava com Mione em gênero, número e grau.
Assim que Harry partiu foi atrás de Hermione. Ela estava em seu quarto. Como monitora-chefe, ela tinha direito a um dormitório individual. Rony não precisou bater para entrar. Sabia a senha que abria a porta.
"Você está bem, Mione?", Hermione chorava debruçada na janela.
"Olha lá ela, tadinha. Não sabe o que a espera", apontou para Gina, parada em frente ao lago. Rony a abraçou por trás. Os dois observaram Harry se aproximar da garota e os viram se beijar fervorosamente.
"Talvez ele desista agora. Eu desistiria...", Rony disse calmamente. Mione se virou para ele.
"Espero que sim. Não devíamos olhar os dois desse jeito...", e se afastou da janela. Rony a segurou pela mão.
"Você falou sério lá embaixo? Sabe, sobre me amar daquela forma?", Hermione sorriu.
"Falei sim, Ron. Eu não quero perder você nunca. Nunca...", ela abraçou o namorado com força. Sem pensarem, colaram os lábios e começaram a se beijar devagar, até que o beijo se tornou intenso e apaixonado.
Rony a trouxe mais para perto de si e sentiu o coração dela se acelerar como nunca.
"Mione...", ele sussurrou. Mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa ela o cortou.
"Tenho certeza, Ron. Eu quero você sim. Desse jeito, para sempre..."
Então os dois se entregaram pela primeira vez ao amor. Depois de alguns minutos ouviram uma porta bater com força.
"Gina...", Hermione constatou tristemente. Logo depois outro barulho surdo.
"Harry...", Rony também pôde perceber. "Nós devemos ir até eles?", perguntou, fazendo carinho na cabeça de Hermione, que estava deitada no seu peito. Ela sacudiu a cabeça negativamente.
"Não agora. Acho que devem querer ficar um tempo sozinhos...", depois de alguns instantes os dois adormeceram ali, abraçados, e desde então dormiram todas as noites daquele jeito.
Rony abriu os olhos e sorriu. Lembrando de como tinha ficado feliz naquele dia e de como tinha sido difícil estar feliz sabendo como o melhor amigo e a irmã estavam infelizes e desolados.
- Me fez bem lembrar disso. É engraçado lembrar disso tudo depois que sabemos que tudo deu certo. E quem diria que a Gina o perdoaria e que estaria agora quase se formando como medi-bruxa? – Hermione sorriu.
- É verdade... – espreguiçou e virou o rosto para dar mais um beijo no marido, mas os dois foram interrompidos pela vozinha aguda de Haly.
- Mamãe, papai, quero mamar – os dois se entreolharam e riram. Mais um dia estava começando na casa deles.
