- Nell, feche bem as janelas. Pode chover... - Nicolle recomendou enquanto observava o céu carregado de nuvens cinzentas.
- As crianças estão bem agasalhadas? - Draco, que estava na sala, esperando, gritou para a esposa, no quarto dos filhos.
- Veja você mesmo... - respondeu ela trazendo os dois pela mão.
Nattie usava um pesado casaco cor de rosa, meia-calças grossas brancas e uma saia de lã vermelha. Parecia um pequeno sorvete de morango. Já Dyll estava parecendo a perfeita miniatura do pai, à exceção de um cachecol estranhamente estampado, que a avó havia lhe dado e que a mãe o fazia usar, já que estava falando estranho, por causa de uma dor de garganta.
Os dois tinham pouco mais de seis anos mas Dylan já havia passado a irmã em vários centímetros. Parecia que a cada dia estava maior. Era difícil agora que acreditassem que os dois eram gêmeos realmente.
Draco sorriu. O filho não parecia muito satisfeito com as roupas, o cachecol pinicava e se sentia um boneco de neve mal arrumado. Fora isso todos estavam animados. Escolheriam uma árvore de Natal mágica no Beco Diagonal e depois tomar um belo sorvete quente, a maior novidade da sorveteria Florean Fortescue naquele inverno.
Nell, que estava também agasalhada, com protetores de ouvido tão grandes que parecia que a enorme cabeça era uma antena parabólica prestes a transmitir, cambaleou rapidamente até a família Malfoy. Draco olhou pesaroso para as narinas da elfa, que escorriam.
- Nikki, ela vai também? - perguntou tentando não parecer repugnado pela cena, mas pela crueldade de fazer a criada morrer de pneumonia dupla.
- Vai, meu amor. Nattie e Dyll adoram brincar com ela e, depois, podemos ver se há alguma poção para curá-la dessa gripe, pobrezinha – respondeu, agachando e assoando o nariz de Nell com um lenço.
"Por Merlin, agora temos três filhos. Pelo menos essa não parece conosco", pensou Draco, divertido, enquanto reunia todos em volta de uma lata enferrujada, a chave de portal que levaria a mulher e os filhos para o Beco Diagonal.
Depois de ver os três sumirem, sinalizou para Nell e os dois aparataram no mesmo instante, ao lado de Nicolle e das crianças.
- Muito bem... - ele conferiu se estavam todos bem, Nell fungava de novo e entregou seu lenço disfarçadamente para a elfa, evitando que a esposa repetisse a cena embaraçosa de antes. - Vamos escolher a nossa árvore? - as crianças responderam sim em coro.
Os cinco seguiram pelas ruelas do Beco Diagonal. Estava vazio pois o frio havia desanimado grande parte dos bruxos e bruxas que normalmente preenchiam o lugar andando de um lado para o outro e falando alto.
Em pouco tempo entravam na "Tocos e Troncos - Árvores em Geral". Depois de ficarem na dúvida entre dois pinheiros diferentes, acabaram por escolher um tradicional pinheiro natalino de dois metros de altura, encantado para permanecer verde e viçoso até o dia seis de janeiro, quando desaparecia sozinho, após terem sido retirados os enfeites.
Animados, foram até a "Paraíso das Bugigangas" e encheram um cesto com todos os enfeites que as crianças fizeram caber neste. Por fim, escolheram uma estrela de cinco pontas, brilhante como nada que tinham visto antes. Era pintada com pó de via-láctea, como dizia a vendedora, mas Draco sabia que era mentira, era na verdade uma tinta fosforescente que um bruxo da Transilvânia havia descoberto acidentalmente enquanto preparava uma tinta antivampiros. Tinha lido isso n'O Profeta Diário. Mesmo assim não desmentiu. Era um prazer ver os filhos sorrindo daquele jeito inocente. Principalmente Dylan, que não era muito de sorrir.
- E quem vai querer um sorvete agora? - Draco perguntou após pagar a conta e acrescentar alguns galeões a mais para que a entrega fosse feita corretamente e não errassem propositadamente, como todos os anos costumavam fazer com vários bruxos.
- Draco, está frio... Eles não podem tomar sorvete, e Nell... Bem, Nell está doente. A pobrezinha então não deveria nem passar na porta da Florean - Nicolle disse com o tom que uma mãe devia ter. Draco riu.
- É sorvete quente, Nikki. E, depois, vamos aproveitar e comprar uma poção antigripe para Nell, ou podemos levá-la ao veterinário e... - Nicolle deu um cutucão nas costelas de Draco. - Ai, mulher! Quer me matar, é? É o veterinário-bruxo, que cuida de criaturas mágicas... - Nicolle franziu a testa, procurando analisar se o que o marido dizia era a verdade. - Estou falando sério. Juro pelos nossos filhos... - ela se sentiu culpada por ter duvidado, mas em se tratando de Draco todo cuidado era pouco.
- Tudo bem. Podemos então comprar a poção de Nell, tomar o sorvete e ir para casa depois - Nicolle disse fazendo menção de limpar o nariz fungante de Nell mas essa usou o lenço que Draco havia lhe dado.
Eles se encaminharam para à "Animais Mágicos" e compraram uma poção antigripe para Nell, que tomou imediatamente e ficou fumegando pelas orelhas. Parecia que os protetores de ouvido estavam em chamas, pela quantidade absurda de fumaça que a pobrezinha eliminava. Mesmo sendo a cena mais patética que já tinha visto Draco ficou feliz, ao ver que Nattie e Dyll se distraíam ao ver Nell prender a respiração e fazer com que a fumaça saísse em círculos pelos ouvidos. Foi um alívio ter parado de eliminar os filetes de ranho pelo nariz desproporcionalmente grande.
Assim, com tudo resolvido, tomaram o caminho da sorveteria. Nell ia saltitando alegremente, as duas crianças de mãos dadas com ela, rindo dos anéis de fumaça e dos soluços engraçados que a elfa emitia para diverti-los.
Então, por alguns momentos, Draco percebeu que o olhar de Nicolle se desviou dos filhos para a vitrine de uma joalheria. Ele parou.
- Hey, crianças? - Nell parou, voltou os grandes olhos para o patrão. Os gêmeos fizeram o mesmo. - Papai vai ter que resolver uma coisa. Vocês podem seguir com a mamãe até a sorveteria? - Nicolle estranhou. - O presente das crianças... - ele disfarçou e a esposa sorriu.
- Tudo bem, meu amor... Vamos queridinhos. Está frio aqui no meio da rua... - eles se separaram.
Draco entrou sorrateiramente na joalheria depois de ver a esposa sumir na esquina. Escolheu cuidadosamente um par de brincos de safiras no exato tom dos olhos da esposa e comprou um par parecido, em tamanho menor e delicado, para a filha. Depois escolheu um fino cordão de ouro branco com um pequeno relicário para fotos, daria ao filho.
Enquanto isso, Nicolle se distraía com as crianças, a caminho da sorveteria.
- Mamãe, olha aquela vitrine... - Nattie se desprendeu da mão de Nell e correu até o vidro, encostando neste e apontando uma boneca que andava sozinha.
Nell riu também, mas Dyll não estava interessado naquilo. Emburrou o rosto e, soltando-se também da mão da elfa, correu despercebido para longe.
- Mamãe, eu quero que o Papai Noel me dê uma dessas... - ela apontou.
Nicolle sorriu, fazendo uma nota mental de avisar a Draco do pedido da filha.
- Tudo bem, docinho. E você, Dyll, vai pedir o que para o Papai Noel? - perguntou mesmo sabendo que o filho nunca havia acreditado em tal tolice, mas este não respondeu. - Dyll? - ela chamou. - Dylan? Nell, onde ele está? - a elfa deu de ombros. Nicolle virou para os dois lados da rua apavorada. - DYLAN? - gritou a plenos pulmões. Começou a chorar. Nattie também estava chorando.
Enquanto se desesperava, uma pequena multidão se acumulou em volta dela. A dona da loja de brinquedos, que conhecia bem Nicolle e as crianças Malfoy, levou Nattie e Nell para dentro da loja, permitindo que Nicolle fosse procurar o filho. A aglomeração continuou. Não era muito incomum que crianças se perdessem, mas o fato de Nicolle ser uma trouxa e estar gritando e chorando feito louca atraía mais atenção do que uma manada de elefantes.
Draco virou a esquina e viu a multidão na porta da loja. Avistou o brilho dos cabelos ruivos da mulher e correu. Sentiu que havia algo errado.
Enquanto isso, Dylan ia sozinho para a sorveteria. Mas havia pego um atalho. Pela Travessa do Tranco.
Draco abriu passagem de modo nada gentil por entre as pessoas.
- Saiam da frente, malditos idiotas. Deixem-me passar... - chegou até Nicolle, que se jogou nos braços dele chorando.
- Draco... Eu perdi... O nosso filho. O nosso bebê... - soluçou.
Draco respirou fundo. Sentiu o estômago doer mas manteve a pose de autoconfiança.
- Nikki, nós vamos achá-lo, okay? Fique calma. Ele não pode estar longe daqui - tentou tranqüilizá-la enquanto olhava para os lados. Nicolle fungou.
- Ele pode estar em qualquer lugar. E se alguém roubar ele? E se ele se meter em encrencas? Está frio, Draco... - justificou.
Ele a abraçou forte, mas de repente se sentiu pior que antes. Era como se o ar estivesse mais pesado, carregado. Nesse instante começou a nevar. Uma neve escura e feia, uma neve que ele só havia visto uma vez na vida.
- Eu sei onde ele está... - disse rapidamente. Nicolle fez menção de ir com ele mas a deteve. - Não. Fique aqui, querida. Nattie... - ele apontou a filha com a cabeça.
A menina estava atracada com uma das bonecas que andavam e choramingava no colo ossudo de Nell. Nicolle assentiu. Draco empurrou alguns transeuntes e quando estava fora do campo de visão da esposa desatou a correr.
"Ele não pode fazer isso. Eu não vou me perdoar nunca se isso acontecer. Se ele fizer isso eu vou matá-lo. Eu juro...", pensava enquanto corria pelas ruas sujas e estreitas da Travessa do Tranco. Conseguiu rapidamente alcançar a porta da primeira loja que visitou na Travessa. Poderia se lembrar como se acabasse de entrar na loja. Tinha seis anos e o pai o tinha levado para um passeio. Supôs que seria para comprar seu presente de Natal mas estava enganado. Lúcio o havia levado para uma loja estranha, onde havia comprado um filhote de elfo doméstico chamado Dobby. Draco quase ficou feliz, imaginando se poderia brincar com o bicho, mas Lúcio o arrastou pelas orelhas e obrigou Draco a chutá-lo. Ele se lembrava exatamente da expressão desapontada no rosto do pai quando ele ficou com medo, mas Lúcio o forçou e, quando ele finalmente fez o que o pai queria, este explodiu em gargalhadas, fazendo com que caísse uma neve escura do céu. Draco não podia imaginar o que estava acontecendo.
Rodou a maçaneta, atravessou a loja e ouviu os gritinhos de Dylan no pátio interno. Sacou a varinha, disposto a matar quem quer que fosse, e abriu a porta dos fundos. Não poderia ficar mais chocado com o que viu.
Dylan gargalhava sozinho, olhando para o céu e brincando com os flocos de neve escura que caíam. Draco estava perplexo.
- Olha papai. Olha o que eu fiz... - apontava para a neve escura se acumulando no chão.
- Estou orgulhoso, filho - Draco ouviu uma voz familiar sair das sombras. Dylan riu ainda mais. Lúcio desencostou do muro e sequer dirigiu o olhar a Draco. - Finalmente um verdadeiro Malfoy... - ele se aproximou do neto mas Draco foi mais rápido e se colocou entre o pai e o filho.
Nunca havia sentido tanto ódio em toda a sua vida. Podia sentir as artérias pulsando nas têmporas e franziu tanto a testa que sentia como se o nariz fosse sangrar a qualquer instante.
- O que você o fez fazer? Responda rápido, antes que eu acabe com você - perguntou entre dentes. Lúcio sorriu.
- Isso é entre mim e meu neto - respondeu cinicamente. - Eu não sabia que você e aquela mulher imunda poderiam produzir algo assim tão puro... - sussurrou.
Draco crispou o punho e segurou Lúcio pela gola das vestes. Dylan havia parado de rir e a neve começava a diminuir a intensidade.
- Eu não vou repetir, seu desgraçado. O que você fez o MEU filho fazer? - apontou a varinha para o coração do pai. - Eu ainda me lembro do que me ensinou... - ameaçou.
O pai se desvencilhou dele e olhou por cima do ombro de Draco, para Dylan, que estava segurando na barra das vestes do pai.
- Eu não fiz nada, Draco. E é isso que me deixa mais orgulhoso. Eu não PRECISEI fazer nada para que ele mostrasse o que é - sibilou no ouvido de Draco. - Ele fez tudo sozinho. Sem precisar que o obrigasse, ele fez por puro instinto. ele é puro. É um Malfoy... - Draco empurrou Lúcio, que caiu sentado no chão.
- Não. Maldito seja. Está mentindo... Ele não faria... - olhou o filho e lembrou da coruja que havia matado de forma supostamente acidental. - Ele não faria... NÃO FARIA... - gritou, mais para convencer a si mesmo do que ao pai.
Lúcio sorriu. Draco segurou o filho no colo.
- Nunca mais se aproxime dele, entendeu? Ou eu acabo com você... - disse olhando dentro dos olhos do pai.
Lúcio se levantou, sacudindo os flocos de neve escura das vestes.
- Sangue, Draco - disse de forma calma. - Tudo se trata de sangue, e você sabe disso. Mais cedo ou mais tarde ele falará mais alto. Você vai ver... - Draco apertou o filho entre os braços, como se aquilo pudesse protegê-lo.
- Não se aproxime dele. Estou avisando... - virou-se de costas.
- Ele é meu neto, Draco. Meu sangue, minha carne... Ele vai te mostrar isso...
Draco sentiu a respiração travar mas continuou o seu caminho. Tentou ignorar o que tinha acontecido mas sabia que aquelas palavras o assombrariam para sempre.
