Gina já estava acostumada com a rotina do hospital, mas estar em St. Mungus era exaustivo. Muitos dos pacientes ela conhecia. Eram amigos e familiares de amigos, enlouquecidos pela guerra. Ela fazia questão de tratar pessoalmente esses mas era difícil não ser reconhecida pelos mesmos. Especialmente Simas, que tinha acabado da mesma forma que os pais de Neville.
Todo dia administrava os remédios ao amigo mas ele não parecia melhorar do quadro demencial. Já havia tentado diversas poções mas parecia que o trabalho feito por Lúcio Malfoy tinha sido perfeito. O rapaz não se lembrava de nada, nem mesmo de Parvati, que mesmo assim continuava visitando o namorado, na esperança que melhorasse um dia.
Estava terminando de se preparar para o almoço quando teve uma surpresa. Harry estava batendo no vidro da enfermaria, do lado dele Owen sorria e acenava para a mãe.
- Meus amores – ela disse sorrindo e deixou a porta da enfermaria entreaberta. Harry olhou pelo vidro e reconheceu Simas, com o olhar perdido no teto, sentiu um embrulho no estômago.
- Eu queria tanto que ele não tivesse tentado ajudar Neville a vingar os pais. Acabar da mesma forma. Catatônico... – lamentou e Gina suspirou.
- É triste mesmo... – ela se virou para os dois, tentando amenizar o clima. – Vocês já almoçaram? – os dois sorriram.
- Viemos aqui almoçar com você, mamãe. Sabemos o quanto fica sozinha no seu turno, embora o tio Colin lhe faça companhia – Harry fez uma cara feia. Tinha a ligeira impressão de que Colin gostava de dar em cima de Gina e quando não era isso era inconveniente o suficiente para ficar perguntando detalhes da vida de Harry e do filho deles. Gina não ligava mas sabia que o marido tinha ciúmes, embora infundados, e mudou de assunto...
- Que ótimo. Bem, eu vou ali tirar essas vestes e vamos para o refeitório. Vocês me esperam aqui? – os dois acenaram mas Harry viu de longe que Colin tinha entrado atrás de Gina na sala do medi-bruxos, pediu licença ao filho e foi atrás da mulher.
Owen ficou sentado em frente ao quarto de Simas. Depois de algum tempo o menino se levantou e tentou ver o que tinha dentro da enfermaria mas não tinha altura o suficiente para enxergar, então, depois de olhar para os dois lados e se certificar de que não havia ninguém por perto, entrou no quarto.
Viu Simas deitado em cima da cama, os olhos fixos no teto e achou estranho. Rodeou a cama e viu que o braço do homem se encontrava para fora desta, caído. Olhou em volta e pensou que não haveria mal algum em arrumar o braço do homem, embora estivesse assustado. Então, com cuidado, tocou na mão gelada. Ergueu o braço e quando estava quase terminando de ajeitá-lo debaixo das cobertas Simas piscou.
Owen olhou para o rosto do homem, esperando que ele piscasse de novo, mas isso não aconteceu. O menino engoliu em seco. Agora estava mesmo apavorado. "Não devia ter feito isso. Mamãe e papai não vão gostar", pensou enquanto terminava de ajeitar o braço. Antes que pudesse parar de tremer e saísse, o homem agarrou seu braço. Ele abafou um grito e puxou a mão, correndo de volta ao corredor.
- Onde estou? Alguém pode me dizer? – Simas gritou.
Gina, Harry e Colin foram para o corredor. Owen estava sentado, como se nada tivesse acontecido, e apontou para o quarto, onde as enfermeiras tentavam controlar Simas, que estava de pé e furioso.
- Eu quero saber onde estou. Onde está Parvati? O que eu estou fazendo aqui? – ele parecia absolutamente normal agora.
Gina e Harry se entreolharam e entraram no quarto. Depois de um bom tempo tudo estava explicado, exceto o que tinha feito com que Simas acordasse. Parvati estava felicíssima e os dois se foram com a promessa de que voltariam para exames.
Owen continuou em silêncio, mesmo durante o almoço. Até que Harry e Gina perceberam que algo estranho estava acontecendo com o filho.
- Owen, o que houve querido? Nem tocou na sua segunda sobremesa? – Gina perguntou preocupada. Harry trocou um olhar com o filho mas este não disse nada. Como ele explicaria que, não sabia como, mas tinha certeza de que algum poder dele tinha feito o amigo dos pais despertar do transe?
Nicolle terminou de digitar o último parágrafo da continuação de seu livro. Sorriu, ajeitando a capa por sobre a pilha de folhas impressas, "Sombras do Passado", reviu mentalmente a estória.
"Até que está sendo interessante escrever uma série de livros", pensou enquanto colocava o romance já acabado em uma pasta. Visitaria seu editor no final da tarde mas ainda tinha algum tempo antes dos filhos chegarem da escola, então resolveu buscá-los.
Tomou um rápido banho e se arrumou. Separou as chaves do carro e avisou a Nell que buscaria os dois na pré-escola, talvez almoçaria na cidade, daria um passeio e voltariam de noite, após entregar o livro ao editor. A elfa ficou satisfeita; seria difícil passar a enorme quantidade de roupas com os gêmeos correndo em sua volta, como costumavam fazer.
Nicolle se despediu e saiu, evitando o intenso trânsito da hora do almoço. Chegou a escola bem antes da hora da saída. Sentou-se em uma praça que ficava de frente para o pátio e observou as crianças curtirem os minutos finais de brincadeira.
Foi fácil reconhecer os filhos, muito loiros, correndo atrás de uma bola de futebol, junto com diversas outras crianças. Ela sorriu ao ver a filha completamente desajeitada, tentar alcançar a bola e tropeçar no pé de um menino de cabelos e olhos escuros, caindo sentada. O menino deu uma gargalhada. Dylan parou de correr no mesmo instante, voltando a atenção para a irmã.
Nicolle se levantou no banco e prestou atenção na cena. Dylan se aproximou do outro menino, disse alguma coisa em seu ouvido e este saiu chorando do campo. Depois estendeu a mão para Nattalie, que sacudiu a areia do vestido, voltando a jogar bola, diferentemente do irmão, que pareceu seguir para o outro lado do pátio, completamente sozinho.
Ela apertou os olhos na direção do menino e viu uma figura estranha, parada de encontro à grade. Caminhou até a beira da rua mas o sinal estava fechado. Dyll estava muito próximo do estranho. Nicolle sentiu um aperto no peito.
Dylan encostou na grade, olhou para os dois lados e sumiu junto com o homem. Nicolle não pensou duas vezes, esticou o braço e atravessou.
- Sua louca! - um motorista de caminhão gritou. - Quer morrer? - ela ignorou e continuou a correr, até chegar ao outro lado da rua.
Acompanhou a grade do pátio até o exato ponto em que Dylan estava.
- Dyll? - ela chamou nervosa. - DYLAN? - gritou desesperada.
Desde o incidente no Beco Diagonal Nicolle tinha pesadelos em que alguém roubava o menino dela e de Draco.
- Mãe? - o menino saiu de trás de uma árvore com a expressão assustada.
- Dylan... - ela abaixou junto à grade e entrelaçou a mão na mãozinha do filho. - Você sumiu, filho. Me assustou...
O menino olhou para trás com uma expressão desconcertada, depois se voltou para a mãe.
- Eu estava apenas brincando, mamãe - disse sem emoção na voz. Nicolle reconheceu uma entonação falsa na voz mas preferiu não o confrontar antes de contar o que tinha acontecido a Draco.
- Tudo bem, vá chamar Nattie. Eu vou levar vocês para casa hoje... - com isso, dirigiu-se para a porta da escola.
O menino deu alguns passos para trás mas antes de ir falar com a irmã voltou para trás da árvore.
- Quem é a menina, filho? - Lúcio perguntou apertando os olhos. Dylan engoliu em seco.
- É... É... Uma colega que damos carona... – justificou; Lúcio riu com vontade.
- Eu vi você estendendo a mão pra ela, garoto. Não adianta mentir. Não para mim. Eu posso reconhecer o tom da falsidade muito fácil... É sua irmã, não é? - saiu de trás da árvore, sendo seguido pelo neto.
Localizou os cabelos loiros de Nattalie, correndo ainda atrás da bola. As bochechas vermelhas pela correria, os olhos azuis vivos e atentos.
- Ela é uma Malfoy. Ainda que trouxa... - disse com desprezo. - Que vergonha... - Dylan se sentiu confuso pelo comentário do avô. Então a menina avistou o irmão.
- Dyll! - ela veio correndo até ele, parando no instante que avistou o homem.
- O que é, Nattie? - ele perguntou um tanto quanto impaciente.
Fazia pouco mais de um mês que o avô o encontrava todos os dias antes da saída da escola mas nunca havia mencionado a irmã. E não sabia bem ao certo o porquê. Também não havia contado aos pais. Gostava de ter algo só seu, estava cansado de sempre tudo ser feito em dupla, já que era gêmeo de Nattalie.
- Está na hora da saída... - a menina respondeu receosa. Dylan sacudiu a cabeça.
- Vamos então... - Nattie tentou tomar a mão do irmão mas ele a colocou no bolso do casaco.
Por um instante, sentiu-se envergonhado da presença dela. Lúcio sorriu vendo o garoto se afastar.
- Não devia falar com estranhos... – ela o repreendeu. - Papai já disse mais de mil vezes que...
- Cale a boca, Nattalie - ele respondeu ríspido. - Papai não sabe de nada. E é bom você não contar nada a ele. Você não vai querer que eu fique de castigo, vai? - a menina ficou sentida pelo tom que o irmão usou mas sacudiu a cabeça.
- Não, Dyll, eu não quero que seja castigado... - respondeu tristemente. - Eu só...
- "timo então. Afinal, era só um mendigo pedindo o resto da minha merenda... Isso não é grande coisa, certo? - Nattalie se sentiu incomodada.
- Mas não parecia... - ele olhou sério para a irmã.
- Você só me cria problemas mesmo... - disse irritado. Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas mas não chorou.
Os dois entraram em silêncio no carro. De longe, Lúcio ainda sorria enquanto observava o neto. O silêncio continuou até a chegada no shopping. Nicolle achou estranho.
- O que vocês têm? Estão tão quietinhos... Aprontaram alguma coisa, foi? - Nattalie abriu a boca mas Dylan a fuzilou com o olhar e respondeu.
- Não foi nada, mamãe. Nattie está triste por que caiu durante o jogo... - novamente o tom falso; era a segunda vez naquele dia.
- Bem, mesmo assim vocês querem ou não comer pizza? - Nicolle olhou pelo retrovisor enquanto terminava de guardar o papel do estacionamento na bolsa. Os dois pareciam tristes e desanimados. Ela parou por alguns minutos, por fim deu um sorriso. - Bem, vamos fazer o seguinte. Vamos fazer uma surpresa para o papai no banco? - Nattie pareceu melhorar de ânimo.
- De verdade? Podemos almoçar com ele e tudo? - ela perguntou com a voz animada. Dyll não pareceu muito feliz.
- De verdade. A gente vai agora mesmo - consultou o relógio. – O papai deve estar acabando o seu horário agora e tem duas horas de almoço. Podemos ir até lá e fazer uma surpresa. Que tal? - Nattalie deu vivas e sorriu. Dylan esboçou um tênue sorriso de contentamento.
Nicolle deu novamente a partida no carro e vinte minutos depois entrava no banco de mãos dadas com os dois filhos.
- Boa tarde senhora Malfoy - Jonas, o segurança, disse abrindo a porta para ela. - Olá crianças...
Nattie sorriu. Adorava visitar o pai no trabalho. Dyll não respondeu. Os três atravessaram o saguão e foram até o hall dos elevadores, para irem até a diretoria, onde ficava o escritório de Draco.
O elevador se abriu e antes que pudessem entrar Nattalie já estava pendurada no pescoço do pai, que descia naquele instante para o almoço.
- Ufa! Coelhinha, você está comendo o quê? Chumbo? Está pesada... - disse ele saindo do elevador e se afastando para o lado, para que as pessoas circulassem livremente pelo hall.
- Olá meu amor - Nicolle disse mais como um pedido de socorro do que como cumprimento, enquanto lançava um olhar na direção do filho.
- E aí, garotão? Como é que vai? E o time? - perguntou para o filho, que até então parecia apático. O menino deu de ombros. - O que houve? - Draco perguntou apenas movendo os lábios. Nikki indicou que explicaria depois.
Então os quatro saíram porta afora, atravessaram a rua e entraram no restaurante que Draco costumava almoçar todos os dias.
Depois de almoçarem bem se despediram. Nicolle ainda tinha que ir ao seu editor e já estava ficando tarde para um passeio no shopping. Draco beijou os filhos e abraçou a esposa, que passou os braços em volta do seu pescoço com força.
- Volte mais cedo hoje... - ela sussurrou antes de tocar os lábios entreabertos do marido com os seus.
Normalmente aquilo significava que as crianças estavam exaustas e dormiriam cedo, ou mesmo que estavam na casa de algum amigo da escola e teriam algum tempo para ficarem sozinhos. Mas naquele dia soou mais desesperado do que saudade.
- Pode deixar... – respondeu e passou o resto do expediente preocupado.
