'Eu morri muito cedo.' pensei com tristeza, enquanto olhava para mim, para ter certeza de que eu estava arrumada apropriadamente.
–Vanessa? Você está aqui?– A voz do meu irmão mais novo, Theo, perguntou-me.
Me virei para olhá-lo e como eu pensava, ele estava com um semblante preocupado em seu rosto.
–Você sabe que não deveria estar aqui Theo…– Falei calmamente, mas com um olhar de repreensão firme.
Theo me olhava tristemente e inconscientemente fazendo beicinho.
'Aparentemente costumes de infância são difíceis de largar…' Pensei, ironicamente.
–Não seja difícil, Vanessa, você sabe que estou preocupado com você!– Esbraveja com irritação.
Com um pequeno sorriso brincando em meus lábios, eu o considero por um momento. Theo tinha crescido muito, talvez não na aparência ou altura, mas em personalidade, ele não era mais aquele garotinho chorão de quando ainda estávamos vivos.
–Do que você está sorrindo?– Resmunga com um olhar ainda aborrecido.
–Nada, apenas admirando meu irmãozinho– Cantarolei, para o aumento da irritação de Theo.
Por um momento, Theo apenas bufou e ficou olhando para um canto aleatório da parede, mas, então seus olhos azuis de pupilas brancas, se concentraram em mim novamente. Com apenas o olhar em seu rosto, eu pude entender o que ele queria dizer, mas não tinha coragem.
–Eu não vou pedir perdão pelo o que eu fiz, Theo– Respondi com um coçar de nuca em minha pele lisa.
Ele não disse nada por um momento, apenas me olhando de uma forma dolorosa, como se isso fosse ajudar de alguma forma, mas, não ajudou.
–Sabe, Theo, eu posso até nunca mais te ver novamente, mas nunca se esqueça que não importa o que, eu te amei e me importei com você, mais do que qualquer coisa– Divaguei distraidamente.
–Eu sei…– Foi sua resposta, baixa e trêmula.
Theo tinha um olhar de completa dor em seu rosto, aquilo definitivamente estava o afetando mais do que ele estava a deixar transparecer.
Com um fraco sorriso, que forcei em meu rosto, eu me dirigi a ele e o abracei. O segurei, esfreguei suas costas quando finalmente os soluços vieram, e fiquei ali, contemplando e adorando cada momento só do meu irmãozinho.
–Eu tenho que ir Theo…– Falei finalmente, Theo estremeceu com minhas palavras.
Apesar disso, bem lentamente, quase como se ele estivesse com medo, Theo se soltou de mim.
–Boa sorte…– Sussurrou tristemente, e como resposta, eu sorri.
Eu não poderia fugir do meu destino para sempre, estava na hora.
Com um último olhar para Theo, eu saí do quarto e me dirigi ao longo corredor do castelo.
A única coisa que se podia ouvir eram os sons dos meus passos e o arrastar das minhas asas ao chão. Não demorou muito para eu chegar ao meu destino. A porta era enorme e investida em ouro puro, nada menos.
Após eu abrisse a porta, meu julgamento iria começar e em todas as alternativas, não tinha como eu poder continuar no céu ao lado dos meus irmãos. Com um olhar de resignação, eu estava prestes a abrir a porta, mas fui impedida por uma mão em meu ombro.
Com certa apreensão, eu me virei e vi o rosto sem fôlego do meu irmão mais velho, Arthur.
–Arthur? O que fazes aqui? Não a mais tempo para despedidas irmão– Expressei com calma, para o rosto suado de meu irmão.
–N-nabbi!– Gaguejou com dificuldade, pela falta de ar.
Arthur em momento algum soltou meu ombro, na verdade, ele colocou mais força em seu aperto, como se estivesse com medo que eu sumisse. (O que provavelmente iria acontecer em breve)
–O que significa isso Art…?– Perguntei quase em sussurro.
Com o fôlego recuperado, Arthur finalmente se recompôs e suavizou seu aperto, no meu ombro.
–Você não deve comparecer à audiência Borboletinha!– E sem esperar por minha resposta, ele agarrou minha mão, e puxou-me para longe da porta de ouro.
Eu tentei chamar sua atenção para receber uma explicação do que era tudo aquilo, mas então ele tampou minha boca com sua mão livre e voltou a me puxar para o lugar que agora eu pude reconhecer como proibido. Os anjos superiores tinham proibido a entrada de nós, "anjinhos", para aquele quarto de porta robusta.
Com um pouco mais de determinação, tentei me libertar de Arthur, mas não consegui, e ele puxou-me para dentro do quarto proibido.
Eu não conseguia enxergar nada com aquele breu, principalmente quando o único feixe de luz daquele quarto, foi cortado pelo Arthur, que fechou a porta.
–Arthur, o que diabos é tudo isso!?– Exclamei, quando finalmente percebi que Art, não estava mais tampando minha boca.
–Desculpa Nabbi, mas era preciso! Você está em perigo! Toda a audiência marcada, foi uma trama para apenas te condenar a execução! Eles não tinham a intenção de te manter viva!- Reportou, Arthur, de uma vez só.
–Uma… Trama?– Falei fracamente.
–Sim! Eu tenho que te tirar daqui, Borboletinha, não é seguro o céu para você– Inspirou em uma risada fraca e sem humor.
–Como você vai fazer isso Art?? Estamos no céu, não tem como não notarem a gente saindo do paraíso. Principalmente quando eu escapei naquela noite, e causei um caos no mundo humano, com a morte do papai!– Choraminguei em irritação.
–Ei, ei! Calma Nabbi– Grasnou ele para mim, se aproximando e colocando suas grandes mãos em meu rosto, me forçando a olhá-lo.
–Seu irmão já tem um plano para essa situação, ok? Vai ficar tudo bem, você só precisa me ouvir!- Reconforta-me Arthur, de seu jeito.
Com algumas respirações, consegui me acalmar, e com determinação e medo, eu acenei para Art, em concordância.
–Boa garota! Borboletinha, eu preciso que você tome isso– Comandou às pressas, me entregando um pequeno frasco de substância não conhecida.
Por um momento, cogitei perguntar a Art o que era a substância no frasco, mas optei por apenas abrir a tampa e engolir, eu confiava em Arthur.
Nada veio por um segundo, mas então, uma dor profunda e dolorosa se espalhou por todo o meu corpo. Era como se meu corpo estivesse sendo rasgado. A dor era tanta que quando tudo finalmente parou, eu senti minhas forças indo embora, para se abrigar ao conforto da escuridão que era minha mente. A última coisa que vi antes de apagar, foi o olhar apreensivo de Arthur.
Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ
Estava tudo tão escuro e frio. Eu não queria continuar ali. Quando eu poderia ir embora daquele lugar? Eu não gostava da espera. Tentei me mexer, mas isso fez com que todo o meu corpo estremece-se em negação.
'O que houve?' Pensei enquanto esperava meu corpo voltar ao normal.
Eu me lembrava de Arthur me impedindo de comparecer a minha audiência, e então, ele me levou para o quarto proibido e me explicou que tudo era uma trama para minha execução, então eu… Eu bebi a substância daquele frasco, e tudo era apenas dor e mais dor.
'Poderia eu ter morrido pela segunda vez?' Distraidamente, sugerir a mim mesma.
Mas então descartei a ideia, nunca que Arthur iria me entregar algo que poderia me matar. Era verdade que as vezes ele era um idiota, mas até ele era um idiota cuidadoso, quando se tratava de entregar algo possivelmente perigoso, a alguém.
Quando meu corpo parou de protestar, devagar, eu fui me levantando do chão frio do lugar que eu me encontrava.
Olhei ao redor, para tentar ter alguma indicação de qual era a saída, mas estava escuro demais.
Com resignação, eu estendi meus braços para frente, para ao menos sentir as coisas e evitar colidir.
Dando apenas um passo à frente, eu encostei em uma parede. Dando dois passos para trás, eu colidi novamente, em outra parede. Estendi cada braço para meu lados, e pude sentir a parede, firme, fria e dura.
Agora, com minha respiração um pouco elevada, abaixei meus braços e me encostei na parede. Assim mesmo, naquele estado, eu aceitei minha situação. Eu estava presa.
–Jesus Cristo, em que merda de situação eu estou!?– Exclamei, desesperada.
Obviamente, não houve resposta. Não soube dizer se eu estava frustrada ou decepcionada com isso.
Irritada, estava prestes a gritar mais alguma coisa quando ouço passos se aproximando, junto a vozes que pareciam estar discutindo.
–Ei, seu filho da puta, não podemos ficar perdendo nosso tempo procurando por algo que você acha, que ouviu por aqui!– Resmungou uma das vozes, irritado.
–Shiu! Eu tenho certeza que ouvi a voz de um lanchinho delicioso, por aqui!– Respondeu aborrecido, a outra voz.
Particularmente, não fiquei feliz em entregar minha localização para essa gente, e o que o outro quis dizer com lanchinho? De todo modo, estou confiante que não é uma boa ideia pedir ajuda a eles. 'Talvez esta presa não seja de todo ruim, se isso me afastar deles.' Pensei.
–Ah, tá aqui perto! Eu consigo sentir o cheiro!
–Hum? Não é verdade? Quem quer que achamos, cheira delicioso!
'…'
'Deuses, estou ferrada!'
Por um momento de insanidade, pensei seriamente em gritar por ajuda, mas isso só os levaria direto para mim. Minha respiração estava aumentando, eu estava com medo.
Tentei acalmar-me confortando-me com o fato de que estou presa, então talvez eles nem consigam me alcançar.
Não que esse conforto tenha durado muito, dito que uns cinco segundos depois, vejo apenas um machado enfiado à parede, que agora consigo enxergar pelo feixe de luz que entrou pelo estrago a minha frente.
O machado é puxado e no lugar dele, um olho de cobra vem em seu lugar.
–Te achei lanchinho~!– Cantarolou, a cobra humanoide.
–Woh! Como o lanche se enfiou aí?– Perguntou uma voz atrás, pintada com divisão.
–Não sei, mas definitivamente vai valer a pena o pequeno trabalho para tirá-lo daí! Cheira tão delicioso!– Respondeu a cobra.
Não havia dúvida de que eu estava tremendo. O que eu primeiramente achoi que eram pessoas desagradáveis, já não são mais pessoas ou sequer humanos. Só a um tipo, que tem o costume de ter formas tão estranhas e assustadoras. Demônios, ou os famosos pecadores.
Havia apenas duas respostas óbvias do porque, havia demônios aqui. Ela estava no inferno ou de alguma forma, demônios invadiram o céu, o que ela duvidava muito.
–Puta merda…– Pela primeira vez em décadas, xinguei.
–Não se preocupe lanchinho, iremos te tirar daí– Falou a cobra debochadamente e sem esperar por resposta, com seu machado atacou novamente a parede, dessa vez fazendo um estrago suficientemente grande, para eu poder passar.
Antes de sequer eu poder fazer alguma coisa porém, mãos fortes me seguraram e puxam-me para fora.
–Parece que pegamos uma borboletinha, irmão– A voz de trás, agora revelada como outra cobra, assim como meu captor, falou.
–Uma borboleta bem fofinha até. Talvez devêssemos nos divertir antes de comê-la?– Ofereceu o outro com um sorriso cheio de dentes.
Não houve outra, eu me debati como louca, mas não adiantou de nada, as mãos me seguravam firmemente no lugar.
Como último recurso, eu mordi com toda a minha força, a mão da cobra humanoide.
–Aii! Sua vaca, maldita!– Guinchou em dor, assim me soltando para tocar sua mão ferida e babada.
Com rapidez eu me levantei e corri, ignorando totalmente a dor em todo meu corpo.
Atrás de mim, eu pude ouvir eles discutindo.
–O que você tá fazendo aí parado? Vai atrás dela!
'Parece que o irmão da cobra nojenta está atrás de mim!' Pensei desesperada. Eu olhava aos arredores procurando uma saída do beco, mas só havia mais e mais becos à vista. Estava prestes a entrar em um deles, quando sinto-me ser puxada por múltiplos braços.
Olho assustada para trás, pensando que tinha sido pega pela cobra aparentemente mais nova, apenas para ver um ser aranha.
–Fique quietinha querida, caso não queira ser pega por aqueles caras– Demandou
Em resposta eu apenas acenei rapidamente minha cabeça.
A aranha então me solta e da bolsa que carregava, puxa uma arma.
–Me siga.
E sem esperar por resposta, ele começa a se mover e rapidamente eu o sigo.
Ele arromba uma porta que antes eu não tinha notado que estava lá e se vira para mim.
–Entre aí e não saía até eu te chamar, ok boneca?– Exigiu.
– Sim!
Então com pressa eu entro e sem falar nada, deixo a estranha aranha que usava roupas extremamente curtas, fechar a porta.
Tudo voltou a ficar escuro, assim como antes quando estava presa, e com o cansaço me alcançando, eu me encosto na porta fechada e espero minha respiração voltar ao normal.
Eu pude escutar tiros, gritos e uma risada sínica, que pude reconhecer como sendo da aranha que me ajudou. Em condições um pouco melhores, talvez eu ficasse horrorizada, mas eu estava cansada demais para isso, então apenas ignorei e deixei o cansaço me levar de volta para escuridão da minha mente, assim como antes. Eu não queria lidar com essa merda por agora, isso pode esperar.
A escuridão então veio, e com isso, a benção da ignorância me recebeu de bom grado.
Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ
