Kenshin andava de um lado para outro no quarto. O medo que Kaoru morresse atormentava seus pensamentos. Já estava tão acostumado com sua tragédia pessoal que começou a se culpar daquela desgraça.

Calma, Kenshin. Ela já está melhor. Já parou de sangrar, agora está bem. Megumi sabe o que está fazendo. – dizia Sano, numa tentativa patética de acalmar o rurouni.

Espero que sim.... espero que sim....

Yahiko estava estático. Nem todas as batalhas que entrara desde que se juntara ao grupo o deixaram tão traumatizado. O sangue encharcando as roupas de Kaoru, o grito de dor.... ele estava preparado para ver isso acontecer com seus inimigos. Mas ninguém o ensinara a lidar com a dor de um ente querido. O menino estava queito, amuado, encolhido num canto do quarto. Se fosse com Kenshin, ele sabia que poderia contornar a situação.... mas Kaoru.....

Yahiko, Sano...... deixem-me falar a sós com Kenshin e Kaoru. Por favor, retirem-se agora.

O tom sério de voz da Doutora não deu nem espaco para qualquer protesto. Sano levantou. Chamou Yahiko. Vendo que o pequeno samurai não respondia, o pegou no colo e o levou para fora, orando para que notícias piores não estivessem por vir.

Sente-se, Kenshin..... – disse Megumi.

Kenshin vagarosamente se ajoelhou ao lado de Kaoru, que estava deitada no futon. Ele segurou sua mão, apertou com força. Sabia que ela iria ficar bem, ao menos desejava com todas a alma. Sua mão estava gelada.

Kenshin..... Kaoru..... – Megumi engasgara, mal conseguia falar. Os olhos cheios de lágrimas, o lábio tremendo, então tomou um suspiro profundo – Kaoru perdeu.... Kaoru perdeu o bebê...... o seu bebê....

O que vo-vo-cê quer dizer com meu bebê?

Kaoru estava grávida de dois meses, pelas minhas contas.....eu não contei antes porque não tinha absoluta certeza...... Talvez se eu tivesse contado em tempo as coisas seriam diferentes...... Mas eu não podia dar falsas esperanças para vocês se estivesse errada....

Megumi caiu em prantos. Chorava tudo.

Kaoru, me desculpe.... eu só queria ter certeza antes de conversar com vocês.......

Kaoru estava congelada. As lágrimas escorriam, mas ela não tinha fôlego para chorar. Num breve esforço olhou para Kenshin.

Meu filho...... Kaoru estava grávida... ...de mim? – E pela primeira vez em anos, Kenshin chorou em prantos. Nem na morte de Tomoe ele chorou tanto. Não conseguia enchergar nada, não conseguia respirar, não conseguia sequer parar de soluçar..... Chorou como na noite em que as únicas pessoas que se importavam com ele, após a morte de seus pais, foram cruelmente assassinadas na frente do garotinho Shinta. Kenshin soltou a mão de Kaoru. Cobriu a face, tremendo. Sentia dor na garganta, um nó engasgado. Tudo que ele sempre sonhou era ter uma criança com Kaoru, desde o primeiro momento em que a viu. Antes pensara que seu maior amor tinha acabado, mas quando encontrou Kaoru soube que ela era a mulher da sua vida. Lembrou-se também das palavras de Hiko, que a espada era feita para matar, e que não existia razão nobre para isso. Ele se convenceu que esse era o preço por seus pecados, que os espíritos daqueles que morreram em suas mãos exigiram o pior sofrimento para um ser humano: o de ver o próprio filho morrer. E quase perdeu Kaoru junto. Desejou estar morto, desejou morrer em lugar do bebê. Como lidar com isso? E pela primeira vez entendeu o que os pais dos que retalhou sentiram.

Kaoru sentou-se na cama. Nunca sentira uma tristeza como aquela. Um vazio. Estava oca por dentro. Tão oca. Olhou para Kenshin, que soluçava. Seu rurouni, que um dia foi um hitokiri frio, parecia uma criança. Olhos inchados, vermelhos.... nariz escorrendo.... tentando frustradamente limpar as lágrimas intermináveis.... Kaoru não se sentiu no direito de chorar, de sofrer. Não quando o homem que amava estava desprotegido daquela forma. Sempre fora Kenshin o forte do grupo, aquele que dava segurança de um futuro melhor...Ela se aproximou, e abraçou-o apertado.

Calma..... eu estou aqui..... nós vamos superar..... nós vamos.... – segurou a face do homem com as mãos, gentilmente, e beijou os lábios dele. Estavam quentes, como se febris. Os olhos cerrados. Um dos dois tinha quer ser mais forte naquela hora, ou ambos despencariam. Não era justo cobrar de Kenshin uma coisa dessas, e mesmo sabendo que sua dor era tão grande quanto a dele, Kaoru parou de chorar. Enchugou as lágrimas dele e disse: "Nós vamos superar isso..... eu preciso de você..... e você precisa de mim mais do que nunca......"

Megumi mal conseguia ouvir a voz fraquinha de Kaoru. Se levantou, e saiu do quarto, deixando ambos a sós, incumbida da horrível missão de contar sobre o aborto para os outros dois rapazes. Ela se sentiu enjoada, com vontade de vomitar. Engoliu seco e seguiu seu caminho, fechando a porta por trás dos dois.