Capítulo 6 - Acordos?

Kagome acordou preguiçosamente. Esticou-se e, então, se deu conta de que estava sozinha. "Inu-Yasha?". Alisou o casaco que ele deixara. Levantou-se num pulo e correu para fora da caverna com o coração na boca. Logo aliviou-se quando o viu em pé, do lado de fora, olhando a imensidão da floresta. A fria brisa da manhã soprava seus cabelos e revelava a musculatura de suas costas e o curativo que ela fizera sobre o ferimento. O sol estava terminando de sair e o orvalho sobre as folhas refletia sua luz como pequeninos cristais. Ela aproximou-se dele e o abraçou por trás. Ele apenas colocou suas mãos sobre as dela que envolviam sua cintura.

– As manhãs estão ficando cada vez mais frias. Logo vai começar a nevar.

– E o que você pensa que está fazendo aqui fora sem a parte de cima de seu quimono?

– Foi você quem tirou... – Sorriu ele maliciosamente

– Seu bobo... – Conseguiu sorrir um pouco, após tanto desespero. – Você está bem, Inu-Yasha?

– Sim, estou... – Virou-se para ela. – Graças a você, Kagome...

A beijou. O vento frio continuava a soprar. Kagome arrepiou-se um pouco e o abraçou com força após o beijo.

– Brrr... Tenho que me lembrar de trazer um casaco... – O encarou. – Eu não fiz tudo sozinha...

– Eu sei... Setsuna esteve aqui... O vento me trouxe o cheiro dela. Também senti o cheiro de sangue.

– Sangue?

– É... o sangue daquela garotinha...

– Rin... – Lembrou-se do rosto daquela menina. – Você sabe de qual direção?

– Vamos dar uma olhada. – Disse ele, após afirmar com a cabeça.

Arrumaram as coisas, Inu-Yasha vestiu o restante do quimono e ambos seguiram na direção de onde vinha aquele cruel vento gelado.

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Antes de ultrapassarem as últimas árvores que ocultavam a visão do lugar onde haviam deixado Rin e Jyaken, Sesshoumaru interrompeu seus passos e colocou-se no caminho de Setsuna.

– É melhor que eu vá sozinho primeiro...

Ela o encarou com aqueles grandes e tristes olhos azuis tão profundamente que ele teve que desviar o olhar.

– É tão ruim assim? – Perguntou ela.

Ele não sabia o que dizer. O cheiro de sangue era muito forte. Muito sangue fora derramado. Aquilo lhe dava uma visão do que poderiam encontrar e ela sofreria. Simplesmente, ele não queria que ela sofresse.

– Sei que queres me proteger, mas não há outro jeito...

Ela continuou a caminhar e tudo o que ele pôde fazer foi sair do caminho e depois segui-la silenciosamente. O que encontraram foi a visão do próprio caos. A relva estava remexida por toda a área, como se uma batalha entre forças muito poderosas tivesse sido travada. O corpo de Ah-Un jazia, completamente retalhado e coberto de sangue. Faltava-lhe parte da cauda e uma das cabeças. Manchas de sangue estavam por todo o lugar. Muitas de Ah-Un, mas também havia manchas de Rin e Jyaken. Mas não havia nenhum sinal de seus corpos. Diante de tal visão, Setsuna arregalou os olhos de incredulidade e caiu sentada sobre a grama.

– Como é possível que eu não tenha pressentido tudo o que se passou por aqui?

– Não foi sua culpa... – Caminhou até Ah-Un e colocou a cabeça e a parte da cauda decepadas no lugar onde deveriam estar. – Na verdade, isso tudo é um cenário bem montado.

– Um cenário? – Levantou-se. – Queres dizer que tudo isto é...

– Uma armadilha. Nem todo o sangue neste lugar pertence a eles. E a maioria não é fresco. Foi coletado antes de Rin e Jyaken serem levados. Os dois provavelmente ainda estão vivos e estão sendo usados para marcar um caminho que possamos seguir. – Sacou a Tenseiga.

– E o que te fazes acreditar que eles ainda estejam vivos? – Perguntou ela, com os olhos rasos de lágrimas.

– Ainda é muito cedo para perder a esperança...

Ele deferiu um golpe contra o corpo de Ah-Un, que começou a mover-se. Logo os ferimentos mortais fecharam-se e ele estava inteiro de novo. Só então Setsuna notou a escova de cabelos de Rin no chão. Ela abaixou-se e a pegou.

– Esperança... Há muito tempo eu não sei o que é isso...

Ela olhava fixamente para o objeto em sua mão. Sesshoumaru guardou sua espada e aproximou-se dela, levantando-lhe o rosto.

– Se importa se aquela criança viver ou morrer?

Ela lembrou-se de que havia feito a mesma pergunta a ele, antes de libertá-lo totalmente do lacre de Kagome. Ela deixou escapar algumas lágrimas, aproximou-se dele lentamente e o abraçou. Ele sentiu-se perdido naquela situação, não sabia o que fazer. O instinto acabou por levá-lo a abraçá-la também. Enquanto a abraçava, o vento soprou em seu rosto.

– Hum... saia logo daí... Você pensa que pode me espionar sem que eu perceba a sua presença?

Setsuna afastou o rosto do peito de Sesshoumaru e ficou a observar a mesma direção que ele. Então viu surgirem Inu-Yasha e Kagome da floresta.

– Não estava espionando você, Sesshoumaru... Só vim porque senti o cheiro de muito sangue, inclusive o daquela garotinha. – Passou a usar um tom irônico em sua voz e cruzou os braços. – Mas parece que você está muito ocupado agora...

Só então Sesshoumaru notou que ainda estava abraçando Setsuna. Os dois se entreolharam e se soltaram.

– Não se meta no que não é da sua conta, Inu-Yasha! Eu posso cuidar disso sozinho. – Olhou o hanyou de cima a abaixo. – Devia preocupar-se consigo mesmo. Parece um lixo e suas roupas estão impregnadas do fedor do seu sangue imundo.

– Ah! Isso foi só um arranhão! – Contando vantagem. – Não deu nem pra saída!

Os dois ficaram se encarando. Inu-Yasha não queria admitir, mas ainda não estava totalmente recuperado. Não havia dito a Kagome, mas o ferimento ainda não havia fechado completamente. Não queria preocupá-la. Mas os comentários de Sesshoumaru poderiam fazê-la perceber. "Não tenho como enganá-lo... Tenho que mudar o rumo dessa conversa.".

A grama era suavemente arrepiada pela brisa matutina. Kagome afastou os cabelos do rosto e tentou encarar Inu-Yasha. "Ele ainda não está bem e agora não é momento para brigas...". Ela encarou Setsuna e as duas se concordaram mentalmente.

– Está certo... Vamos, Kagome? – Perguntou Setsuna.

– Vamos...

As duas saíram andando, seguindo a direção que levava as manchas de sangue no solo, com Ah-Un atrás delas. Os dois ficaram meio que confusos, olhando para as duas.

– Hei, Kagome! Onde você está indo?

– Aonde você acha, Inu-Yasha? Estamos indo salvar a Rin!

– Quando os dois decidirem o que fazer, nos avisem... – Completou Setsuna. – Ou então se matem... Sei lá...

Ela deu um tchauzinho, sem virar-se, enquanto as duas caminhavam. Na verdade, ela sabia que eles não brigariam, pelo menos, não por enquanto. Sesshoumaru voltou a encarar Inu-Yasha.

– Ela é terrível...

– É, eu sei o que quer dizer... – Cruzou os braços.

Os dois perceberam que estavam concordando com alguma coisa pela primeira vez em suas vidas. Viraram os rostos, desviando do olhar um do outro.

– Vamos perdê-las de vista, Inu-Yasha.

– Você vai se comportar, Sesshoumaru?

– Está com medo? – Usou um tom de ironia, ao mesmo tempo que olhou meio de lado para o hanyou.

– Eu não tenho medo de você! – Respondeu o hanyou, indignado.

Sesshoumaru deu um meio sorriso e saiu caminhando, seguindo as duas garotas. Inu-Yasha ficou confuso e coçou a cabeça. "Foi impressão minha ou ele sorriu?". Saiu correndo atrás deles.

– Hei! Sesshoumaru! Você ainda não me respondeu! Sesshoumaru!...

De uma certa distância, um dos insetos de Naraku os seguia. Em seu esconderijo, Naraku observava atentamente as imagens refletidas no espelho de Kanna.

– Hum... Isso vai ser divertido... Eles caíram direitinho... – Olhou para as sombras a sua frente. De dentro delas surgiu um par de olhos vermelhos brilhantes. – Já sabe o que tem que fazer. Agora vá...

– Sim, meu mestre...

Enquanto as sombras se retiravam, Naraku ficou observando Setsuna e Kagome no espelho de Kanna. "Essas duas podem me destruir... Esse encontro delas não estava previsto nos meus planos. Mas posso aproveitar a situação para me livrar delas de uma só vez. Não posso permitir que continuem a se fortalecer...". Percebeu que Kanna mantinha seu semblante inexpressivo de sempre, mas dessa vez, alguma coisa o incomodava.

– O que foi, Kanna? Saudades de sua irmã?

– Não... Nunca nutri sentimento algum por ela... ou por qualquer um... – Começou a retirar-se.

– Quem lhe deu permissão para sair?

– Preciso me preparar para o seu plano, meu mestre...

– Então vá! – Ficou observando-a enquanto ela saía silenciosamente. – Preciso ter cuidado com ela. Era fácil lidar com Kagura, uma vez que ela sempre expunha o que pensava. Mas Kanna é diferente. Ela é ainda mais perigosa do que Kagura.

Enquanto Kanna andava pelos corredores do templo que Naraku tomara para si como abrigo, observava a imagem de seu mestre por seu espelho. "Em breve, meu mestre. Muito em breve estarei livre...".

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Sango e Miroku foram recebidos por um vento frio e solitário ao adentrarem as ruínas do vilarejo dos exterminadores. Ela parou um pouco e respirou profundamente. Kirara, em seu ombro, soltou um ganido e aproximou-se do rosto de Sango, acariciando-o com seu corpo felpudo. A exterminadora sorriu tristemente e afagou a cabeça de sua parceira. Então Miroku aproximou-se, segurou-lhe a outra mão e olhou-a docemente.

– Vamos logo cuidar deles.

– Sim.

Caminharam em direção as covas dos moradores daquele lugar e começaram a fazer a manutenção. Retiraram o mato que crescia por entre algumas covas e, enquanto Miroku fazia orações, Sango colocava flores em cada túmulo. Eles só se deram conta de como o dia passou quando notaram a linda vista alaranjada do pôr-do-sol. Os dois permaneceram abraçados, lado a lado, até que o sol se escondesse totalmente. Foram até a antiga casa de Sango para se abrigarem aquela noite. Sentaram-se lado a lado diante de um fogareiro. Ela mantinha-se silenciosa e melancólica. Miroku ficou observando-a um pouco. "Era mais fácil quando eu dava uma de tarado...".

– Pode falar, Miroku... – Começou ela, sem desviar o olhar da fogueira.

– Hum? O quê?

– Que você não está nem um pouco à vontade...

– Não diga bobagens, Sango... Você é quem deveria não estar à vontade sozinha assim comigo. Afinal, com a minha fama...

– Pelo menos hoje você não fez jus a essa fama... – Sorriu e o encarou. – Obrigada por me acompanhar.

Ele acenou com a cabeça e retribuiu o sorriso. Aproximaram seus corpos um pouco mais, para sentirem o gosto e o calor dos lábios um do outro. Nem perceberam quando Kirara, um tanto desconfiada, saiu pela porta para investigar o lado de fora da cabana. Ao terminarem aquele beijo continuaram a olhar-se nos olhos mutuamente.

– Não estamos mais sozinhos, Sango...

– Eu sei... – Olhou ao redor. – Kirara?

Os dois se entreolharam e saíram correndo da cabana. Kirara já estava transformada naquela imensa fera e diante dela estava Kanna. Sango posicionou-se ao lado da amiga, com sua arma a postos, e Miroku ao seu lado. Porém ambos sabiam que qualquer ataque que utilizassem seria refletido pelo espelho daquela youkai criada por Naraku. Mas havia algo estranho. Kanna nunca se deixara perceber antes. Por que o fizera agora? Poderia tê-los pego de surpresa.

– O que você está tramando, Kanna? – Perguntou o monge.

– Tenho uma proposta para vocês. Se concordarem, poderão destruir Naraku...

– Proposta? E o que a faz pensar que nós confiaríamos em você, sua youkai? – Perguntou Sango.

– Acaso já não confiou sua vida tantas vezes a um youkai? – Olhou para Kirara, que se arrepiou.

– Não se compare a Kirara, sua maldita! – Sentiu a mão de Miroku em seu ombro. – Miroku...

– Diga qual é a sua proposta, Kanna... – Disse ele.

A youkai branca sorriu.