Enquanto Kagome observava o vazio da floresta, Inu-Yasha pegou a mochila dela e a colocou nas costas.
– Vamos logo, Kagome! Ainda temos que voltar àquela caverna para pegar a sua carruagem esquisita.
– Bicicleta, Inu-Yasha... – Ficou fitando as árvores. – Você não terminou de me contar... – Virou-se e o encarou.
– Contar o quê? – Tentou disfarçar, mas estava sem jeito.
– Se você não terminou como é que vou saber?
– Então como é que você quer que eu me lembre?
– Era importante!
– E como você sabe se eu não lhe contei!
– Inu-Yasha! – Uma veia saltou-lhe na testa. – Não se faça de desentendido! – Cruzou os braços.
"Ela está zangada... O que eu faço?"
– Eu não estou me lembrando agora, mas quando eu me lembrar eu conto... – Desviou o olhar. – Eu juro! "Ela não vai cair nessa..."
Kagome soltou os braços e suspirou. "Vou ter que esperar ele criar coragem para me contar. Não adianta pressionar agora."
– Está bem... – Seguiu caminhando. – Onde estão Miroku e Sango?
Ele ficou confuso com a reação dela. "O que deu nela?"
– Para falar a verdade, eu não sei. Sango queria ir ao seu antigo vilarejo para cuidar dos túmulos, mas já devem ter retornado ao vilarejo da velha Kaede.
– Então vamos voltar. Daqui a três dias é lua nova e sei que você não gosta de ficar zanzando por aí. – Os dois seguiram seu caminho de volta, enquanto os primeiros raios de sol surgiam. Estavam quietos, talvez por causa do assunto inacabado entre ambos. Então Kagome tentou mudar um pouco aquela tensão. – Você acha que ele gosta dela?
– Quem?
– Sesshoumaru... Você acha que ele gosta de Setsuna?
– Feh! Só tem uma coisa que ele gosta mais do que ele mesmo: poder. E Setsuna é muito poderosa.
– Mas e quanto a Rin? Ela é só uma criancinha... E não me venha com essa de que é por causa de Setsuna, porque Rin devia andar com ele antes disso.
– Ah, eu sei lá, Kagome! Sesshoumaru nunca foi tolerante com ninguém. Mas sempre que algo lhe interessava agarrava com unhas e dentes. Não duvido nada de que ele vá sozinho atrás do Naraku. Ele não vai deixar aquele miserável absorver os poderes de Setsuna. Ele a trata mais como se fosse propriedade dele.
– Propriedade?... Hum, eu não sei, não... Acho que tem mais coisa...
– Como assim?
– Ele usou a Tenseiga, Inu-Yasha... Uma vez para salvar Rin, duas para salvar Setsuna e outra para me salvar. Você acha que aquela espada, que foi criada pelo seu pai para salvar vidas, poderia ser usada por Sesshoumaru se ele não tivesse alguma boa intenção no coração dele?
– Boa intenção? O inferno está cheio delas... Sesshoumaru não tem coração, Kagome, não seja ingênua. A única coisa que faz sentido é que Sesshoumaru é um demônio orgulhoso com um senso de honra muito grande. Ele não deixou que você morresse porque não queria ficar me devendo nada. Da próxima vez, ele irá mata-la, não duvide disso.
– Setsuna disse que tinha visto algo de bom no coração dele...
– Se ela quiser se enganar é problema dela. – Parou e a encarou. – Mas não se engane com ele.
Ela concordou com a cabeça e deram o assunto por encerrado. Caminharam o restante da manhã até a caverna silenciosamente. Apesar de tudo, ela sabia que Setsuna certa estava de algum modo. Mas como ela podia censura-lo por não acreditar que Sesshoumaru houvesse mudado, mesmo que fosse um pouco sequer? Eles eram irmãos, filhos do mesmo pai, mas, com exceção dos últimos dias, nunca conviveram como tais. Ambos apenas toleravam a presença um do outro por causa de algum objetivo em comum. "Talvez esteja chegando a hora dessa rivalidade acabar.", pensou ela, mas não revelou seus pensamentos ao seu parceiro. Provavelmente ele não concordaria. Depois de três dias, no final da tarde, chegaram ao vilarejo. Demoraram mais porque Inu-Yasha não queria que ela se cansasse. Surpreenderam-se por não encontrar Miroku e Sango.
– Não os vejo desde que saíram com você, Inu-Yasha, para lutar contra aquele youkai... – Explicou Kaede.
– Será que aconteceu alguma coisa? – Perguntou uma apreensiva Kagome.
Inu-Yasha cruzou os braços, sentou-se em um canto da cabana e recostou-se na parede.
– Bobagem! Provavelmente estão de sem-vergonhice por aí...
Kagome, Kaede e Shippou ficaram chocados com o comentário do hanyou. Shippou ia abrir a boca, mas Kagome o interrompeu, tampando-lhe as orelhas, sob os protestos do pequeno youkai.
– Finge que não escutou isso, Shippou!... Inu-Yasha! Como você diz uma coisa dessas na frente do Shippou!
– Hunf! Você vai dizer que ele é só uma criancinha, não é, Kagome? Pois fique sabendo que esse fofoqueiro é muito mais sabido do que você pensa.
Shippou livrou-se das mãos de Kagome e bradou furioso.
– Eu escutei isso, Inu-Yasha!
– Ora, vê se não amola, fedelho!
– O quê? – A raposinha ficou pulando na frente de Inu-Yasha. – Repita isso! Você vai ver só!
PLOFT!
– Ai... ai... – Gemeu um nocauteado Shippou no chão.
– Inu-Yasha! – Gritou Kagome, indignada.
– Ahh, assim ele dorme mais cedo!... Velha Kaede, posso pedir um favor?
Kaede ficou surpresa. "Inu-Yasha me pedindo um favor?"
– Claro, o que é?
E, com a cara mais lavada o mundo, Inu-Yasha pergunta:
– Tem alguma cabana que a Kagome e eu possamos ficar sozinhos?
Kagome caiu para trás. "O que a vovó Kaede vai pensar agora?" Kaede ficou meio que em estado de choque.
– A cabana ao lado está vazia...
Inu-Yasha apenas levantou-se, pegou a mochila amarela e saiu levando Kagome, a esta altura mais vermelha do que pimentão maduro, pela mão.
– Mas o que foi isso? – Perguntou-se a velha sacerdotisa.
– Vovó Kaede, não seja ingênua... – Respondeu Shippou, já recuperado do golpe que tomara. – Eu que sou criança já percebi tudo! O que a senhora acha que eles vão fazer em uma cabana sozinhos a noite toda?
Com surpresa maior ainda, Kaede olhou para o pequeno youkai.
– Onde você aprende essas coisas, Shippou?
– E o que a senhora esperava? Eu ando com um hanyou que namora uma humana, mas antes estava todo enrolado com uma outra feita de barro... Sem falar daquele monge pervertido e da sua namorada exterminadora... Cai na real, vovó.
Kaede apenas pôde balançar a cabeça em sinal de reprovação.
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Uma fogueira iluminava a noite que acabara de chegar. Rin, que parecia exausta, já dormia sossegada sob os vigilantes olhos de Jyaken. Setsuna estava sentada sobre a relva, penteando seus cabelos. Sentado do outro lado estava Sesshoumaru, observando-a. Ainda não havia passado aquela sensação de quase tê-la perdido. E ele não gostava daquela sensação. Notou que Setsuna parou de escovar os cabelos.
– O que foi, meu senhor?
– Não... – Desviou o olhar. – ...é nada...
– Acho que precisas de cuidados... – Disse ela sorrindo.
– Cuidados? – Surpreendeu-se com ela atrás de si. – Pare de fazer isso. Não disse que ficava esgotada com estes truques?
– Também já disse a ti que não são truques. Desculpe-me por assustar-te.
– Não me assustei... Só não faça isso de novo. – Sentiu as mãos dela em seus cabelos.
– Teus cabelos são tão macios...
– O que pensa que está fazendo, Setsuna? – Não queria admitir, mas estava gostando daquelas carícias.
– Escovando teus cabelos.
– Não é necessário.
– Mas eu quero...
– Já chega! – Levantou-se. – Me deixe em paz!
Setsuna assustou-se e acabou por largar a escova, que caiu ao chão. Ela fechou os olhos e colocou a mão direita sobre o peito. Ele ficou fitando-a enquanto ela se mantinha silenciosa. Ele queria tê-la consigo, mas admitir isso e entregar-se seria como assinar uma sentença de morte, pelo menos era assim que ele pensava. "Amor é uma fraqueza pela qual não posso me deixar levar." De repente, Setsuna levantou o rosto para olhá-los nos olhos. Seu olhar era doce, terno e triste. Ele começou a sentir-se culpado por achar ser parte daquela tristeza. Um brilho úmido tomou conta dos olhos dela. Então, ela virou o rosto, fechando os olhos, e começou a caminhar silenciosamente.
– Setsuna...
– Não és parte de minha tristeza... – Disse ela sem ao menos se virar.
Sesshoumaru também tomou a mesma direção que ela, seguindo-a.
– Senhor Sesshoumaru?
– Fique aí, Jyaken, e tome conta de Rin dessa vez.
– Dessa vez? – O servo ficou confuso. Olhou para a menina, que mais parecia um anjo dormindo. – Bem, pelo menos assim ela não arruma confusão.
Setsuna caminhou até encontrar uma pequena queda d'água. Um filete de água cristalina polia as pedras arredondadas do pequeno córrego formado. Sesshoumaru aproximou-se dela.
– Você sempre encontra água.
– Eu poderia encontrá-la mesmo em meio a um deserto. – Sorriu.
– Eu... – Olhou para o lado, desviando dos olhos dela. – Eu não queria ser rude com você...
– Eu sei... E, mesmo assim, me disseste para deixar-te.
– Você sabe que não quero que me deixe – A encarou.
– Eu não vou... – Começou a soltar seu quimono.
– O que está fazendo, Setsuna? – Corou e virou o rosto.
– Vou me banhar. – Segurou o quimono na altura do peito, deixando apenas os ombros desnudos. – Qual o problema, meu senhor?
– Não tem vergonha de se despir na minha frente?
– Vergonha?... – O fitou curiosa. – Por quê? Acaso já não viste e tocaste meu corpo despido, com o teu próprio corpo inclusive?
Ele ficou sem palavras e sentiu sua face queimar. Ficou de costas para ela, olhando para o céu estrelado, no qual a lua já não mostrava mais sua forma. "Como ela consegue me deixar desse jeito? Tão impotente diante dela... Por mais que eu tente evitar..." Lembrou-se da noite de amor que tivera com ela e respirou profundamente. Setsuna prendeu novamente seu quimono e o abraçou por trás. Ele colocou sua mão sobre as dela, acariciando-as. "Você aquece meu coração... Não vou permitir que a tirem de mim..."
– Não podes vencê-lo sozinho... – Disse ela, com o rosto colado nas costas dele.
– Aquele maldito não vai encostar um único dedo em você, Setsuna.
– Não te deixes cegar pelo orgulho, meu senhor. Naraku pode ter perdido uma parte da Jóia de Quatro Almas, mas ainda possui muitos fragmentos. É um inimigo poderoso e ardiloso. Só poderias vencê-lo se...
– Se eu me unisse a Inu-Yasha? É isso o que quer dizer? Nem no seu pior pesadelo...
– Já fizeste isto antes, por mim e por Rin. E eu acho sentiste satisfação por lutar ao lado de teu irmão, ao invés de contra ele...
– E como eu poderia me dar por satisfeito lutando ao lado daquele moleque inútil? Se estiver andando por aí esta noite e encontrar algum problema, estará morto na certa.
– O subestimas demais, meu senhor... – Soltou-se do abraço e o encarou. – O lado humano que ele possui não é sinal de fraqueza... Mas acaso te preocupas com o bem-estar de teu irmão?
Ele sorriu. Mas não foi o sorriso cínico de sempre. Este era mais... terno?
– Tolice... Além do mais, ele tem sorte de ter aquela garota ao lado dele. Se não fosse por ela, eu já o teria matado.
Ela tocou-lhe a face com a mão esquerda.
– Mas isto agora é passado. Por que não tentar acabar de uma vez com esta rivalidade sem sentido?
Sesshoumaru nada disse e apenas tocou a mão dela sobre seu rosto. Ela se aproximou um pouco mais e o beijou suavemente, por dois ou três segundos. Então, ele a puxou contra seu corpo, dando continuidade ao elo entre seus lábios e, em seguida, entre seus corpos.
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Kagome fitava Inu-Yasha incansavelmente na esperança de que ele algo dissesse. Mas ele se mantinha quieto, sentado encostado na parede, de olhos fechados e braços cruzados. Ele já estava na forma humana. Quando ela pensou em dizer algo, ele resolveu quebrar o silêncio. Seu olhar era um tanto sério.
– Eu não me esqueci sobre o que queria lhe contar, eu só estava esperando por um momento mais apropriado, Kagome...
– Eu sei, Inu-Yasha. Mas desse jeito, o que os outros vão pensar?
– Não adianta ficar fazendo cerimônia agora, já que eles vão ficar sabendo mais cedo ou mais tarde.
– Mas eles já sabem.
– Nem tudo... Você ainda não percebeu porque ainda é muito cedo. Mas eu não poderia deixar de notar que o seu cheiro e a temperatura do seu corpo mudaram, Kagome... Mas eu só tive a certeza quando você, com a ajuda de Setsuna, me ajudaram a libertar minha alma daquele veneno. O seu corpo está mudando e vai mudar ainda mais...
– Eu sabia! Estou com uma doença horrível, não é?
– Não... – Sorriu. – O seu corpo está mudando porque agora tem uma parte de mim crescendo... dentro de você...
Kagome sentiu o ar fugir de seus pulmões. As palavras também lhe escapavam, mas silenciosamente. Agora sabia do porquê dele ter tantos cuidados com ela nos últimos dias, cuidados excessivos até. Ela se jogou nos braços dele com lágrimas nos olhos e ambos ficaram assim abraçados.
– Tem mais uma coisa, Kagome...
– Mais?
– Pela manhã, vamos retornar para a sua era e falar com a sua família...
– Está certo.
– Mas eu vou voltar sozinho. Você vai ficar onde é mais seguro.
– O que? – Levantou o rosto. – Você acha que eu vou deixar você sozinho para lutar com o Naraku? – Só então percebeu que ele também tinha lágrimas nos olhos.
– Quando você foi atacada por aquela marionete que me copiou e depois por Setsuna, quando estava possuída por aquele demônio, eu fiquei com medo de que você se machucasse. O que acabou acontecendo e, por sorte, Sesshoumaru estava de bom humor e salvou sua vida com aquela espada. – A abraçou fortemente. – Não posso permitir que você corra esse tipo de perigo novamente, Kagome... Você tem que ficar segura, pelo nosso filho...
"Nosso filho..." Ela mal podia acreditar naquelas palavras. Há quase um ano já estavam naquela busca pelos fragmentos da Jóia de Quatro Almas e, em tão pouco tempo, sua vida mudara completamente. Ela já havia decidido, mesmo sem ter contado a ele ainda, ficar na era feudal e viver ao lado dele. Era só o que ela queria. Estar com ele. E agora esta surpresa. Mas seu coração estava tão cheio de felicidade que parecia querer explodir. Ela afastou-se um pouco, sentando-se diante dele e encarando-o.
– A Jóia de Quatro Almas ainda não está completa. Parte dela ainda está sob o controle do mal. É meu dever como reencarnação da sacerdotisa reavê-la e protegê-la dos seres que a quiserem para fins obscuros.
– Eu já disse que vou destruí-la quando tiver eliminado aquele miserável do Naraku. Ninguém está pedindo que você assuma nenhuma obrigação, Kagome.
– E você realmente acha que ela pode ser destruída, Inu-Yasha? Mesmo após ter sido queimada com os restos da Kikyou, ela voltou para esta era, no meu corpo. A minha flecha nada pôde fazer além de espatifá-la e é por isso que estamos nessa confusão. Tenho medo de que, após reuni-la finalmente, na tentativa de destruí-la, possamos acabar fragmentando-a novamente. E toda essa busca teria sido em vão. A Jóia de Quatro Almas não pode ser destruída porque existem espíritos presos numa eterna batalha dentro dela. E enquanto esta batalha não terminar, a Jóia continuará a existir.
– Entendo...
Ela abaixou o olhar e ficou segurando a barra da saia com as mãos.
– Eu quero muito manter esta vida que está crescendo aqui dentro de mim em segurança, mas... Mas também não posso permitir que você lute sozinho... Eu prometo que vou ter mais cuidado daqui por diante, mas não me peça para ficar longe de você. Eu não conseguiria.
Ele aproximou-se dela e a beijou. A reação dele depois é que a deixou confusa. Ele se levantou, pegou a mochila dela e jogou na direção da porta. Parecia muito irritado. Ela só entendeu o que estava acontecendo quando escutou um grito vindo lá de fora, seguido dos gritos de Inu-Yasha.
– Shippou! Seu fofoqueiro! Eu sei que você está aí fora! Eu posso sentir o seu cheiro de raposa fedida!
O pobre youkai entrou na cabana, com as duas mãos na cabeça, tentando aliviar a dor causada pelo enorme galo.
– Inu-Yasha! Hoje já é a segunda vez que você me bate! Qual é? Eu só queria saber se eu vou ter alguém com quem brincar...
– O que você escutou, Shippou? – Perguntou uma estarrecida Kagome, de cabelos em pé.
– Deixa eu ver.. – Colocou a mão no queixo e fez um ar pensativo. – Jóia de Quatro Almas... Naraku... Voltar para a era da Kagome... Filho... E acho que é só... O Inu-Yasha fez besteira e agora vai ter que se arrumar... – Finalizou ele, ironicamente.
– Seu moleque intrometido!... – De punho cerrado e com uma veia saltando na testa. – Você vai ver uma coisa! – Começou a correr atrás de Shippou, que ficou dando voltas na cabana. – Não fuja!
– Inu-Yasha, espera! Eu estava só brincando, vai ser legal ter um irmãozinho!... Kagome!
– Não meta a Kagome nisso, Shippou! Vem cá!
Os dois saíram da cabana e Inu-Yasha deu de cara com Kaede.
– O que está fazendo aqui, velhota?
– Nada, só vim ver o porquê de tanta gritaria. Mais um pouco a te os mortos iriam despertar. Por que está querendo bater no Shippou?
– Por nada! Ele só é muito chato e enxerido! – Deu as costas e começou a voltar apara a cabana.
– Ele é só uma criança, Inu-Yasha... Perdoe... Você também em breve terá suas próprias experiência com crianças...
Inu-Yasha deu uma parada repentina e olhou para a velha senhora. "Maldição! Amanhã o vilarejo inteiro já vai estar sabendo..." Retornou para a cabana onde se encontrava Kagome. Ela havia terminado de arrumar uma cama para eles dois.
– Você não bateu muito nele, não é? – Perguntou ela.
– Não, a velha Kaede apareceu no meio do caminho. – Sentou-se na cama.
– Então ela também já sabe... – Suspirou.
– Eu acho que sim. – A observou enquanto ela se sentava ao seu lado. – Você está chateada, não está?
– Não, estou apenas preocupada. Não sei como vai ser de agora em diante. – Sentiu os braços dele envolve-la.
– Seja lá como for, eu vou sempre estar com você.
Ambos sorriram um para o outro e se abraçaram. Terminaram nos braços um do outro, se amando mais uma vez.
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Setsuna abriu seus olhos num susto. Lembrou-se do que tinha acontecido ao deixarem Jyaken e Rin sozinhos da última vez. E, como na primeira vez, ela estava no colo dele, recostados à uma frondosa árvore. Ele sempre a mantinha envolta por seu único braço e sua cauda. As roupas de ambos estavam espalhadas pelo chão. Ela podia observar o que sobrara do braço que Inu-Yasha retalhara tanto tempo atrás. Ele abriu os olhos e, apesar de estar eufórico por dentro, manteve seu ar sério de ser.
– O que era?
– O quê, meu senhor?
– A causa de sua tristeza? Disse que não era eu...
Ela afastou-se um pouco do corpo dele e colocou a mão sobre o seu próprio coração, fazendo surgir sua esfera da alma.
– Não devia se expor desse jeito.
– Aqui dentro estão todas as almas das pessoas e youkais que assassinei.
– A maioria era um bando de ladrões sem valor algum.
– Mas também há aqueles que eram simples camponeses, inocentes, famílias inteiras cujas vidas eu tirei. Olhando por esse ponto de vista, não sou muito diferente de Tatsuyo...
– Não se rebaixe ao nível daquele verme.
– Só que, como aquele verme, ainda continuo a ouvir em meus sonhos os pedidos dessas almas, suas súplicas e lamentos, toda sua tristeza e dor... – Lágrimas lhe vieram aos olhos e sentiu uma brisa suave tocar-lhe a face. – O único momento que tenho alguma paz é quando me entrego a ti, meu senhor.
Ele tocou-lhe o queixo e puxou-a para perto de si, beijando-lhe os lábios. Depois disso, ela se aninhou um pouco em seu peito. Ele levantou o olhar para a copa da árvore. O vento soprava e fazia suas folhas balançarem e despencarem dos altos galhos, gerando uma estranha chuva.
– Kagome me mostrou que posso usar esta esfera para algo mais além de matar. – Ela mantinha sua luminosa esfera em sua mão direita, como se segurasse um pequeno tesouro.
– Ela... ela também possui uma esfera...
– Todo ser vivo possui uma, meu senhor.
– Mas não vi a de Rin.
– Toda alma tem seu próprio coração, inclusive a tua. Mas para que possas vê-la, é necessário que o ser que a carrega saiba como utiliza-la. Rin não tem esse tipo de experiência. Isto requer um poder espiritual muito grande e também muita prática. Eu comecei meu treinamento aos três anos. Kagome não tem tanta experiência, mas ela é uma sacerdotisa nata.
– Ou talvez eu não tenha sido hábil o suficiente quando usei a Tenseiga pela primeira vez.
– Talvez... Mas, apesar de todo o meu treinamento, Kagome pôde fazer algo que eu nunca soube como fazer.
– O quê?
– Curar... Usar a esfera da alma para salvar ao invés de matar. Eu só soube como após compartilhar minha alma com a dela para salvar a vida de Inu-Yasha.
Ela deslizou sua mão direita pelo peito dele até chegar ao ombro esquerdo, aquele o qual lhe faltava o restante do braço. Em outros tempos, ele não se permitiria permanecer tão perto para não ser destroçado por aquela esfera. Mas, de alguma forma, daquela vez era diferente, ele não sentia animosidade nenhuma como das outras vezes que a esfera fora usada para atacar e matar.
– O que vai fazer?
– Devolver-te o que há tanto tempo foi tomado de ti...
A esfera da alma começou a pulsar e ele sentiu seu ombro queimar. Logo, ossos, carne e pele começaram a surgir, criando a parte que faltava. O brilho da esfera percorria cada veia recriada, até cessar nas pontas dos dedos do braço recém refeito. Setsuna parecia esgotada e desmaiou, pendendo a cabeça para trás. Com seu novo braço, Sesshoumaru segurou-lhe a cabeça. Ele acariciou-lhe o rosto e deslizou seus dedos pelos cabelos dela. Só então ficou observando aquela mão que há tento tempo perdera. Deitou o corpo de Setsuna sobre a relva, levantou-se e recolheu as roupas para vestir-se. Depois também a vestiu e, erguendo-a em seus braços, retornou ao local onde haviam deixado Jyaken e Rin.
Os primeiros raios da manhã chegavam e Jyaken fez um escândalo ao notar que seu mestre havia recuperado seu braço. Era o braço que Sesshoumaru usava para acariciar os cabelos da adormecida Setsuna em seu colo.
– Senhor Sesshoumaru! O seu braço! Como...?
– Jyaken, você quer parar com essa gritaria?
– Desculpe, senhor Sesshoumaru. Mas como conseguiu seu braço de volta? – Percebeu o ar sério de seu mestre. – Ah... Se é que o senhor me permite saber...
– Setsuna conseguiu.
Jyaken ficou olhando para aquela mulher deitada sobre o colo de seu mestre. "Mas como essa humana conseguiu devolver o braço do senhor Sesshoumaru? Humm... Ele também está muito estranho... Não parece ser o mesmo de sempre..."
– Jyaken?
– Sim, senhor Sesshoumaru? – Respondeu, quase que pulando de susto.
– Pegue alguma coisa para Rin e Setsuna comerem quando acordarem. Tem algumas árvores com frutas ali atrás.
– Hã? Eu?
– E por acaso tem mais alguém aqui chamado Jyaken?
– Não, senhor!... Isto é, sim, senhor!... Ah... Não,... Eu... eu estou indo agora mesmo! – Saiu atrás das benditas frutas.
Rin acordou preguiçosamente. Bocejou, depois esticou os braços e correu para perto de Sesshoumaru e Setsuna.
– Até que enfim acordou, Rin. Pensei que fosse dormir o dia todo.
– Mas o sol acabou de nascer... E a senhorita Setsuna está dormindo mais do que eu.
– Ela está muito cansada. Teve muito trabalho para me devolver isto aqui. – Ele mostrou-lhe o braço.
– Ohh! Senhor Sesshoumaru! Que bom! Então ela tem que dormir bastante. Vamos fazer silêncio...
A menina sentou-se diante dele sem dizer mais nenhuma palavra, olhando fixamente para Setsuna.
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Kagome acordou repentinamente e sentou-se rápido sobre a cama. O ar frio da manhã já circulava, mas ela estava estática e mal podia sentir o frio que lhe tocava a pele desnuda. Inu-Yasha acordou meio sonolento.
– O que foi, Kagome? – Esfregava os olhos, tentando espantar o sono.
– Eu não sei... Tem alguma coisa errada, Inu-Yasha. Eu acho que Miroku e Sango estão em perigo.
– Está frio... – Puxou-a para perto de si e, depois, a coberta sobre ambos. – Foi só um sonho ruim.
– Não foi um sonho. Aconteceu alguma coisa com eles!
– Então vamos nos vestir e ir atrás deles.
– Está bem.
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Raios de sol entravam pela pequena janela da cela onde se encontravam Miroku e Sango. Ambos em pé, acorrentados à parede gelada. Kirara estava em um canto da cela, presa pelas patas e pescoço. Ao abrir os olhos, a exterminadora percebeu que o monge já a fitava.
– Bom dia, minha querida...
– Bom dia... – Olhou para aquela pequena janela. – Você acha mesmo que foi uma boa idéia?
– Só o tempo vai dizer.
– E o tempo está quase chegando. – Disse Kanna, surgindo de um canto escuro. – Paciência... – Desapareceu.
– Ela me dá arrepios... E agora, Miroku?
– Só podemos esperar. – Mexeu um pouco as mãos. – Queria que pelo menos estivéssemos soltos.
– Que diferença faz? – Percebeu o olhar malicioso dele. – Não acredito que você esteja pensando em sem-vergonhices numa hora essas!
– Mas, Sango... Se morrermos nessa luta, pense em quanto tempo estivemos desperdiçando.
– Ai, ai... Você não tem jeito mesmo... Eu espero que a Kagome tenha guardado o colar que ela tirou de Inu-Yasha...
– Por quê?
– Adivinha? – Começou a divagar. – Cada olhar para outra garota, cada convite malicioso, cada mão boba... Para cada deslizada sua eu diria: "SENTA!" – Percebeu o olhar confuso dele. – O que foi? Algum problema?
– Se eu disser que sim, você me mandaria sentar?
Os dois sorriram um para o outro.
