VI

Paulie e Tori

            Era de manhã, enquanto os raios de sol invadiam o quarto do sótão, quando a irmã caçula de Victoria apareceu junto de três amigas. Mary, Tori e Paulie ainda estavam dormindo, mas não foi difícil acordarem com a barulheira que as meninas começaram a fazer.

            - É hora de acordar, suas vagabundas! – exclamavam, como num tipo de cantiga, enquanto a menina pulava na cama de Victoria – Levantem ou irão levar um pé na bunda!

            - Allie! Suma da minha frente, anda! – resmungou Tori, sentando-se por entre os lençóis – Mary, essa é a minha irmã, Allie. Ela é retardada. Não é, Allie?

            Allison fez uma careta engraçada de fingido desdém e mostrou a língua.

            - Ela tem verrugas em todos os dedos do pé. É um nojo. Tire esse pé nojento daqui! – brincou a moça, empurrando a menina.

            - Não dê ouvidos a ela, Mary – disse Allison, sorrindo – Meus dedos são perfeitos.

            Allison tinha em torno dos seus doze anos. Uma garota alegre, espivetada, de longos cabelos claros e volumosos.

            Paulie, semi-acordada, lançou seu travesseiro nelas:

            - Caiam fora!

            Allie o atirou de volta, entretida. Pauline, no limite de sua paciência, saiu da cama e começou a correr atrás das meninas, que fugiram.

            - Fora, fora, fora! Se vocês voltarem aqui, irão apanhar! Drogas de pré-adolescentes! – reclamou Paulie, praticamente expulsando-as do quarto.

            Voltou até as companheiras, colocando o travesseiro na frente do rosto e enfiando-se na cama de novo.

            - Uuhhh! Bando de crianças!

            Tori deitou-se novamente e suspirou, depois de um pequeno silêncio:

            - Ei! Acho que hoje tem panquecas de amora...

            - Deus! – disse a jovem Oster, numa exclamação sufocada, cobrindo o rosto com o travesseiro e rindo.

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            O refeitório era simplesmente enorme.

            Paulie, Mary e Tori caminhavam com cuidado entre as garotas carregando suas bandejas com o café-da-manhã. Havia várias mesas bem compridas para acomodar as alunas.

            Pauline as conduziu até a mesa mais próxima da porta, aonde estavam as colegas mais chegadas.

            - Mary... esta é Lauren... – apresentou, enquanto se sentava.

            - Oi! Como vai?

            - Oi! – sorriu Mary.

            Lauren era uma gorduchinha simpática e sorridente, descendente de orientais.

            - Isso parece ótimo. Eu daria a minha vida por panquecas de amora – disse Tori, depois virando-se para Mary – Você não adora panquecas de amora, Mouse?

            - Sim...

            Allie e as amigas chegaram de surpresa até a mesa das garotas com a intenção de sentar-se, carregando bandejas.

            - Ei, ei, ei. Nada de parasitas aqui! – disse Paulie, depois de um tempo começando a bater na mesa com a palma da mão – Fora! Fora! Fora!

            - Anda – ajudou Tori, indicando com o polegar a mesa de trás.

            As meninas acabaram se contagiando e imitando a moça:

            - Fora! Fora! Fora!

            Todos do refeitório se viraram para ver o que estava acontecendo, inclusive Ms. Bannet, que levantou-se da mesa dos professores mas logo não deu importância. Era apenas Paulie...

            Com um pouco de pressão, Allison e as amigas foram até outra mesa, não muito chateadas...

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            Aula de matemática. Para Paulie, um tanto entediante... em vez de grudar o rosto na cadeira e tirar um cochilo – correndo o risco de levar uma bronca – , aproveitava para descascar uma laranja. Além do mais, já sabia o suficiente da matéria...

            A sala de aula estava lotada de carteiras. Victoria, a três fileiras a frente de Paulie, estava conversando com uma colega enquanto Ms. Bannet passava uma lição no quadro negro. Mary prestava atenção e permanecia quieta, como sempre.

            - Nós queremos definir o valor mínimo da função... – explicava a professora, escrevendo com um giz – E, seguindo a ordem, completamos com o quadrado. E nós já sabemos que o coeficiente é...

            Ms. Bannet virou-se para as alunas, mas nenhuma se manifestou.

            - Vamos, nós sabemos, meninas...

            Cordelia levantou a mão, indiferente, já que não tinha outra opção:

            - Um.

            - Um, sim, obrigada... – disse Ms. Bannet, voltando ao quadro – Nós temos a metade do termo linear... o X e o quadrado...

            Tori, que ainda conversava, sorriu para Paulie olhando-a intensa e fugazmente. Esta sorriu de volta, com um riso atrevido nos lábios, enquanto terminava de descascar sua laranja. A moça era a única razão capaz de fazê-la ficar alegre numa aula daquelas...

            - ... para chegar ao constante quadrado de onze... – seguia Ms. Bannet, tentando encontrar mais alunas dispostas a ajudá-la na resolução do problema matemático.

            De repente parou, percebendo o diálogo de Victoria e a colega de trás.

            - Victoria!

            A garota virou para frente no mesmo instante, porém distraída.

            - Sim?

            - Venha... me ajude aqui... – ordenou, apontando o quadro com o giz.

            - Quer... que eu resolva o problema?

            - Sim, quero que resolva o problema.

            Tori parecia receosa de ir lá na frente, porém levantou-se com a maior naturalidade possível, antes de pensar alguma coisa.

            - Okay, vou tentar.

            Pauline a fitou um pouco preocupada, mas continuou a sua tarefa com a fruta, ao tempo que a amiga se dirigia à frente da classe e analisava o quadro rabiscado de números. 

            Tori nunca fora muito bem em matemática... aquilo tudo parecia abstrato demais. Coçou a cabeça e olhou fixamente para a lousa.

            - Por que está demorando, Victoria? – perguntou a professora, ligeiramente irônica.

            - Eu... não entendo isso.

            Algumas meninas riram.

            - O quê, exatamente... – disse, sentando-se em sua mesa – você não entende?

            - O X. Quero dizer... de onde saiu o X? Por quê? O que... o que é um X? – respondeu Tori, sinceramente, desconcertada com o problema do quadro.

            Todas começaram a rir. Paulie sorriu com doçura...

            - Você não entende o que é o X... – começou Ms. Bannet, aproximando-se dela – Se passasse menos tempo fofocando e prestasse mais atenção...

            - Fofocando? – interrompeu Paulie, no ato. Todas as alunas, praticamente, voltaram sua atenção até ela – Eu considero essa palavra como um soco no rosto, Ms. Bannet.

            - Perdão... o que disse, Pauline?

            - É a palavra que os homens usam para nos calar, banalizar nossa conversa... Você também vai fazer parte dessa merda? Heim?

             - Pauline Oster – enfureceu-se a professora, sem perder a pose – Você... não usará esse tipo de linguagem na minha sala novamente! Ouviu?

            A garota não retrucou; pôs a laranja sobre a mesa e levantou-se, começando a andar em direção à frente da classe de aula, passando por Mary, que a olhou. Pelo visto, a mocinha não passava um dia no internato sem aprontar alguma...

            - Você me ouviu? – repetiu Ms. Bannet, caminhando até ela – Estou farta disso. Estou cansada do seu desrespeito!

            Paulie tomou com cuidado o giz da mão de Tori e dispôs-se a resolver o problema do quadro, adicionando um 2 e um sinal de adição.

            - O que pensa que está fazendo?!

            - Ensinando, Ms. Bannet... coisa que voc deveria estar fazendo... 

            - Paulie... – sussurrou Victoria, como que querendo impedi-la.

            - Saia da sala! – exclamou a professora, apontando para a porta – Vá até Ms. Vaughn e diga porque não está na minha aula... e sofra as conseqüências.

            A garota Oster continuou parada, fitando-a com a mesma expressão.

            - Você me ouviu? Eu-não-fui-clara? – perguntou, pausadamente.

            Paulie olhou-a fixamente por alguns segundos e então sorriu:

            - Tenha um bom dia... Eleanor.

            A moça então deixou a sala calmamente sem antes dar uma piscadela para a professora, passando a língua pelos lábios, com um toque de sarcasmo.

            Tori desviou o olhar para o chão e riu discretamente.

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            Mouse e Kara, uma nova colega – de cabelos curtos e olhos incrivelmente azuis –, caminhavam pelo corredor do primeiro andar junto às várias alunas.

            - Então... qual é a sua próxima aula? – perguntou Kara.

            - Leitura.

            - Ok... vá pelo corredor e vire à direita, tudo bem?

            - Sim... – sorriu Mary.

            - Ok, até logo.

            Elas se separaram e Mouse seguiu andando em frente, quando ouviu vozes familiares, exaltadas. Eram Ms. Vaughn e Paulie, discutindo na sala da diretora...

            - Paulie, você sabe que não manda nela... Victoria pode se defender por si própria! Não precisa que você fique falando por ela!

            - Ela não estava falando nada – retrucou a garota, gesticulando com os braços – Não estava falando nada!

            - Ela estava dizendo o que queria dizer.

            - Não estava! Apenas ficou parada, em frente ao quadro...

            - Eu não posso deixar você mandar na minha escola! – exclamou Ms. Vaughn, andando de um lado para o outro – Paulie, Paulie... eu deixo você fazer tanta coisa...

           

            Mary assistia à cena de longe, inevitavelmente. Mas nada poderia pensar para julgar a atitude da companheira de quarto. Era sim, uma pessoa divertida, mas um tanto desafiadora...

            Deixou o corredor e partiu para a classe, enquanto as duas continuavam a discussão.

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            O grande salão onde se praticava esgrima recebia os singelos raios de sol daquela tarde...

            A distância entre o teto e o chão era enorme. Paulie usava trajes confortáveis e estava treinando com o seu professor. Era uma aluna bastante aplicada, dedicada e sabia dominar muito bem o adversário. Depois de alguns minutos ele subitamente avançou com sua espada no ar e por pouco não espetou o rosto da moça. Paulie rapidamente agarrou a lâmina e livrou-se para o lado, começando a rir... sempre se divertia com aquilo, de algum modo.