VII
Segredos
Já era noite quando as três jaziam no quarto, estudando. Mary e Tori dividiam a cama do meio, enquanto Paulie deitava-se na sua.
O silêncio já predominava ali, quebrado apenas por um folhear de páginas ou um suspiro, quando Oster perguntou, curiosamente animada:
- Querem ouvir a carta que escrevi pra minha mãe?
- Você escreveu?! – admirou-se Tori, fitando-a – Eles te deram o endereço?
- Não, mas disseram que vão enviar pra mim – respondeu, puxando a carta de debaixo do colchão – E, se ela tiver vontade, talvez possamos nos encontrar...
- Uau...!
- Você sabe que isso seria tão...!
Paulie moveu-se para a beira da cama, abrindo o envelope e retirando o papel, entusiasmada.
- Querida verdadeira mãe... – começou, pausando. Mary desviou o olhar, entendendo o significado daquilo – não precisa ficar com medo. Tudo bem por não ter ficado comigo, eu entendo... você era uma menina. Não fique com medo de mim. Eu não sou assustadora... – ela hesitou por um momento, olhou para Tori e voltou a ler – Sei que você teve uma vida difícil e eu, boa... confortável, você sabe, mas um pouco fria... Bem, imagino que esteja morando em algum porão perto da rua Gerrard e dando a bunda para poder viver... e eu... eu apenas espero que possamos nos encontrar algum dia e tomar uma cerveja. Da sua filha que a ama, Pauline. P.S: Janet, minha mãe adotiva, sorri sem estar alegre e tem as mãos frias.
Paulie desviou o olhar da carta e fitou as duas garotas. Não achara que havia escrito grandes coisas, ao menos tinha esperanças de ter algum contato com sua mãe biológica, apesar de não saber quase nada sobre ela.
- Espero que ela responda, P. – murmurou Victoria, amavelmente.
- Quando ela estiver velha, irei carregá-la nas minhas costas.
- Nunca a viu? – Mary resolveu perguntar.
Mary deu de ombros, recolocando a carta debaixo do colchão:
- O Serviço Social me tirou dela quando nasci. Ela me segurou por um dia inteiro... cada minuto. Foi o que me disseram...
- Eu nunca escrevo cartas pra minha mãe, a gente sempre se fala por telefone... – disse Tori.
- Talvez por isso você nunca diz o que pensa...
- Como posso dizer o que penso, P.? Digo... como posso dizer o que realmente penso a ela? Mesmo numa carta?... Seria assim... Querida mamãe, eu te odeio por várias razões – começou, olhando para baixo – A mais recente quando você falou dos meus dentes na Páscoa na frente de todos os seus amigos nojentos. Você quer que eu seja como você, sua garota perfeita, que cresça para realizar bailes beneficentes e ser a amante de um banqueiro, como você. Mas a verdade é que... eu sou viciada em você, como chocolate. E eu sempre quero estar ao seu redor... Sou uma criança tola e você me insulta com suas palavras, não com o seu tom de voz. Algumas vezes eu não sei... algumas, eu desejo que você estivesse morta...
Mouse ficou instantaneamente surpresa por Tori ter desejado a morte da mãe – mesmo que por um instante.
- Ira total, Victoria! – sorriu Paulie.
- Não acredito que eu disse isso! – riu Tori, levantando-se e pulando em cima da garota, em tom de brincadeira. As duas gargalharam um pouco, enquanto Oster dava soquinhos na perna da amiga.
- Minha madrasta sempre fala de mim quando estou lá... – iniciou Mary de repente, fazendo as moças voltarem sua atenção – Eu odeio isso... odeio ela. Acho que tem ciúmes da minha relação com meu pai.
- A mãe da Tori morre de ciúmes dela.
- Ei... pára, por que ela teria ciúmes de mim? – perguntou, rindo.
- Duh! – falou Paulie, fitando-a, pensando que a garota tivera alguma amnésia instantânea.
- O quê?!
Sem pensar muito, Paulie inclinou-se e deu-lhe um beijo na boca. Mouse sentiu-se desconfortável no mesmo instante e desviou o olhar para o chão...
Victoria riu, corada, socando o braço de Pauline. Não sabia ao certo se tinha receio de que Mary visse aquilo... ao menos a melhor amiga não o tinha. E era evidente que a nova aluna não possuía intenção alguma de comentar a respeito. Ficaram aliviadas internamente...
- Mary, você ainda não leu a sua carta...
Mary fez um breve silêncio, sem encará-las.
- Minha mãe... morreu faz três anos...
- Sinto muito! – murmurou Tori. Ambas ficaram surpresas.
- Não, tudo bem... só não vejo razão para escrever-lhe...
- Talvez ela possa te ouvir – disse Oster.
- E se eu escrevesse uma carta...
- Vá em frente!
Mary respirou profundamente, sentindo um terrível nó na garganta. Algo dentro de si a impulsionava a falar... e seria a primeira vez que dizia aquilo a alguém.
- Querida mãe... lembra o que você disse quando estava doente... bem, morrendo? Era outono, outubro. Ainda estava quente naquele ano, e o seu quarto tinha um cheiro doce de maçãs podres. – fez uma pausa, com os olhos marejados – Eu segurava sua cabeça em meus braços... e sua respiração estava tão rápida, tão... superficial. E você disse: Mary, por favor, lembre-se de mim. Acontece que... às vezes eu me esqueço de como você era...
Silêncio.
- Brava – disse Paulie, comovida, para Mary.
- Você realmente não se lembra de como ela era?
- Às vezes – murmurou, deixando algumas lágrimas escorrerem.
- Deus... isso é tão triste – murmurou Victoria Moller.
- Brava. Esse é o seu novo nome... Mary B., B de Brava.
Paulie então puxou a almofada na qual Tori estava sentada e atirou em Bedford.
- Mouse morreu!
- Estamos felizes de tê-la conosco, Mary – alegrou-se Tori, movendo-se para a beirada da cama – Não é, Paulie?
- Duh! E voc, está feliz de dividir o quarto conosco, Mary Brava? Vamos, seja sincera...
Mary B. sorriu, secando as lágrimas.
