XI
Meu novo amigo
Paulie estava no quarto, tentando construir um abrigo para o falcão ferido. Sabia que ainda estava na floresta e não fugiria, por causa da asa... Não sabia ao certo o que era, mas se interessou por ele no momento em que o viu, e agora sentia-se disposta a fazê-lo voar novamente.
Tirou uma das gavetas do armário de madeira, esvaziou em sua cama e pôs sobre a de Victoria. Parecia servir perfeitamente de lar provisório para o bicho. Com a ponta dos pés, alcançou um saco de dormir verde queimado sobre o móvel e começou a ajeitá-lo dentro da gaveta.
Tori entrou no quarto, vestida e com uma toalha cobrindo a cabeça. Acabara de vir do banho.
- Meu Deus! Isso é para o pássaro? – perguntou, pendurando uma outra toalha sobre a cadeira, dirigindo-se ao espelho da penteadeira.
- É... eles ficam malucos quando enxergam muita coisa.
- Acha que ele poderá voar de novo? – disse, olhando-a com ternura através do espelho.
- Não se preocupe, eu cuidarei dele.
Tori retirou a toalha cor-de-rosa da cabeça e ajeitou os cabelos molhados, fitando a garota. Determinação e dedicação... essas eram qualidades que admirava muito na moça.
- Vai ser muito legal! – exclamou Paulie, empurrando o saco na gaveta.
Victoria Moller girou seu corpo até ela e tomou seu braço, aproximando-a de seu corpo.
- Vem cá... – murmurou, tocando seu rosto... e a beijando docemente – Eu não sei o que faria sem você, P.
Paulie sorriu com amor e a beijou outra vez.
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O céu acinzentado deixava a floresta próxima ao Perkins College com um ar mais sombrio do que de costume. O ruído das folhas secas sob os joelhos de Pauline Oster quebrou o breve, mas profundo silêncio existente ali.
Ela estava com o falcão, arrumando os últimos detalhes de sua nova "casa". Fez a ave pousar em seu braço e tentou colocá-la dentro da gaveta, mas em um segundo pulou para o chão. Paulie tirou alguns petiscos do bolso de sua blusa de frio e chamou o falcão, que não hesitou em pousar no seu braço novamente. A garota o levou cuidadosamente para dentro da gaveta e cobriu a abertura com a borda dobrável do saco de dormir.
Apanhou uma pequena faca presa à sua perna e cortou a fina corda, puxando por cima da árvore e elevando a gaveta para bem alto. Ficou a contemplar o novo lar do amigo e, vendo que ele não tinha intenções de fugir – mesmo com a asa machucada, sorriu com imensa satisfação.
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Mary Brava e Joe plantavam algumas flores no jardim e conversavam alegremente. Apesar de nublado, o tempo estava bastante agradável.
- Minha mãe gostava de mexer na terra... eu morro de medo de encontrar ovos de minhoca – disse Mary, sorrindo.
- Ovos de minhoca? Minhocas botam ovos?
- Acho que sim... ou não? Eu não sei – riu.
- Não acho que botam ovos. Acho que surgem de dentro da terra... – disse Menzies, levantando-se para pegar uma pá – Sua mãe me parece interessante. Gosto de mulheres dispostas a sujarem as mãos.
- É! Ela diria... "Ei, não se preocupe, é uma sujeira limpa."
O jardineiro riu, com sua voz rouca, ficando de bochechas rosadas.
- Ela era engraçada...
- É...
- Todo ano, na primavera, ela me acordava de manhã e sussurrava em meu ouvido: "nasceu o primeiro açafrão...".... e a gente ia para o jardim de camisola, descalças...
- ... e sujavam seus pés, juntas?
Os dois começaram a rir.
Joe se tornara uma espécie de mãe para Mary... de quem queria se lembrar. Um amigo em quem podia confiar e pedir conselhos.
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Tori, Paulie e Mouse estavam trocando os móveis do quarto de lugar, naquela noite, para poderem se divertir um pouco. A fita do Violent Femmes tocava no rádio, e as garotas acompanhavam a canção com suas vozes um tanto desafinadas. Primeiramente, arrastaram a escrivaninha e a cadeira para a parede da janela, depois moveram a cama de Oster até onde estavam as últimas mobílias.
Mary aumentou o volume da música, enquanto Paulie dançava e tocava uma guitarra imaginária. Todas trabalhavam em conjunto: Tori colocava a mesa de estudos próximo à cama, Mary B. empurrava a cadeira e Paulie puxava novamente a escrivaninha e que, ao passar perto de Moller, deu um tapa em sua bunda em tom de brincadeira.
As únicas luzes acesas do internato vinham do quarto das três, que riam alegremente.
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Já era de madrugada...
Terminada a "festa de pijamas", os móveis voltaram aos seus antigos lugares. Victoria e Bedford dormiam fazia um bom tempo; no entanto, Paulie permanecia sentada no peitoril da janela ao lado de sua cama, fumando um cigarro, enquanto o apanhador de sonhos pendurado no vidro balançava sob a ação da leve brisa.
Jogou o toco do cigarro para fora, ficou de pé e fechou a fina cortina esbranquiçada, tomando cuidado para não acordar ninguém. Depois acomodou sua mochila nos ombros e parou de andar quando viu Tori mover-se na cama, e só então continuou após ter certeza de que continuava dormindo, andando lentamente até a porta do quarto e saindo.
Sua ansiedade era tanta que mal podia se conter! Pauline correu silenciosa até o laboratório, no andar de baixo, e dirigiu-se até uma gaiola repleta de ratinhos. Apanhou um pequenino preto e branco pela cauda e tentou enfiá-lo uma par de vezes dentro do bolso da blusa, até conseguir. Era hora de alimentar seu novo amigo...
Paulie passou pelo imenso jardim do colégio e corria no campo, em direção às árvores, com os braços abertos... como se fosse um pássaro a voar. Estava feliz como nunca naquele dia.
Sentava-se no tronco de uma grande árvore, antiga, ensinando o falcão a voar. Ele decolou desajeitadamente de seu braço direto para o chão gramado, conseguindo "capturar" o ratinho que a garota lhe trouxera.
- É isso aí! – gritou a jovem Oster, rindo de felicidade, aprovando o progresso do amigo.
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Paulie retornou com cuidado ao quarto, carregando os tênis na mão. As meninas ainda dormiam tranqüilamente, ao menos era o que parecia ser... Colocou a mochila no chão e despiu-se da calça e da blusa de moletom, enfiando-se debaixo do cobertor de Victoria.
Ela se remexeu na cama e Paulie a abraçou pelas costas, sussurrando...
- Tori, eu te amo.
Tori abriu os olhos e virou-se para ela, sorrindo. Começaram a dar algumas risadinhas e então se beijaram, apaixonadamente.
Mary havia acordado alguns momentos antes, mas continuava imóvel na cama. Virou a cabeça para o lado e olhou as duas por um momento, voltando a fitar o teto.
Eu não sabia se elas sabiam que eu podia ouvir... ou fingiam não saber. Mas depois de um tempo, passou a ser... não sei... normal. Seus sons, seus sussurros, sua sombras... passaram a fazer parte dos meus sonhos, ou algo assim. Era como as coisas eram.
