XIII

O amor ...

"Tudo o que sabemos do amor é que o amor é tudo que existe"

            As várias alunas estavam sentadas em cadeiras de madeira escura, uma colada com a outra, formando um retângulo em contorno com a sala de aula. Ms. Vaughn estava dando aula de literatura, circulando no espaço vazio, enquanto recitava passagens de Shakespeare. Segurava o seu livro, ao tempo em que as meninas prestavam atenção em sua interpretação:

            - "A escuridão toma conta dos litorais do mundo... oh, Antônio, Antônio..." – ela disse, voltando-se para a turma – Seu amado está morrendo, vocês vêem? E ela chama o sol para queimar o seu medo... o mundo.

            Paulie lia, entretidíssima, a passagem de Antônio e Cleópatra, acompanhando a professora com o livro. Seus olhos castanhos giravam sobre as letras das páginas amareladas, sentindo cada verso...

        - O mundo...seu sentimento é algo tão extraordinário...

        - Ouçam! Depois ela diz... – interrompeu a garota – "Devo permanecer neste mundo estúpido que, sem você, não valerá mais que uma pocilga?". Pocilga... eu gosto disso. E depois ela diz: "A coroa da Terra foi derretida, e nada mais incrível resta sob a lua passageira..." – leu, erguendo a cabeça – Eu conheço isso.

        Pauline olhou para Tori, sentada do outro lado esquerdo. Sentia-se como Cleópatra naquela manhã... nada mais importava, sem o seu amor. Mas Tori não conseguiu, não podia encará-la... e então virou o rosto, não querendo que a fitasse.

        - Sim, oh, sim... um dia todos nós iremos conhecer...Vocês vêem que tudo isso fala sobre Amor – disse Ms. Vaughn, caminhando até a lousa e escrevendo Amor em grandes letras de fôrma – Louco, ardente... que rompe todas as barreiras! E é por isso que continuamos a falar dele.

        Paulie deixou de lado o livro para ouvir o que a senhora tinha a dizer.

- Quem daqui nunca sentiu paixão?

            Desta vez Paulie olhou diretamente para Tori - que continuava com a vista na direção contrária – com expressão um pouco sofrida.

            - E ainda há quem diga que o amor...hum... é chato, está fora de moda... ou é até mesmo uma idealização social. Mas e vocês, o que acham, meninas? Lauren?

        A garota deu uma olhada pela turma antes de começar:

        - Quando meu pai trocou minha mãe pela namorada, disse que era amor. Mas era óbvio para todos que...hum...não passava de sexo.

        Algumas meninas começaram a rir.

        - Eu acho que amor é sexo.

        - Eu acho que é uma projeção... como uma miragem no deserto. – opinou uma menina chamada Mônica, de expressão sonhadora e distraída, que dançara com Mary no dia da festa do chá – Você vê o que quer na pessoa.

        - Não, não, não... é uma reação química induzida pelo seu corpo para que possam fazer bebês! – exclamou Cordelia, não sabendo se falava sério ou não.

        - É dinheiro! – disse Lauren.

        Paulie não podia acreditar no que estava ouvindo. Era isso que pensavam ser o amor?! Um bando de bobagens? O Amor! Era muito, mas muito mais do que tudo aquilo... capaz de ser descrito apenas por quem o sente correr em suas veias.

        Não conseguiria ficar calada, sem retrucar. Levantou-se impotente da cadeira, olhando para todos da sala, interrompendo a discussão:

        - Mentirosa! Mentirosa! Mentirosa! Vocês não têm cérebro, não sabem de nada... porque o amor ! Simplesmente ! Não podem fazê-lo desaparecer, é a razão de estarmos aqui. É o topo da vida! E, quando você chega ao topo e olha para todos lá em baixo, está preso nele para sempre...

        A sala ficou em silêncio, fitando-a. Paulie olhou novamente para Victoria, mesmo sabendo que ela continuaria a apoiar a cabeça com a mão, cobrindo metade do rosto... mas fazendo um enorme esforço para não chorar, enquanto seus lábios teimosos tremiam.

        - Pois se você mover-se, você cai... você cai...

        Ms. Vaughn deu um longo suspiro, parecendo emocionada, e murmurou:

        - Sim, Paulie... acho que você tem razão.

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        Victoria e Mary Brava estavam estudando na biblioteca do colégio. Sentavam-se em uma       mesa perto da janela, em silêncio, preparando-se para devorar os livros espalhados à sua volta.

        Mary estava mais quieta do que de costume. Ela já não sabia o que dizer, desde que Allison flagrara as amigas juntas... as coisas pareciam haver mudado de um jeito muito estranho. As meninas evitavam falar com Paulie, a própria Mary se via perdida, e Tori... percebera que ela também não passava nada bem, obviamente. Sofria com o que estava acontecendo, mas não queria deixar transparecer a todos.

        Victoria olhou para Mouse. Não poderia continuar daquele jeito. Precisava falar! E a menina de sardas à sua frente era sua única confidente... a única que poderia ser, que sabia de tudo, mais do que qualquer pessoa, capaz de guardar segredos e entender o que estavam sentindo.

        - Ouça, Mary... eu preciso falar sobre Paulie – iniciou, num murmúrio. Mary ergueu o rosto, com expressão um tanto preocupada; uma garota de outra mesa as olhou – Eu sei que tudo isso está parecendo estranho pra você, e sinto muito... Mas você é a única pessoa em quem eu realmente posso...

        Tori estava embolando-se com as palavras. Mary entendia... entendia, como Tori a entendia, mas não dizia nada. Alguma coisa a incomodava, algum maldito receio a invadia.

        - Olha, você não conhece meus pais. Eles são muito, muito rígidos e religiosos, e nunca falariam comigo de novo. E eu preciso que eles façam parte da minha vida... eu não suportaria perdê-los. Eu amo a Paulie, você sabe que amo. Ela é a minha melhor amiga, e provavelmente a única pessoa que amarei... – Moller a fitava, com os olhos marejados, sussurrando – do modo como Cleópatra amou... 

        Victoria fez uma pausa. Mouse mantinha sua expressão preocupada... sentiu um estranho frio na barriga, algo inquietante, quando percebeu que a moça deixou escapar duas lágrimas.

        - E magoá-la... – reiniciou, chorando, pouco se importando com quem estava prestando-lhe atenção naquele instante – me asfixia... é como se eu não respirasse. Mas essa é a vida que tenho de viver, ok? O sonho que meu pai e minha mãe têm pra mim. E mesmo que isso esteja me matando... mesmo que esteja me matando, Mary, eu nunca mais serei a mesma Tori que se divertia com ela. Não posso mais ficar com ela! Nunca, jamais.

        Fez um breve silêncio, com um pequenino suspiro.

        - Paulie vai ficar muito abalada. Ela é muito sensível... e vai precisar de uma amiga leal, de verdade. Ela vai precisar de você como nunca precisou antes, Mary. Acha que conseguirá?

        Bedford a fitou, com os olhinhos claros tremendo, dando a entender que sim...

        Não respondeu com palavras. De que forma poderia ajudar Pauline Oster? E será que compreendia o lado de Victoria? Nunca passara por nada parecido...