XIX
Liberte o que sente!
Finalmente chegara o dia da festa dos pais. As moças se reuniram em um só quarto e pareciam eufóricas, brigando por uma vaga na frente do espelho, enquanto arrumavam os vestidos e se maquiavam.
Mas uma garota em especial não se encontrava lá...
Os jardins do colégio estavam rodeados de tendas com bebidas; garçons se equilibravam de um lado e outro com as bandejas, meninas tiravam fotos juntos dos pais, outras tantas andavam com as colegas. Estava uma tarde fresca e bastante agradável. Ms. Vaughn e outros professores cumprimentavam as alunas e seus progenitores, enquanto uma música tocava na tenda maior. Havia várias mesas em volta da longa mesa com o buffet, onde alguns pares iniciavam uma dança lenta.
Mary, Tori e seu pai sentavam-se na mesma mesa. Mouse estava um pouco sem graça pelo Sr.Bedford ainda não ter aparecido àquelas alturas...
- Ele nunca foi pontual na vida... – murmurou.
- Oh, ele deve estar preso no trânsito – disse o pai de Tori – À essa hora do dia costuma ficar muito ruim.
Ele era um homem relativamente alto, de rosto forte, cabelos negros e olhos tão azuis quanto os da filha. Aparentava ser calmo e paciente.
- Sim, claro – concordou Victoria, que usava um vestido azul escuro e um penteado apertado.
Mas a resposta não fora o bastante para Mouse ficar conformada. Passado algum tempo, a menina tomou licença e se retirou da mesa, dirigindo-se ao estacionamento para ver se conseguia identificar o carro do pai. Nenhum carro negro familiar avistou por ali. Já estava perdendo as esperanças... a festa havia começado há tempos, e parecia que seu pai se esquecera completamente.
Uma valsa começou a tocar...
- Eu quero dançar... – disse Tori.
- Bem, então vamos.
Seu pai tomou-lhe a mão cordialmente e a conduziu até o centro da enorme tenda, enquanto outros pares continuavam no compasso.
Repentinamente, Paulie aparecera na festa. Vestia um terno risca-giz castanho, camisa e sapatos... como um rapaz.
Seus olhos localizaram sua amada no mesmo instante. Sua expressão sofrida voltou a se estampar em seu rosto... lá estava Victoria Moller, linda, dançando com o pai. Paulie começou a caminhar lentamente até os dois, com os olhos fixos, enquanto todos da pista de dança voltavam-se para olhá-la. Tinham mesmo motivos para isso... mas ela não ligava. Nem um pouco, agora.
Parou em frente a eles e continuou a fitar Tori. O pai da moça sentiu sua presença e virou o rosto para olhá-la, antes de alguns segundos Tori fazer o mesmo.
- Boa noite, Victoria – disse Paulie, tomando ar – Olá, Bruce.
- Boa noite... – respondeu Bruce, achando aquilo estranho.
- Bruce... será que eu poderia interromper?
O homem a olhou, surpreso e franzindo a testa, depois voltando-se para a filha:
- Isso é uma brincadeira, não é, Victoria?
- Brincadeira? – disse Paulie, com o gênio ainda calmo – Eu estou pedindo... educadamente. Eu poderia dançar com a sua filha, por favor?
Tori não sabia o que responder, enquanto seus passos iam quase parando.
- Não creio que isso seja apropriado, e também acho que Victoria não...
Eu acho que Victoria..., eu acho que ela...
Por que não a deixava falar? Por que tomar as palavras de sua boca e não deixar ela andar sozinha?!
Pauline calmamente entrou na frente de Bruce e o interrompeu no ato, retomando os passos da dança com Tori. Os outros convidados continuavam presos ao encanto da valsa, mas agora pelo menos metade assistia à cena.
Os olhares de ambas estavam agora num mesmo lugar... A vista azul-celeste de Tori tremia, insegura, sentindo tantas emoções ao mesmo tempo que as únicas coisas que conseguia distinguir eram sua respiração agitada e o calor que avermelhava sua face.
Paulie a fitava com firmeza e delicadeza, de uma incrível simultaneidade. Como conseguia ser tão transparente através dos olhos...
- Você está louca?! – exclamou Tori em um sussurro.
- Louca? Você adorava dançar comigo em cima do telhado... lembra?
- Paulie... por favor...
Tori agora sussurrava... angustiada e hesitante. Alguém poderia estar ouvindo aquilo! Por que começar tudo de novo, justo naquela noite?
- O quê? – insistiu Oster.
- Não torne as coisas difíceis...
- Você me ama, Tori!
- Como amiga... – respondeu, com leve gaguejo, desviando o olhar rapidamente.
- Como amante.
Fizeram silêncio. Tori não respondeu, nervosa. Os olhos castanhos de Paulie se enchiam d'água lentamente, enquanto seu interior ameaçava se libertar.
- Diga: "Eu sou apaixonada por você, Paulie"! – [pausa] – Diga ou eu paro esta dança agora mesmo!
Agora, definitivamente, todos estavam encarando as duas.
- Paulie... por favor, por favor... – suplicou Victoria, sussurrando.
- Apenas diga!... – foi a vez de Paulie rogar, à bordo das lágrimas escorrerem – Diga...
Tori respirava com dificuldade... encarou o chão, desviou a vista... olhou de longe para seu pai e temeu alguma coisa. Poderia ter posto tudo a perder...
- Não! Faça você o que quiser... – falou, então, deixando Paulie no meio da pista de dança.
Tori foi em direção ao pai, sem olhar para trás, balançando a cabeça quando ele lhe perguntou alguma coisa. Os dois então partiram para fora da tenda.
Paulie continuava parada, no mesmo lugar, com os olhos tristes a acompanha-los. Sentia uma sensação terrivelmente dolorosa... sentia que perdia Tori para sempre, como nunca sentira antes! Ela se afastava cada vez mais... cada vez mais. Isso significava o fim de sua vida... não podia deixar isso acontecer, mas... o que fazer agora? Por que fazia isso com ela? Precisava ouvir, mais uma vez, que Tori a amava, como um fio de esperança a trazer-lhe alegria por aqueles dias. Mas tudo ser perdera... Tori nunca seria capaz de desafiar a própria família sem negar seus sentimentos.
Suas lágrimas agora rolavam sem receio. Ms. Vaughn parecia preocupadíssima com a menina, vinda do jardim apressada, atrás dela.
- Paulie, Paulie! – chamou, se aproximando, enquanto tentava agarrá-la pelo braço – Paulie, venha comigo...
A moça foi mais rápida e tomou a professora por um instante, a girou em volta de si como um passo na dança e saiu correndo pelo jardim, aparentemente em direção à floresta... gritou alto e desesperadamente, como a chamar pelo amigo falcão.
Ms. Bannet chegou perto de Vaughn, como que querendo reconforta-la e impedi-la, caso quisesse ir atrás da aluna.
- Faye...
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Isenta de tudo o que acontecera na festa, Mary Mouse caminhava pelo jardim em meio à escuridão, chorando baixinho. Seu pai não aparecera em lugar algum.
Estava profundamente decepcionada e tristonha. Como ele pôde esquecer aquela data? Desde o dia em que se instalara no internato não o via... e agora, nessa oportunidade, numa confraternização... ele se esquece de ver a filha.
Paulie Oster parecia estar melhor. Também havia se refugiado no jardim e estava encostada em uma grande árvore, quando viu a companheira passar.
- Mary Brava... vamos! – chamou.
Mary virou-se no instante e começou a segui-la apressadamente em direção à floresta, sem saber para onde ia, enquanto passavam pela mesma varandinha branca da festa do chá.
"Você já sentiu muita sede e, ao abrir um litro de leite e começar a beber, viu que estava azedo?
Eu me senti assim por dentro... para sempre."
- Nunca fiquei tão cansada... – murmurou Mary, quando as duas já haviam se adentrado bastante por entre as árvores e matagais. Estava completamente escuro, com exceção da pouca luz que a lua fornecia... ao menos seus olhos se acostumaram.
- Yah! Yah! – gritou Paulie, chamando o pássaro. Fez uma pausa, mas não houve resposta – Yah!
Não demorou muito dessa vez para o falcão aparecer e pousar justamente na mão de Paulie que, felizmente, estava coberta com uma luva grossa.
- Ele pode voar! – exclamou Mary, contente, entendo tudo – Ei, você o ensinou a voar?!
O falcão levantou vôo novamente. Paulie tomou um pouco de ar e respondeu, não necessariamente à pergunta da amiga:
- Ele vai nos mostrar o caminho, Mary B. ...
- O... caminho?
Agora a menina voltara a ficar confusa. De que diabos estava falando? Por que estavam ali?
Paulie não conseguiria explicar.
- Mary, onde está seu pai?
Aquela pergunta pegou Mouse de surpresa. Tanto, que teve que desviar o olhar para o chão... sentia-se envergonhada. Mas não deveria... ainda mais porque a pessoa à sua frente era justamente Paulie. E ela sabia que seu pai não fora à festa. Ou então o que estaria fazendo sozinha no jardim?
Paulie aproximou-se dela e encarou-a, tentando fazê-la reerguer a cabeça. Mary Brava!
- Eu vi você chorar? Você chorou como uma garota? Como uma garotinha indefesa? – disparou, contornando a árvore – Eu também estive chorando, Mary.B. Eu estive chorando como uma garotinha indefesa há drogas de semanas! E agora chegou a hora... a hora do falcão... você está comigo? – disse, fitando-a novamente – "Eu odeio o meu pai"! Diga, é fácil... vamos..."EU ODEIO O MEU PAI"!
Mary sentiu seu coração disparar. Dizer... isso? Como? Nunca antes dissera coisas más sobre alguém... Apesar de ter se decepcionado e frustrado com o próprio pai no dia.
- Eu...eu odeio... – parou por um momento. Não conseguia dizer o final - ...meu pai!
- É... mais uma vez!
Paulie queria ajuda-la a expor tudo o que estava preso em seu interior. Sabia que a menina era quieta, calada, que se auto-recriminava só de dizer algo assim... que era errado. Já estava na hora de Mouse andar por si só! E estava ali para tentar ensina-la... de fato, Mary sentia um calor subir por seu pescoço, quando as palavras que vieram do seu íntimo estavam prontas para saltar de sua boca:
- Eu queria que estivesse morto! Eu o odeio! – começou, agora gritando – Odeio o desgraçado, cretino do meu pai! O odeio!
Paulie lembrou-se da aula sobre MacBeth. Como... como entendia incrivelmente Shakespeare...
- Tirai-me o sexo. E convertei meu leite em fel. Enchei-me, dos pés à cabeça, da mais implacável crueldade... vamos, diga! Diga para o falcão!
- Tirai-me... tirai-me o sexo, e convertei meu leite em fel...
- Torne meu sangue mais espesso...! – rosnou Paulie, palavra por palavra.
- Torne meu sangue mais espesso!
- Alimente o falcão – disse, entregando-lhe a luva para dar-lhe coragem.
- Não posso!
- Oh, sim, você pode! – insistiu Paulie. Ela estava indo bem demais para desistir de algo agora.
Mouse hesitou por um instante, mas então apanhou a luva e a colocou cuidadosamente em sua mão direita. Paulie pôs os famosos petiscos sobre ela.
- Enchei-me, dos pés à cabeça, da mais implacável crueldade... vamos, diga isso! E alimente o bicho!
- Enchei-me, dos pés à cabeça, da mais implacável crueldade...
Mary agarrou o alimento e ergueu a mão para bem alto, sem mais temer seu ato. O pássaro negro voou com velocidade até a luva e apanhou seu jantar com o bico, partindo logo em seguida. Mary ainda estava inteira.
- Você está pronta, Mary B.? Pronta para a manhã sombria?
- Estou – disse, bastante convicta.
- Está pronta pra qualquer coisa? – Paulie orgulhou-se da amiga e sussurrou, sem perder o hábito: - Ira total. Vamos!
A garota Oster pôs seu braço em volta de Mary e as duas então voltaram para o colégio.
Certamente, mais aliviadas... teriam muita coisa que enfrentar pela frente.
Notas da autora: Resolvi publicar todo o resto do fanfic de uma vez! Acho essa cena da Paulie e da Mary na floresta muito interessante... tem gente que também percebe a analogia que fizeram entre Lady MacBeth e Mouse, e funciona bem n.n.
Cadê os reviews, pessoal? U.
