Capítulo 7:                            Dúvidas, muitas dúvidas

Draco não entendeu a razão do tratamento. Em poucos minutos, Virgínia limpou e curou seus ferimentos, conjurou vestes limpas e o conduziu, preso com algemas de luz, para o andar térreo, acomodando-o em frente a um prato generoso de carne, batata, ervilha e legumes.

Apesar de nenhum dos dois ter dito um "a", apreciou bastante ela cuidando dele, mas interpretou mal o tremor que sentiu vindo dela quando tocou seu rosto.

Estava observando há algum tempo a comida, decidindo-se se começava pelas batatas ou se atirava tudo longe ("Um Malfoy não aceita migalhas."), quando a Elfa entrou e sentou-se ao lado dele. Trazia a pequena à tira-colo, mamando tranqüilamente. Estendeu a mão e as algemas sumiram.

- Pode comer. Não está envenenada. – ela informou. – Se quiser, eu mesma provo.

"Por que ela sorri? Deveria me lançar todas as maldições que conhece. Será que enlouqueceu? Mas a menina não morreu..."

"Eu ainda estou com as faculdades mentais intactas, Malfoy." ela transmitiu a ele.

Draco assustou-se.

- Você está invadindo a minha mente?

- Quando seus pensamentos são sobre mim, eu não tenho dificuldade em ouvi-                                                                                 -los. – ela respondeu calma, olhando de Elanor para ele. - Por hora eu só tenho três assuntos com você.

- Assim você me mata de curiosidade. – Draco rebateu, arrastando a voz como há muito não fazia. Sequer imaginava a briga que ela enfrentara para estar ali com ele, levando a filha. Harry não permitiu, mas ela assumiu o risco.

- Primeiro, quero que você coma. Não, não é piedade. – Elenna acrescentou, ao sentir a resistência dele. – Um prisioneiro deve estar em condições para o interrogatório. O que me leva ao segundo assunto: você ficará nesta casa até amanhã, quando poderemos falar-lhe sem nos preocupar com ela. – apontou a nenê em seus braços.

- Você não tem vergonha?

- Vergonha? E por que eu me envergonharia?

- Por estar semi-nua, amamentando um bebê, na frente de um prisioneiro. – Draco queria provocá-la. Na verdade, sentiu o coração mais sossegado ao ver a nenê bem. E ele sequer sabia o nome dela.

- Jamais me envergonho de 'Elanor'. – ela enfatizou o nome, respondendo a pergunta não formulada. – Minha filha não tem preço para mim. E se é preciso que eu venha falar-lhe alimentando-a, eu o farei. Se você fosse pai, entenderia... E por fim, o nosso terceiro assunto. Aceite os meus agradecimentos por cuidar dela.

- Eu não cuidei dela! Eu pouco me importo se ela morre ou vive! Era um estorvo, um peso, um tram...

- Poupe saliva, Malfoy. Pelo Merlin da Bretanha, não ouse negar! Ainda não entendo porque você o fez, só saiba que Elanor não brinca com os cabelos de qualquer um, muito menos cintila os olhos como ela está fazendo por você agora. Veja.

Sim. A pequena virara o rosto para ele e sorria feliz. Elenna levantou-se, ajeitando o vestido, e caminhou para a saída.

- Um dos possíveis significados, em Alto-élfico, para Elanor é 'raio de sol', Malfoy. Talvez ela seja a sua guia para fora da escuridão. Quando você terminar de comer, Harry o levará para descansar.

         Enquanto obedecia ao seu estômago, devorando de forma selvagem a comida, Draco ouviu um pouco da discussão da Elfa com Potter do lado de fora, até eles terem o bom-senso de sair dali e o deixarem em paz.

         - Você não tinha o direito, Elenna! Ainda trancou a porta! Se acontecesse alguma coisa?! – o marido estava vermelho de raiva, dos olhos saltavam faíscas. "Ele é um comandante, em todo caso. Detesta ser contrariado" ela pensou.

         - Nada aconteceu, Harry. – respondeu num tom baixo, tentando não piorar a situação. - Eu precisava vê-lo.

         - Você colocou a vida da nossa filha em risco!

         - Harry, o que ele podia fazer? A casa está cheia de aurores, ele está desarmado. Esteve com ela todos esses dias! Se quisesse matá-la... Eu precisava saber!

         - O que? O que você precisava saber? Por que eles roubaram o cordão? Um interrogatório normal arrancaria a informação!

         - Olhe! Veja Elanor. – ela estendeu a filha para ele. – Ela está bem. Por que? Por que ele a alimentou? Você sabe tão bem quanto eu que foi ele quem cuidou dela. Criou um vínculo com ela. Acabei de constatar isso.

         Harry parou de reclamar. A nenê o observava, os olhinhos pesados de sono. Ainda não pudera pegá-la nos braços, e foi o que fez. Elanor respirou fundo, como se reconhecesse o cheiro do pai, encolhendo-se no colo dele.

         - Ela está quase dormindo. – ele disse baixinho, voltando os olhos para Elenna. "Posso continuar essa discussão mais tarde, quando estivermos descansados." transmitiu.

         - Você pode levá-la para o berço, se quiser. – ela respondeu, sorrindo agradecida. – Vou arranjar um lugar para Tim, Fabian, Hannah e Gina e me deitar também. Depois, você pode escoltar Malfoy até o sótão?

         - Não deixaria essa tarefa para ninguém. Mas ele que não espere uma companhia muito agradável...!

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A mulher abraçava forte. Estava trêmula por conter o choro. Era tão bom abraçá-la, sentir o coração dela batendo de encontro ao seu, sentir a proteção dela, serena e certa. Seu beijo tranqüilizador.

Mas, não! Ela estava indo. Indo para longe. Indo para sempre. Nunca mais a veria... Por que ela tinha que ir?

"Ela não vai agüentar muito mais que isso"  ele a ouviu dizer, antes de deixar o cordão de prata em suas mãos.

Ele não queria que ela fosse... Tristeza... Tristeza... Solidão...

Harry acordou com o rosto molhado de lágrimas. Nos últimos dias, desde o seqüestro de Elanor, o encontro com seus pais tomava conta de seus pensamentos. Começou a mexer nos cabelos de Elenna, espalhados pelo travesseiro.

Fora por intermédio dela que ele tivera aquele contato com a mãe. Todavia, muito antes desse feito, a meio-elfo já tinha entrado em sua vida para ficar e mudar todas as suas expectativas.

Freqüentemente, Harry acordava à noite para velar o sono dela. Agradecia pela família que ela o ajudara a formar - uma família sua, uma casa sua; faria qualquer coisa para protegê-la. Aprendera a amar até os defeitos da esposa. Eles tinham uma interação impressionante, sem utilizarem leitura de pensamentos ou coisa que o valha.

"Alguns dizem que eu tive sorte", pensava ao desenhar levemente o rosto dela, "Mas essa sensação é maior. Sorte não nos deixa extasiados, nem seguros e confiantes... Sorte não traz companheirismo ou cumplicidade... É como se nos conhecêssemos desde o início dos tempos.", mas em seguida completou, sorrindo sozinho, "O que não me impede de surpreender-me sempre com você. Eu ainda vivo um constante mergulho de vassoura, Srta. Perturbadora da Paz!"

Com cuidado, conseguiu sair da cama. Sem saber direito onde ir, acabou parando em frente ao quarto da filha. Não se surpreendeu. Seus pés certamente estavam tão habituados ao caminho que já se direcionavam automaticamente. Abriu a porta sem ruído e viu a nenê acordada, mordendo os pezinhos.

- Ei, quer andar de muletas? – ele brincou, aproximando-se e esperando que ela estendesse os bracinhos para ser pega, o que não demorou a ocorrer. – Devia ter avisado, viu? Sua mãe e eu teríamos vindo fazer companhia.

"Ela tem razão.", concluiu enquanto deixava Elanor bagunçar e puxar seus cabelos. "Por que ele cuidou de você? Precisamos descobrir a razão dessa loucura toda. Qual a utilidade desse cordão, afinal? Ninguém se arriscaria a seqüestrar um bebê para roubar um mero cordão de prata."

- Vou ter que arrumar outra jóia para a minha princesinha. O cordão da vovó parece ter sido perdido mesmo. – Harry assustou-se com o olhar incisivo que a filha lhe lançou. – Você está querendo me dizer alguma coisa, querida? – ela levantou as mãos, como fazia com o pingente. – Está entendendo do que estou falando? – Elanor sorriu e ele retribuiu o gesto. – Também, filha de quem é...! Não quero aborrecê-la com esses assuntos, meu amor. Nós vamos descobrir onde está o cordão, ok?

- Ela adora fazer os homens de bobos. – ouviu às suas costas. – Como a mãe. – a voz completou, zombeteira.

- Terei que usar toda a minha influência para que isso não ocorra. – ele retrucou, voltando-se para Timoth, que se juntou aos dois. – Elenna também entendia o que as pessoas falavam quando tinha meses de vida?

- Sim, embora ela não se lembre. – Harry teve a impressão que ele estava esperando por essa conversa. - Mas só entendia quando Laurëtinwe ou eu falávamos. A ligação entre pais e filhos é intensa, você sabe.

- Sinto tudo que elas sentem. É estranho: conforta e chateia ao mesmo tempo.

- Você se acostuma. Depois de um tempo, aprende a separar, a diminuir essas sensações e até a bloqueá-las quando convêm. Posso segurá-la um instante?

Timoth pegou a nenê, passou a mão sobre o rosto dela. Ao retirá-la, Elanor dormia.

- O que voc...?

- Não fará mal a ela. – Tim beijou a testa da neta e colocou-a de volta no berço. - Já estava pegando no sono, de qualquer forma. – disse, sério. - Preciso conversar com você. Melhor irmos até a sala.

         Quando estavam sentados em frente à lareira, Harry resolveu quebrar o silêncio do sogro.

- Qual é o assunto, Tim? – o bruxo o encarou.

- De onde veio o colar que Elanor usava?

- Minha mãe me deu, na nossa despedida há sete anos.

- Por que você o deu à menina?

- Não sei. Ele me trazia uma sensação de tranqüilidade. – o jovem respondeu lentamente. Pensava no assunto pela primeira vez. - Então, pensei que ela se sentiria bem, protegida, como eu.

- Sua mãe não lhe disse o que era?

- Não. Só me pediu para usá-lo bem. – Harry levantou-se e deu a volta na cadeira. – Jamais daria algo perigoso à minha filha, Timoth. Ainda não sei do que aquele pingente é capaz, mas é óbvio que ele é um objeto poderoso.

- E você nunca desconfiou...? – Tim cortou a frase, balançando a cabeça e desviando o olhar, recostando-se no sofá. – Não posso culpá-lo. Nenhum de nós percebeu, afinal...

- Do que você está falando? – Harry voltou para a frente da poltrona. – O que você quer dizer?

- Eu não imaginava que ele ainda estivesse neste mundo. Além disso, tantos outros objetos têm os mesmos efeitos... – o bruxo resmungava. – Como poderia ser ele? Mas, agora que eles o querem e tudo mais...

- Timoth, - Harry o chamou mais alto, tocando seu ombro e fazendo-o olhar para cima. – Timoth, 'de que' você suspeita? O que pode ser esse cordão?

Tim levantou-se de súbito, derrubando Harry no assento. Procurou pelas estantes, saiu da sala e dirigiu-se ao escritório do andar térreo, usado como biblioteca. Voltou instantes depois, carregando um livro fino e antiqüíssimo, cujas folhas eram feitas de um tecido mais forte que o linho cru. Na capa podia-se ler "Balada de Eärendil". Ofereceu-o ao genro. Harry pegou-o e franziu a testa.

- É uma das poucas histórias do Belo Povo que chegou aos dias atuais quase intacta. – o bruxo mais velho explicava, vendo a confusão nos olhos dele. – Por ser Eärendil um ancestral dos meio-elfos que permaneceram na Terra e por sua coragem ter permitido que a Luz governasse o mundo por mais um tempo.

- Ainda não entendo onde quer chegar. – Harry olhava do livro para o outro. Era um dos livros que Elenna trouxera quando se casaram, mas ele não o achara atraente para uma leitura.

- Você deveria se interessar mais pela história de sua mulher. – ele sorriu levemente. - Os Elfos prezam o passado. E acredito que o pingente do colar não era um simples presente de Lílian para o filho. Ao contrário, dentro desse pingente está algo extremamente poderoso. – Tim folheou o livro no colo do jovem e apontou um parágrafo. - A Luz de Eärendil.

Harry leu:

"... Este frasco contém a luz da estrela de Eärendil, engastada em água. Brilhará ainda mais quando a noite cair ao seu redor. Que essa luz ilumine os lugares escuros por onde passar, quando todas as outras luzes se apagarem..."

- É o maior presente já dado a um Homem Mortal, pois com ele pode-se abrir as sombras e penetrar em outros mundos... Em Valinor, talvez... Creio, entretanto, que eles não chegariam a tanto. – Tim sentou-se novamente. – O brilho daquele pingente era anormal, você nunca notou?

- Espere aí, você quer que eu acredite que minha mãe me deu um tesouro élfico? – o rapaz estranhou. - Isso não seria uma tarefa, digamos, de Laurëtinwe?

- E quem disse a você que não foi? Ou pode ser que tenham sido as duas e Tiago, não se esqueça. Eles devem ter se encontrado. Não me peça explicações. Há muito tempo não encontro Laurë em meus sonhos.

Um enxame de perguntas ferroava o cérebro de Harry. Valinor? Eärendil? Outros mundos?

- Mas por que a Luz de Eärendil? Por que nós?

- Você está com preguiça de pensar, Potter? – a didática de Tim não mudara. – Elanor é a última descendente dos elfos a leste dos Mares Divisores que separam nosso mundo de Valinor.

- Então, já sabiam que iríamos nos casar e Elanor nasceria?

Timoth lançou-lhe um olhar que dizia: "você só pode estar se fingindo de estúpido!"

- Não, mas era de se esperar que vocês ficassem juntos. Era o óbvio. O cordão passaria naturalmente a Elenna, pelo menos, como um presente seu, já que foi feito para mulheres.

- Suponhamos que seja a tal Luz. – Harry não se incomodou com o sogro. Sabia que ele era um tanto impaciente. – Como você descobriu? E para que Malfoy a quer? E, o mais urgente, como ele sabe do pingente e dos poderes dele?

Timoth suspirou e revirou os olhos, sugerindo que o bruxo jovem estava sendo obtuso.

- Você não estranhou o fato de 'Draco Malfoy', seu inimigo de infância,  cuidar da 'sua' filha? Esse feitiço de encantamento, como chamamos, de tornar tudo em volta irresistível, é um dos poderes das jóias élficas. Não que a minha neta não tenha um encanto próprio. – ele apressou-se a acrescentar. - Além disso, estive folheando este livro – apontou para o colo de Harry – e tudo pareceu se encaixar. Por que mais eles se arriscariam por um pingente?

- Mas... – Harry iria repetir suas perguntas.

- O uso dele é diverso, sempre no sentido de atravessar passagens escondidas, caminhos proibidos, essas coisas. – o bruxo franziu a testa. Parou um longo tempo, fitando o rapaz a sua frente até ele sentir-se desconfortável. – Só não sei como ele soube de tudo isso. Mas eu não posso fazer mágica, não é? Talvez o jovem Malfoy que está hospedado aqui em cima – apontou para o teto, um estranho brilho nos olhos. – possa nos responder.

- Só vamos interrogá-lo amanhã, Timoth. – Harry percebeu a intenção de Tim. – Quero testemunhas do que ele disser.

- Está bem. – o outro pareceu desapontado. Caminhou lentamente para a porta. – Pense bem, Harry. Pense no que vai querer saber. – Dito isso, ele subiu as escadas.

O pai de Elanor folheou a Balada de Eärendil e ficou observando as chamas brincalhonas na lareira. Suas pálpebras pesaram, ele esticou-se no sofá e dormiu.

N/A: Quero agradecer os e-mails que recebi e continuo recebendo!! Gente, vocês são ótimos! Não vou dar nomes, elas sabem quem são... rsrs!! Agradeço também quem não escreve, apesar de eu continuar querendo saber o que estão achando. Tem alguém que está achando o romance entre o Draquinho e a Gina meio morno. Vou ver se dou um jeitinho nisso, ok? Beijos e até o próximo cap!!!