Capítulo 10:                                     Filhos de Avalon

         Não foi o grupo dos sonhos de Harry que partiu na noite seguinte para a Ilha Sagrada. Ainda mais porque Rony e Hermione apareceram durante a tarde, insistindo em ir.

         - Pelo menos é uma chance de conhecer Avalon, Harry. – Mione procurava convencê-lo. Ela não perderia a experiência por nada. – Imagine! Há séculos ninguém do mundo mágico vai até lá!

         - Rony, você vai deixá-la ir?

         - Ele não manda em mim, Harry! – a amiga exclamou, indignada.

         - Acho que não há mal em irmos. – o ruivo tentou se salvar. - Mamãe já se ofereceu para cuidar das crianças. E não vamos demorar, não é, Elenna?

         - Espero que não, Rony. Entretanto, não podemos confiar.

         - Nós vamos e está decidido! – Mione acabou com qualquer discussão.

Demorariam duas horas, entre aparatar no estábulo do Ministério em Somerset e prosseguir cavalgando, uma exigência para não despertar suspeitas.

         Contudo, nenhum deles era cavaleiro, ou amazona. Tiveram dificuldades com os animais, perderam-se e tiveram que despistar alguns policiais trouxas que pararam para perguntar o que, em nome da rainha, pretendiam fazer cavalgando feito doidos pelas estradas. De modo que a viagem durou o dia inteiro, além de causar muitas assaduras e traseiros doloridos.

         Pararam junto ao alagado de Glastonbury, distinguindo por entre a névoa a ilha com o mosteiro histórico, seu sino ruidoso convocando os cristãos às suas obrigações. O sol baixo refletia na bruma, dificultando a visão.

         A região toda era uma espécie de pântano, ou alagadiço. Uma série de atoleiros formava o tal Lago, famoso até em histórias trouxas. Quem não soubesse o caminho por entre as ilhotas certamente ficaria vagando sem rumo até o fim melancólico. Por isso, pensava Timoth, Malfoy arriscou tanto pela Luz de Eärendil. Só com o pingente como guia ele conseguiria enxergar através de bruma e água.

Avalon fora um local de peregrinação mágico, mas poucos bruxos tinham se aventurado a chamar os favores dos druidas desde muitos séculos. Era um mundo que se distanciara da realidade a que estavam acostumados, afundando nas brumas; com tempo e espaço diferentes.

Em Hogwarts, os alunos aprendiam que os habitantes da Terra do Verão, como era chamada a região antigamente, ainda preservavam a magia em estado puro, estando em total contato com a natureza. Harry se lembrava de ouvir falar de Avalon nas aulas de Poções, Feitiços e, claro, História da Magia; mas jamais cogitou conhecê-la pessoalmente.

         À medida que se aproximavam, perceberam um clima estranhamente "medieval", como se o progresso trouxa não tivesse chegado às margens do lago. Por todo lado, viam apenas campos cultivados de trigo e cevada, bosques quase intocados, carroças e raros cavaleiros nas estradas, cujos trajes fizeram a mente de Hermione recordar os filmes sobre o rei Arthur. Nenhum automóvel, nenhum avião.

         - Magia. – Elenna esclareceu quando Gina observou que as estradas não estavam mais asfaltadas, e as construções de concreto haviam desaparecido. – Os druidas não gostam da visão cinzenta dos edifícios modernos, por isso, se você tem sangue mágico, o que vê é a paisagem de mil e quinhentos anos atrás. – e acrescentou, sorrindo para Mione. - Entramos em outra dimensão, como diriam os personagens do cinema.

         Os cavalos resfolegaram e começaram a pastar calmamente quando seus cavaleiros desmontavam e os aliviavam das celas e arreios. Havia um silêncio agourento à volta e eles olharam ansiosos para onde acreditavam que ficaria o morro Tor.

         - Os livros em Hogwarts descreviam a entrada para a Ilha Sagrada como vetada aos olhos humanos. – explicou Hermione, quando não divisaram nada além da torre do mosteiro. – A menos que você já tivesse estado lá ou fosse convocado.

         - Bem, temos que encontrar a entrada logo. Está esfriando aqui. – constatou Rony.

         - Acho que ouvi que você já havia estado em Avalon, não? – Draco indagou, virando-se para a Elfa, que cavalgava um pouco atrás e terminava de liberar seu cavalo. – Além de, claro, você não ser exatamente 'humana'. ("Draco!", repreendeu Gina.) Como se chama a tal barca, ou seja lá o que for?

         - Para entrar em Avalon é preciso mais que uma invocação, Malfoy. – Elenna pareceu não ligar para a provocação. – É preciso que a Senhora do Lago queira nos receber.

         - Rony tem razão, Elenna. – Harry manifestou-se, trazendo a cesta da filha flutuando ao lado. – Não podemos ficar aqui.

         - Você não disse que havia uma aldeia aqui perto? – Gina apontou vagamente para o oeste. – Podemos ir até lá e pedir abrigo. Ou podemos ir até o mosteiro...

         - Não! – o tom enfático de Elenna assustou a ruiva. – Quanto mais perto dos cristãos, mais longe do Tor, Gina. – ela disse, mais suavemente.

         - Rony e eu vamos até a aldeia então. – propôs Harry. – Verificamos a disposição deles em nos abrigar e retornaremos. É por ali? – apontou para um caminho que serpenteava por trás do morro que haviam descido.

         - Sim. – a meio-elfo respondeu. – É uma aldeia do Povo do Lago. Perguntem pelos barqueiros. Não se preocupem, eles conhecem Avalon.

         Os dois se afastaram rapidamente, deixando a cesta com Mione.

         - Bem, - começou Elenna, aproximando-se da água. – agora nós. Gina, Malfoy, venham aqui, por favor.

         Os dois olharam-se em dúvida, deram de ombros e foram para o lado dela.

         - É preciso que vocês dois digam à Senhora Dian que pedimos permissão para pisar a terra sagrada. – ela continuava fitando as brumas à frente. – Malfoy tem razão. Eu posso ver Ynys Wydryn, a Ilha de Vidro, mas não posso invocar os favores da Senhora. Vocês podem.

         Gina franziu a testa. Draco não demonstrou qualquer perturbação, mesmo estando se perguntando a mesma coisa que a namorada expôs em palavras.

         - Por que nós?

         A Elfa apenas sorriu levemente, como se a ingenuidade deles fosse divertida.

         - Vocês nunca se perguntaram por que não conseguem mentir um para o outro? Por que, mesmo vindo de famílias inimigas, se apaixonaram?

         - Ora! – Draco estava entediado com aquilo. – Isso sempre aconteceu no mundo, Elfa. Nós não somos nenhuma novidade. E tem mais. Por que nunca nos notamos em todos aqueles anos em Hogwarts?

         - Ok. Se você não acredita em encontro de almas, Malfoy... Então, vocês sabiam que a família Weasley é uma tradicional família bruxa, certo? Quem foi o primeiro Weasley, Gina? – a garota deu de ombros. – Os Malfoy também se orgulham disso, não é? – virou-se para Draco, mas ele só a encarou de volta. – É tão óbvio! – o sorriso se alargou mais.

- Espere, Elenna. – Gina disse lentamente. – Você não está querendo insinuar que...

- Vocês se conheciam de outras vidas? Sim, estou.

- Não, não é isso. Que nossas famílias vieram daqui?

- Também. De que outro modo Lúcio Malfoy conseguiria enxergar o Caminho Escondido por entre os juncos e a Ilha? Que eu saiba, nenhum druida ou sacerdotisa jamais o convidou para um chá à sombra do Círculo Sagrado. E nem a Luz de Eärendil conseguiria mostrar-lhe os segredos de como passar sem se afogar nos atoleiros.

- Como? – Draco perguntou, procurando esconder a curiosidade. – Como você sabe disso?

- Eu estive em Avalon, Malfoy. Seu sobrenome foi inventado, assim como Weasley, quando seus antepassados preferiram viver neste mundo. – ela bateu o pé no chão. - Além disso, no dia do interrogatório, era fácil perceber a interação entre vocês. E, da última vez que Dian entrou em contato comigo, me alertou que só vocês dois poderiam chamá-la das brumas.

         - Está bem. – ele resolveu testá-la. - Digamos que todo esse absurdo seja verdade. Não sabemos como contatar alguém. Não fazemos nem idéia.

         -Vocês ainda não tentaram.

         - Me desculpe, Elenna. – Mione intervinha. – Mas desta vez ele tem razão. Não há evidência de que eles sejam descendentes de Avalon.

         A Elfa suspirou. "Seria tão mais fácil se eles apenas fizessem!"

         - Não peço que entendam esses mistérios agora, Hermione. Levei anos para aceitar toda essa conversa de outras vidas, almas que se encontram em todas as épocas etc.

         - Então?

         - Dian não me faria trazê-los se fosse mentira. – declarou, puxando a amiga pelo braço. - Vou me afastar com você e eles vão se concentrar e tentar até que Harry e Rony voltem.

         - Não vou fazer papel de palhaço para essa Elfa e a sua cunhadinha, Virgínia. – Draco aproximou-se da ruiva. – Deveríamos voltar para York. Isso tudo é uma grande idiotice.

         - Não é, Draco. – Gina sabia que ele desdenhava da boca para fora. Não conseguia discernir a razão, mas sentia que o loiro estava ansioso para experimentar. – Vamos, não custa nada. Só pernas doendo se continuarmos em pé muito tempo. – completou, sorrindo. Ele nunca soube lutar contra 'esta' arma.

         A bruxa tomou a iniciativa de virá-lo de frente, segurar as mãos dele e concentrar-se nos olhos cinzentos.

         Nada aconteceu. Minutos se passaram. Os braços já estavam dormentes, as mãos suadas escorregavam.

         - Não adianta.

         - Você precisa ajudar! – ela estava aborrecida. - Se não consegue pensar que dará certo, não pense em nada!

         - Como você sabia que eu estava torcendo contra? – ele sorriu malicioso.

         - Eu apenas sei! Vamos sentar. Talvez fique mais confortável e a gente consiga.

         - Duvido. – ele provocou, rindo enquanto sentava de pernas cruzadas, ainda segurando a mão dela.

         - Cale a boca, Draco. E concentre-se em mim. Só em mim, ok?

         - Como se eu pudesse ser distraído por qualquer truta do lago. – Gina lançou-lhe um olhar rancoroso e ele, enfim, calou-se, encarando-a.

         Os olhos castanhos de Virgínia sempre tiveram aquele efeito sobre ele. Aos poucos, sua consciência flutuou para um mundo onde só existiam os dois, onde tudo era perfeito, esplêndido. Ele estava inebriado, absorvido pela ligação mágica que o surpreendia quando pegava-se em tal estado de deleite. Era quente, confortante, macio e envolvente.

Ele não sabia que nome dar àquilo, mas Virgínia conhecia a sensação como união plena.

         Para ela, era fantástico. Os dois se misturavam, se envolviam, se atraiam, pairando no espaço entre o sonho e o despertar. Como se entendiam tão bem ali? Sem corpos, sem memórias, desnudados de roupagens passageiras. Eram inteiros. Apenas verdades imutáveis.

         "Enfim, vieram." - Uma voz ressoou no vazio que circundava as energias dos dois. Eles procuraram, mas só viam escuridão.

         "Não se assustem... Sabia que viriam... Vocês sempre vêm..."

         Eles tentaram falar.

         "Sei o que querem... Amanhã... A sacerdotisa abrirá mais uma vez as brumas... Ao amanhecer... Agora vão..."

         Os últimos raios de sol feriram os olhos de Draco, acostumados com a escuridão. Ele praguejou alto, levando um tapa de Gina no ombro. Levantaram-se, buscando em volta. Há uns cinqüenta metros, Elenna brincava com a nenê e Hermione juntava gravetos para uma fogueira.

         - Incêndio!

         - Seria mais fácil conjurar a fogueira inteira, Weasley.

         - Diferentemente de você, Malfoy, eu não uso a magia como muleta.

         - Como se atreve, sua...

         - Draco, pare. – Gina censurou. - Você mereceu.

         Ele suspirou, jogando-se ao lado da cesta de Elanor, ocupando-se em fazer cócegas na garotinha. Elenna sorriu.

         - Que poder ela tem sobre você, hein?! – murmurou, vendo Gina ajudando Mione a enfeitiçar os cavalos para mantê-los juntos.

         - Não me venha você também, sua sujeitinha de orelhas pontudas!

         - Não quero brigas. – ela gargalhou. – As mulheres têm esse efeito sobre os homens. Não é só você. Preciso pedir a Mione que prepare o marido para a revelação de vocês dois. O que aconteceu?

         O loiro repetiu o que a voz dissera, sem mencionar as sensações extraordinárias que sentira no transe.

         - Temos a noite toda. – a meio-elfo voltou-se para o horizonte, onde podia-se ver a pequena claridade sendo devorada pela noite. – Quando Harry voltar decidiremos o que fazer.

         - O que você viu nele? – Draco perguntou sem querer, arrependendo-se em seguida.

         Elenna riu mais.

         - Há quantos anos você quer me perguntar isso?

         - Do que está falando?

         - Ah, Malfoy! Você ainda não aprendeu que não pode esconder seus pensamentos quando são direcionados a mim? – aproximou-se do bruxo. – Vou te contar um segredo. Várias coisas que você fantasiava comigo, na época de Hogwarts, eu acabei fazendo com o Harry.

         O comentário deixou as faces de Draco levemente rosadas.

         - Não acredito! Draco Malfoy ruborizado?! Eu estava brincando...!

         - Pare de me atormentar!

         - Eu o escolhi porque ele é transparente. – ela não ria mais, o que fez Draco levantar os olhos de Elanor. – Harry é o que é. Não se esconde atrás de um rótulo, não procura glória ou distinção. Apenas faz o que ninguém mais quer fazer. Ele é inteiro, sólido. É teimoso, um pouco melancólico, relaxado com aquele cabelo e, ao mesmo tempo, surpreendente e intenso. Não é estranho?

         - Desde quando você me chama pelo primeiro nome? – ele preferiu ignorar as inúmeras qualidades de Potter.

         - Desde que eu faço confidências a você, sentada ao redor de uma fogueira, literalmente no meio da noite.

         - Isso significa que eu posso te chamar de Elenna?

         - Se quiser. – ela deu de ombros, levantando o queixo em seguida. – Eles voltaram.

         - Por que Virgínia e eu nunca nos aproximamos antes? – ele ergueu uma sobrancelha, imaginando o que viria. "Pelo menos ela consegue manter uma conversa civilizada", pensava enquanto observava o perfil austero.

         - Será que a sua repulsa pelos Weasley não seria suficiente? Ou, quem sabe, o seu desprezo pelos amigos do Harry. – ela mantinha a atenção nos homens que se aproximavam da fogueira. - O mais provável é que você ainda não estivesse preparado para aceitar o amor. Sei o que você sofreu, estou vendo na sua alma agora. Você nunca amou até então, não é, Draco?

         - Você não pode parar com essa conversa melodramática?

         - Sabia que eu desejei a sua morte? – ela lançou-lhe um olhar sombrio. – Diversas vezes, e em todas eram cenas horripilantes, com torturas intermináveis, muito sangue e membros retalhados. Não sou boazinha, Draco. E Harry também não é, apesar de você considerá-lo um panaca.

         - Só porque você o suporta, não significa que todos devamos louvá-lo. – ele a encarava de volta, a voz fria como de costume.

- Agora agradeço por você ter escapado. – foi difícil para a Elfa admitir. – Eu teria perdido uma grande lição. – ela levantou para encontrar o marido. - Você está me ensinando a perdoar.

                   Continua...