Da proa onde estava, Harry sentia o cheiro do mar. Um cheiro salgado, o vento frio fazendo seu rosto ficar vermelho. As brumas impediam uma visão melhor de onde estavam.
O navio em forma de cisne dos gêmeos Elfos deslizava por um mar de escuridão que ninguém afirmaria tratar-se de água. Fora do precário campo visual proporcionado pela luz da embarcação havia a incerteza. A sensação de aprisionamento angustiava. O tempo era contado a partir das horas de sono, mas era impossível qualquer exatidão.
Há cinco dias, pelos seus cálculos, navegavam sem avistar terra, sem parar. Os instrumentos de navegação deixaram de funcionar há muito. Estavam à deriva mas deveriam esperar o sétimo dia para enfim tomar o comando da embarcação e utilizar a Luz de Eärendil.
Ele agasalhou-se mais e olhou o pingente dentro das vestes. Mal podia esperar para testar o poder da jóia.
"Bem, isso já foi feito antes." procurou se convencer, como fazia desde que zarparam de Avalon.
Resolveu entrar para proteger-se do tempo inclemente.
Como de costume, Gina e Malfoy estavam num canto logo na porta, cobertos por quilos de peles, abraçados e conversando baixinho. "Ainda não acredito quando vejo os dois assim... Quem poderia adivinhar?" Gina o cumprimentou com um sorriso.
Sentia falta de Rony e Mione. Apesar dos seus melhores amigos quererem ir e até brigarem com Elenna, ele apoiara a esposa. Não desejava arriscar a vida de mais ninguém.
Suspirou.
- Sabem onde Elenna e os gêmeos estão?
- Da última vez que os vi, - Gina respondeu, apontando para cima. - eles estavam indo para a cabine de comando.
- Claro. Desculpe interromper. – acrescentou ao ver a cara zangada de Malfoy.
Caminhou para o fundo do grande cômodo que servia-lhes de quarto coletivo e subiu a escada que ficava ao lado da cozinha.
A cabine ficava no alto do navio. Era o único lugar onde se podia ter uma visão menos 'nebulosa' do caminho. Os Elfos e Elenna ficavam quase o tempo todo ali, observando com seus olhos penetrantes. Não que a visão dela pudesse ser comparada à dos gêmeos, mas ela insistia em ajudar de qualquer forma.
A primeira coisa que viu foi um par de olhos verdes acompanhando-o subir os degraus lentamente.
- Papai... Papai!
Apressou-se a pegar a filha no colo. Elanor pendurou-se no seu pescoço, agitada pela presença dele. Olhava para todos os lados, falando e apontando o pai.
- Papai... Papai qui... Mamãe, papai qui!
Harry sorriu, beijando a menina e observando em volta, encontrando Elenna voltada para eles e os gêmeos olhando pela amurada através da névoa.
- Ssshh... Quietinha, filha. – ele sussurrou para Elanor, colocando um dedo em frente aos lábios. Ela imitou o gesto. - Os tios estão ocupados.
"Vamos lá para baixo." Elenna pediu, chegando até eles, "Estamos perto agora, e eles precisam de silêncio para se concentrarem."
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Gina lembrou-se pouco da viagem que fizeram para Valinor. Talvez porque passasse mais tempo enrolada em peles, ou brincando com Elanor, ou conversando com Draco; o fato é que ela não participou efetivamente dos planos ou da navegação do navio cisne.
Estava empolgada com a expectativa de conhecer um mundo tão fantástico, quem sabe enfrentar perigos, lutar contra monstros aquáticos e outras criaturas que criara em sua imaginação. Mas nada disso aconteceu. A única impressão que ficou para sempre em sua memória foi a luz.
Primeiro, viajavam envoltos em névoa, depois uma escuridão preencheu o espaço. Quando pensou que a claridade jamais retornaria, um clarão ofuscou-lhe a visão, e ela viu a Terra Abençoada, o reino dos Elfos.
Chegaram às Ilhas Encantadas e escaparam de seu encantamento, entraram pelos Mares Sombrios e superaram suas sombras.
Alguns obstáculos foram transpostos com dificuldade, especialmente nas ilhotas que surgiram no sexto dia. Ou a tempestade que sacudia a pequena embarcação no alvorecer do sétimo e último dia à deriva naquela bruma brilhante tão estranha.
- É a fronteira para outros mundos. – explicaram os Elfos. – Agora devemos usar a Luz de Eärendil.
Assim, ela finalmente descobriu porque a nenê fora levada numa viagem tão arriscada. O pingente funcionava melhor quando utilizado por ela, que era a guardiã.
- Minha vontade guiará a dela para abrir o caminho para Valinor. – Elenna disse enquanto levava a filha para a proa, segurando-a envolta em peles com a jóia no pescoço. – Não vai afetá-la, pois ela é a dona de direito.
Do que aconteceu a seguir, Gina jamais se esqueceria.
Uma luz intensa emanou do lugar onde mãe e filha estavam e a chuva abriu-se como uma cortina. O barco continuou navegando e de repente o sol brilhava e a visão era obstruída por paredes altíssimas de penhascos incomensuráveis.
O queixo da ruiva caiu diante das paredes que escondiam o pulsante e reconfortante poder de Valinor. Ela deu um passo para perto de Draco e ele envolveu sua cintura, também buscando apoio.
- Você sente a hostilidade? – ele perguntou. – Não nos querem aqui.
- Mas nós precisávamos vir.
- Será que seremos recebidos?
- Sim, vocês serão. – Elrohir falou. – Mas não pelos Valar. Iremos para Tol Eressëa, nossa ilha.
- Não temam. Eles já sabem de nossa chegada. – Elladan apontou uma torre distante, ao sul de onde estavam. O barco virou-se e seguiu direto para lá.
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Sempre que alguém perguntava a Draco Malfoy como havia sido ver a Terra Imortal dos Elfos ele dava de ombros e resmungava:
- Foi tudo rápido demais! Se o intuito era conhecer a tal Valinor, desperdiçamos tempo.
Apesar de lembrar-se de bastante visões, elas estavam forjadas tão magnífica e confusamente no cérebro do bruxo que ele nunca conseguiu traduzi-las em palavras. Um misto de espanto e terror apoderou-se dele a partir do momento em que o navio rompeu a cortina de trevas entre os mundos.
Os penhascos resplandecentes e inacessíveis oprimiam sua coragem e sua mente sarcástica. As areias brancas e ofuscantes pareciam misturadas a pedras preciosas. Um vento fresco e insuportavelmente convidativo soprava do Oeste, não afetando a aproximação da embarcação, entretanto.
Draco sentiu sua vontade dividida em dois. Uma resolvida a cair na água e procurar a origem da brisa que lhe restaurava a disposição do corpo endurecido pela viagem. A outra estava absolutamente decidida a ficar o mais longe possível dos penhascos e do que se encontrasse além deles.
- Não seja tão apressado, Malfoy. – a voz de Potter tirou-o do debate interior. De súbito, viu-se debruçado sobre a amurada, seguro apenas pelas mãos do outro em seus ombros.
- Ficou maluco? – Draco detestava ser tocado sem permissão. – Tire suas mãos de mim! – sibilou, sacudindo-se para longe.
"Mas esta foi por pouco... Muito pouco..." pensava enquanto procurava Virgínia pelo tombadilho.
Percebeu quando viraram para o sul, em direção a um ponto luminoso que parecia flutuar nas águas, ora sumindo, ora aparecendo sobre as ondas. Pouco a pouco, no entanto, viu que era uma ilha, com uma torre elevando-se soberana acima dos telhados e cúpulas. A torre era o que brilhava ao longe, como um esporão de prata à luz do sol.
Estupefato com o espetáculo das construções belíssimas e das pessoas altas e nobres que observavam o navio do porto, ele virou-se para a Elfa. O rosto dela mostrava profundo deleite. Sentiu a mão de Virgínia mergulhar na sua e encontrou os olhos dela. Silenciosamente, concordaram. Estavam perdidos.
Continua...
