Capítulo 18:                         Do Amor e Outros Demônios

N/A: O título da história foi emprestado de um livro do Gabriel García Márquez, grande escritor colombiano, que ficou famoso ao receber o prêmio Nobel por "Cem Anos de Solidão". Excelente leitura!

         Bem, eu sugiro que, para esse capítulo final, estejam ouvindo "Love of my life", do Queen.

- Uma vida em troca de ajuda. – repetiu Finarfin. – Foi a resposta dos Valar à sua questão. – Elrond baixou a cabeça.

- Por que? – Gina não aceitou bem a imposição.

- É a lei. Vocês, mortais, jamais deveriam ter atravessado os Mares Divisores. Por muito pouco, outros foram atirados nas trevas além do mundo.

- Mas queremos salvar vidas. Por que descartaríamos o que tentamos salvar? – Draco posicionara-se ao lado da namorada.

- Não haverá morte, mas é necessário que se pague por ter desafiado os Poderes. – retrucou o Elfo, solenemente. - A pessoa ficará em Valinor, a Terra Abençoada. Vocês pisaram em solo sagrado. Existe o preço.

"Foi exatamente essa a decisão imposta a Eärendil", Harry transmitiu aos outros, já se adiantando para saltar do navio, quando um vulto passou rápido ao seu lado.

Elenna caiu suavemente na madeira branca do cais de Eressëa.

- Eu me submeto à vontade dos Valar. – ela falou em élfico, mas seus companheiros entenderam o sentido.

Harry piscou várias vezes, como se o que visse fosse extraordinário. Olhou para trás, procurando a esposa. Gina segurava a pequena Elanor agora. Voltou-se com uma expressão aterrorizada para observar as figuras altas e imponentes perto do seu amor. Seu coração parou de bater.

- Não. – murmurou, percebendo as expressões de incredulidade ao seu lado. – Não! – falou mais alto, balançando a cabeça. – NÃO!! – gritou finalmente, pulando para o cais. Agarrou o braço dela, fazendo-a desviar o olhar dos Elfos. – Não vou perder você!

A única coisa que Elenna podia fazer era abraçá-lo.

- Eu não vou perder você. – repetiu, sussurrando em seu ouvido. Ela sentia a pulsação acelerada do marido. Ele a abraçava com muita força, chegando quase a sufocá-la. – Tem que haver outro jeito. Simplesmente tem que haver!

- Meu amor... – ela começou a dizer.

- Isso não é justo! – Harry soltou-se dela e avançou furioso para os mensageiros. Eles não se intimidaram. – Por que alguém tem que ficar?

- Não, Harry. – Elenna segurou-o pelo braço. – Não, meu amor. Sou eu quem deve ficar.

- Você pode pronunciar-se sobre o seu destino, pois ele pertence somente a você. – Galadriel falou, surpreendentemente, em inglês. – Porém, e quanto à vida que cresce dentro de você? Quem falará por ela?

Os outros ocupantes do navio cisne aproximaram-se do casal, entretanto sabiam que não havia muito a ser feito.

- O... o que... o que quer dizer, senhora? – Elenna perguntou, temendo escutar a resposta. Ela apertou os dedos de Harry.

"Talvez fosse sensato pesar as decisões, criança. Você está assumindo responsabilidades de outros. Isso nunca resulta em bem."

"Mas esse dever é meu, senhora. Como poderia deixar qualquer deles aqui, sabendo que é sobre mim que a responsabilidade recai. E, mesmo não preferindo a paz eterna de Valinor e a felicidade sempre em flor dos Elfos, aqui ficarei."

"A vida que germina dentro de você merece escolher também. Você nega isso a ela?"

- A vida que... – ela tocou a barriga levemente, depois olhou para o bruxo ao seu lado, que segurava sua mão como se ela fosse correr dali. Um sorriso triste surgiu nos lábios dela quando disse baixinho. – Um filho.

Harry teve dificuldade em dizer o que quer que fosse por um ou dois minutos. Esperara o fim do diálogo mental entre as duas e observou a mão de Elenna passando pela barriga e o brilho de alegria e desespero nos olhos dela.

- Filho? – os olhos verdes mexiam-se nervosos. Ele procurou ajuda nos rostos de Gina e até de Draco, mas eles não podiam tomar decisões por ela.

Elenna fechou os olhos e abaixou o rosto um instante. Os cabelos esconderam-na da luz que vinha da torre branca ao longe. Era o momento mais difícil, e nada seria facilitado. "Por que?", perguntou, cansada.

Quando ergueu os olhos, um brilho determinado e frio apoderara-se deles. Dirigiu-se aos Elfos.

- É permitido que eu reflita por uma noite sobre minha decisão?

Os três olharam-se, questionando-se em silêncio. Elrond, que ainda não se manifestara, fitou-a com bondade.

- Você tem essa noite, criança.

Com isso, os mensageiros acenaram levemente, viraram-se e desapareceram pelo caminho da falésia.

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- Jamais permitirei que você fique, Elenna! – Harry andava de um lado para o outro da cabine.

- Harry, entenda. Só eu posso fazer isso. – a meio-elfo sentara-se encolhida nas peles que serviam de cama para Elanor. – Sou eu ou nossa filha. E eu não creio que você queira deixá-la. – a voz tremia e ela instintivamente abraçou a própria barriga. – Não torne mais difícil do que está sendo, por favor.

- E você acha que para mim está sendo fácil? – ele gritou, descontrolado, olhando para o céu estrelado. – Nós viemos aqui para pedir ajuda! A-J-U-D-A! Eu não chamaria tirar você de mim de ajuda! – respirou fundo. – Um filho... É verdade? Você iria me deixar carregando um filho meu? – e voltou-se para desafiá-la lançando faíscas dos olhos verdes.

Xingou-se absurdamente quando viu o resultado da explosão. Elenna mais parecia um bichinho acuado, tremendo com os soluços que tentava reprimir, escondendo as lágrimas nas pernas encolhidas.

Em três passos grandes ele estava ao lado dela. Engoliu em seco antes de envolvê-la nos braços. Elenna agarrou-se a ele.

- Pode dizer: eu sou um cretino. – falou de encontro aos cabelos dela. - Acho que nunca vou parar de te pedir desculpas.

- E.. e.. eu não sabia... – ela murmurava. – Juro que não sabia do bebê...

- Não... Por favor... Eu não pretendia dizer aquilo... Ssshh... Os bebês não gostam quando as mães ficam chateadas... Eu só digo asneiras... Por favor...

Elenna respirou fundo várias vezes, acabando por fim com os soluços e ousando encarar o bruxo. Desvencilhou-se do abraço, tentando sorrir enquanto enxugava o rosto.

- Ele é tão pequeno que eu não tinha me dado conta. Só consigo senti-lo se me concentrar. Assim. – colocou as duas mãos na barriga, fechando os olhos. Harry distinguiu felicidade nos olhos cinzentos quando ela o encarou.

- Posso experimentar também? – ela deitou-se encostada nele, guiando sua mão até o ventre. Harry cerrou os olhos.

Sua mente foi invadida por uma fagulhazinha tremulante, um pontinho de luz que pulsava e crescia. Sentia vida atravessando aquele corpinho que ainda não tinha nem forma. Percebia sua própria essência misturada à de Elenna para gerar e nutrir. Um sentimento forte e intenso envolvia e protegia seu filho. Ele já era amado.

Os olhos verdes voltaram úmidos para a claridade. Abraçou mais a mulher em seus braços.

- O que vamos fazer? – perguntou baixinho.

- Não se preocupe, meu amor. Tudo vai estar como deve estar amanhã.

- Temos que voltar. Zarpamos agora... – foi interrompido pela mão de Elenna passando pelo seu rosto. Caiu em sono pesado sem chance de protestar.

- Eu amo você, Harry James Potter. – ela murmurou, beijando-o e voltando a deitar ao lado dele.

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Draco estava abismado com o desprendimento da Elfa. Desde que entendeu seu propósito em abandonar a 'vida perfeita' ao lado do 'Potter perfeito' passara a ter um novo conceito sobre ela.

"Talvez a meio-elfo não seja tão egoísta assim. Mas o Potter não a deixará ir. Se fosse Virgínia, eu conjuraria cordas de aço para amarrá-la", ponderava, apoiado na soleira da porta.

"Elas não a segurariam, Malfoy." O tom baixo e calmo de Elenna soou em sua mente.

- O que você est... ? – virou-se para o interior do cômodo.

- Vim despedir-me da minha pequena flor. – de fato, ela segurava a adormecida Elanor. – Ela é meu maior tesouro e meu maior presente. – sorriu tristemente. Draco não conseguiu evitar uma pontinha de pena.

- Potter sabe? – ele aproximou-se. Os dois falavam em sussurros.

- No fundo, ele sabe que não pode ser de outro modo. – o bruxo notou os olhos inchados e vermelhos. – É simples e doloroso.

- E por que você acredita que eu não a impedirei?

Elenna não o ouvia. Prestava atenção na respiração vagarosa e compassada da menina. Draco já ia se afastar e acordar Gina quando ela se moveu, depositando um beijo sentido na testa da filha e estendendo-a para ele.

Alguns insultos passaram rapidamente pela boca do bruxo. Nenhum tomou forma de som, mesmo que ele se esforçasse. Apenas recebeu Elanor, aconchegando-a no colo e lançando um olhar interrogativo para a mãe.

Elenna acariciou mais uma vez o rosto da filha.

- Tome conta dela, por favor.

- A mãe deve estar ao lado dos filhos.

- Malfoy, - ela suspirou, engolindo em seco, sem tirar os olhos dos dele. – Elanor é pequena ainda, mas um dia precisará de explicações. Talvez Harry não seja a pessoa certa para dizer tudo que aconteceu com isenção. Encarrego você de sentar e conversar com ela. Confio no seu sangue-frio.

Draco assustou-se e, pela primeira vez, não teve palavras para retrucar a Elfa. Abria e fechava a boca, vendo-a sair para a madrugada.

- Malditos heroizinhos! – praguejou alto, fazendo Elanor choramingar. – Seu pai vai se jogar deste barco quando souber.

No instante em que Elenna pisou na areia e virou-se para olhar a embarcação, ela começou a afastar-se rápido, voltando para o leste. Para as terras bafejadas pelo hálito da mortalidade.

Levando seu coração para longe. Muito longe.

                                      Finito.