Capítulo Dezesseis – Evitando o Inevitável

Harry não havia pregado os olhos a noite toda. Doía saber que assim que saísse da enfermaria teria de encarar a realidade e se afastar para sempre de Gina. Draco tinha um ponto de vista cruel mas verdadeiro. Nunca ele, Harry Potter, poderia oferecer segurança para ela. Malfoy se espreguiçou na cama ao lado e Harry fechou os olhos. Não queria mais ouvir nada que o sonserino tivesse para falar.

- Fingindo que dorme, Potter? Que maduro de sua parte – disse, sorrindo. Harry se manteve do mesmo jeito. – O que seja... – Malfoy emendou, levantando. – Se prefere se esconder aqui o problema é seu, eu vou cair fora – Harry permaneceu estático enquanto o outro rapaz se esgueirava até o lavatório.

Madame Pomfrey saiu de sua sala e foi verificar os dois. Não encontrando Draco caminhou até o lavatório. Harry ouviu ela conversar com o outro rapaz.

- Tem certeza de que se sente bem, Sr. Malfoy? Pode ir então mas volte à noite para trocarmos seu curativo.

Então Harry ouviu os passos de ambos ecoarem até a porta de entrada da enfermaria. Ouviu o ranger dessa e logo em seguida uma voz familiar.

- Draco? Você já está saindo daqui? – Gina perguntou, espantada. – Eu vim para ver como vocês estavam e... – o garoto sorriu.

- Eu estou ótimo mas o seu herói está dormindo ainda – respondeu, sarcástico. – Vejo você mais tarde ruiva – Madame Pomfrey se virou para Gina.

- Querida, se quiser pode entrar e ver o Sr. Potter – Harry puxou as cobertas para cima, cobrindo quase até as orelhas. Gina agradeceu e caminhou até a cama. Ele continuou fingindo que dormia, precisava evitá-la até que soubesse exatamente como falar que estava tudo acabado.

- Ele está bem? – perguntou para a enfermeira.

- Sim, está. Deve estar apenas cansado. Ou tomou uns goles a mais da poção para dormir que deixei na mesa de cabeceira, caso precisasse – respondeu antes de deixar os dois a sós.

Gina se sentou na cama de Draco, agora vazia. Harry podia sentir os olhos dela o fitando mesmo estando com as pálpebras cerradas. Podia sentir o calor dela emanar mesmo à distância e envolvê-lo por completo, embriagando-o de uma sensação de medo e desejo incontrolável ao mesmo tempo. Ouviu-a suspirar e novamente a voz conhecida, sair trêmula.

- Eu te amo – ele pôde sentir o hálito quente dela sussurrando próximo ao seu ouvido. Ficou arrepiado sob as cobertas. - Falei com Hermione ontem antes de dormir e combinei com ela de trocarmos de cama – ela parou por alguns segundos. - Serei toda sua hoje à noite – Harry começou a tremer e a torcer para que Gina não percebesse. Ela pressionou os lábios de leve no dele. – Eu queria falar isso para você, não podia esperar você acordar – continuou com as bochechas quentes e vermelhas, antes de sair da enfermaria deixando para trás um Harry completamente devastado.

Gina havia acabado de dizer que se entregaria a ele e Harry estava tentando procurar a melhor forma de explicar que não poderiam mais ficar juntos.

Passava um pouco da hora do café quando a enfermeira resolveu examiná-lo. Não era possível que não estivesse acordado ainda. Ela caminhou até a cama e o chamou.

- Sr. Potter? – ele fingiu despertar com dificuldade. – O senhor está se sentindo bem? – Harry parou por alguns segundos e então mentiu.

- Não. Estou meio... Meio... – os olhos da enfermeira piscaram atentamente. – Enjoado – de certa forma era verdade.

Madame Pomfrey sacudiu a cabeça e o examinou, pedindo que abrisse a boca e dissesse "ah", depois palpou o couro cabeludo, procurando algum abaulamento ou depressão, e por fim sentenciou, muito contrariada.

- Já que está tão enjoado assim não mandarei vir um café da manhã normal. Mandarei vir um chá de ervas e bolachas de água e sal. Nada de rosquinhas e suco de abóboras, Sr. Potter – Harry se sentiu um prisioneiro a pão e água praticamente e teve certeza de que a enfermeira sabia que estava fingindo mas de certa forma achava que merecia, pelo que teria que fazer com Gina, destruindo os sonhos da pessoa que mais amava no mundo.

Passou o resto da manhã ali, deitado, olhando o teto, absorto em pensamentos, remoendo uma enorme quantidade de culpa antecipadamente. Imaginava como seria a vida sem Gina. "Completamente vazia", pensou. "Com sorte eu morro antes de morrer por estar sem ela", ironizou enquanto tentava tomar coragem.

Não percebeu os enormes olhos de Dobby o encarando de forma curiosa.

- Harry Potter, senhor? – Harry quase caiu da cama de susto. Dobby estava sentado no criado mudo e havia tampado o campo de visão do menino, bloqueando a bela vista para o teto.

- Dobby! Por favor! Não faça mais isso – pediu, sentando-se com a mão no peito. – Eu estou aqui para me recuperar, não para morrer. Embora na atual conjuntura... – ele se calou, olhando para os olhos ressentidos do elfo doméstico.

- Desculpe, Harry Potter. Dobby chamou mas Harry Potter não ouvia. Dobby só queria ajudar – abaixou a cabeça e fungou. Harry respirou fundo.

- Tudo bem Dobby. Sem problemas. Diga... É bom falar com algum amigo – os grandes olhos se iluminaram de novo.

- Dobby soube por Timby, a elfa que arruma a enfermaria, que Harry Potter deveria receber apenas chá e bolachas, então Dobby pensou se Harry Potter não precisava de um contrabando – esticou as orelhas e colocou sobre as cobertas de Harry um embrulho.

Ele abriu com cuidado e encontrou alguns bolinhos de nozes, dois sanduíches de presunto e um cantil de vidro cheio de um líquido laranja, certamente suco de abóbora. Não pôde deixar de sorrir.

- Obrigado Dobby. Eu nem sei como agradecer – o elfo sorriu.

- Harry Potter já agradeceu, sendo amigo de Dobby – o rapaz acenou com a cabeça e se despediu do elfo, que evaporou numa pequena nuvem de fumaça branca.

Assim que Dobby se foi ele ouviu passos e tratou de guardar o pequeno farnel na mesinha, tentando evitar que fosse pego em flagrante pela enfermeira. Mas não era ela; era Rony. O ruivo caminhou até a beirada da cama e se sentou na cama que tinha servido para Draco, da mesma forma que a irmã tinha feito mais cedo.

- Você está bem? – Harry respirou fundo.

- Sim e não – Rony encarou o amigo. Harry pensou se deveria falar sobre o que pretendia fazer mas achou que já doeria demais destruir os sonhos de Gina e não seria justo com o amigo, que já estava parecendo miserável o suficiente.

- O que houve Harry? – perguntou com a voz desanimada. O amigo o deu de ombros.

- Eu estou bem mas por estar um pouco enjoado vou ser obrigado a passar o dia a pão e água praticamente – Rony fez uma expressão de dó.

- Bem, mais tarde eu trago alguma coisa do refeitório. Ou peço para a Gina e...

- Não. Não peça para a Gina – disse com urgência. Rony fez uma expressão desconfiada mas ele emendou. – Não quero que ela fique preocupada comigo. Ela vai achar que estou pior e pode ficar nervosa e... E... Eu não quero ver ela nervosa e nem triste – completou, sentindo que já bastaria o que faria assim que conseguisse manter alguma objetividade acima de todo o amor que sentia por ela, o amigo concordou. Harry olhou o teto, tentando segurar as lágrimas que queriam escapar, virando-se para o ruivo em seguida. - E você? O que foi que houve? Parece pior do que eu – Rony suspirou.

- Nem me fale – foi só o que disse, permanecendo em silêncio por dois constrangedores minutos. Harry sacudiu a cabeça e disse, irritado.

- Você não conseguiu ainda falar com a Hermione, não é? – Rony ficou vermelho e confirmou.

- É. Ela passou o tempo todo conversando com a Gina depois do jantar. As duas ficaram cochichando por horas. Estavam cheias de mistérios e risadinhas histéricas. Muito irritante. Depois Hermione subiu direto para o dormitório e nem me deu chance de falar nada. E hoje foi ainda pior. Durante a manhã inteira eu tentei me aproximar dela durante a aula. Mas ela fingia que eu não existia e saía de perto a cada tentativa. Será que ela é tão cabeça dura assim? Ou simplesmente me odeia, Harry? Por que eu não sei mais o que fazer para que ela...

- Não Rony – Harry interrompeu o amigo. – É claro que ela não odeia você. E ela é muito menos teimosa do que você e você sabe disso. É só que... Bem, se você for analisar, ela está na desvantagem. Você a ofendeu feio.

- Eu? Não, eu... – ele parou de se justificar quando viu que não convenceria o amigo. – É, eu sei disso. Mas eu estava louco de ciúmes...

- Então por que você não diz isso para ela?

- Por que ela não me dá chance de me aproximar.

- Errado de novo. Quando você se machucou ela foi a pessoa que mais ficou apavorada. Ela quase esganou a Lovegood.

- Quem?

- Ora, Rony, a batedora nova da Corvinal – Rony sacudia a cabeça para que continuasse. - E ela esteve aqui visitando você nos dias em que estava convalescendo.

- Ha, ha. Mas ela não falou comigo, falou? – perguntou em tom vitorioso. Harry olhou feio para ele.

- E você pode culpá-la por isso, por acaso?

- É, vendo por esse lado...

- Viu só?

- Bem, mas o que eu posso fazer, Harry? Ela não me deixa chegar nem perto. Ela está fugindo de mim. Me evitando... – Harry pensou que estava tentando fazer o mesmo com Gina só que por um motivo diferente.

- Bem, então você tem que surpreendê-la, Rony. Tem que colocá-la no lugar que você poderá ser capaz de agir – Rony sacudiu a cabeça.

- Bem, eu vou pensar sobre isso. Obrigado Harry. Ainda bem que você e Gina não têm que lidar com problemas desse tipo. Exceto essa ansiedade, que eu não entendi muito bem... Que aliás, já passou? – Harry novamente foi lembrado do que estava tentando evitar.

- Já, Rony. Já passou, obrigado por perguntar.

- Deve ser o período do mês. As garotas podem pirar às vezes. Melhoras e até mais – disse, rindo enquanto saía da enfermaria.

Harry continuou deitado, mastigou alguns pedaços do sanduíche e tomou um gole do suco de abóbora. Depois foi obrigado a beber o chá e comer algumas bolachas. O gosto respectivamente amargo e sem graça dos dois alimentos o fez lembrar de que não poderia passar o resto da eternidade ali.

Decidiu então que voltaria para a sala comunal. Falou para a enfermeira que estava se sentindo melhor e que estava pronto para ir. Madame Pomfrey não sorriu, fez um comentário ácido.

- É bom que queira retomar suas responsabilidades, Sr. Potter – Harry assentiu e saiu da enfermaria, sentindo-se um pouco menos covarde.

Quando chegou na sala comunal o ambiente estava vazio. Os alunos deveriam estar no meio das aulas da tarde. Caminhou até a lareira e então viu o recado no quadro de avisos:

"Por motivos de força maior a temporada de quadribol está suspensa. Caso haja alguma mudança nessa situação os capitães dos times serão informados. Desde já grato.

Olívio Wood – Coordenador do torneio."

Harry ficou desanimado mas sabia que era uma medida de segurança. Os jogos envolviam um enorme número de pessoas reunidas e a balbúrdia e a algazarra só tornavam mais fáceis ações agressivas por parte do inimigo e diminuíam as chances de contra-ataque da Ordem da Fênix.

Deixou-se cair no sofá e ficou olhando as chamas da lareira bruxulearem. Levou um grande susto quando a cabeça de Sirius apareceu entre elas.

- Sirius? – o padrinho não tinha uma expressão muito satisfeita no rosto.

- Harry, eu não tenho boas notícias. Lúcio Malfoy já sabe que o filho é um traidor. Ele ter salvado Gina foi uma grande sorte mas infelizmente não poderemos contar mais com ele para espionar. Ele agora é um dos alvos – Harry não sabia se ficava aliviado ou aborrecido com a notícia.

- E o que vai acontecer com ele?

- Bem, provavelmente o Malfoy pai vai deserdá-lo ou tentar alguma coisa contra ele.

- Ele já sabe disso? – Sirius confirmou.

- Já foi avisado pelo Snape. Ele não tem para onde ir e Dumbledore dará permissão para que ele fique em Hogwarts nos feriados de fim de ano – Harry poderia sentir quase pena de Draco se não fosse o fato de o garoto tê-lo convencido a terminar com Gina.

- E nós? O que faremos agora Sirius? Ainda precisamos de algum informante – o padrinho acenou.

- Isso está sendo cuidado, Harry. Não discutiremos esse assunto aqui. Logo haverá uma reunião e você saberá dos nossos planos. Agora deixa eu ir. Lily está chorando – Harry ouviu os choramingos da irmã de criação e sorriu.

- Está bem. Mande lembranças a Alana.

Cansado de ficar sozinho, resolveu caminhar pelos corredores. Sabia que as aulas já estavam acabando e logo poderia se juntar aos outros para o jantar. Teria uma última refeição agradável e então chamaria Gina para conversar. Não poderia deixar que ela lhe falasse de novo sobre os planos para aquela noite. Sabia que isso poderia piorar ainda mais o sofrimento da namorada.

Quando estava passando por um corredor ouviu um sussurro. Achou estranho e se esgueirou, encostado na parede, e percebeu que havia alguém conversando no armário de vassouras.

- Eu realmente sinto muito – era inconfundivelmente a voz de Gina em tom choroso e pesaroso.

- Ah! Não sinta. Vai ser bom passar o Natal aqui sozinho. Hey! Talvez eu possa morar aqui e dividir a cabana com aquele gigante patético – Draco respondeu em tom sarcástico. Harry continuou ouvindo.

- Não diga isso. Dumbledore vai arrumar as coisas para você. Vamos dar um jeito – ele riu.

- Que jeito, ruiva? Seus pais pobretões vão me adotar por acaso? Ou quem sabe o padrinho cachorro do Potter? – Gina abaixou a cabeça.

- Desculpe. Foi tudo minha culpa. Eu não deveria ter... – ela deixou algumas lágrimas rolarem e Draco a interrompeu.

- Hey! Não faça isso, ok? Não chore. Esse lugar é pequeno demais se você soluçar assim vai acabar com o ar – Gina sorriu.

- Mas foi culpa minha, Draco...

- Ruiva, eu não sei, mas mesmo sendo uma pobretona você deve imaginar o que é ser rica. Bem, você sabe a quantidade de galeões que o seu namoradinho tem, então quando eu disse que estou miserável eu quis dizer falido, não deprimido. Você acha que a minha vida familiar era como? – ele riu. – Você é a única pessoa que já me tratou como uma pessoa então não diga que a culpa é sua. Por que se não fosse você eu nunca saberia se eu era realmente um ser humano – Gina parou de chorar e o envolveu em um abraço.

- Obrigada Draco. Você é um grande amigo mesmo – aquilo lhe doeu mas fez bem ao mesmo tempo.

- Eu sei disso. Que pena, não é? – ela riu. Antes que Gina pudesse se retirar ele a chamou.

- Weasley? – ela se virou, enxugando as lágrimas com as costas da mão.

- Sim?

- Eu faria qualquer coisa por você – ela sacudiu a cabeça. Harry respirou fundo ao ouvir aquilo. Sabia que estava fazendo a coisa certa agora.

- Eu sei disso, Draco. Eu sei – Harry viu as mãos dela tatearem a porta e saiu dali o mais rápido que pôde. Havia perdido o apetite completamente.

O garoto foi até o corujal. Ficou algum tempo ouvindo as corujas piarem. Edwiges o encarando, desconfiada por não colocar nenhuma carta em suas patas, Pichitinho esvoaçando a sua volta. Subitamente viu que a pequena coruja tinha um pergaminho preso nas patas. Estava endereçado a ele e escrito na caligrafia de Gina. Ele respirou fundo.

"Harry,

Preciso falar com você. Estou te esperando no quarto de Hermione.

Para sempre sua.

Amor, Gina"

Colocou o pergaminho no bolso e foi em direção ao castelo. Agora não poderia mais evitar o inevitável, teria a temida conversa com Gina. De preferência antes que ela o surpreendesse de alguma forma tentadora e arruinasse toda a carapaça de coragem que tentou construir ao longo do dia. Assim que chegou na sala comunal viu que Simas e Dino estavam jogando xadrez com o tabuleiro de Rony e ficou curioso.

- Rony não está com vocês? – os garotos sacudiram negativamente a cabeça e explicaram que Rony estava indo para a biblioteca e que Hermione também estava lá.

""timo, quem sabe pelo menos eles se entendam, isso vai facilitar as coisas pra Gina", pensou enquanto subia para o dormitório.

Pegou a capa de invisibilidade, cobriu-se com ela e foi até o quarto de Hermione. Tinha chegado a hora de parar de adiar. Bateu na porta três vezes.

- Entre – Gina disse com a voz suave.

Harry não acreditou quando abriu a porta. O quarto estava iluminado por apenas algumas velas coloridas e na mesa de estudos havia um perfeito jantar romântico. Ele ficou de queixo caído.

Gina estava usando um vestido preto muito leve, de alças finas, deixando o colo à mostra num decote provocante. No pescoço estava o colar em forma de coração que ganhara de Harry, os cabelos estavam soltos em cachos sobre os ombros. Estava linda.

- Harry? Se você estiver mesmo aí não é melhor tirar a capa de invisibilidade? Eu não posso beijá-lo se não estiver vendo você... Embora eu possa tentar pegar você se quiser se esconder – ela disse, rindo marotamente, enquanto dava um passo em direção à porta, as mãos estendidas para frente. Conseguiu tatear uma parte do tecido invisível e o descobriu por inteiro, revelando a expressão desconcertada dele. - Aí está você – ele não conseguiu esconder o desespero que estava sentindo por trás do sorriso falso que deu. O semblante de Gina mudou no mesmo instante, conhecia-o bem demais. – O que foi que houve? Não gostou da surpresa? – ele caminhou até o outro lado do quarto e se sentou na beirada da cama de Hermione. Gina ficou de pé em frente à sua frente.

- Eu ouvi você e o Malfoy conversando na enfermaria ontem. E hoje cedo eu fingi que estava dormindo mas ouvi vocês se falando de novo. E mais tarde... No armário de vassouras... – Gina arregalou os olhos.

- Harry, eu não. Nós não... Não acredito que você esteja pensando que... Foi por isso que você me evitou o dia todo? – os olhos dela refletiam ressentimento e medo.

- Não - disse prontamente. – Não é isso que eu estou pensando. Quer dizer, não é isso e é isso, de certa forma - Gina franziu a testa.

- Não compreendo. Se não é ciúmes ou desconfiança o que é então? – ele respirou fundo.

- Ele te ama - Harry afirmou, convicto.

- Eu sei disso – ela confirmou de modo sincero. Ele bufou e passou nervosamente as mãos pelos cabelos.

- Muito – acrescentou. – Tanto quanto eu. Estou certo disso – parou por alguns instantes e abaixou a cabeça. - Talvez mais... – acrescentou baixinho.

Gina parecia chocada mas ele ainda não tinha terminado. Harry ficou de pé e caminhou até a janela, olhando o lago lá fora e o campo de quadribol à distância. Respirou fundo e se voltou para ela de novo.

- Eu nunca pensei que diria isso. Mas talvez seja melhor você ficar com ele – ela sacudiu a cabeça, dando alguns passos para trás. Não podia acreditar que ele estivesse dizendo uma coisa dessas. Harry prosseguiu, como se tivesse treinado um discurso pronto. – Ele vive dizendo besteiras mas uma coisa que ele falou é verdade: é absurdamente egoísta da minha parte tentar construir algo com você se eu nem sei se vou estar vivo. Eu posso morrer a qualquer momento e deixar você desamparada – ele se voltou de novo para o lado de fora e disse a parte mais difícil. - Você não correria esse risco com o Malfoy – completou, abaixando a cabeça, o punho apoiado no batente da janela. Ela olhou indignada para ele. Poderia chutar suas canelas.

- Eu não correria esse risco com ele? – perguntou, aborrecida. – Por que não? – acrescentou sarcasticamente. – Ah! Sim, porque o Draco é imortal. É claro, eu havia esquecido esse pequeno detalhe – ela mesma respondeu de modo irônico, dando um tapinha na própria testa. – Ainda bem que você sugeriu isso. Realmente é melhor para mim passar a eternidade com alguém que gosto como irmão do que dividir os momentos difíceis com o amor da minha vida – ele sacudiu a cabeça, voltando-se para ela.

- Você entendeu perfeitamente o que eu quis dizer – justificou-se, ressentido com a ironia.

- Então me avise a hora de eu me sentir agradecida pois eu sinceramente não me sinto – vociferou.

- Droga, Gina, você não vê? Eu só quero tirar você dessa loucura toda. Eu não quero ser egoísta. Pelo amor de Deus, as pessoas que eu amo têm uma certa tendência a morrer e eu não quero te arrastar comigo para um futuro incerto desses – ele andava de um lado para o outro agora, sendo seguido pelos olhos atentos dela. - Eu estou abrindo mão de você para te proteger. Deixando você livre para esquecer tudo isso para trás e começar uma vida nova... Com Malfoy – emendou com a voz hesitante.

Gina sentiu as lágrimas brotarem nos olhos, a visão se embaçando. Harry percebeu que a tinha magoado profundamente e, erguendo o rosto dela com as mãos, enxugou as lágrimas que ela tentava conter em vão, com os polegares. Nunca tinha se sentido tão culpado por dizer algo a ela. Gina tremia.

- Eu tenho esse mesmo medo, Harry. Ou você acha que não? Que espécie de imbecil você acha que eu sou? Acha que sou uma pessoa estúpida e indefesa? Alguém que não tem a menor noção da realidade? – Gina estava furiosa. Ele não achava nada daquilo e engoliu em seco. Prosseguiu, com menos raiva na voz. - Ao invés de fugir, como eu fiz uma vez e você deve se lembrar como foi difícil estar longe de todos, principalmente de você. Ser forte o suficiente para não responder nenhuma carta sua sequer, sentindo todo o amor que eu sentia e sinto por você queimar que nem fogo dentro de mim... E eu sei o quanto eu machuquei você com isso. Não pense que não me culpo por ter feito isso com você – Harry sentiu o estômago doer ao se lembrar, parecia parte de um pesadelo esquecido que ela estava trazendo à tona. A voz da menina foi se tornando mais suave. – E, mesmo assim, você deu um jeito - ela tentou sorrir. - Como sempre. Me trouxe de volta para você, lembra? Me mostrou que pertencíamos um ao outro, que tudo acabaria bem. Que nada mais importava, contanto que estivéssemos juntos – ela parou e continuou, séria. - Você costumava ter mais esperança antes – fez outra pausa após a observação e prosseguiu, agora sem conseguir conter o choro. – E agora as coisas estão piores. Mais perigosas e difíceis. Mas eu aprendi. Ao invés de terminar tudo, de fugir de novo - frisou -, eu decidi tornar as coisas mais sérias. Eu não queria te perder sem que você tivesse... – ela estava com dificuldade de articular as palavras e Harry se sentia cada vez pior, vendo as lágrimas rolarem pelo rosto delicado dela. – Eu não queria que nenhum de nós dois morresse sem ter estado nos braços do outro ao menos uma vez – ela abaixou a cabeça, respirou fundo e o encarou nos olhos. - É essa a diferença entre nós, Harry. Vê? Eu ainda tenho esperança. As coisas estão piores então eu resolvi ficar o mais próxima de você, para que enfrentemos o que estiver por vir juntos. Eu resolvi ser sua, me entregar para você. E você resolveu... – ela parou e fechou os olhos vermelhos de tanto chorar. - Você quer mesmo terminar tudo, Harry? – disse com a voz trêmula e fanhosa, após soluçar em silêncio por alguns instantes.

Gina estava visivelmente tentando se controlar. Ele olhou dentro dos olhos castanhos, encontrando no fundo deles tudo que mais amava no mundo, tudo que nunca havia imaginado que um dia poderia ter: a promessa de um futuro que os pertencia. Algo incerto mas, ainda assim, sabia que estariam sempre juntos. Fechou os próprios olhos, tentando fugir dos próprios sentimentos. Mas já era tarde demais. Já tinha sido vencido por eles. Completamente derrotado. Ele a abraçou forte, como uma criança que se agarra ao brinquedo novo, com medo de perdê-la.

- Por Merlin! – ele fechou os olhos e respirou fundo, resignado. – Não. Eu não conseguiria viver sem você, nem por um segundo - ela se agarrou a ele, chorando ainda mais, retribuindo o abraço.

Aos poucos Gina se acalmou. Harry sentou com ela na cama de Hermione, mantendo-a recostada sobre o próprio peito. Ela suspirava profundamente. Ainda tinha o corpo trêmulo.

- Eu sinceramente não sei onde estava com a cabeça. Espero que um dia você possa me perdoar por isso. Por ter sido um idiota insensível, um cretino. Por ser tão fraco e covarde – disse, acariciando-lhe os cabelos. Ela ergueu o rosto vermelho pra ele. – Eu só disse isso porque pensei em como seria se a nossa vida fosse normal. Desse jeito pelo menos a sua vida poderia ser. Malfoy poderia dar isso para você. Normalidade – Gina riu.

- Normalidade? Draco? – ela deu uma gargalhada, ajeitando-se nos braços do namorado. – Definitivamente você não conhece o Draco – disse, divertida. - Em primeiro lugar ele é o herdeiro de um dos piores Comensais da Morte. Bem, e se nós fossemos ignorar o fato de ele ser filho de pais omissos, canalhas, assassinos, e sabe lá Deus o que mais, teríamos de considerar o gracioso temperamento dele – Harry franziu a testa. - Harry, não pense que o Draco me poupa das ironias. Ele é mimado, arrogante e egoísta e eu sei muito bem disso. Não sou cega, sabia? – ele torceu os lábios.

- E isso está saindo da boca da melhor amiga dele – afirmou, impressionado.

- E sou a melhor amiga dele. E a única. Eu o entendo como ele próprio não entende. Eu sei muito bem as qualidades maravilhosas que ele faz questão de esconder por baixo daquela cobertura dura e fria. Eu acredito nele, que pode ser mais do que é. E eu o amo muito, apesar dos defeitos – Harry fez uma careta mas ela continuou. – Como eu amo Hermione, Rony, os gêmeos, Percy, Carlinhos, Gui e papai e mamãe.

- E eu? – perguntou, surpreso.

- Você... – disse, apontando o dedo para ele. – Você não está nessa lista, Harry Potter – encostou acusadoramente o dedo indicador no peito dele, o rapaz arregalou os olhos.

- Não estou? – perguntou, incrédulo.

- Não. Eu não tenho como definir o que sinto por você. Você é parte de mim, do meu ser. Como o coração ou o ar que eu respiro. Você é o calor que corre nas minhas veias. É a metade da minha alma. O brilho do meu olhar, a luz do meu sorriso... Sem você minha existência é vazia, sem sentido, morta. Eu aprendi a amar seus defeitos e não a amar você apesar deles. Eu não tenho restrições ao amor que sinto por você. Muito menos "apesares" – Harry sorriu; tinha entendido finalmente que não adiantava tentar afastá-la para protegê-la. Ela o amava da mesma forma que ele. Incondicionalmente. Não tinha outro jeito. O futuro de Harry Potter e Virgínia Weasley estava unido para sempre.

Ele não resistiu mais, inclinou-se e a beijou com paixão. Gina entreabriu os lábios e sentiu a língua de Harry acariciar a sua lentamente. Ela suspirou e deixou-se deitar, puxando-o sobre ela. Harry se apoiou nos dois braços e a olhou de cima para baixo. Os olhos castanhos ainda vermelhos, os traços de lágrimas secas no rosto rosado. Não podia evitar de sorrir. Os olhos dela brilhavam de amor e desejo.

- Eu te amo – ele sussurrou antes de afundar o rosto no mar de cachos ruivos que pendiam ao lado do rosto de Gina, repousados sobre o colo macio e perfumado.

Ela sentiu os lábios dele roçarem na pele sensível e ficou arrepiada. A mão dele afastou alguns fios vermelhos e traçou um caminho descendente, por cima da roupa, até alcançarem a borda do vestido dela, entrando por baixo deste. Ela tremeu. As mãos dele estavam geladas. Devia estar bastante nervoso.

Instintivamente ela procurou os lábios dele, apanhando-os nos seus, ávida por sentir seu gosto. As mãos dela rapidamente o livraram dos óculos e caminharam por entre os cabelos negros e bagunçados, escorregando pela nuca e por fim causando arrepios nas costas do rapaz. Harry gemeu em meio ao beijo. Ela sabia o efeito que estava tendo nele, podia sentir contra si o quanto ele a queria.

- Me faz sua – ela murmurou, virando de lado. Harry prontamente começou a abrir o fecho do vestido, enquanto beijava as costas nuas de Gina.

Quando ela se virou de frente ele pôde contemplá-la pela primeira vez sem nada bloqueando a visão, sem nenhum tecido ou transparência. Ele engoliu em seco. As mãos agora muito quentes acariciaram a pele macia sem pressa. Gina sorriu.

- Você está ruborizado – ela sussurrou. Ele desviou os olhos verdes do corpo dela e olhou dentro dos olhos castanhos.

- Bem, você não está. Alguém tem que cumprir esse papel aqui – ela riu.

- Eu me preparei o dia todo para não estar – foi a vez de ele rir.

- Eu imagino que sim – respondeu, beijando-a de novo. – Eu ouvi muito bem o que disse hoje na enfermaria. Eu não estava dormindo, sabia? Me deu muito o que pensar – ela corou e ele sorriu, vitorioso. – Ah! Agora sim, estamos quites – ela olhou para ele maliciosamente.

- Não. Não estamos. Mas logo estaremos... – completou, apertando-o contra si. Harry prendeu a respiração e estava quase começando a se livrar das vestes quando algo tirou a sua atenção.

Gritos. Pior. Gritos conhecidos: Hermione. Gina olhou para ele e os dois trocaram um olhar que sabiam decididamente o que significava.

- Vamos... – ela disse, colocando a parte de cima do vestido de volta no lugar. – Não vamos conseguir desse jeito. Precisamos saber o que houve com ela – Harry concordou. Frustrado, respirou algumas vezes e bebeu os dois copos de suco que estavam sobre a mesa de um gole só. Gina arregalou os olhos, Harry tentou sorrir.

- Eu sinceramente não quero que seja nada grave. Mas se for mais alguma daquelas coisas que o seu irmão apronta eu juro que ele vai me pagar caro por isso... – Gina riu e os dois desceram as escadas para saber o que tinha acontecido com Hermione.

Assim que chegaram encontraram a amiga aos prantos. Ela chorava e andava de um lado para o outro. Assim que Harry entrou na sala comunal a garota se jogou em seus braços.

- Harry... – ela soluçava. – Harry... – não conseguia falar. O rapaz a estava sustentando praticamente, já que as pernas da menina não pareciam nada firmes.

- O que houve? – Gina perguntou para Dino e Dimas. Eles não sabiam mas subitamente Rony entrou na sala comunal. A expressão aterrorizada no rosto dele indicava que sabia o que tinha acontecido. Harry e Gina se viraram para ele para que dissesse o que estava havendo.

- Acabei de saber e vim o mais rápido que pude. Os pais da Mione foram atacados – Hermione acabava de desmaiar nos braços de Harry.