Cap. I

Atrá do balcão estava Tom, o dono do caldeirão furado que estava mais vazio que de costume. Desde a época em que estivera ali pela primeira vez pouca coisa tinha mudado, só o dono parecia envelhecer vertiginosamente a cada ano que passava. Hermione se perguntava até quando o simpático senhor conseguiria tocar o negócio.

- Boa noite.

- Olá minha jovem! Como está Hermione, há muito tempo não te vejo! Hogwarts anda lhe tomando tanto tempo que não pode mais vir visitar um conhecido?

- Seria possível arranjar um quarto de solteiro Tom, só por esta noite?- Hermione perguntou parecendo cansada demais para dizer alguma coisa a respeito do comentário de Tom.

- Vou ver... Olhe, estamos um pouco cheios esta noite.

Um relógio soava tique-taque. Hermione esperou, seu espírito abatido pelo momento. Esperava ansiosamente que houvesse um quarto disponível. Poderia ser o pior que fosse, era só por uma noite mesmo.

- Sim, posso arranjar-lhe um quarto, mas é de fundos receio que...

- Tudo bem, fico com ele.

- Tem certeza que não quer ver o quarto antes? - com a movimento negativo da cabeça de Hermione o senhor só pode dizer - Se puder assinar o registro, vou pedir ao porteiro para acompanhá-la até o quarto.

A idéia melancólica de um corredor comprido e abafado e uma cama de solteiro melancólica ao final foi demais para Hermione. Apesar de a alguns segundos implorar por um quarto, não estava com humor para uma vistoria a um quarto, que provavelmente seria o pior do Caldeirão furado.

- Agora não Tom. Preciso sair. Para jantar... combinei com uma amiga- improvisou naturalmente, não havia amiga, mas ela queria se distânciar do mundo bruxo, redescobrir o mundo com o qual não tinha quase nenhum contato a um ano. - Voltarei mais ou menos nove e meia. Não se preocupe com minha bagagem. Deixe-a aqui até eu voltar. Eu mesma a levarei para cima.

- Como quiser, mas... não quer ver o quarto?

- Não, não tem importância mesmo Tom. Tenho certeza de que é bem simpático. - Sentia-se como se fosse sufocar. Tudo parecia tão pavorosamente velho. Pegou a bolsa e voltou-se para sair, ainda murmurando desculpas. Quase derrubou um vaso de flores, resgatado a tempo, e filnalmente escapou em busca de ar fresco.

Inspirou profundamente por duas ou três vezes para se reanimar e sentiu-se melhor assim que viu a Londres trouxa a sua frente. Anoitecia admiravelmente, um tanto frio, mas claro, com um céu azul translúcido formando uma abódada tocando o cume dos telhados e uma ou duas nuvens tingidas de cor-de-rosa flutuando feito balões. Com as mãos no bolso, Hermione caminhou.

Deu por si uma hora depois, dirigindo-se para o sul. A ruazinha cercada de casas encantadoras e ponteadas de lojinhas lhe era familiar. Todavia, diferente era um pequeno restaurante, instalado onde Hermione, quando era pequena e andava com o pai, lembrava-se de haver uma sequência de vitrines sujas cheias de livros velhos e surrados.

O restaurante chamava-se Galdérius, um tipico restaurante trouxa á moda italiana. A calçada, pavimentada com pedras arredondadas, estava enfeitada com loureiros plantados em tinas de madeira sob um toldo alegre listrado de azul e branco.

Quando se aproximou da porta aberta, um homem apareceu trazendo uma mesinha que colocou sob o toldo, cobrindo-a com uma toalha de xadres vermelha e branca. Trouxe depois duas pequenas cadeiras de ferro e uma garrafa num invólucro de palha. Tudo foi arrumado sem muito cuidado.

A toalha balançava ao sabor da brisa. Então, ele levantou a cabeça e viu Hemione. Seus olhos escuros emitiram um sorriso doce.

- Boa noite senhorita.

O sorriso, o cumprimento, a fez sentir-se como uma grande amiga que ele se encantava por reencontrar. Não era de admirar que fizessem tanto sucesso como donos de restaurantes.
Ela sorriu.

- Olá. Como vai?

- Fantástico. Depois de um dia assim, quem poderia sentir-se de outra forma? - Fez um gesto apreciativo juntando as pontas dos dedos num beijo estalado. - Maravilhoso.

Através da porta aberta do restaurante, vinham aromas de dar água na boca - sugerindo alho, tomates e azeite. Hermione deu-se conta de que estava faminta. Não almoçara no trem e parecia ter andado quilômetros desde que deixara o hotel. Seus pés doiam e tinha sede. Olhou para o relógio, passa um pouco das sete horas.

- Já está aberto?

- Está sempre aberto para você.

Aprovando a cortesia, ela falou:

- Quero apenas uma omelete, ou algo assim.

- Tudo o que quiser, senhorita...

Estendeu um braço em sinal de boas-vindas, com tão charmoso convite, Hermione entrou. No interior havia um pequeno bar e depois dele o restaurante, estreito e comprido. Banquetas estofadas com tecido laranja enfileiravam-se na extensão de cada parede. As mesas eram de pinho escovado, flores frescas e guardanapos de um esplêndido xadres. As paredes eram espelhadas. O chão, coberto com esteiras de palha. Do fundo, sugerindo uma algazarra, emanavam odores e vozes altas, era a cozinha. Tudo parecia limpo e, depois de um dia exaustivo, Hermione teve a sensação de estar sendo recebida em casa. O jovem afastou a mesa da parede e ela pode sentar- se. Olhou satisfeita o copo de cerveja que havia sido servido caprichosamente junto com uns pratinhos de azeitonas e amendoins.

- Tem certeza de que só quer uma omelete, senhorita? - perguntou enquanto colocava a mesa no lugar. - Temos uma ótima vitela esta noite, Minha irmã Francesca pode fazer para você e ficará uma delícia.

- Não, só uma omelete. Mas pode colocar presunto. E talvez uma salada verde.

- Eu farei o molho especial.

Até então o lugar estivera totalmente vazio, mas a porta da rua se abriu e alguns clientes entraram, acomodando-se em torno do bar. O jovem garçom desculpou-se com Hermione e foi servi-los. Ela ficou sozinha. Tomou um gole da cerveja, depois apoiou o copo na mesa, levantou a cabeça e viu de relance sua imagem refletida no grande espelho da parede oposta. Lá estava ela... uma moça esguia de traços fortes, olhos castanhos, nem escuros nem claros, os cabelos ainda castanhos e muito ondulados estavam um pouco abaixo dos ombros. Suas mãos e pulsos, emergindo dos punhos dobrados da blusa, eram longos e pálidos como a face, o que não deixava dúvidas de que a muito tempo não tomavam a luz do sol.

De novo a porta se abriu. Uma voz de mulher chamou - Oi Rory! - e no outro instante a recém chegada atravessou o bar direto para o restaurante, como se fosse um gato em seu ambiente familiar. Sem olhar na direção de Hermione, parou numa mesa próximo à dela e afastou-se para sentar, deixou- se cair ruidosamente sobre a banqueta com os olhos fechados e as pernas estiradas para a frente.

Tão a vontade, e com insolentes movimentos, Hermione concluiu que ela deveria ter alguma relação com a falília proprietária do restaurante. Divertindo-se com a possibilidade intrigante, mas sem querer olhar diretamente, Hermione transferiu o olhar para o espelho em frente e observou a imagem da mulher. Virou depresa o rosto desviando o olhar e então olhou de novo, tão rápido que pôde sentir o cabelo batendo contra a face. Uma perfeita reação de espanto, pensou. Uma clássica reação de surpresa.

Era ela mesma.

Mas não era ela porque havia duas imagens no espelho. A rescém chegada, inconsiente do olhar hipnotizado de Hermione, puxou o lenço de seda brilhante da cabeça e sacudiu os cabelos para trás. Ela esticou um pé, com a bota enganchada na perna da mesa, puxou-a para mais perto. Inclinou- se para frente e, com a cabeça virada para o lado oposto ao que Hermione estava, chamou novamente: - Oi, Rory!

Hermione não conseguia despregar os olhos do espelho. O cabelo da moça era maior do que o dela, mas tinha a mesma cor e eram avolumados da mesma maneira. Estava maquiada cuidadosamnete, o que só servia para enfatizar suas feições. Olhos castanhos, nem muitos escuros nem claros, eriçados pelo rímel negro. Ao estender o braço para puxar a bolsa para mais perto, Hermione viu um enorme e deslumbrante anel e as unhas vermelhas, as mãos eram esbeltas e compridas, idênticas às suas própria mãos.

O jovem garçom, tendo atendido aos clientes do bar, respondeu aos seus apelos correndo.

- Senhorita, me desculpa, pensei que...

Lentamente, ele foi ficando paralisado, seus movimentos, suas palavras e mesmo sua voz pareciam definhar. Depois de um momento:

- Ok, então o que você pensou? - perguntou a moça que se sentara ao lado de Hermione. - Com certeza deve estar achando que preciso de algo para beber.

- Mas eu pensei... quero dizer, eu já... - seu rosto foi ficando completamente lívido. Os olhos escuros voltaram-se cautelosamente até o rosto de Hermione. Estava tão obviamente estremecido que Hermione não se espantaria se ele saísse correndo dali.

- Oh, Rory, pelo amor de Deus...

Mas no meio daquele pequeno momento de exasperação, ela virou-se e viu Hermione, observando-a atravéz do espelho. Pareia que o silêncio ia durar uma eternidade. Finalmente Rory interrompeu-o. - É assombroso!

Elas deixaram de olhar pelo espelho e se encararam. Mas ainda era como se estivessem olhando no espelho. A outra moça foi quem falou primeiro. - Diria mesmo que é assombroso! - mas não falava com a mesma segurança anterior.
Hermione sequer conseguia pensar em algo para dizer.
Mais uma vez Rory quebrou o silêncio.

- Mas senhorita Clunsk, quando a outra senhorita entrou, pensei que era você. - Virou-se para Hermione: - Me desculpe, deve ter pensado que eu fui muito íntimo, mas evidentemente eu a confundi com a senhorita Clunsk Ela vem sempre aqui, mas não a vejo há alguns tempo e...

- Não interpretei como intimidade. Só achei que estava sendo simpático.

A garota de cabelos longos ainda encarava Hermione, seus olhos castanhos moviam-se sobre o rosto de Hermione como um especialista avaliando um quadro. Falou, então: - Você parece igual a mim - soando um pouco aborrecida por isso, como se fosse uma espécie de afronta. Hermione sentiu necessidade de se defender.

- Bem, você parece igual a mim - respondeu-lhe suavemente. - Parecemos uma com a outra. - Ainda nervosa continuou: - Acho que também falamos igual.

Isso foi instantaneamente confirmado por Rory, que continuava pregado ao chão com a cabeça indo de uma à outra.

- Isso mesmo. Vocês tem a mesma voz, os mesmos olhos e o mesmo cabelo. Eu não acreditaria se não visse com meus próprios olhos. Poderiam ser gêmeas. Vocês são... - estalou os dedos procurando a palavra adequada. - Iguais. entendem?

- Idênticas - falou Hermione categoticamente.

- É isso! Idênticas! Isso é fantástico!

- Gêmeas idênticas? - hesitou em dizer a outra.

Finalmente Rory entendeu que elas estavam confusas, sem poder tirar os olhos uma da outra.

- Quer dizer que vocês nunca se viram antes?

- Nunca.

- Mas vocês devem ser irmãs.

Ele levou a mão ao coração. De repente, parecia não aguentar mais. Hermione perguntou-se se ele iria desmaiar e esperou que não acontecesse. Mas, em vez disso, tomou uma resolução prática. Avisou:

- Vou abrir uma garrafa de Champanha. É um presente... da casa. E também vou beber um copo por que um milagre como esses nunca me tinha acontecido antes. Esperem aí... - acrescentou, desnecessariamente estreitando as mesas entre elas, como se tivesse receio de que pudessem escapar. - Não se movam. Esperem aí - e disparou de volta ao bar, ajeitando seu avental azul claro engomada, com ar de impotência.

Elas mal o ouviram, mal notaram sua saída. Irmãs. Hermione sentiu um estranho nó na garganta, mas forçou-se a dizer. - Irmãs?

- Irmãs gêmeas - corrigiu a outra. - Qual seu nome?

- Hermione Granger.

A outra moça fechou os olhos e depois abriu num movimento lento demais para ser um piscar de olhos. E falou com calma estudada:

- Esse também é meu sobrenome. Só que eu me chamo Helena.