Estava cansada do meu cabelo: um cabelo preto, no meio das costas e totalmente sem-graça!

Aproveitei o domingo sem aulas para fazer alguma coisa nele. Não sabia se cortava ou se pintava.

Fiquei meia hora me olhando no espelho. Vi minha cara de todos os ângulos possíveis. Oh, como eu era um monstro! Continuava a mesma pata-choca sem sal de sempre... Aqueles grandes olhos azuis, a bochechas rosadas e terrivelmente ridículas, os cabelos caídos na cara como se tivessem acabado de ser lambidos por cachorros. 

Até que peguei uma tesoura, de cortar papel mesmo, e comecei a tesourar meu cabelo. Cada lado ficou de um tamanho diferente e com várias pontas. Eu achei demais!

Saí do quarto sentindo-me uma top-model, com o nariz empinado para as paredes, como se elas fossem pessoas.

Iria desfilar com o meu novo corte de cabelo por Hogwarts toda, mesmo que ninguém visse! Do jeito que estava, se recebesse elogios de um dos quadros, iria ficar nas nuvens!

Encontrei com Pirraça no caminho infeliz que tracei... Ele se acabou de tanto rir e de dizer que estava a coisa mais ridícula que ele já havia visto na vida e na morte. Mas eu não deixei que me abalasse! Quer dizer, não tanto...

Continuei andando, sorrindo e acenando para as paredes... De repente, enquanto acenava para a vidraça da enfermaria, Sir Nicolas me deu um susto pondo a cabeça para fora da vidraça.

- O que houve, menina? – ele perguntou, olhando para o meu cabelo.

- Ahn... nada, por quê? – eu perguntei, passando a mão pelo cabelo, tentando escondê-lo do olhar daquele fantasma enxerido.

- Seu cabelo! Parece que viu um fantasma! – ele retrucou, não se dando conta do que estava falando.

- Er... eu estou vendo um fantasma.

- Oh, sim, claro, claro... – ele disse, se não fosse prateado, ele teria corado. – Foi força de expressão! É melhor dar um jeito nesse cabelo, mocinha! Senão vão dizer que acabou de sair da boca de um hipogrifo!

- É pra rir, Sir Nicolas? – eu perguntei, irônica e quase matando de novo aquele fantasma "quase sem cabeça" e acabando de arrancar-lhe aquela cara feiosa do corpo.

Ele virou-se e saiu flutuando, sem me dar alguma resposta.

Mas resolvi seguir o conselho do velho fantasma. Bem, ele era sério e nunca falava mentiras...

Saí correndo para o quarto e sentei em frente ao espelho novamente. Estava disposta da cortar o cabelo todo, nos ombros. Pelo menos eles cresceriam iguais... Só que havia aquela maldita flor-de-lis que apareceu aos meus onze anos, que eu tanto odiava. Se cortasse os cabelos a altura dos ombros, ela iria aparecer, pois os meus cabelos nunca ficavam parados, então, à medida que balançasse, todos veriam aquilo no meu pescoço.

Tomei coragem e cortei mais uma vez, desta vez não ficaram totalmente certos, mas não ficaram tão pontudos como da outra vez. Decidi que iria usar um pano cobrindo a cabeça até que eles crescessem de novo. O bom era que eles não demoravam muito a crescer. Depois de um mês, já poderia tirar o pano.

Arrumei tudo para as aulas de segunda e dormi.

A primeira aula de segunda era do Remus, aula sobre Criaturas Mágicas.

Acordei, como sempre mal-humorada e querendo dormir mais, e fui para a aula, com o pano cobrindo meus cabelos e aquela marca horrível no meu pescoço...

- Bom... – ele iria me dizer "bom dia", mas pigarreou quando viu a minha cabeça coberta. – Bom dia, Mel...

- Oi – eu sempre odiei dizer "bom dia", era muito grande e gastava muito tempo para dizer. Então disse um "oi" mal-humorado.

- Ahn, er... o que houve... por que está, er... bem, com essa... coisa na cabeça? – ele perguntava, sem jeito, apontando para o pano.

- Nada que... – eu ia falar "nada que te interesse", mas ele interferiu na minha frase.

- Não seriam piolhos, seriam? – Piolhos??? E por que ele acharia que eu estava com piolhos???

- Claro que não! – eu exclamei, ofendida. –Onde já se viu? Eu com piolhos??

- Bem, se não são piolhos, comecemos a aula porque temos muito a estudar ainda – ele disse, recompondo-se e voltando a seriedade de sempre. – E tire essa coisa da cabeça!

Mas como minha língua nunca coube muito bem na minha boca, eu disse para ele porquê eu estava com um pano na cabeça.

- Eu cortei o cabelo, e ficou uma desgraça! Até os fantasmas riram de mim... – eu disse, totalmente arrasada e inconformada. – Estou um horrível e não quero que me veja assim, aliás, não quero que ninguém me veja assim!

Ele disfarçou o riso com uma tosse forçada e andou até mim.

- Vamos, tire isso, me incomoda... – ele disse, pouco mais de dez centímetros longe de mim.

- Não – eu disse, retorcendo o rosto e pondo as mãos no pano, para não correr o risco de ele o puxar.

- Não precisa ter vergonha de mim, okay? E além do mais, eu gosto do seu cabelo... – ele disse, tirando as minhas mãos do pano e colocando as dele.

Ele disse que gostava do meu cabelo, eu fiquei estática. Ele estava a poucos centímetros de mim e eu sentia as mãos dele tocando em mim, mesmo que fosse no pano que cobria o meu horripilante cabelo...

E eu esqueci completamente da flor em meu pescoço. Deixei que ele puxasse, devagar e cuidadoso, o pano. Meus olhos estavam presos nos dele, que olhavam cuidadosamente para o que fazia. Eu cheguei a perder a noção do que ele estava fazendo, tirando o pano da minha cabeça, e vaguei na imaginação, uma imaginação que eu nunca esperava ter! Então eu senti uma parte do meu cabelo caindo pelo rosto e ouvi a voz dele dizendo:

- Linda.

Ele havia me chamado de linda, eu pensei: será que é a minha imaginação?

Bem, não era a minha imaginação.

Ele escorregou a mão dos meus cabelos pelos meus ombros, até minha cintura. Ele sorria com os olhos para mim e eu estava louca para beijá-lo. Apesar de nunca ter feito isso; pois vivi a vida toda com crianças, e não me envolvi com ninguém depois que saí do orfanato, um impulso me fez levantar o rosto para que minha boca ficasse da altura da boca dele. Estávamos quase encostando os lábios e ele hesitou. Soltou minha cintura e saiu de perto de mim, indo para sua mesa.

Disfarcei minha cara de decepção e, sem falar nem olhar, sentei-me na cadeira que era designada para mim.

A aula seguiu, como se aquilo não tivesse acontecido. Ao invés de dar matéria nova, como tinha dito, ele me deu exercícios para fazer e ficou escrevendo algo em sua mesa.

Quando deu a hora de eu sair, deixei os pergaminhos de exercícios na mesa dele, sem o olhar, virei as costas e fui embora.

A palavra "linda" nunca sairia da minha cabeça. Ninguém nunca tinha me dito isso... E ele me disse, sem nenhum vestígio de ironia.

No caminho para a aula de Sirius, pus o pano de novo.

- O que aconteceu, Mel? – ele perguntou, olhando para o pano mal colocado na minha cabeça.

- Nada... – eu respondi, ainda vagando na memória de uns minutos atrás.

- Ora, tire isso daí, está horrível – ele disse, como uma ordem. Pensei comigo mesma: "Grande! Um me chama de linda e outro de horrível!"

Senti-me ofendida e o olhei como se o fuzilasse ou lançasse um dos feitiços imperdoáveis naquela cara de Don Juan Capenga que ele tinha.

Sentei e o esperei começar a infeliz aula. Só podia ser o Sirius para estragar o meu dia... Eu nunca gostei dele, seu jeito era muito... forçado. Ele se achava demais e se gabava de conquistar todas as menininhas de seu tempo em Hogwarts.

O único que não falou nada sobre o pano em minha cabeça foi Dumbledore. Só olhou surpreso quando eu cheguei em sua sala, mas logo começou a aula normalmente.

Eu estava atolada até o pescoço de deveres e pergaminhos para fazer sobre assuntos totalmente distintos.

Mas "linda" ainda ecoava na minha cabeça...