Nessa noite papai me transformaria em uma Comensal. Passaria a ter uma marca no braço e uma no pescoço... Que lindo! "A garota marcada!"
Ele dissepara não me preocupar, não iria doer... Mas mesmo assim tenho medo.
Parecia que algo não estava bem... As notícias que ouvia chegarem a papai sobre os aurores e sobre Dumbledore eram estranhas. Não tinha muita certeza se agiriam assim não sabendo do paradeiro de papai, e também não sabia se agiriam assim se soubessem... Mas algo estava muito estranho.
E meu bebê com dona Matilde... era a única coisa com que me importava no momento. Meu bebê. Será que Remus tinha ido lá buscá-lo?
Minha vontade era largar tudo e voltar para o meu filho. Mas não podia, não sabia o castigo que meu pai daria a mim e à criança...
A cerimônia se daria numa casa abandonada e protegida longe do esconderijo em que ficávamos. Ou pelo menos, onde eu ficava...
À noite, pus meu capuz preto e saí atrás de papai, com todos os comensais nos cercando. Fomos via pó-de-flú. Apesar de a rede de lareiras estar sendo vigiada e controlada, papai sempre conseguiu um jeito de burlar as vistas do Ministério, e passamos todos sem problemas.
Chegamos na casa. Era grande, estava suja e maltratada. As cortinas imundas quase caíam de tão podres. As paredes estavam ficando esverdeadas e cada móvel estava corroído por traças e com uma camada de poeira de algo que ninguém mexia há anos.
O lugar era frio, mas o frio sempre me confortou, então não me incomodava. O único som que ouvia eram nossos próprios passos batendo no chão de madeira tosca e imunda, como se rachássemos a madeira.
Andamos um pouco e chegamos a uma porta de ferro e bastante forte. Papai puxou a varinha e disse baixinho, mas fortemente: "Alorromora"
A porta se escancarou e eu vi, pela brecha do capuz, um salão comprido e o bastante grande para caber um gigante deitado, com archotes de chamas azuis que deixavam suas sombras dançarem no chão límpido de mármore escuro. No meio do salão havia uma espécie de toco comprido, mas não era de madeira, era de ferro.
Entramos. O frio lá dentro era bem pior do que fora, mas eu não me importei. Meu coração palpitava na garganta e sentia minhas mãos suarem.
Ninguém dizia uma palavra. Papai andou até a barra vertical de ferro e virou-se para mim. Deixando o objeto ficar entre nós. Dois comensais ficaram à porta e os outros se espalharam pelo salão. Todos olhavam para nós.
Papai tirou o capuz e eu vi em seu rosto pálido o prazer que estava sentindo em me transformar em uma Comensal, seus olhos azuis focados em mim como se fosse um tesouro...
Eu tirei o meu capuz também e nos olhamos por um momento. Um momento em que meus olhos pareciam dizer-lhe adeus, um momento em que parecia que podia sentir que iria perdê-lo e que era a última vez em que olhava em seus olhos e via os meus, tão azuis como contas.
Ele deu um sorriso fino com os lábios.
- Dê-me seu braço – ordenou.
Meu coração estava batendo mais forte agora, podia sentir minhas mãos tremendo, mas o que quer que estivesse sentindo, não poderia demonstrar isso em meu rosto. Porque era isso que ele mais detestava... Fraqueza.
Estava estendendo meu braço quando uma sombra pareceu passar pelos meus olhos e tive uma sensação ruim: alguém estava lá além de nós.
Parei subitamente e olhei em volta. Só via os comensais e a porta estava protegida por dois deles. No teto só havia escuridão.
- O que houve? – papai perguntou ríspida e, ao mesmo tempo, delicadamente.
Balancei a cabeça e voltei meus olhos para ele.
- Não se assuste, não vai doer nada, você não é fraca – ele disse. Provavelmente havia notado o olhar que eu fiz o máximo para ele não perceber: apreensão.
Eu sorri fracamente e estiquei o braço. Papai passou os dedos gelados no meu braço, como se acariciasse minha veia.
Levantou a varinha e iria começar a sibilar as palavras, mas um barulho alto da porta caindo fez um tremendo eco na sala silenciosa.
Rapidamente eu tirei o braço da barra vertical de ferro e virei-me para a porta. Papai, por um momento, pareceu atordoado, mas logo depois voltou ao seu semblante frio e superior de sempre.
Meus olhos congelaram e eu não conseguia me mover: Remus, Sirius, Dumbledore, uma mulher ruiva e de olhos verdes, um homem alto, com cabelos bem pretos e óculos, e mais dez bruxos que eu não conhecia – nada mais nada menos que mais dez bruxos – estavam de varinha apontada para nós, os olhos em chamas de rancor.
Eu fiquei parada, esperando que viessem uns vinte feitiços, azarações e maldições imperdoáveis, por trás de mim contra os intrusos, mas nada aconteceu, nem de parte nossa, nem deles. Apenas a voz fria e pesada de meu pai ecoando pelo salão.
- Dumbledore e seus amiguinhos, cachorrinhos...
Disse, com um sorriso afetado no rosto.
Minha cabeça estava vazia de pensamentos, e meus olhos passavam de Remus para Dumbledore incontrolavelmente.
Remus não olhava para mim. Tinha a varinha em punho, apertava-a com força, os olhos sem vacilar estavam em cima de papai, enquanto os outros bruxos, podia ver pelo canto do olho, mantinham suas varinhas apontadas para os outros comensais.
- ESTUPEFAÇA! – gritou uma voz atrás de mim e pude reconhecer a voz de Lúcio Malfoy.
Não entendi porquê ele tinha feito isso, já que os comensais de papai só lançavam algum feitiço, principalmente em sua frente, quando lhes era ordenado. Mas logo depois, pude perceber o motivo. Um homem alto e negro havia voado alguns metros e batido na parede. E uma outra, esta baixinha, loira, de uns quarenta e poucos anos, adiantou-se para ele, com a varinha em punho apontada para Lúcio. Provavelmente o bruxo que ele atacara havia tentado lançar algum feitiço.
Papai deu uma risada alta e desdenhosa. Nesse instante eu saí do transe e me dei conta de que estava no meio do caminho. Estava no meio. Estava entre meu pai e seus comensais, e Remus, Dumbledore e o restante dos aurores. Então, como um raio de luz, veio à minha memória Pâmela. No dia em que parti do orfanato, ela havia me dado um cordão com um amuleto: "De um lado um coração e um lobo, de outro uma adaga e duas correntes cruzando-se, no meio um caminho" Era isso. Eu nunca havia dado importância a esse amuleto, mas agora ele me era suficientemente claro. No momento em que eu escolhi viver com papai, eu fiquei presa no mundo dele, não podendo voltar para Remus.
De repente uma chuva de feitiços, luzes verdes, azuis, vermelhas, passou por mim como raios. Seguidos de gritos, risadas, gemidos de dor. Mas incrivelmente nenhum desses feitiços me atingira.
- Melody! Fique... perto... de... mim! – ele disse, me passando para trás dele, antes de gritar contra um auror que ia na direção de Macnair. - Cruccio!
O auror muito moreno caiu no chão gemendo de dor.
A essa altura, aurores e comensais duelavam raivosamente. Ouviam-se gritos de todas as espécies.
Em uma situação normal, eu teria saído de trás de papai e me posto a duelar. Mas não com Remus, Dumbledore e Sirius ali. Não queria machucá-los e não tinha essa intenção.
- Mostre o que sabe fazer, Melody! O que te ensinei deve ter servido para alguma coisa! – bradou papai.
Agora restavam poucas pessoas possibilitadas a duelar. Malfoy, Macnair e Lestrange eram os únicos comensais que tinha condições de dizer algum feitiço, lançavam maldições imperdoáveis contra Sirius, Remus, um bruxo de aparência muito estranha (tinha um olho que girava na órbita ocular), um homem alto, de óculos e cabelos negros e a senhora loira que fora amparar o auror que Lúcio atingira com um Estupefaça.
Estávamos numa desvantagem tremenda, considerando que estávamos em número maior no começo.
Os aurores revidavam com feitiços de desarmamento e ridicularizadores.
Quando tirei os olhos dos aurores, comensais e feitiços, e me voltei para papai, vi que trocava olhares mortais com Dumbledore. Nunca vira Dumbledore com tal olhar.
Ninguém ousou olhar para mim em nenhum momento.
Estava apreensiva, a respiração alta, suava frio, meu coração batia tão forte que sentia que poderia sair pela minha garganta a qualquer momento.
Papai empunhou a varinha com mais força. Dumbledore fez o mesmo.
- Avada... – papai começou, toda raiva e ódio que tinha, estava nesse momento em seus olhos e em sua voz.
Vi que o bruxo de cabelos negros e óculos se precipitava para perto de Dumbledore, enquanto a mulher ruiva gritava "Não, Tiago, não vá!". Então esse era Tiago, Tiago Potter.
Mas era tarde, o bruxo vinha correndo e a varinha em punho enquanto meu pai só tinha os olhos fixos em Dumbledore, que diria um "Impedimenta!" a qualquer hora e eu sabia que seria o suficiente para o feitiço não fazer efeito. Papai começara: "Avada..."
- Avada Kedavra! – gritou Tiago Potter, antes que papai pudesse acabar seu feitiço.
Mas eu tirei sua vitória de derrotar o poderoso Lord Voldemort.
Atirei-me na frente de papai e o feitiço me atingiu direto no peito. Ouvi três gritos diferentes dizendo a mesma palavra - "Não!" – antes de cair me contorcendo no chão. A dor subia pelo meu peito, me sufocava, parecia que cada parte do meu corpo estava se desintegrando e eu não tinha forças nem ao menos para gritar de dor.
Então eu parei de me mexer.
Não havia mais emoção nenhuma no olhar, sua respiração parara, assim como seu coração, que ainda pouco batia desesperadamente.
Voldemort ainda com a varinha em punho apontada para Dumbledore, mas os olhos fixos em Melody. Voldemort era incapaz de dar qualquer sinal de fraqueza e nem quando sua filha morreu, ele conseguiu chorar.
Todos haviam parado o que faziam e olharam para ele, para Mel e para Tiago.
Remus olhava com certo medo e tristeza para o seu corpo caído no chão, mas não soltou lágrima alguma. Apenas gritou "não!" quando o feitiço de Tiago a acertou.
Dumbledore pareceu desnorteado pela primeira vez. Parecia que nunca pensara que pudesse acontecer algo a ela. Pois havia uma parte sua , uma parte que era amada, dos dois lados. Ele também olhava para o seu corpo, mas a varinha mantida na posição contra Voldemort.
Ninguém nunca soube como os aurores e Dumbledore chegaram até ali...
Voldemort ia soltar uma maldição imperdoável em Tiago, com os olhos fervendo de raiva, as mãos cravadas na varinha, a maior demonstração de algum sentimento que não fosse ódio que já tivera. Era ódio misturado com tristeza, sentimento de perda, solidão e... medo.
Mas Dumbledore lançou-lhe um "estupefaça", ele voou alguns metros e bateu com a cabeça num candelabro baixo. Os aurores iam para cima dele, lançar feitiços para que não fugisse, mas ele simplesmente evaporou no ar, os comensais fazendo o mesmo.
E Melody, nos últimos segundos de sua vida, sabia que ele não iria descansar até matar o último dos Potter...
Seu bebê, ironicamente nomeado Tiago, viveria anos felizes sem saber quem fora a mãe dele, e quem seria seu avô materno.
Remus carregaria a culpa por tê-la deixado sair de Hogwarts na noite em que lhe foi dada a escolha de continuar com eles ou ir ao encontro de seu pai. Mesmo a culpa não sendo dele. E todos o veriam sofrer de um envelhecimento precoce por conta disso...
Tiago e Lílian Potter, a mulher ruiva que estava presente no dia de sua morte, morreriam nas mãos de Voldemort, deixando um bebê, o pequeno Harry, com uma proteção de sangue circulando nas veias e uma cicatriz em forma de raio feita por Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. E essa cicatriz seria culpada por sua decadência, sua sobrevivência por meio de outros, a perda de traços humanos e a troca do sentimento de perda que tinha por Melody, que justificava a morte de todos os Potter, por um sentimento de prazer em matar "o menino que sobreviveu", Harry Potter, para se auto-provar... Ele morreria nas mãos desse menino dezessete anos após seu nascimento. E tudo o que Melody julgou fazer para estar ao lado, dar e receber algum conforto familiar, ou até fazer bem a seu pai, dera errado e, de alguma forma, ela foi a responsável pela sua morte. Ou ao menos, pela sua morte nas mãos de um garoto de dezessete anos...
E nesses vinte e um anos, todas as faces do bem e do mal puderam ser traduzidas em um só nome: Melody Riddle ou eternamente Mel Lupin.
FIM
N/A: Obrigada a todos os que leram e comentaram, fiquei realmente muito feliz. Um obrigada especial e um beijo para a Rita, minha beta, alfa e acima de tudo amiga que sempre leu todos os capítulos antes e sempre me deu dicas ou opiniões. Um beijo estalado na bochecha da Lary, que foi uma grande incentivadora para eu escrever a fic. Obrigada a todos que comentaram, que sempre comentavam, davam opiniões, me chamavam de má, Dani, Sandrinha E desculpas por ter matado a Mel, rs.
