O Monge e a Exterminadora
Autor: Lexas
E - mail para contato: joaotjr@hotmail.com
Abril/2004
Ato I - Razão de Viver
Medo é o meu nome. Morte é o que encontra toda criatura imunda que cruza meu caminho. Pesadelo é o que sofre aquele que ouve falar de mim, pavor é o que aflige os que prevêem minha chegada.
Caminhando pela noite mais escura, aproximo-me sorrateiramente de onde cada um deles possa estar, preparando-me para cumprir minha sagrada missão. Incansavelmente a cada momento, invisto e persigo meus objetivos sem fraquejar.
Por que esse é o motivo da minha existência, e nada mais. Pois desde o dia em que nasci, já fui marcada para exterminar da face da terra toda criatura vil e imunda que sob ela caminha, todo ser oriundo das profundezas do inferno que ousou caminhar dentre os homens.
Essa é a minha missão, essa é a minha vida, e apenas para ela eu vivo. Pois minha vida não me pertence, logo não posso chamá-la de "minha". Desde o principio ela serviu a uma causa, um propósito, e nada mais. Perdi o direito de considerá-la como minha a partir do momento em que todas as outras se foram. Pois é justamente a elas que minha vida pertence, a todas aquelas que deram sua vida por mim, que sacrificaram sua vida em prol de minha sobrevivência.
E para tal sacrifício, preço algum é alto demais para ser pago.
Pouco me importa se levarei anos para cumprir com meus objetivos, é para impedir que genocídios promovidos pelas criaturas das trevas aconteçam que eu sigo em frente, é única e exclusivamente para impedir tal coisa que eu existo.
Ao longo de minha vida encontrei outros como eu, pessoas que se empenhavam em lutar contra tais criaturas, mas os mesmos eram fracos, e o tempo se encarregava deles. Seja pela morte na batalha, seja por resolverem tomar outros rumos, ou puramente por resolverem seguir outra vida... fracos.
Alguns diriam que eles são felizes por que encontraram outro sentido na vida, mas procuro não me preocupar com isso.
Pois há tempos parei de me preocupar com a minha própria vida. Não posso tê-la como preciosa, não enquanto não encontrar o maldito ser que deu fim as minhas companheiras... minha família... minhas amigas, minhas... irmãs...
Pois eu nunca descansarei enquanto não cumprir tal coisa. Sob o túmulo de todas elas, os quais eu cavei e ergui com minhas próprias mãos, fiz a maior promessa de todas, a de seguir em frente.
A cada dia, a cada momento, a cada instante de minha existência, aonde eu for necessária, lá estarei.
Tenho vagado por todos os lados, em todas as direções, sem me preocupar com nada mais. As vezes paro para pensar no que se algum dia isso terá um fim, mas não perco muito tempo pensando em tal coisa. Mesmo quando tenho a impressão de que, por mais que eu os extermine, eles sempre existirão em grande número, procuro não perder muito do meu tempo pensando em tal coisa.
Essa é a minha vida, e isso é o que eu sou.
Uma exterminadora.
E essa é a minha razão de viver.
***
"- Não se martirize tanto, meu amor.
- E-eu...
- Não se culpe... isso não é culpa sua, você me entende?
- M-m-mas eu... eu...
- Tudo bem, eu vou ficar bem, não se preocupe.
- Mas a senhora... a senhora está... está...
- Eu sei... filho, escute o que eu vou te dizer, eu... a partir de agora, as coisas serão mais difíceis para você, mas... por favor, não desista, ok?
- Mamãe!
- Shhh!!! Chore, lindinho. Chore o tempo que precisar, mas nunca desista, ouviu bem?
- Mãe! Por favor... MAMÃE!!!
- Não se preocupe, meu lindo. Eu e seu pai sempre estaremos contigo, está bem? Apenas me prometa, por favor... nunca... deixe de... sorr..."
- MAMÃE!!!!!!
Ele acorda, arfando e suando. Passa os minutos seguintes em silêncio, assustado pela cena que acabou de presenciar no sonho, ou melhor, pesadelo.
Quando isso começou? Não lembrava. Era algo que durava anos, desde aquele fatigo dia.
Por que tal coisa foi acontecer justamente com ele?
Noite após noite, o mesmo pesadelo. Não podia sequer fechar os olhos para uma soneca e sempre encontrava a mesma coisa, era o mesmo terror sempre que ousava aceitar o abraço de Morpheus.
Mas... não era bem verdade que não se lembrava quando tal coisa realmente começou. Sempre teve pesadelos leves, os quais haviam começado há anos atrás... mas há exatos cinco anos eles pioraram.
Era a mesma coisa, sempre a mesma situação, mas o mesmo era mais do que suficiente para aterrorizá-lo dia após dia. Tentou enfrenta-lo, mas no fim descobriu a grande verdade: era um fraco. Nem ao menos viver sua vida ele conseguia, pois o medo e o terror do passado sempre o atormentavam.
Como sempre, demorou algum tempo até finalmente voltar a si, dando-se conta da situação e, mesmo assim, ainda permaneceu mais algum tempo na cama, tentando relaxar, mas não conseguia. A sensação, o ocorrido, as memórias... tudo estava fresco demais, pois mesmo já tendo se passado cinco anos, era como se tivesse acontecido ontem.
Ou a cinco minutos atrás.
Ele finalmente se ergue, caminhando pelos corredores daquela pequena casa e indo até o lado de fora, observando a paisagem local. Caminhando um pouco, ele se dá ao luxo de admirar o vale que se localizava aos pés do monte aonde estava morando. Podia ver alguns lagos cruzando todo o vale, assim como um vilarejo não muito longe dali, o que renderia uma caminhada de alguns minutos.
Mas isso nem de longe era o mais importante, e sim o fato de que, terminando de fazer seu curto passeio matinal, ele se ajoelha, colocando o rosto no chão, permitindo que algumas lágrimas furtivas escorram.
Sim, ainda estava ali. Tudo estava ali, nada havia sumido. Ele estica para o alto ambas as mãos, olhando de maneira especial para a palma de uma delas, a que carregava o motivo de sua dor.
Aquela mão que era o maior motivo de sua tormenta, sua condenação, sua danação eterna.
Em momentos como esse ele se perguntava quanto tempo mais suportaria, quanto ainda iria agüentar. Era praticamente um ritual diário que ele fazia há tanto tempo, que não conseguia imaginar algo diferente para sua vida.
Um verdadeiro martírio para ele, a pior criatura que já ousou pisar na face da Terra, pois nem ao menos acabar com sua própria vida ele conseguia. No principio acreditou inocentemente que fosse devido a sua promessa, mas não demorou muito para ele entender a grande verdade.
Não tinha nada a ver com a promessa, e sim com o seu medo.
O qual, sem sombra de dúvida, habitava em sua vida há tempos.
***
- Isso é o suficiente? - apesar de ser uma pergunta bem simples, foi mais do que suficiente para deixar a dona da estalagem bastante surpresa.
Pra começo de conversa, ficou muito assustada com sua hóspede, a qual havia se hospedado na noite anterior. Na verdade, fora seu marido quem a registrou e comentou com ela que "aquela" pessoa estava ali.
Claro que tal coisa foi mais do que suficiente para chamar a atenção de todo o vilarejo - certo, de todos os que tinham assuntos não tão importantes para resolver na parte da manhã. - afinal de contas, não era todo dia que tinham uma "celebridade" visitando aquela região.
A lenda. O mito. Muitos já haviam ouvido falar dela, mas poucos haviam realmente visto aquela pessoa.
Na verdade, alguns tinham suas ressalvas, afinal de contas, ela era praticamente um mito, uma história para incentivar as crianças e os jovens aprendizes de guerreiro.
A Exterminadora.
Se esse era o seu nome verdadeiro, ninguém sabia. Rápida e letal, as histórias acerca de seus feitos eram muitas. Tantas, que alguns questionavam a existência de tal pessoa.
E por que deveriam acreditar? Afinal, seus feitos eram incríveis demais, superando os feitos dos melhores guerreiros de cada vila. Afinal, em meio àquela época aonde criaturas vagavam em meio a noite sombria, era natural que cada vilarejo possuísse alguma força de defesa, a qual era incumbida de, além de protegê-los do ataque de saqueadores, resolver problemas relacionados com as criaturas das trevas.
Claro, aquele não era um mero vilarejo, ainda mais depois de tudo o que passou. Poucos se equiparavam aquele, tendo em vista seu longo histórico de encontros com Youkais que iam até ali atrás de seu "mascote", ainda mais tendo uma sacerdotisa tão poderosa quanto a que possuíam.
E, levando-se em conta que até eles tinham suas baixas, como acreditar que uma mera mulher era capaz de ter tido sucesso aonde muitos falharam? Como uma mera mulher de rosto tão jovem e sem cicatrizes podia ser melhor do que todo o vilarejo?
Claro que, para a dona da estalagem, a única coisa que lhe importava era o fato dela estar pagando pela hospedagem e as demais despesas da noite. E o mais impressionante, com uma pequena peça dourada, a qual ela reconheceu no ato como sendo de ouro. E daí que tinha o formato de um canino? Tinha gosto pra tudo, e ela não era nem um pouco supersticiosa.
Com um sorriso de um lado ao outro, ela pouco prestava atenção quando sua hóspede sai de sua estalagem. Se não fosse pela sua face, poucos diriam que era uma mulher, pelo contrário, usava uma malha de couro - não se atrevia a perguntar de que criatura teria vindo - que protegia seu corpo, assim como um estranho objeto nas costas realmente grande, o qual lembrava vagamente um bumerangue, apesar dela se perguntar que tipo de "Exterminador de monstros" usaria tal coisa como arma. Um observador mais atencioso teria percebido outras armas em sua roupa, mas a arma maior realmente chamava atenção.
Enquanto caminhava pela vila, percebia os olhares direcionados à sua pessoa. Não estava nem um pouco surpresa, pois sabia que sua presença ali, antes de mais nada, causava desconforto para todos.
Tudo bem, estava acostumada com isso. Muitos já a idolatraram como uma heroina, muitos a respeitavam em outras regiões... e muitos temiam sua presença, como se ela fosse um imã para Youkais.
Não os culpava. As pessoas tinham o péssimo hábito de temer o que era diferente, e atacar o que temiam. Isso, claro, quando a coisa diferente em questão não representava um perigo tão grande assim.
Ela era diferente deles? Sim, a partir do momento em que deixou de ver sua vida como preciosa e assumiu um objetivo do qual nunca poderia abandonar, não enquanto não o cumprisse. Nem ao menos morrer ela podia, não antes de cumprir seu juramento.
Parando em frente ao templo do vilarejo, ela o observa atentamente, sua arquitetura, seus detalhes. Muitos podiam achar que ela era apenas uma assassina fria e calculista, mas enganavam-se. Quando se tem um objetivo fixo em mente, é justamente nesse momento em que você passa a dar valor as pequenas coisas, como o esforço das pessoas em, apesar dos infortúnios desta época, sempre insistirem em construir coisas que permanecessem para as gerações futuras.
Tolos. Perdiam tempo com coisas cujo tempo se encarregaria de consumir, quando deveriam saber, mais do que ninguém, que as verdadeiras lembranças eram carregadas dentro de si, e não através de monumentos. O tempo poderia destruir madeira, metal e pedras, mas nunca o espirito, a memória das pessoas.
Ela adentra no templo, caminhando um pouco e encontrando uma mulher de costas para ela, a qual estava ajoelhada no chão e de frente para um altar de sacrifícios, rezando. Sem emitir um ruído sequer, ela espera pacientemente a mulher terminar o que fazia.
- Suponho que seja você a sacerdotisa do templo - ela falava em alto e bom tom para a mulher no exato momento em que ela cessa sua prece e abre os olhos. Ela se ergue, observando atentamente a jovem diante dela, a qual, por sua vez, não tira os olhos da sacerdotisa em momento algum, uma senhora de idade cujos olhos denotavam uma vida inteira de preces e lutas em prol do vilarejo. - Espero não estar interrompendo nada.
- Já terminei minhas preces por hoje - e continuava fitando a garota diante dela - Em que posso lhe ser útil, minha jovem? Deseja alguma coisa? - falava enquanto analisava atentamente a vestimenta dela. Apesar de ser feita de um material bem peculiar e difícil de ser encontrado, o padrão utilizado era indiscutivelmente familiar. Reconhecia de longe o estilo das Mulheres Exterminadoras de Youkais, mas... quem seria tal jovem? Até onde podia se lembrar, o vilarejo fora destruído há dez anos atrás sem deixar vestígios. E mesmo tendo uma razoável fama, não era de conhecimento geral sua localização. Mas a pose, a maneira de olhar, a postura... podia jurar que aquela garota se parecia com uma das mulheres da mítica Vila das Exterminadoras. Mas não era possível, certo? Todas estavam mortas, há anos não se tinham noticias de uma exterminadora sequer.
Claro que ouviu os boatos acerca de uma guerreira caçadora de Youkais que se auto-intitulava como "Exterminadora", mas nunca havia feito uma real ligação entre a pessoa e a vila.
E a julgar pelo murmúrio que corria pelo vilarejo... seria essa jovem? Sendo ou não, o fato dela ter entrado no templo de maneira tão silenciosa e furtiva que ela mesma não conseguiu sentir sua presença, era algo que a incomodava.
Sendo assim, de onde tal moça que se autodenominava como "Exterminadora" teria vindo?
- Sim. Vim até aqui para encontrar o Hanyou que habita em seu vilarejo.
Continua...
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