Cap. II –Regresso a casa
Nessa época, já Saga reinava despotamente no santuário, e corriam rumores do que lá se passava, e de como o bondoso cavaleiro de Gémeos tinha mudado o seu carácter, a pontos de o julgarem possuído pelo demónio em pessoa. Mesmo Medeia, que sempre tivera influência sobre o irmão, evitava pisar o domínio sagrado, recolhendo-se cada vez mais nas suas outras residências.
Não foi por isso sem preocupação que deixou Ishtar partir para o Santuário logo que recebeu a sua armadura, tal como Saga exigira sem reservas numa missiva fria e imperiosa, embora mascarada de um tom bondoso. Ordens eram ordens, e Ishtar partiu, para se fixar na Grécia durante pelo menos seis meses. Assim que lá chegou, apresentou-se na sala do trono:
- Querido tio e Meu Mestre, aqui estou para cumprir os seus desígnios.
Não podemos dizer que o coração de Ishtar se mantivesse impassível neste momento: porque Ishtar e Saga amavam-se desde o primeiro dia em que se tinham visto, quando eram apenas duas crianças. Haviam declarado o seu amor várias vezes um ao outro. Medeia desobrira a afeição dos pequenos e não ficara satisfeita; gritara, a altos brados, que esquecessem tal afeição, que era quase um incesto. Assim, Saga e Ishtar tinham criado um plano: foram ajoelhar-se aos pés do Grande Mestre, implorando-lhe a sua indulgência, e que os autorizasse a casar quando crescessem. Shion quase largara a máscara de tanto rir com o caricato da situação, pois Medeia, acompanhada do marido, embaraçadíssima com o descaramento daqueles jovens tão determinados, entrara na sala, ameaçando pô-los ambos de castigo por incomodarem o Grande Patriarca com as suas brincadeiras.
Shion, todavia, proibiu-a de os castigar.
- Medeia, minha filha. Não permitirei que tão grande amor seja perturbado- disse com uma voz calma e séria- sinto uma harmonia e energia muito grande entre estes dois corpos. Isso não é uma brincadeira. Se for da vontade dos Deuses, eu não colocarei nenhum impedimento a uma união legal entre eles. Supondo que os dois pombinhos –acrescentou com um tom que deixava adivinhar um sorriso- mantenham estes sentimentos quando chegarem à idade de casar, dou-lhes a minha bênção. E hás-de lembrar-te que várias gerações da tua família casaram entre tios, sobrinhos e primos.
Lord Canavon, prudentemente, recordou que em Inglaterra, nas famílias nobres, o procedimento fora o mesmo durante muito tempo. Medeia ficou convencida e resignou-se. Ishtar e Saga tinham comemorado a boa nova com um enorme festim de chocolate, acompanhado de beijos carinhosos e promessas de uma união futura.
A partir daí, ela ansiava todos os anos pela sua visita à Grécia, onde se encontrava com o seu «namorado», e os dois faziam os mais belos planos de vida em comum. Tentara, durante a adolescência, que Saga a fizesse sua, pois ela era uma jovem Nova Iorquina, moderna, cheia de desejos e anseios apaixonados. Mas Saga, sempre muito sério, evitara ao máximo levar estes encontros até à ansiada conclusão, chegando a arrastá-la para fora do seu quarto a meio da noite, num acesso de extremo cavalheirismo, mas que ela tomou por frieza e indiferença.
O que chorara quando ouviu pelas servas que os Cavaleiros do Santuário muitas vezes dormiam com as suas escravas! Roída pelos ciúmes, deixara arrefecer o seu amor por Saga, e até as suas cartas eram poucas e carregadas de cinismo. Saga chorava muitas vezes ao lê-las. Finalmente, Ishtar, tomada pelo despeito, enviara um bilhete gélido:
Caro Saga: Estou inteiramente inteirada das suas actividades indecorosas com as servas. Fui avisada por uma pessoa da minha inteira confiança. Creio assim ser inevitável que as nossas relações se resumam, a partir de agora, a meros laços familiares... peço-lhe que não me tente mais, nem me dê mais novas, a não ser, estritamente, o necessário. Como cavaleiro que sou, e fiel ao santuário, encontro-me à sua inteira disposição para cumprir os meus serviços. Sua sobrinha,
Ishtar Canavon Gemini
Saga endoidecera. Matara uma escrava, partira parte da casa de gemini, emagrecera a olhos vistos. O seu coração parecia ter-se tornado ainda mais sombrio. Ares ganhava terreno, agora que Saga já não era alimentado pelo amor de Ishtar. Esta ,por seu turno, tentara o suicídio, de forma bastante infantil, diga-se de passagem. Medeia encontrou-a com os pulsos cortados no chão da casa de banho.
Deixando praticamente para trás das costas esse amor tão intenso, dedicara- se às paixonetas comuns às raparigas da sua idade, das quais a mais séria, que durara apenas quatro meses, fora com um belo e cobiçado jovem das melhores famílias de Nova Iorque. Porém, nunca se entregara a nenhum dos seus muitos apaixonados. No seu íntimo, ainda que o negassse, permanecia a ideia de pertencer ao seu verdadeiro amor, Saga. Era nisto que pensava naquele momento, no Salão onde o seu amor de infância reinava agora.
Os cavaleiros de ouro reuniam-se à volta do trono, e mesmo Shaka de Virgem não conteve uma expressão de espanto perante a beleza daquela adolescente atrevida, que aumentara com os anos, a tal ponto que quem a olhasse duas vezes ficava absolutamente enfeitiçado, e sentia desejo de permanecer imóvel durante muito tempo, bebendo os detalhes daquela deslumbrante criatura. Ishtar era muito loura,de um louro platinado como ouro branco, com longos cabelos fortes e elegantemente penteados. De estatura mediana, muito magra e de porte elegante, seios como duas maçãs grandes e redondas, e rosto oval perfeito e magro, com pómulos do rosto salientes: os olhos eram enormes, escuros e irresistíveis, com pesadas pestanas negras e espessas, ligeiramente rasgados; o olhar meditativo lembrava o de Saga.O nariz era direito, pequeno e bem modelado e os lábios invulgarmente cheios e carnudos. Era altiva, mas graciosa, com umas mãos delicadíssimas e bem tratadas, que pareciam nunca ter sofrido as agruras de qualquer treino. Vestia da forma mais requintada, embora discreta como convinha à ocasião. Tudo nela demonstrava uma dama de grande classe, e ao mesmo tempo algo de quente, sensual e gélido ao mesmo tempo.Todos sentiram um arrepio. Ela era linda, linda, linda de perder a cabeça, e tinha consciência disso, o que a tornava ainda mais perigosamente encantadora.
- Não gosto nada disto- rosnou Death Mask ao ouvido do Cavaleiro do Capricórnio-esta rapariga traz desgraça, pressinto-o. - Cala-te- sussurrou Mu de Áries- vê se o Grande Mestre te ouve. –Uma cotovelada de Aioros fê-lo calar-se também.
Ela, por sua vez, sentiu-se intimidada com o porte dos Cavaleiros ali reunidos, se bem que já os conhecesse de trás para a frente. Tinham brincado juntos, cometido as maiores travessuras. Ela, Kanon e Saga eram conhecídos como a «Sagrada Trindade de Gemini», pois, se Kanon e Saga eram as duas faces da mesma moeda, Ishtar e Saga não pareciam ser duas pessoas, mas apenas uma. Com Máscara da Morte e Afrodite, formava «os três cavaleiros do Apocalipse», que faziam perder a paciência a meio mundo. Algo estava diferente... Mas foi a figura de Saga que a surpreendeu. Como ele tinha mudado!
A estatura viril, o cabelo escuro, os olhos tristes e doces, o rosto alongado e masculino, de uma perfeição rara, provocou-lhe uma forte impressão, de tal forma que julgou sentir-se mal. Fora tudo em vão: não ultrapassara nem por um momento a sua velha paixão. Saga teve um largo sorriso:
- Minha querida sobrinha, como fico alegre por ver-te, e que linda que estás! Fazes bem jus ao nome da tua Senhora. Não fiques aí especada, e vem dar um beijo ao teu velho tio!
Ishtar sorriu e exclamou de forma maliciosa:
- Ora, o tio Saga tem poucos anos a mais do que eu!-de facto, ele devia andar pelos 20 e poucos anos- mas subiu e deu-lhe um beijo carinhoso na face, que fez estremecer os dois.
- Bem, tu deves estar cansada. O Cavaleiro Shaka –deves recordar-te dele - e as escravas vão guiar-te aos teus antigos aposentos. –Foram todos remodelados, e creio que não sentirás falta dos confortos a que estás acostumada.
-Mas tio, não era necessário. Eu sempre adorei a minha casa aqui. - Em todo o caso, já és uma mulher, e mereces um quarto digno da encarnação de Afrodite. Logo à noite será dado um baile em tua honra, e encontrarás em cima da cama um traje adequado à ocasião. Não que seja necessário, a julgar pelo grande número de malas elegantes que trouxeste.
Ishtar olhou as suas malas Vuitton e corou, mas despediu-se e seguiu para o quarto. Shaka aparentava um rosto bondoso, mas ela achou que ele estava pouco satisfeito por servir de ama seca. Isso trouxe-lhe outras recordações. Shaka tinha sido tantas vezes o seu grande amigo, o seu confidente. Ele, Mu e Aioria, os mais nobres, a fina flôr da Cavalaria, que a defendiam e guardavam como se ela fosse um tesouro frágil e precioso, e não uma guerreira com um poder ainda superior ao deles, se possível. Após o seu rompimento com Saga, Shaka distanciara-se um pouco. Não que ele não a tivesse compreendido...mas depois daquele maldito bilhete, o espírito de Saga parecia ter-se deteriorado ainda mais. Oh, raios...
O luxo do quarto surpreendeu-a, embora estivesse habituada a ambientes requintados. Era enorme, com quarto de dormir, quarto de vestir, uma sala de banho gigantesca, uma salinha para as orações e a armadura, varanda e uma saleta para receber visitas.
Antigamente decorado em tons suaves e infantis, estava agora pintado com cores fortes e sensuais, e uma decoração minimal e sofisticada, salpicada aqui e ali por elementos antigos e orientais. O quarto era de um carmesim escuro, com uma cama gigantesca, onde caberiam à vontade quatro pessoas, mas Ishtar procurou não explorar esses pensamentos.
A sala era ligeiramente dourada, e o único elemento verdadeiramente clássico ali era uma belíssima estátua de Afrodite.
Em cima da cama, de facto, estava um vestido grego tradicional, de um vermelho escuro e que nem as melhores casas de Milão poderiam criar. Parecia ter sido feito a pensar nas curvas frágeis do seu corpo e ela pensou imediatamente que só Saga poderia lembrar-se das suas formas com tal precisão. Antes de romperem, tinham-se refugiado numa pequena gruta para se amarem. A primeira tentativa séria. Saga chamava-lhe minha flor selvagem...minha vida ...dois jovens amantes, Vénus e Marte, entregues...fora impossível. Saga era um homem poderoso, mesmo na altura...ela não aguentara as dores, o nervosismo era demasiado.Tinham-se dedicado, então, a explorar o corpo um do outro de todas as outras formas. Um dia inesquecível,o melhor das suas vidas. Ishtar fora iniciada tão cedo, pelo seu amado.
Um conjunto pesado, maravilhoso, de joias , em rubis e diamantes, e umas sandálias de cristais vermelhos swarovski completavam o quadro. Ishtar descansou, tomou banho, e depois de maravilhosamente vestida, penteada e maquilhada pelas escravas, dirigiu-se ao baile.
Depois do banquete, quando foi convidada a abrir o baile com uma espécie de dança do ventre, ficou claro para todos que ela só poderia ser Afrodite: os seus rins pareciam os de uma pantera; quando requebrava as ancas, saltavam à vista os abdominais salientes; os olhos, antes inocentes, convidavam agora à luxúria e ao desejo; com os lábios suavemente entreabertos, olhou de esguelha para Saga e Miro, e esse acto não passou despercebido a ninguém.
Miro tinha-a amado muito, sempre, em silêncio, e toda a gente sabia. Era impossível um segredo ficar oculto durante muito tempo no santuário.
-O Saga há-de querer casar esta rapariga-comentou Persius Argol- coitado do que a levar. -Porquê?- retorquiu Aioria, pouco satisfeito com o comentário maldoso. -Eu chamar-lhe—ia um homem de sorte!-riu Aldebaran de Touro. -Homens de sorte serão os que se deitarem com ela antes, porque o pobre do marido será chifrado a vida toda. -Cale-se, Persius, que porco incorrigível!- Bradou Aioria- mais respeito pela sobrinha do nosso Mestre que manda em todos nós. Se o santuário lhe cair nas mãos,a sua cabeça poderá rolar! -Infelizmente-sussurrou Cássius- Aioria, o Persius talvez tenha razão-Afrodite sempre será Afrodite.
A noite decorreu alegremente, entre farra e bebidas, o que fez esquecer todos os maus presságios.
Nessa época, já Saga reinava despotamente no santuário, e corriam rumores do que lá se passava, e de como o bondoso cavaleiro de Gémeos tinha mudado o seu carácter, a pontos de o julgarem possuído pelo demónio em pessoa. Mesmo Medeia, que sempre tivera influência sobre o irmão, evitava pisar o domínio sagrado, recolhendo-se cada vez mais nas suas outras residências.
Não foi por isso sem preocupação que deixou Ishtar partir para o Santuário logo que recebeu a sua armadura, tal como Saga exigira sem reservas numa missiva fria e imperiosa, embora mascarada de um tom bondoso. Ordens eram ordens, e Ishtar partiu, para se fixar na Grécia durante pelo menos seis meses. Assim que lá chegou, apresentou-se na sala do trono:
- Querido tio e Meu Mestre, aqui estou para cumprir os seus desígnios.
Não podemos dizer que o coração de Ishtar se mantivesse impassível neste momento: porque Ishtar e Saga amavam-se desde o primeiro dia em que se tinham visto, quando eram apenas duas crianças. Haviam declarado o seu amor várias vezes um ao outro. Medeia desobrira a afeição dos pequenos e não ficara satisfeita; gritara, a altos brados, que esquecessem tal afeição, que era quase um incesto. Assim, Saga e Ishtar tinham criado um plano: foram ajoelhar-se aos pés do Grande Mestre, implorando-lhe a sua indulgência, e que os autorizasse a casar quando crescessem. Shion quase largara a máscara de tanto rir com o caricato da situação, pois Medeia, acompanhada do marido, embaraçadíssima com o descaramento daqueles jovens tão determinados, entrara na sala, ameaçando pô-los ambos de castigo por incomodarem o Grande Patriarca com as suas brincadeiras.
Shion, todavia, proibiu-a de os castigar.
- Medeia, minha filha. Não permitirei que tão grande amor seja perturbado- disse com uma voz calma e séria- sinto uma harmonia e energia muito grande entre estes dois corpos. Isso não é uma brincadeira. Se for da vontade dos Deuses, eu não colocarei nenhum impedimento a uma união legal entre eles. Supondo que os dois pombinhos –acrescentou com um tom que deixava adivinhar um sorriso- mantenham estes sentimentos quando chegarem à idade de casar, dou-lhes a minha bênção. E hás-de lembrar-te que várias gerações da tua família casaram entre tios, sobrinhos e primos.
Lord Canavon, prudentemente, recordou que em Inglaterra, nas famílias nobres, o procedimento fora o mesmo durante muito tempo. Medeia ficou convencida e resignou-se. Ishtar e Saga tinham comemorado a boa nova com um enorme festim de chocolate, acompanhado de beijos carinhosos e promessas de uma união futura.
A partir daí, ela ansiava todos os anos pela sua visita à Grécia, onde se encontrava com o seu «namorado», e os dois faziam os mais belos planos de vida em comum. Tentara, durante a adolescência, que Saga a fizesse sua, pois ela era uma jovem Nova Iorquina, moderna, cheia de desejos e anseios apaixonados. Mas Saga, sempre muito sério, evitara ao máximo levar estes encontros até à ansiada conclusão, chegando a arrastá-la para fora do seu quarto a meio da noite, num acesso de extremo cavalheirismo, mas que ela tomou por frieza e indiferença.
O que chorara quando ouviu pelas servas que os Cavaleiros do Santuário muitas vezes dormiam com as suas escravas! Roída pelos ciúmes, deixara arrefecer o seu amor por Saga, e até as suas cartas eram poucas e carregadas de cinismo. Saga chorava muitas vezes ao lê-las. Finalmente, Ishtar, tomada pelo despeito, enviara um bilhete gélido:
Caro Saga: Estou inteiramente inteirada das suas actividades indecorosas com as servas. Fui avisada por uma pessoa da minha inteira confiança. Creio assim ser inevitável que as nossas relações se resumam, a partir de agora, a meros laços familiares... peço-lhe que não me tente mais, nem me dê mais novas, a não ser, estritamente, o necessário. Como cavaleiro que sou, e fiel ao santuário, encontro-me à sua inteira disposição para cumprir os meus serviços. Sua sobrinha,
Ishtar Canavon Gemini
Saga endoidecera. Matara uma escrava, partira parte da casa de gemini, emagrecera a olhos vistos. O seu coração parecia ter-se tornado ainda mais sombrio. Ares ganhava terreno, agora que Saga já não era alimentado pelo amor de Ishtar. Esta ,por seu turno, tentara o suicídio, de forma bastante infantil, diga-se de passagem. Medeia encontrou-a com os pulsos cortados no chão da casa de banho.
Deixando praticamente para trás das costas esse amor tão intenso, dedicara- se às paixonetas comuns às raparigas da sua idade, das quais a mais séria, que durara apenas quatro meses, fora com um belo e cobiçado jovem das melhores famílias de Nova Iorque. Porém, nunca se entregara a nenhum dos seus muitos apaixonados. No seu íntimo, ainda que o negassse, permanecia a ideia de pertencer ao seu verdadeiro amor, Saga. Era nisto que pensava naquele momento, no Salão onde o seu amor de infância reinava agora.
Os cavaleiros de ouro reuniam-se à volta do trono, e mesmo Shaka de Virgem não conteve uma expressão de espanto perante a beleza daquela adolescente atrevida, que aumentara com os anos, a tal ponto que quem a olhasse duas vezes ficava absolutamente enfeitiçado, e sentia desejo de permanecer imóvel durante muito tempo, bebendo os detalhes daquela deslumbrante criatura. Ishtar era muito loura,de um louro platinado como ouro branco, com longos cabelos fortes e elegantemente penteados. De estatura mediana, muito magra e de porte elegante, seios como duas maçãs grandes e redondas, e rosto oval perfeito e magro, com pómulos do rosto salientes: os olhos eram enormes, escuros e irresistíveis, com pesadas pestanas negras e espessas, ligeiramente rasgados; o olhar meditativo lembrava o de Saga.O nariz era direito, pequeno e bem modelado e os lábios invulgarmente cheios e carnudos. Era altiva, mas graciosa, com umas mãos delicadíssimas e bem tratadas, que pareciam nunca ter sofrido as agruras de qualquer treino. Vestia da forma mais requintada, embora discreta como convinha à ocasião. Tudo nela demonstrava uma dama de grande classe, e ao mesmo tempo algo de quente, sensual e gélido ao mesmo tempo.Todos sentiram um arrepio. Ela era linda, linda, linda de perder a cabeça, e tinha consciência disso, o que a tornava ainda mais perigosamente encantadora.
- Não gosto nada disto- rosnou Death Mask ao ouvido do Cavaleiro do Capricórnio-esta rapariga traz desgraça, pressinto-o. - Cala-te- sussurrou Mu de Áries- vê se o Grande Mestre te ouve. –Uma cotovelada de Aioros fê-lo calar-se também.
Ela, por sua vez, sentiu-se intimidada com o porte dos Cavaleiros ali reunidos, se bem que já os conhecesse de trás para a frente. Tinham brincado juntos, cometido as maiores travessuras. Ela, Kanon e Saga eram conhecídos como a «Sagrada Trindade de Gemini», pois, se Kanon e Saga eram as duas faces da mesma moeda, Ishtar e Saga não pareciam ser duas pessoas, mas apenas uma. Com Máscara da Morte e Afrodite, formava «os três cavaleiros do Apocalipse», que faziam perder a paciência a meio mundo. Algo estava diferente... Mas foi a figura de Saga que a surpreendeu. Como ele tinha mudado!
A estatura viril, o cabelo escuro, os olhos tristes e doces, o rosto alongado e masculino, de uma perfeição rara, provocou-lhe uma forte impressão, de tal forma que julgou sentir-se mal. Fora tudo em vão: não ultrapassara nem por um momento a sua velha paixão. Saga teve um largo sorriso:
- Minha querida sobrinha, como fico alegre por ver-te, e que linda que estás! Fazes bem jus ao nome da tua Senhora. Não fiques aí especada, e vem dar um beijo ao teu velho tio!
Ishtar sorriu e exclamou de forma maliciosa:
- Ora, o tio Saga tem poucos anos a mais do que eu!-de facto, ele devia andar pelos 20 e poucos anos- mas subiu e deu-lhe um beijo carinhoso na face, que fez estremecer os dois.
- Bem, tu deves estar cansada. O Cavaleiro Shaka –deves recordar-te dele - e as escravas vão guiar-te aos teus antigos aposentos. –Foram todos remodelados, e creio que não sentirás falta dos confortos a que estás acostumada.
-Mas tio, não era necessário. Eu sempre adorei a minha casa aqui. - Em todo o caso, já és uma mulher, e mereces um quarto digno da encarnação de Afrodite. Logo à noite será dado um baile em tua honra, e encontrarás em cima da cama um traje adequado à ocasião. Não que seja necessário, a julgar pelo grande número de malas elegantes que trouxeste.
Ishtar olhou as suas malas Vuitton e corou, mas despediu-se e seguiu para o quarto. Shaka aparentava um rosto bondoso, mas ela achou que ele estava pouco satisfeito por servir de ama seca. Isso trouxe-lhe outras recordações. Shaka tinha sido tantas vezes o seu grande amigo, o seu confidente. Ele, Mu e Aioria, os mais nobres, a fina flôr da Cavalaria, que a defendiam e guardavam como se ela fosse um tesouro frágil e precioso, e não uma guerreira com um poder ainda superior ao deles, se possível. Após o seu rompimento com Saga, Shaka distanciara-se um pouco. Não que ele não a tivesse compreendido...mas depois daquele maldito bilhete, o espírito de Saga parecia ter-se deteriorado ainda mais. Oh, raios...
O luxo do quarto surpreendeu-a, embora estivesse habituada a ambientes requintados. Era enorme, com quarto de dormir, quarto de vestir, uma sala de banho gigantesca, uma salinha para as orações e a armadura, varanda e uma saleta para receber visitas.
Antigamente decorado em tons suaves e infantis, estava agora pintado com cores fortes e sensuais, e uma decoração minimal e sofisticada, salpicada aqui e ali por elementos antigos e orientais. O quarto era de um carmesim escuro, com uma cama gigantesca, onde caberiam à vontade quatro pessoas, mas Ishtar procurou não explorar esses pensamentos.
A sala era ligeiramente dourada, e o único elemento verdadeiramente clássico ali era uma belíssima estátua de Afrodite.
Em cima da cama, de facto, estava um vestido grego tradicional, de um vermelho escuro e que nem as melhores casas de Milão poderiam criar. Parecia ter sido feito a pensar nas curvas frágeis do seu corpo e ela pensou imediatamente que só Saga poderia lembrar-se das suas formas com tal precisão. Antes de romperem, tinham-se refugiado numa pequena gruta para se amarem. A primeira tentativa séria. Saga chamava-lhe minha flor selvagem...minha vida ...dois jovens amantes, Vénus e Marte, entregues...fora impossível. Saga era um homem poderoso, mesmo na altura...ela não aguentara as dores, o nervosismo era demasiado.Tinham-se dedicado, então, a explorar o corpo um do outro de todas as outras formas. Um dia inesquecível,o melhor das suas vidas. Ishtar fora iniciada tão cedo, pelo seu amado.
Um conjunto pesado, maravilhoso, de joias , em rubis e diamantes, e umas sandálias de cristais vermelhos swarovski completavam o quadro. Ishtar descansou, tomou banho, e depois de maravilhosamente vestida, penteada e maquilhada pelas escravas, dirigiu-se ao baile.
Depois do banquete, quando foi convidada a abrir o baile com uma espécie de dança do ventre, ficou claro para todos que ela só poderia ser Afrodite: os seus rins pareciam os de uma pantera; quando requebrava as ancas, saltavam à vista os abdominais salientes; os olhos, antes inocentes, convidavam agora à luxúria e ao desejo; com os lábios suavemente entreabertos, olhou de esguelha para Saga e Miro, e esse acto não passou despercebido a ninguém.
Miro tinha-a amado muito, sempre, em silêncio, e toda a gente sabia. Era impossível um segredo ficar oculto durante muito tempo no santuário.
-O Saga há-de querer casar esta rapariga-comentou Persius Argol- coitado do que a levar. -Porquê?- retorquiu Aioria, pouco satisfeito com o comentário maldoso. -Eu chamar-lhe—ia um homem de sorte!-riu Aldebaran de Touro. -Homens de sorte serão os que se deitarem com ela antes, porque o pobre do marido será chifrado a vida toda. -Cale-se, Persius, que porco incorrigível!- Bradou Aioria- mais respeito pela sobrinha do nosso Mestre que manda em todos nós. Se o santuário lhe cair nas mãos,a sua cabeça poderá rolar! -Infelizmente-sussurrou Cássius- Aioria, o Persius talvez tenha razão-Afrodite sempre será Afrodite.
A noite decorreu alegremente, entre farra e bebidas, o que fez esquecer todos os maus presságios.
