Cap. IV – Uma esposa perfeita
Ishtar e Saga passaram nos dias seguintes uma das piores fases ds suas vidas. Ela evitava sair de casa para não se encontrar com ele, pois estava furiosa com a sua atitude. Parecia-lhe também que uma ameaça pairava sobre o santuário, e que nada voltaria a ser o mesmo por ali. Estava perdida nestas divagações quando entrou a empregada de quarto com uma carta. Tinha o monograma de Saga. Ishtar abriu-a com ansiedade. Não se limitava a instruções. Era uma carta de amor e sofrimento, escrita à pressa.
Meu amor
Desde aquela noite que todos os meus pensamentos voam para ti.Sinto que
cada vez te adoro mais, e estar privado da tua beleza tem-me debilitado
tanto que não saio dos meus aposentos a não ser que o assunto seja
inadiável. Estou gasto pela dor e pelas lágrimas, e muito sangue há-de correr até que esta ferida sare. Penso se estarás a sofrer tanto como eu, minha querida. Sinto-me o último dos homens por ser obrigado a afastar-me de ti, o meu coração está destroçado e sofro ainda mais quando imagino a
dor que deves sentir. Nunca poderei pedir a tua indulgência vezes suficientes, mas talvez te alegre saber que morrerei a pensar em ti. Passei o dia a rever velhas fotografias nossas. Foste sempre tão bela, tão doce. O
som da tua voz, os teus carinhos, fazem-me mais falta do que poderás
certamente imaginar.
Infelizmente, sou obrigado a comunicar-te que expliquei tudo a Miro. Ele está exultante com a ideia de se casar contigo. E embora me parta o coração
Admitir isto, sei que a beleza dele sempre te cativou. Ele irá hoje a tua casa discutir os detalhes. É uma ordem minha que aceites a proposta.A minha cabeça doi...beijo-te com toda a minha paixão e envio-te este anel. No meu coração serás sempre a minha amada-princesa amada...peço-te que o uses como
um selo de amor entre nós, apesar de tudo. Mais uma vez imploro o teu perdão por tudo o que nos faço sofrer,mais uma vez te digo que te amarei
até à morte.
Saga
Do envelope caiu um anel precioso, gravado no interior com as iniciais dele.Parecia-se com um anel de noivado. Ishtar compreendeu a mensagem e chorou lágrimas que podiam ser de sangue.
Horas depois, recompôs-se para receber Miro. Este pareceu incomodado quando a viu, pois Ishtar, habitualmente já extremamente esguia, tinha emagrecido de forma assustadora.
- Ishtar... -Miro, entra. Estava à tua espera. Saga disse que virias. -Meus Deus, Ishtar, não me pareces nada bem. Queres que chame um médico? - Não é nada, Miro...apenas um pouco de cansaço... Mandou as empregadas servirem chá e aperitivos.
Miro olhava-a com carinho. - Ishtar... Saga pôs-me ao corrente de tudo. Eu desejo ser teu esposo..se tu me quiseres... Ishtar nada disse por uns momentos. Depois, olhando-o bem nos olhos, falou baixo: -Miro...tu sabes que... -Esses detalhes não alteram em nada o amor imenso que eu sinto por ti.Sempre te quis, Ishtar... Uma lágrima silenciosa correu pela face dela. -Sei que não sentes nada por mim- via-se como estas palavras feriam o coração dele; tinha o rosto contraído-mas podemos tentar...juro que farei tudo para te tornar uma mulher feliz. -Miro, como poderia uma mulher não sentir nada por ti?És muito belo; chamam- te Miro, o irresistível, capaz de seduzir até as pedras! -Mas isso não é nada perto de quem faz correr essas lágrimas...-respondeu ele com a voz embargada pela comoção.
A bela ficou pensativa por uns instantes. –Miro, o amor por Saga nasceu comigo e morrerá comigo. Esta é a verdade. Se vais ser meu marido, não quero esconder nada. Mas poderás depositar em mim toda a tua confiança, que nunca outro homem me tocará. Nem Saga. O ultraje dele é maior que o meu amor...
Apaixonar-me por ti será tarefa simples...o amor virá depois..mas um homem tão nobre, tão digno, capaz de aceitar um sacrifício da sua honra de tal ordem por uma mulher que não vale nada...é mais merecedor de devoção que qualquer outro! -Ishtar caiu, chorando, aos pés dele, aniquilada.-Não posso aceitar um sacrifício tão grande, Miro, não posso! Ele hesitou por uns instantes, puxou-a para si e beijou-a apaixonadamente.Ishtar ficou em silêncio, beijando-o com redobrado ardor, mordendo os lábios dele com sensualidade e meiguice. Os lábios de Miro desceram pelo pescoço dela, provocando arrepios. Ele era infinitamente carinhoso. A Deusa pensou por dois segundos, e depois pegou-lhe na mão, levando-o para o quarto.Abraçaram-se, e ela livrou-se de todas as suas roupas, libertando a seguir Miro da sua túnica. Beijou o peito do cavaleiro. O corpo dele era perfeito, Adónis reencarnado.Miro não resistiu mais, tirou as calças e deitou-se com ela, fazendo amor a noite toda. -Miro...meu amor...
Agora ele estava ali, ela nunca mais sofreria. Miro lutaria por ela, ia protege-la de toda a dor...
-Tu és a minha menina... serás a minha força, a minha vida....
Na manhã seguinte, Ishtar e Miro casaram secretamente num pequeno templo de Afrodite. Não queria ser humilhada pelos olhos de toda a gente no santuário.Não queria encarar Saga. Partiram em lua de mel para Bora Bora, um pouco à revelia de todos. À cerimónia tinham apenas assistido Kamus, fiel amigo de Miro, Aldebaran e Misty de Lagarto. Esse casamento causara grande consternação. A família de Ishtar não fora sequer informada, Ishtar não queria levantar mais poeira. Apenas que a deixassem em paz...
E ao lado de Miro, ela estava em paz, quase feliz. Tinha-se apaixonado.Ele era tão meigo, tão doce com ela. E ao mesmo tempo, mantinha o carácter que o tornava um cavaleiro singular. Dizia sempre a primeira coisa que lhe passava pela cabeça, tão impulsivo e divertido.Ishtar desdobrava-se em carinhos, e todas as noites redobravam os êxtases do amor.
Mas chegara a hora de regressar à Grécia. Saga estava no seu trono, magro, consumido. Ares atacava cada vez com mais força. Deixava-o exausto, sugava- lhe a força vital. Perdera Kanon. Perdera Ishtar. Nada mais poderia controlá-lo. O ódio. Só o ódio poderia ajudá-lo a sobreviver. Viver, respirar...desesperava por ar... Toda a sua vida fora uma luta, se bem que mais suave do que a de outros cavaleiros ali dentro. Os Gemini eram aristocratas.Tinham poder, status, riqueza. Uma família de guerreiros de valor com mais de mil anos de história.Ishtar sabia de tudo, estava a par de tudo.Enquanto a Deusa Afrodite e o seu amor tinham estado por perto, Ares estaria dominado. Ishtar estivera ao seu lado quando ele fechara Kanon no cabo Sunion.Os motivos de Saga tinham sido menos nobres do que ele gostaria de confessar a si próprio. Ciumes. Ishtar intercedera, suplicara. Recordara-lhe o castigo que os Deuses reservam aos fraticidas.Ela, Kanon e Saga, tinham sido uma unidade. Os setimentos de um eram os do outro. Inclusive o amor por Ishtar, e isso Saga não partilharia nunca. Miro levantou-se e despediu-se da sua amada com um beijo, e abandonou a casa de Scorpio, que era, de momento, a nova residência de Ishtar. Esta, sabendo que ele ia ficar ausente todo o dia, recebendo novos aprendizes, tratou de se entreter arrumando o novo quarto até à chegada do marido.As empregadas estavam todas na cozinha e nos jardins, num vai e vem característico da chegada da nova patroa. Fazia-lhe alguma confusão ser chamada Dama de Scorpio, mas isso haveria de passar, com o tempo...
Um barulho de passos atrás de si fê-la voltar-se de repente. Saga estava atrás de si. O seu cosmos queimava de fúria. A cara dele...não, não era ele. Ishtar nao comprendia como ele entrara na casa. Como ousava? Encarou- o, mas antes que pudesse dizer uma palavra, levou uma bofetada seca que a fez cair, com um ruído surdo, em cima da poltrona.
- Feliz?-perguntou ele, triunfante.-Responde-me!Estás contente de teres casado com o meu amigo Miro? Ishtar manteve uma calma dos diabos, toda feita de cansaço e raiva. Apenas pode responder: - Eu cumpri as tuas ordens...tio Saga. -Não me chames tio, puta infernal!!!-avançou para ela, sacudindo-a en quanto gritava.-Gostaste???Gostaste de te deitares com essa besta??Ele é melhor do que eu?-As lágrimas começaram a cair pelo rosto dela.Sentia-se a última das mulheres.O seu poder era superior ao de qualquer cavaleiro de ouro. Ela era uma kamei.Mas preferia deixar-se matar do que levantar um só dedo contra ele. -És fraca, és uma rameira!!!Obedeceste porque querias outro amante!Só por isso!!Diz-me! Gostaste? Foi bom? Ishtar estava tão zangada que a visão se lhe toldava.Naquele momento teve- lhe ódio. - Sim!!!Gostei! Agora sai daqui! O que está a acontecer é apenas uma consequência da tua cobardia! Foi a vez de Saga chorar. - Muito bem..tens razão..perdoa-me...meu amor..meu único amor. A partir de agora serei apenas o teu tio. Entendes, Ishtar? Ela assentiu. Que diabo, ele não queria que ela concordasse, queria que ela implorasse pelo amor dele, que suplicasse para ser levada dali...caiu de joelhos. Ares dominava de novo. Gemia, gritava... Ishtar ajoelhou ao lado dele. Agora já começava a compreender.Nada daquilo era normal.Pensara nisso muitas vezes depois de se ter entregue a Saga. As coisas horríveis que fizera...não era ele, não podia ser...
Ajoelhou-se ao lado dele, desesperada. –Saga...não...não deixes isso acontecer,não? Os olhos de Saga passavam de cinza a azul...ele, de novo ele, lançou-lhe um olhar de súplica:não me deixes...vou morrer, Ishtar, vou morrer! Ela abraçou-o, chorando.Saga deixou-se abraçar, envolvido no mesmo desespero.Os seus cosmos eram um só, de novo...Ele procurou a sua boca num beijo.Ishtar nem pensou... Miro entrava de surpresa,acompanhado de um jovem aprendiz. Ficou parado ao ver a cena, os seus olhos cheios de mágoa. Aquela era a última coisa que Ishtar queria:feri-lo. -Miro... Ele virou costas, saiu de rompante. Ishtar seguiu-o. –Miro, não vás...Saga está-quis dizer doente, mas não poderia empregar a palavra-isso poderia fazer com que tentassem tira-lo do poder, e aí seria muito pior. A sua missão...o seu terrível destino... -Miro voltou-se. Devia chorar, mas não poderia demonstrá-lo. Havia tanta coisa que deveriam ter dito e nunca o tinham feito...só desejava que fosse mentira. Queria que algo fizesse aquela dor desaparecer. -Ishtar...é Saga que tu amas.Ainda há muita coisa que vai acontecer...cumpre o teu destino.. -Miro, não!Não me deixes, eu não terei forças... -Ele pegou na mão dela-ainda há forças em ti que tu desconheces...recorda- te apenas um pouco de mim...como um homem que marcasse o teu coração, ao menos um pouco.Esse coração em que a estrela de gémeos sempre brilhou. -Beijou-a pela última vez.-Minha menina... eu amar-te –ei sempre.
Afastou-se. Para sempre.No fundo, sabia, tão bem como ela que nunca se devia ter metido naquela embrulhada. Os Gemini pareciam destruir tudo o que tocavam,malditos.Tinha pena de Ishtar,porque a amava.Mas não ia fazer o papel de tolo.A sua honra estava acima de tudo. O casamento seria anulado, como se nunca tivesse existido. Ishtar voltou para a casa de gemini, não haveria mais conversas entre eles. Miro ficou nos seus aposentos, chorando a sua dor. Durante vários dias não pôs os pés fora do quarto, descurando as suas obrigações e esquecendo-se mesmo de comer ou beber. Kamus, seu grande amigo, estava muito preocupado com ele. Mas Miro não dava ouvidos a nenhum conselho. Decidiu tirá-lo daquele marasmo. Nem que fosse à força! Bateu suavemente à porta do quarto do amigo. Como resposta recebeu um «entre» remoído entre dentes. Miro estava sentado, com o aspecto de um homem derrotado. Kamus entrou e aproximou-se do cavaleiro - Vejo claramente que não estás bem com o que aconteceu, meu amigo... Queres conversar sobre isso? Eu soube da balbúrdia ocorrida há dias.... –Apoiou uma mão sobre o seu ombro. Miro, ao sentir o toque do amigo, explodiu: -Se soubesses o asco que senti , preciso de um banho por dentro!....que ódio, que nojo, tu sabes? O Saga quis que eu casasse com ela e explicou-me francamente o que se tinha passado entre eles...e eu fui tão estúpido, acreditei que podia ser feliz!!..Não mereço tudo isto. Eu amo aquela mulher !Raios !Raios! - Batendo com a cabeça no braço da cadeira chorou baba e ranho, sem vergonha... Kamus demonstrou , como sempre, favorecimento a Saga, mas sempre apoiando o amigo. - Acho que deverias procurar outra para habitar o teu coração, meu amigo. Ishtar já é de Saga, e isso é inegável... O amor dela é dele, isso estampa- se no rosto dos dois... – Dando uma leve palmada nas suas costas, falando em tom brando: -És forte, belo... Tens condições plenas de arranjar outra que te ame verdadeiramente! Miro assentiu com a cabeça sem articular palavra e deu duas fortes palmadas nas costas do amigo, seguidas de um abraço de irmãos, e convidou-o para uma taberna próxima: vamos beber e ver a dança das mulheres, meu companheiro! Quero afogar em vinho o que vi, e enterrar este assunto! Assim é que se fala, meu companheiro! Vamos beber, ver mulheres bonitas e deliciar-nos nos corpos delas... Vem! -Abraçado ao amigo, saiu da casa de Escorpião em direcção à taberna.
Chegados a uma taberna alegre e barulhenta, de estilo clássico, os dois Cavaleiros, usando roupas elegantes do Santuário sentaram-se na melhor mesa. Uma jovem criada veio atende-los. O que vão desejar? - Vinho! –berrou Kamus alegremente - Traga-me o melhor néctar de Dionísio aqui para o meu amigo, que precisa de curar uma dor de amor!!! A dona do lugar, uma matrona morena com aspecto de ter sido muito bonita na juventude, saudou os dois -Ora! Dois dos meus clientes favoritos! -agitou os braços, fazendo tilintar uma abundância de pulseiras de ouro -o vinho chegou e os dois começaram a brindar e a beber, ouvindo a música e observando as bailarinas.
Miro bebeu descontroladamente e começou a sentir a visão toldada pelo vinho. A matrona voltou, muito alegre pelo elevado consumo que os dois faziam - Mestre Kamus, deixe-me apresentar-lhe uma flor rara que poderá trazer um sorriso aos lábios de Mestre Scorpio! –A sério, Calina?- exclamou Kamus , ébrio. -Muito me alegra essa notícia! E quem é essa maravilha? - Uma beldade morena de olhos verdes, vinda directamente dos montes áridos do Afeganistão, uma virgem que tem sido muito cobiçada por aqui; mas até agora não apareceu comprador à altura para tal preciosidade. Tenho-a guardada para os meus melhores clientes!
Miro acenou que não, mas estava tão embriagado que não conseguia opor muita resistência. -Pois traga a donzela, para ver se agrada ao meu amigo tristonho!
Calina bateu palmas e surgiu na sala, ao som de tambores, uma jovem guiada por duas criadas, ataviada num rico vestido em azul e ouro; os seus cabelos negros e pesados estavam apanhados e enfeitados com jóias, e a sua figura elegante tentou Miro e Kamus: Era realmente uma belíssima rapariga, com um rosto exótico e modos doces.
- Discutamos o preço, minha amiga!
-Gritou Kamus- O meu amigo merece bem que eu lhe pague um prazer destes, ainda que seja pouco duradouro... - Pois para desflorar esta maravilha, terá de fazer uma oferta de 2000 Euros, Mestre. -Nossa! Tanto? Acaso ela é feita de ouro? Ofereço 1000 e nem mais um centavo, velha alcoviteira! - Mestre Kamus, os tempos não têm estado fáceis na nossa casa...por esse preço, não lhe cederei esta fada. Mas se quiser ir até aos 1500, talvez nos possamos entender... -1300! -1500, é a minha última proposta. Não baixo mais. - Seja, velha gananciosa! – exclamou Kamus, atirando o dinheiro para cima da mesa e rindo às gargalhadas. - Mestre Miro, o nome desta rapariga é Jade. Seja carinhoso com ela, por favor! -Eu sei como tratar uma mulher, mãe Calina!! Não venha dar-me lições!! Vamos, miúda, andor! E abraçado à linda moça, Miro subiu atabalhoadamente a escadaria que levava ao quarto de Jade. Era pequeno, mas bem decorado e extremamente limpo. Ela ofereceu mais vinho, mas Miro, transtornado pelos acontecimentos dos últimos dias, atirou-a para cima da cama e rapidamente tratou de despachar a questão, possuindo-a furiosamente. No seu delírio febril, pensava ver Ishtar, e descarregava na pobre pegazita todo o seu desgosto.
No dia seguinte, partiu para a Ilha de Milo, com licença de Saga. No seu isolamento, havia de encontrar a cura.
Ishtar e Saga passaram nos dias seguintes uma das piores fases ds suas vidas. Ela evitava sair de casa para não se encontrar com ele, pois estava furiosa com a sua atitude. Parecia-lhe também que uma ameaça pairava sobre o santuário, e que nada voltaria a ser o mesmo por ali. Estava perdida nestas divagações quando entrou a empregada de quarto com uma carta. Tinha o monograma de Saga. Ishtar abriu-a com ansiedade. Não se limitava a instruções. Era uma carta de amor e sofrimento, escrita à pressa.
Meu amor
Desde aquela noite que todos os meus pensamentos voam para ti.Sinto que
cada vez te adoro mais, e estar privado da tua beleza tem-me debilitado
tanto que não saio dos meus aposentos a não ser que o assunto seja
inadiável. Estou gasto pela dor e pelas lágrimas, e muito sangue há-de correr até que esta ferida sare. Penso se estarás a sofrer tanto como eu, minha querida. Sinto-me o último dos homens por ser obrigado a afastar-me de ti, o meu coração está destroçado e sofro ainda mais quando imagino a
dor que deves sentir. Nunca poderei pedir a tua indulgência vezes suficientes, mas talvez te alegre saber que morrerei a pensar em ti. Passei o dia a rever velhas fotografias nossas. Foste sempre tão bela, tão doce. O
som da tua voz, os teus carinhos, fazem-me mais falta do que poderás
certamente imaginar.
Infelizmente, sou obrigado a comunicar-te que expliquei tudo a Miro. Ele está exultante com a ideia de se casar contigo. E embora me parta o coração
Admitir isto, sei que a beleza dele sempre te cativou. Ele irá hoje a tua casa discutir os detalhes. É uma ordem minha que aceites a proposta.A minha cabeça doi...beijo-te com toda a minha paixão e envio-te este anel. No meu coração serás sempre a minha amada-princesa amada...peço-te que o uses como
um selo de amor entre nós, apesar de tudo. Mais uma vez imploro o teu perdão por tudo o que nos faço sofrer,mais uma vez te digo que te amarei
até à morte.
Saga
Do envelope caiu um anel precioso, gravado no interior com as iniciais dele.Parecia-se com um anel de noivado. Ishtar compreendeu a mensagem e chorou lágrimas que podiam ser de sangue.
Horas depois, recompôs-se para receber Miro. Este pareceu incomodado quando a viu, pois Ishtar, habitualmente já extremamente esguia, tinha emagrecido de forma assustadora.
- Ishtar... -Miro, entra. Estava à tua espera. Saga disse que virias. -Meus Deus, Ishtar, não me pareces nada bem. Queres que chame um médico? - Não é nada, Miro...apenas um pouco de cansaço... Mandou as empregadas servirem chá e aperitivos.
Miro olhava-a com carinho. - Ishtar... Saga pôs-me ao corrente de tudo. Eu desejo ser teu esposo..se tu me quiseres... Ishtar nada disse por uns momentos. Depois, olhando-o bem nos olhos, falou baixo: -Miro...tu sabes que... -Esses detalhes não alteram em nada o amor imenso que eu sinto por ti.Sempre te quis, Ishtar... Uma lágrima silenciosa correu pela face dela. -Sei que não sentes nada por mim- via-se como estas palavras feriam o coração dele; tinha o rosto contraído-mas podemos tentar...juro que farei tudo para te tornar uma mulher feliz. -Miro, como poderia uma mulher não sentir nada por ti?És muito belo; chamam- te Miro, o irresistível, capaz de seduzir até as pedras! -Mas isso não é nada perto de quem faz correr essas lágrimas...-respondeu ele com a voz embargada pela comoção.
A bela ficou pensativa por uns instantes. –Miro, o amor por Saga nasceu comigo e morrerá comigo. Esta é a verdade. Se vais ser meu marido, não quero esconder nada. Mas poderás depositar em mim toda a tua confiança, que nunca outro homem me tocará. Nem Saga. O ultraje dele é maior que o meu amor...
Apaixonar-me por ti será tarefa simples...o amor virá depois..mas um homem tão nobre, tão digno, capaz de aceitar um sacrifício da sua honra de tal ordem por uma mulher que não vale nada...é mais merecedor de devoção que qualquer outro! -Ishtar caiu, chorando, aos pés dele, aniquilada.-Não posso aceitar um sacrifício tão grande, Miro, não posso! Ele hesitou por uns instantes, puxou-a para si e beijou-a apaixonadamente.Ishtar ficou em silêncio, beijando-o com redobrado ardor, mordendo os lábios dele com sensualidade e meiguice. Os lábios de Miro desceram pelo pescoço dela, provocando arrepios. Ele era infinitamente carinhoso. A Deusa pensou por dois segundos, e depois pegou-lhe na mão, levando-o para o quarto.Abraçaram-se, e ela livrou-se de todas as suas roupas, libertando a seguir Miro da sua túnica. Beijou o peito do cavaleiro. O corpo dele era perfeito, Adónis reencarnado.Miro não resistiu mais, tirou as calças e deitou-se com ela, fazendo amor a noite toda. -Miro...meu amor...
Agora ele estava ali, ela nunca mais sofreria. Miro lutaria por ela, ia protege-la de toda a dor...
-Tu és a minha menina... serás a minha força, a minha vida....
Na manhã seguinte, Ishtar e Miro casaram secretamente num pequeno templo de Afrodite. Não queria ser humilhada pelos olhos de toda a gente no santuário.Não queria encarar Saga. Partiram em lua de mel para Bora Bora, um pouco à revelia de todos. À cerimónia tinham apenas assistido Kamus, fiel amigo de Miro, Aldebaran e Misty de Lagarto. Esse casamento causara grande consternação. A família de Ishtar não fora sequer informada, Ishtar não queria levantar mais poeira. Apenas que a deixassem em paz...
E ao lado de Miro, ela estava em paz, quase feliz. Tinha-se apaixonado.Ele era tão meigo, tão doce com ela. E ao mesmo tempo, mantinha o carácter que o tornava um cavaleiro singular. Dizia sempre a primeira coisa que lhe passava pela cabeça, tão impulsivo e divertido.Ishtar desdobrava-se em carinhos, e todas as noites redobravam os êxtases do amor.
Mas chegara a hora de regressar à Grécia. Saga estava no seu trono, magro, consumido. Ares atacava cada vez com mais força. Deixava-o exausto, sugava- lhe a força vital. Perdera Kanon. Perdera Ishtar. Nada mais poderia controlá-lo. O ódio. Só o ódio poderia ajudá-lo a sobreviver. Viver, respirar...desesperava por ar... Toda a sua vida fora uma luta, se bem que mais suave do que a de outros cavaleiros ali dentro. Os Gemini eram aristocratas.Tinham poder, status, riqueza. Uma família de guerreiros de valor com mais de mil anos de história.Ishtar sabia de tudo, estava a par de tudo.Enquanto a Deusa Afrodite e o seu amor tinham estado por perto, Ares estaria dominado. Ishtar estivera ao seu lado quando ele fechara Kanon no cabo Sunion.Os motivos de Saga tinham sido menos nobres do que ele gostaria de confessar a si próprio. Ciumes. Ishtar intercedera, suplicara. Recordara-lhe o castigo que os Deuses reservam aos fraticidas.Ela, Kanon e Saga, tinham sido uma unidade. Os setimentos de um eram os do outro. Inclusive o amor por Ishtar, e isso Saga não partilharia nunca. Miro levantou-se e despediu-se da sua amada com um beijo, e abandonou a casa de Scorpio, que era, de momento, a nova residência de Ishtar. Esta, sabendo que ele ia ficar ausente todo o dia, recebendo novos aprendizes, tratou de se entreter arrumando o novo quarto até à chegada do marido.As empregadas estavam todas na cozinha e nos jardins, num vai e vem característico da chegada da nova patroa. Fazia-lhe alguma confusão ser chamada Dama de Scorpio, mas isso haveria de passar, com o tempo...
Um barulho de passos atrás de si fê-la voltar-se de repente. Saga estava atrás de si. O seu cosmos queimava de fúria. A cara dele...não, não era ele. Ishtar nao comprendia como ele entrara na casa. Como ousava? Encarou- o, mas antes que pudesse dizer uma palavra, levou uma bofetada seca que a fez cair, com um ruído surdo, em cima da poltrona.
- Feliz?-perguntou ele, triunfante.-Responde-me!Estás contente de teres casado com o meu amigo Miro? Ishtar manteve uma calma dos diabos, toda feita de cansaço e raiva. Apenas pode responder: - Eu cumpri as tuas ordens...tio Saga. -Não me chames tio, puta infernal!!!-avançou para ela, sacudindo-a en quanto gritava.-Gostaste???Gostaste de te deitares com essa besta??Ele é melhor do que eu?-As lágrimas começaram a cair pelo rosto dela.Sentia-se a última das mulheres.O seu poder era superior ao de qualquer cavaleiro de ouro. Ela era uma kamei.Mas preferia deixar-se matar do que levantar um só dedo contra ele. -És fraca, és uma rameira!!!Obedeceste porque querias outro amante!Só por isso!!Diz-me! Gostaste? Foi bom? Ishtar estava tão zangada que a visão se lhe toldava.Naquele momento teve- lhe ódio. - Sim!!!Gostei! Agora sai daqui! O que está a acontecer é apenas uma consequência da tua cobardia! Foi a vez de Saga chorar. - Muito bem..tens razão..perdoa-me...meu amor..meu único amor. A partir de agora serei apenas o teu tio. Entendes, Ishtar? Ela assentiu. Que diabo, ele não queria que ela concordasse, queria que ela implorasse pelo amor dele, que suplicasse para ser levada dali...caiu de joelhos. Ares dominava de novo. Gemia, gritava... Ishtar ajoelhou ao lado dele. Agora já começava a compreender.Nada daquilo era normal.Pensara nisso muitas vezes depois de se ter entregue a Saga. As coisas horríveis que fizera...não era ele, não podia ser...
Ajoelhou-se ao lado dele, desesperada. –Saga...não...não deixes isso acontecer,não? Os olhos de Saga passavam de cinza a azul...ele, de novo ele, lançou-lhe um olhar de súplica:não me deixes...vou morrer, Ishtar, vou morrer! Ela abraçou-o, chorando.Saga deixou-se abraçar, envolvido no mesmo desespero.Os seus cosmos eram um só, de novo...Ele procurou a sua boca num beijo.Ishtar nem pensou... Miro entrava de surpresa,acompanhado de um jovem aprendiz. Ficou parado ao ver a cena, os seus olhos cheios de mágoa. Aquela era a última coisa que Ishtar queria:feri-lo. -Miro... Ele virou costas, saiu de rompante. Ishtar seguiu-o. –Miro, não vás...Saga está-quis dizer doente, mas não poderia empregar a palavra-isso poderia fazer com que tentassem tira-lo do poder, e aí seria muito pior. A sua missão...o seu terrível destino... -Miro voltou-se. Devia chorar, mas não poderia demonstrá-lo. Havia tanta coisa que deveriam ter dito e nunca o tinham feito...só desejava que fosse mentira. Queria que algo fizesse aquela dor desaparecer. -Ishtar...é Saga que tu amas.Ainda há muita coisa que vai acontecer...cumpre o teu destino.. -Miro, não!Não me deixes, eu não terei forças... -Ele pegou na mão dela-ainda há forças em ti que tu desconheces...recorda- te apenas um pouco de mim...como um homem que marcasse o teu coração, ao menos um pouco.Esse coração em que a estrela de gémeos sempre brilhou. -Beijou-a pela última vez.-Minha menina... eu amar-te –ei sempre.
Afastou-se. Para sempre.No fundo, sabia, tão bem como ela que nunca se devia ter metido naquela embrulhada. Os Gemini pareciam destruir tudo o que tocavam,malditos.Tinha pena de Ishtar,porque a amava.Mas não ia fazer o papel de tolo.A sua honra estava acima de tudo. O casamento seria anulado, como se nunca tivesse existido. Ishtar voltou para a casa de gemini, não haveria mais conversas entre eles. Miro ficou nos seus aposentos, chorando a sua dor. Durante vários dias não pôs os pés fora do quarto, descurando as suas obrigações e esquecendo-se mesmo de comer ou beber. Kamus, seu grande amigo, estava muito preocupado com ele. Mas Miro não dava ouvidos a nenhum conselho. Decidiu tirá-lo daquele marasmo. Nem que fosse à força! Bateu suavemente à porta do quarto do amigo. Como resposta recebeu um «entre» remoído entre dentes. Miro estava sentado, com o aspecto de um homem derrotado. Kamus entrou e aproximou-se do cavaleiro - Vejo claramente que não estás bem com o que aconteceu, meu amigo... Queres conversar sobre isso? Eu soube da balbúrdia ocorrida há dias.... –Apoiou uma mão sobre o seu ombro. Miro, ao sentir o toque do amigo, explodiu: -Se soubesses o asco que senti , preciso de um banho por dentro!....que ódio, que nojo, tu sabes? O Saga quis que eu casasse com ela e explicou-me francamente o que se tinha passado entre eles...e eu fui tão estúpido, acreditei que podia ser feliz!!..Não mereço tudo isto. Eu amo aquela mulher !Raios !Raios! - Batendo com a cabeça no braço da cadeira chorou baba e ranho, sem vergonha... Kamus demonstrou , como sempre, favorecimento a Saga, mas sempre apoiando o amigo. - Acho que deverias procurar outra para habitar o teu coração, meu amigo. Ishtar já é de Saga, e isso é inegável... O amor dela é dele, isso estampa- se no rosto dos dois... – Dando uma leve palmada nas suas costas, falando em tom brando: -És forte, belo... Tens condições plenas de arranjar outra que te ame verdadeiramente! Miro assentiu com a cabeça sem articular palavra e deu duas fortes palmadas nas costas do amigo, seguidas de um abraço de irmãos, e convidou-o para uma taberna próxima: vamos beber e ver a dança das mulheres, meu companheiro! Quero afogar em vinho o que vi, e enterrar este assunto! Assim é que se fala, meu companheiro! Vamos beber, ver mulheres bonitas e deliciar-nos nos corpos delas... Vem! -Abraçado ao amigo, saiu da casa de Escorpião em direcção à taberna.
Chegados a uma taberna alegre e barulhenta, de estilo clássico, os dois Cavaleiros, usando roupas elegantes do Santuário sentaram-se na melhor mesa. Uma jovem criada veio atende-los. O que vão desejar? - Vinho! –berrou Kamus alegremente - Traga-me o melhor néctar de Dionísio aqui para o meu amigo, que precisa de curar uma dor de amor!!! A dona do lugar, uma matrona morena com aspecto de ter sido muito bonita na juventude, saudou os dois -Ora! Dois dos meus clientes favoritos! -agitou os braços, fazendo tilintar uma abundância de pulseiras de ouro -o vinho chegou e os dois começaram a brindar e a beber, ouvindo a música e observando as bailarinas.
Miro bebeu descontroladamente e começou a sentir a visão toldada pelo vinho. A matrona voltou, muito alegre pelo elevado consumo que os dois faziam - Mestre Kamus, deixe-me apresentar-lhe uma flor rara que poderá trazer um sorriso aos lábios de Mestre Scorpio! –A sério, Calina?- exclamou Kamus , ébrio. -Muito me alegra essa notícia! E quem é essa maravilha? - Uma beldade morena de olhos verdes, vinda directamente dos montes áridos do Afeganistão, uma virgem que tem sido muito cobiçada por aqui; mas até agora não apareceu comprador à altura para tal preciosidade. Tenho-a guardada para os meus melhores clientes!
Miro acenou que não, mas estava tão embriagado que não conseguia opor muita resistência. -Pois traga a donzela, para ver se agrada ao meu amigo tristonho!
Calina bateu palmas e surgiu na sala, ao som de tambores, uma jovem guiada por duas criadas, ataviada num rico vestido em azul e ouro; os seus cabelos negros e pesados estavam apanhados e enfeitados com jóias, e a sua figura elegante tentou Miro e Kamus: Era realmente uma belíssima rapariga, com um rosto exótico e modos doces.
- Discutamos o preço, minha amiga!
-Gritou Kamus- O meu amigo merece bem que eu lhe pague um prazer destes, ainda que seja pouco duradouro... - Pois para desflorar esta maravilha, terá de fazer uma oferta de 2000 Euros, Mestre. -Nossa! Tanto? Acaso ela é feita de ouro? Ofereço 1000 e nem mais um centavo, velha alcoviteira! - Mestre Kamus, os tempos não têm estado fáceis na nossa casa...por esse preço, não lhe cederei esta fada. Mas se quiser ir até aos 1500, talvez nos possamos entender... -1300! -1500, é a minha última proposta. Não baixo mais. - Seja, velha gananciosa! – exclamou Kamus, atirando o dinheiro para cima da mesa e rindo às gargalhadas. - Mestre Miro, o nome desta rapariga é Jade. Seja carinhoso com ela, por favor! -Eu sei como tratar uma mulher, mãe Calina!! Não venha dar-me lições!! Vamos, miúda, andor! E abraçado à linda moça, Miro subiu atabalhoadamente a escadaria que levava ao quarto de Jade. Era pequeno, mas bem decorado e extremamente limpo. Ela ofereceu mais vinho, mas Miro, transtornado pelos acontecimentos dos últimos dias, atirou-a para cima da cama e rapidamente tratou de despachar a questão, possuindo-a furiosamente. No seu delírio febril, pensava ver Ishtar, e descarregava na pobre pegazita todo o seu desgosto.
No dia seguinte, partiu para a Ilha de Milo, com licença de Saga. No seu isolamento, havia de encontrar a cura.
