Apesar da esperança de alegrias futuras, o dia
foi muito triste, pelo menos para Saori e Justius. Por mais que soubessem
que Mia se fora sem dor e feliz, lembrar-se de que ela já não
fazia parte da vida deles era muito duro. Os dois praticamente se isolaram
dos outros. Era algo compreensível. Justius perdera a irmã,
Saori, alguém que considerava uma filha. Mas havia algo com o qual
eles não contavam, o tempo, o tempo que tudo apaga um dia.
Não havia passado muito tempo desde que Saori voltara ao santuário.
Ela caminhava tranqüilamente quando escutou passos atrás de
si. Esperou que se identificassem antes que ela se virasse, mas sentiu
duas mãos passando por seus olhos. Pensou em gritar, mas uma voz
a acalmou.
- Adivinha quem é.
- Seiya
- Como soube? – ele disse, olhando com cara de desapontado.
- Pela voz e pelo fato de que ninguém faria essa brincadeira além
de você.
- Previsível, né?
- Você sempre foi. Estás visitando Marin?
- É. – Seiya parecia mais desapontado ainda. Saori riu.
- Não fique assim. Vamos fingir que foi você que me contou.
- Como você está, eu soube...
- Estou bem. Faz pouco tempo, mas, estou bem. Eu já sabia que ia
ser assim logo depois que a conheci. Devia ter me acostumado com a idéia...
- Nunca nos acostumamos em perder quem amamos.
- Eu deveria estar acostumada.
- Desculpa Saori-san, eu não...
- Se acalme Seiya. Não foi nada.
- Faz tanto tempo...
Saori voltou a caminhar. Seiya a seguiu. A sentia distante. Era como se
ela tivesse em parte se esquecido dele. Sentia falta daquele carinho,
daquele olhar que ela sempre mandava para ele. Se condenou por te-la abandonado.
É verdade que ela pedira pra eles terem suas vidas, mas ele poderia
ter tido uma vida perto dela, ao lado de Saori.
- Cinco anos.
- Saori, eu não queria...
- Sim, você quis assim. Só não esperava que eu fosse
reagir dessa maneira.
Seiya parou na frente dela, a olhando nos olhos. Ele estava bem mais velho,
aparentava uns 23 anos, usava um cavanhaque ralo, o que dava um charme
a ele. Ele estava muito bonito, ela não podia negar, mas não
sabia se seria a mesma coisa, se ela sentia o mesmo que há cinco
anos atrás, quando ela ainda era uma garotinha apaixonada por seu
cavaleiro mais fiel.
- Você está tão linda... – ele passou a mão
pelo cabelo dela, a escorregando pelo rosto.
Saori nada disse, apenas abaixou o rosto. Seiya sentiu uma pontada no
coração. Saori estava realmente linda, uma beleza acima
do normal, digna de deusa, mas ela sempre fora linda, ele que era muito
tolo para perceber isso. Passara os últimos anos pensando se voltava
ou não, se tirava a duvida de seu coração, duvida
esta que se dissipou assim que a viu caminhando. Tão calma, tão
alva, tão linda.
- Eu fui um idiota...
- Você era uma criança, todos nós éramos.
- Só na idade. Lutamos, nos ferimos, sentimos ódio, rancor,
amor.
- Não achei que você partiria.
- Você que pediu.
- Não é disso que estou falando – ela voltou a caminhar,
com o olhar vago.
- Desculpe. Eu estava maravilhado com a possibilidade de poder ficar com
Seika. Ter uma vida normal. Foram tantos anos sonhando com isso.
- Mas... Você sequer me visitou, telefonou, não mandou cartas
ou notícias. Marin que me contava quando você vinha ao santuário.
- Eu não queria me envolver.
- É...
- Saori! Eu sei, eu fui um estúpido. Não sabia lidar com
os sentimentos!
- E agora sabe?
- Você está realmente brava comigo, não é mesmo?
Ela olhou para ele e continuou a caminhar. Ele se irritou. Ela sempre
era assim. Tinha que ser tudo do jeito dela. Mas ele crescera, era um
homem agora, já tivera outras mulheres e sabia que poderia conseguir
mais.
- Você continua a mesma menininha mimada! Quando vai aprender que
nem tudo é como você quer?
- Não seja infantil, Seiya. Eu te amava, todos sabiam, mas parecia
que você era o único que não queria enxergar. Quando
você partiu, eu passei dias, anos esperando você voltar. Você
não voltou. Acha mesmo que eu iria estar ainda te amando? –
Seiya ficou calado, olhando pra ela com espanto. Ele temia tanto ouvir
essas palavras. – Você fez com que eu me apaixonasse por você
e também fez com que eu te esquecesse.
- Saori...
- Preciso voltar. Aioria esta me esperando.
- Aioria? Não me diga que...
- Isso não é da sua conta. Mas, preciso falar com ele apenas.
Levei muito tempo pra te esquecer, tempo demais. Acho que esqueci como
é gostar de outro que não seja você.
- Desculpe.
- Faça um favor, Seiya. Faça como antes. Não me procure.
Desapareça.
- E se você estiver em perigo?
- Tenho os cavaleiros de Ouro. Nesses cinco anos você não
se preocupou com isso, não precisa se preocupar mais.
Seiya tentou falar algo, mas Saori se distanciou rápido. Teve vontade
de ir atrás dela, de pedir perdão, mas era orgulhoso.
- Ela é durona, não é mesmo?
- Marin, eu não entendo...
- Ponha-se no lugar dela. Foi muito difícil para ela. Mas entenda,
ela não te odeia, nem sente rancor. É que depois de tanto
tempo você aparece, vem desse jeito, a confundiu.
- Você entende disso.
- Sou mulher. Já amei.
- Ela é Athena.
- Seiya, entenda. Ela É Athena, mas é mulher. Mesmo a mais
sábia das deusas pode se apaixonar. E paixão e razão
não combinam. Talvez ela goste de você e esteja tentando
não se deixar levar novamente pelo sentimento. E nesse moemnto,
você estava falando com Saori e não com Athena.
- Queria voltar no tempo. Cometi um grande erro a abandonando.
- Não só ela. Todas.
- Mas é a ela que eu amo.
Marin olhou para Seiya e sorriu. Havia algum tempo que Saori havia livrado
as amazonas de usarem a máscara por obrigação. Também
as livrara do castigo. Segundo Saori,era uma regra idiota e muito chata,
feita por algum homem com medo de se apaixonar. Os dois se afastaram,
Seiya ainda olhando para trás de vez em quando, achando que ela
poderia voltar.
- Ela não vai voltar, Seiya. É orgulhosa demais para isso.
Ela cresceu, não é mais aquela menininha.
- E como cresceu. Percebi – Seiya deu uma risada maliciosa, levando
um tapa de Marin - Ai! Doeu! Por que isso?
- Não importa o quanto vocês sejam próximos. Ela é
Athena. Nunca pense nela como uma mulher. Não em publico.
- Ta, ta. To com fome, quando vamos comer?
- Você não muda nada! – Marin riu
- Aioria, não acredito que depois de tanto
tempo vocês ainda impliquem com ele.
- Mas Athena.
- Cale-se Aioria. Tomei minha decisão. Exijo que a respeitem. Esta
reunião se encerra aqui.
- Se assim desejas... – Aioria vez uma pequena reverencia e saiu,
com toda aquela pose real que ele tinha. Saori sorriu.
- Não haveria ninguém mais apropriado para ser o Leão.
Saori se sentou em seu trono, seus dedos tamborilando no braço
aveludado. Seus pensamentos voavam.
- SAORIIIIIIIIIIIII
- Huh? – ela foi acordada de seus pensamentos.
- Menina distraída!
- Ah, seu pestinha! – Saori mostrou a língua.
- Quem mostra a língua pede beijo!
- Então me da um beijo!
O garoto se aproximou e abraçou Saori, dando um beijo em seu rosto.
- Como estão as coisas?
- Ah, mestre Mu está meio bravo comigo.
- Mu bravo com você? O que você aprontou, Kiki?
Kiki deu uma risada marota e coçou a cabeça.
- Cortei o cabelo dele.
Saori começou a rir.
- Você é maluquinho, Kiki. Espero que ele não tenha
ficado muito bravo.
- Eu não tenho culpa. Eu não sabia que as espadas eram tão
afiadas!
- Kiki, quando é que você vai crescer? – Saori disse,
fazendo festinha nos cabelos de Kiki, que estava sentado no chão.
- Acho que está na hora, não é mesmo?
- Não precisa, Kiki. Você tem um coração tão
puro quanto Mu, continue assim e você será um cavaleiro como
seu mestre.
- Ele anda meio fraco.
A expressão de Saori passou de alegre para preocupada.
- O que aconteceu com ele?
- Não sei. Algo de estranho.
- As energias dele estão fracas. Não se preocupe, Athena,
foi só um treino. – Um homem entrou no salão.
- Shion, não gosto quando você o deixa estafado desse jeito.
Sei que você quer que ele seja tão forte quanto você,
mas vá mais devagar.
- Depois de tantas batalhas...
- Shion, nos conhecemos há tanto tempo. Sabes muito bem o que eu
penso disso. Estafe um cavaleiro num momento em que não há
necessidade e ele pode não estar pronto quando preciso.
- Perdoe-me, Athena.
- Tudo bem, Shion. Sei que você não faz por mal.
- Kiki, cuide de Mu, sim?
- Sim, vovô. – Kiki saiu correndo.
- Mas que menino endiabrado! – riu Shion
- Ele me lembra Seiya nessa idade.
- Ele poderia ser um cavaleiro.
- Shion, você sabe o que eu acho disso.
- É necessário. Acho que deveriam ser postos em batalha
somente em ultimo caso, mas é bom que eles se acostumem como cavaleiros.
- Não sei. São tão jovens.
- Não queres colocar Dohkos e Shions para lutar não é
mesmo?
Saori gargalhou.
- Você ainda não se acostumou com Kiki lhe chamando de vovô.
- E quem se acostumaria?
Saori deixou seu olhar vagar pela sala.
- Tenho certeza, que ele superará Mu.
- Me superará. Será um grande feito. Ser superado por ele.
Ele tem um coração puro e bom.
- Não é isso. Eu vejo nele, uma garra que eu nunca vi em
outros cavaleiros. Ainda mais do que em Seiya e os outros.
- Ele nasceu pra isso.
- Sim...
- Athena... Você estava discutindo novamente com Aioria?
- Sim, não acredito que depois de tanto tempo...
- Acalme-se. Ele só pensa em teu bem. Ele é muito cabeça
dura, mas é um bom homem.
- Sei disso, mas Saga mudou.
- Tenho certeza disso, mas, eles são desconfiados. Entendo em certa
parte eles.
- Se te perdoaram, por que não perdoam Saga ou Kanon?
- Eles fizeram muito mal.
- Mas compensaram isso.
- Não se preocupe. Eles confiam nos gêmeos. Sei disso.
- Quando você ira à Star Hill?
- Daqui a três dias. Algo a incomoda?
- Você me conhece muito bem. É apenas uma inquietação.
- Verificarei isso. Mas mantenha-se no santuário, caso haja motivos.
- Vou precisar de sua ajuda nisto.
- Athena, nem pense nisso. Me recuso terminantemente a ajuda-la. Se quiseres
fazer isso, faça sozinha.
- Shion...
- Athena, como seu cavaleiro, como Mestre, eu sou incapaz de algo como
isso. E garanto que todos os cavaleiros que lhe forem fiel irão
dizer a mesma coisa.
- Mas não é mais necessário...
- Você é sempre necessária, pequena.
- Aioros!
- Olá Shion. – Aioros voltou-se para Saori – Não
estás pensando em usar aquela maldita adaga novamente, estás?
Juro que eu a derreto!
- Aioros...
- Não se atreva, garota. Ou vou busca-la aonde for e vou te dar
uns tapas e não me importa se você é Athena ou não.
Tira essa idéia absurda da cabeça.
- Mas...
- Eu já não disse para ficar quieta? E se eles estão
apenas esperando para que você parta? Estejam apenas dando um tempo
para se recuperarem? Você sabe que Hades...
- Aioros é o único que consegue por alguma razão
na cabeça de Saori – riu Shion – eu mesmo não
tenho essa coragem.
- Ela é como uma filha pra mim, Shion, e eu não vou deixar
que nenhum mal aconteça a ela. Morri uma vez quando ninguém
acreditava nela, morrerei novamente, só para que ela viva mais
um segundo.
Saori se levantou e foi até Aioros, dando um beijo em sua bochecha,
ela olhou para Shion e sorriu.
- Eis o motivo pelo qual fostes escolhido por Shion. – sua voz ressoou
doce e carinhosa.
- Você é minha filhinha – Aioros disse, levantando
o rosto de Saori pelo queixo – e não vou deixar nada de mal
te acontecer. Agora, vai lá no grande salão que tem visitas
para você.
Saori olhou para Aioros, sem entender. Ele fez um gesto para que ela o
acompanhasse. Shion os seguiu. Quando chegou no salão, ela não
conteve o sorriso.
- Meninos!
Os meninos sorriram.
- Eita, Saori cresceu! – riu Hyoga
- Queria o quê, Hyoga? – Shun sorriu – Bando de desnaturados,
nem pra visitar a menina!
- Eu estava em Rozan... – Shiryu começou.
- Como vai a Shunrei, Shiryu?
- Ela vai bem, mandou saudações e Dohko mandou uma comida
estranha – Shiryu ficou vermelho – acho que ele ta muito velho.
- Dohko é sábio, Shiryu, e ele me conhece muito bem. Essa
comida estranha se chama ambrosia.
- Não sei pra que serve, mas parece gostosa...
- Tira os olhos, Shiryu!! – Hyoga riu – parece que Shunrei
brigou de novo com você e te deixou sem jantar.
- EI! Não se mete, seu loiro branquelo!
- Vão discutir de novo? – Shun colocou a mão na testa
– Droga, não temos paz mesmo!
Saori riu. Ela os convidou para ficarem e jantarem e contarem as novidades
do que tinha acontecido.
- Por que você não me disse que ia voltar, Shun?
- Decidi fazer uma surpresa, Saori. Recebeu os postais?
- Sim, claro. Sempre pedia pra June te levar eles.
- É, ela levava – ele sorriu – ela ainda usa a máscara.
- Deixe, quando chegar a hora, ela vai tirar a máscara, não
se preocupe.
- Anda... Shiryu – Hyoga cutucava Shiryu o tempo todo.
- Espera, seu pato chato!
- E lá vamos nós... – Shun abaixou a cabeça
– eu acho que estou num hospício às vezes.
- Notícias boas ou más? – Saori perguntou, rindo do
desespero de Shun. Sabia que era brincadeira, mas não deixava de
ser engraçado.
- Bem, é que... bem...
- Anda, cabeludo!
- Hyoga, deixa ele falar! – Shun protestou.
- Tudo bem, Shiryu, se não quer falar, não fale.
- Não é que eu não queira falar, Saori, mas é
que eu não sei como...
- Affe, fala logo que você vai casar com a Shunrei e deixa de bobagem.
- Hyoga!
- Você vai se casar com a Shunrei? – Saori estava surpresa
– eu nunca achei que você fosse dar bola pra ela. Você
parecia mais preocupado em ficar de peito nu durante as lutas.
- HAHAHAHHAHAHAHA – Hyoga começou a ter uma crise de riso
– Verdade. Sempre que podia, ele tirava a parte superior da armadura...
- Bem no estilo.´Mamãe, olha como sou gostoso!´ - Shun
entrou na brincadeira – Desculpa, Shiryu, mas é verdade.
Shiryu ficou quieto, olhando pro prato, vermelho, sem saber o que fazer.
Saori sorriu e ficou olhando pra ele. Lembrando de tudo o que acontecera
no passado. Não só pra ele, mas pra todos. Esses anos em
que estiveram vivendo uma vida normal havia feito muito bem aos garotos,
eles estavam mais extrovertidos, mais ligados.
Os cavaleiros de ouro foram chegando. Já se tornara um hábito
que eles jantassem junto com Athena. Ela resolvera que seria melhor assim,
deixaria ela e os cavaleiros mais próximos, mais ligados. Assim,
eles dividiam seus medos, suas idéias, suas preocupações
e opiniões e poderiam defende-la melhor. Iriam defender alguém
que conheciam, em quem tinham confiança.
- Nunca vi tantos cavaleiros juntos – Shun observou.
- Achei que eles só se reunissem quando algo muito importante estivesse
acontecendo – Hyoga falou.
- Muita coisa mudou enquanto vocês estavam fora – Saori disse
– Não havia sentido em muitas regras que estavam sendo usadas.
- Mestre Dohko! O que o senhor está fazendo aqui? – Shiryu
perguntou quando Dohko apareceu e sentou ao lado de Shion.
- Atendi ao chamado de Athena – ele disse calmamente – voltei
a cuidar da casa de Libra.
- Eu não entendo...
- Não é para entender, Shiryu. Athena me chamou e cá
estou, não posso questionar uma ordem de Athena.
- Mestre...
- Preocupe-se em comer, Shiryu.
- Sim.
Saori comia calada, devagar. Percebia-se que ela estava pensando. Ela
crescera, os anos se passaram e com isso os problemas aumentaram. Por
mais que o mundo estivesse em paz, ela sempre estaria preocupada, sempre
teria algo a temer.
Shion tocou a mão de Saori discretamente e sorriu. Ela levantou
o rosto e olhou para ele, dando um meio sorriso. Se Saori perguntara quando
ele iria a Star Hill era porque algo não estava indo bem.
