"What a wicked game to play

To make me feel this way

What a wicked thing to do

To let me dream of you

What a wicked thing to say

You never felt this way

What a wicked thing you do

To make me dream of you…"

(HIM – Wicked Game)

Na manhã seguinte, despertei graças aos gemidos de Remo, e, tristemente, não o tipo de gemido que eu cobiçava ouvir, se é que você consegue acompanhar meu raciocínio. Ele se encolheu no travesseiro, apertando os dois lados da cabeça com ardor, e eu fui logo interferir á seu favor. Queria muito questionar sobre aquilo que Lílian me segredou na noite passada, e porque ele favoreceu uma menina, ao invés de contar a mim. Digo, a nós. O estado em que se encontrava era tão deplorável que titubeei, e, bom, é melhor que fique para mais tarde. Tirei a camada de cabelos dourados que pendiam no seu rosto, impedindo-me de visualizar seus olhos faiscantes."Ressaca, hein? Relaxa, a primeira vez é sempre mais dolorosa..." não sei se ele interpretou isso erroneamente, mas me eletrificou com um olhar gelado."Claro...Não que você vá beber de novo hoje. Ou vá. Ah, esquece, eu preciso comer algo. Sou ridiculamente irracional durante a manhã." fingi coçar de leve o nariz, afinal, Remo estava seminu, há centímetros da minha cama e tentando conjurar uma bolsa de gelo enquanto emitia grunhidos ininteligíveis. A cabeça de Tiago pareceu se materializar do nada, e Remo aproveitou o momento."Tiago, você, que não tem o cérebro derretendo ou entrando em fusão com as tripas...O que diabos eu fiz ontem?" ele pareceu considerar a pergunta, visto que um fio de pasta de dente escorria da sua boca, que se abriu num imenso sorriso marmóreo."Se você for considerar, não foi nada de mais. Claro que eu já fiz pior. Oh, nostalgia..." ele pareceu perder o fio da meada, mas depois prosseguiu."Mas você e Lílian pareciam possuídos por entidades tribais-africanas, ela estava completamente fora do juízo, e não quis me contar como você acabou perdendo as cuecas...Merlin, não me faça nem pensar." Inexplicavelmente, ao ouvir o último segmento, Remo corou absurdamente."Ah, você disse que queria tomar uma ducha em grupo, derrubou tudo da mesa, cambaleou, pifou e o Sirius te carregou até o dormitório." Dramatizou Tiago, gesticulando incessantemente."E eu tive de te despir. Isso significa divída suficiente para a próxima encarnação, Lupin." Ralhou ele, o dedo esguio direcionado para o centro do rosto do lobisomem.

 A dor de cabeça de Remo aparentou se intensificar mais, pois a careta de sofrimento exprimida aumentou um bocado."Ôpa, esqueci. Você também decapitou a Madame Norra, e pendurou a cabeça em algum abajur do castelo. Agora, me disseram que atiraram as vísceras no escritório do Filch. Será que ele achou antes de ter apodrecido?" Descreveu, num tom contemplativo e abobalhado, um dos dedos quietos na boca. Os olhos de Remo saltaram das órbitas, e levou instantaneamente as mãos à boca."É...É o quê?" ele levou as duas mãos à cintura, aparentemente irado."Ah, qual é, Remo? Um pouco de criatividade matinal é sempre bem-vinda..." jogou-se nos travesseiros, esmagando um Pedro que supostamente estaria no ponto onde Tiago atirou o peso do corpo. Ouviu-se um grasnido de ossos estalando-se."Eu imagino que poço de titica deve ser a sua mente, Pontas...E como deve estar a Evans?...Vocês dois poderiam ter destruído o universo juntos." Sugeri, e Remo se afundou no colchão, ao exemplo de Tiago, dando uma risada amargurada."Não antes de conquistá-lo, naturalmente. E dividí-lo com vocês três...", sibilou, sorrindo amenamente, obrigando-me a seguir seu exemplo.

"Eu ficaria com a Evans e a Península Ibérica. Ou a costa brasileira." Devaneou Tiago, apoiando o cotovelo no que eu suspeitava que era o queixo de Rabicho."Península Ibérica?", ele me olhou como se houvesse proferido um palavrão gigantesco."É, acéfalo. Não adianta ter a Evans sem ter as melhores praias da Europa pra vê-la de biquíni..." Remo o encarou com profundo desgosto e descrença, mas este nem sequer notou."Sobre a concentração de esterco animal no cérebro do Tiago, Sirius...Eu sou obrigado a concordar com você. Profundamente." Sorri satisfeito, implorando a mim mesmo para não ruborizar veementemente."Eu ficaria com a cozinha de Hogwarts e com um guarda-costas homicida pra trucidar o Tiago quando quiser se derramar em cima de mim quando eu ainda estou dormindo...!" explicou um sonolento Pedro, obrigando Tiago a se espreguiçar para um outro lado, mas especificamente, sua própria cama.

"Eu ficaria com um corpo não-lupino, e com todos vocês, claro...!" gracejou Remo, obrigando Tiago e eu a interpretar uma cena completa de choros contidos e abraços enlevados."Eu agradeço, Aluado, meu homem, mas eu não poderia ser seu escravo sexual particular. Não consigo me prender a uma pessoa só. Indomável, eu diria." Remo e Tiago gargalharam vigorosamente, e eu confesso que fiquei indevidamente desconfortável e escandalizado com o olhar que me foi dirigido por ambos."E quem disse que eu preciso de você pra meu escravo? O Sirius desempenharia essa função com muito empenho...Não , Almofadinhas?" ele estava visivelmente me provocando, mas sem fundamento de malícia ou qualquer outro tipo de intenção. E eu estava pronto para conflagrar espontaneamente, de dentro para fora, produzindo várias lascas de magma vulcânica em recente erupção.  Contudo, Tiago me fitou como se houvesse trazido algo quase invisível à tona."Erm...Arn...Uh..." foi tudo o que minhas cordas vocais foram capazes de produzir naquele segundo. Ah, e para a circunstância se tornar ainda mais patética e digna de pena, engasguei com a própria saliva, rogando para que caísse morto num canto qualquer. Tudo, menos o olhar de Remo sob mim, como um refletor que cega. É ultrajante como o seu subconsciente escolhe cada situação pra você se sentir vexado."Eu tenho certeza que o Sirius cumpriria essa função sem hesitar, sem ao menos chamar. Num piscar de olhos. De olhos vendados. Até mesmo sem olhos. Não, Almofadinhas?" os dois me encararam com máscaras de divertimento cobrindo as faces. Acho que minha boca se abriu e cerrou-se diversas vezes antes que eu respondesse.

"Huh, eu...Eu, ah, preciso...Preciso...Ver os..Os...Os pinheiros...Isso!...Pois é..." engoli em seco, vendo que todos no dormitório me assistiam gaguejar estupidamente, pronto para engasgar com a própria saliva."...Nooossa! Linda manhã ensolarada, não? Magnífica. Eu poderia me atirar na Lagoa e nadar nas ventosas da Lula Gigante...!" Levantei-me num salto quase irrealizável, certo de que era o epicentro de olhares confusos e indecifráveis. Como eu soei estúpido. Deus do céu, haja piedade. E, se minha temperatura não me castigou todos os neurônios, minhas bochechas se tingiram de um vermelho ardoroso.

"Almofadinhas...Uh...Está nevando. A Lagoa congelou." 

Pobre Pedrinho. Com a pressa desassossegada com a qual me retirei do dormitório, como o Diabo foge da cruz, ainda de robe, acho que ouvi o ruído de um osso se partindo dolorosamente e um guincho agudo. Eu deveria ser mais cauteloso por onde piso. E pensar repetidas vezes antes de falar frases que me façam parecer um completo boçal, no ápice de sua palermice. Eu sou Sirius. Eu sou um absurdo grotesco, na forma de um garoto de dezesseis anos, no auge enternecedor da sua paixão ilimitada pelo melhor amigo. Alguém tem uma corda disponível onde eu possa amarrar meu pescoço, por favor?

Essa é a hora certa pra um cigarro.

Sobretudo porque, agora, Pontas, o desprezível, ricocheteava atrás de mim, com uma careta indescritivelmente cínica e endiabrada, ao mesmo passo que eu tentava empurrar o maço inteiro para dentro da boca. Incontestavelmente, ele aparentava arrependimento, e até me cutucou no ombro, mas fiz questão de empurrar aquela mãozinha irritantemente abusada."Hey, Almofadinhas, é o Remo que bebe e é voc acorda com a macaca..." grunhiu, provavelmente ofendido."Escuta aqui, seu abelhudo..." ia começar um sermão dramático e inflamado, mas aquela língua rápida e desafiadora foi mais veloz."Oh! Não, me perdoe, Almofadinhas, macacos não é o tipo de espécime que você bem queria...Um lobisomem, 16 anos, estatura média, olhos âmbar, cabelos ondulados e cara de anjo e um corpinho que você exige despir com os olhos toda vez te diz alguma coisa?" discursou, com a voz alterada e os braços agitando-se freneticamente pelo ar e berrou um palavrão indevidamente obsceno a plenos pulmões.

"Sério. Se você quer tanto fazer segredo sobre isso, já que você aparentemente não tem coragem suficiente pra abrir o jogo, não vai ser saindo todo tenso e suspeito do dormitório que você vai conseguir deixar ninguém desconfiado...!" ele fez uma longa pausa, inspirando o máximo de ar para prosseguir. Á tal altura, o cigarro já tinha deslizado da minha boca e estava incendiando o carpete."Sirius, nós estamos falando do Aluado, não de nenhuma erva descerebrada." Ele pousou a mão agitada no meu ombro, e desta vez, eu não a desloquei."Sabia que você o encara com tanta intensidade, que dá a impressão que você está tentando arrancar as roupas dele através de ondas de pensamento...?É inquietante." Eu realmente não havia notado isso, era quase natural. Tiago arrepiou meus cabelos, deixando-os tão aéreos quanto os fios revoltados dele, e sorriu brevemente."Almofadinhas, meu amigo, eu te amo." Confessou sinceramente, levando os óculos grossos para o alto do nariz."De uma forma completamente fraternal, seu babaca, desfaça essa cara de 'eu-quero-você-aqui-e-agora', faça-me o favor...Mas, mas você é uma toupeira apaixonada." Eu queria rir, assim como ele o fez, mas só consegui atingi-lo com um golpe sutil na nuca, enquanto suas risadas se confundiam com sua voz."E indiscreto. E covarde. E estúpido. Sem esperanças. Uma mula. E um péssimo gosto para roupas em geral...Jeans rasgados, Almofadinhas!? De que buraco você desenterrou esse trapo?" vociferou, apontando para as fendas, rasgos e manchas da minha mais nova aquisição da Levi's, que deixava traços das minhas pernas á mostra, como se tratasse de um pedaço de pano barato.

"Já ofendeu o suficiente? Se for continuar me avise, ainda tem tempo pra eu me atirar da Torre, antes da primeira aula..." ele fez um biquinho chateado e propositadamente debochado, cutucando-me a bochecha com atrevimento."Você não viveria sem mim, esqueceu? O Aluado pode ser seu adorado, mas eu sou a luz do seu viver, o molho do seu macarrão, o recheio do seu bolo, o sachê do seu chá de hortelã, o miojo da sua..." eu o encarei impacientemente."Por Merlin, vá tomar um café!" ele assentiu, considerando a idéia e levando uma das mãos á barriga, e erguendo-se em direção ao Salão."Ah, um lembrete, caso o Aluado te trair, sempre existirão os morenos altos, atléticos, sexys, e...Ugh...!" apanhei o primeiro travesseiro que minha mão alcançou e arremessei no centro do rosto de Tiago, fazendo-o se conformar a ir destilar sua ousadia para o sexo oposto, algo que nem eu mesmo tinha mais a disposição. 

Sentamo-nos nas cadeiras no meio do Salão, onde a voz de todos já compunha a trilha sonora caótica da manhã na escola. Tiago me deixou sozinho momentaneamente, indo se desculpar com Pedro, e garantir que todos os ossos do gorducho ainda estavam intactos dentro do corpo. Mas uma paisagem espetacular fez a torrada parar à meio caminho dos lábios. Remo. Duh, alguma dúvida aparente? Ele saía do Salão com uma fatia de pão em uma das mãos, na outra, um livro escandalosamente grosso, em movimentos praticamente felinos, o corpo tão deliciosamente composto por intermináveis características pueris e ao mesmo tempo tentadoras escorregava para fora do meu alcance, a pele marmórea, lisa e descorada como a de um vampiro languidamente mal-intencionado e os cabelos dourados ondulando ao vento gelado, úmidos e recém-saídos de um banho, justamente como eu adorava. Ah. E aquele traseiro roliço, delirante, desejável, insensatamente chamativo e propício para a minha mão pousar...

"Traseiro perfeito, não?"

Meia volta, volver.

A voz misteriosa cochichando no meu ouvido, secretamente, foi me despertar para meu braço, que, nessa altura, se encontrava pesadamente sob a manteigueira, manchando a manga com óleo puro. Nem ao menos cronometrei o tempo que permaneci entretido com as curvas de Aluado, pois a geléia em minha torrada já ganhara uma consistência aguada e abundantemente mais mole que a original. Virei o rosto para a pessoa que murmurava minhas próprias divagações. Surpresa do dia. Inegavelmente. Lílian Evans. E eu. Severamente presos nas formas curvilíneas e propriedades particulares de um certo alguém nada inominável. Meu deus. Meus olhos se prenderam nos dela brevemente, e ela carregava uma expressão totalmente distinta da carranca distante e amedrontadora da rotina. Parecia até, hum, esquisitamente compreensiva. Fui o primeiro a produzir algum gênero de som entendível(o que já era um grande progresso para mim, naquela manhã fatídica, vamos admitir)."Não...É...Nada...Do que...Você...Está...Pensando..." Assustadoramente, ela puxou uma cadeira ao lado da minha, fulminando-me perigosamente com aquelas orbes desmedidamente verdes."É exatamente aquilo que eu estou pensando, Black." Acusou, com tanta certeza que eu me senti infinitamente vezes minúsculo naquela cadeira que parecia incontáveis vezes maior para o espaço que eu ocupava.

"Ora, ora, no meu primeiro diálogo civilizado com um Black da espécie original eu consigo provocar medo. Eu deveria rever melhores conceitos pra mim mesma." E, incrível feito, ela conseguia escolher as palavras exatas para fazer a minha ânsia de que um buraco maníaco surja do chão e me engula impiedosamente."Não se preocupe, seu bolha, eu não sou o tipo de pessoa fofoqueira. Por que se fosse...Eu já teria muitas outras vítimas anteriores a você em potencial..." e apontou para cantos estratégicos de várias mesas de todas as casas, e, seguindo seu dedo, pude claramente notar que dezenas de outras pessoas espiavam o conteúdo de Aluado com olhares tão ou inclusive mais devoradores que o meu. E, supostamente, cinco, cinco destes sentavam-se nas cadeiras reluzentemente pútridas da Sonserina. Então, conseqüentemente, era algo corriqueiro, como um vírus fora de controle."Viu, besta? Você é somente mais uma vítima do que eu chamo da Síndrome que contaminou um número estrondoso de alunos e alunas da escola..." Acho que foi a altura recorde para meu queixo descender num período tão reduzido."...A se apaixonar pelo Remo...Oh, merda..." Foi a primeira vez que experienciei um sorriso de satisfação enfeitar o rosto da ruiva."Viu só? Você não é tão irracional quanto eu pensava...Mas eu fecharia a boca, se eu fosse você, a não ser que queira fazer uma criação de mosquitos hematófagos por aí..." Obedeci imediatamente, sentindo as bochechas se tingindo de rubro, e o sorriso dela aumentando.

"Mas, como você foi descobrir tudo isso...é...o...n..." minha cabeça estava retomando o nível inicial de raciocínio, ligeiro e inevitável. "Você só pode estar brincando...Oh, é, você não brinca." Ela assentiu com a cabeça, ao que meu queixo se desprendeu do maxilar novamente, e meu dedo pairava no meio da testa dela."Você?Evans?E o Remo?...Maldito lobo enigmático dos infernos...Bom, não é de se surpreender...Duas traças de livro incuráveis..." E deixei a cabeça pender na mesa, esbarrando no prato ainda cheio e intocado. Ela sorriu docemente, arriscando um carinho amistoso nos meus cabelos, e eu concluí o porquê da insanidade de Tiago com ela."Não, Black. Somente eu tive uma queda abissal pelo Remo...Platônico, infelizmente. Porque você acha que eu raramente ando com um garoto?" Foi a vez dela de aparentar uma depressão crescente, e começou a enrolar uma mecha ruiva nos dedos, num estilo muito similar a que Tiago imitava com tanto requinte."Porque o único que verdadeiramente quis me dispensou tão educadamente que me senti humilhada...E isso vem se repetindo interminavelmente com muitas outras." Nossos olhares se confundiram, com cumplicidade e entendimento sincero e verdadeiro. Afastei fios negros do meu rosto, rindo desconsoladamente."É muito fácil se apaixonar por ele." Dissemos, num uníssono nada intencional. Meus olhos se arregalaram imensamente, assim como os dela, e gargalhamos na companhia do outro, o que eu chamaria de excêntrico e muito incomum. Subitamente, numa mão eu tinha Tiago, meu irmão, cúmplice e parceiro para a eternidade...e noutra, vinha Lílian, com aqueles olhos formidáveis e com uma capacidade singular de me entender.

"Mas que diabo, Remo...Eu não estabaquei a cabeça. Eu não estou doente. Eu não comi cicuta, nem adubo vegetal, e nem bosta de cavalo."

Ele não acreditava, de maneira alguma. Porque as pessoas ficavam demasiadamente esquisitas quando eu dava o ar da minha graça(muito extensa e apreciada, por sinal) na biblioteca da escola. Tudo bem que eu só aparecera por lá numa situação que envolvia feitiços próximos dos ilegais, arrombamentos memoráveis e bombas de bostas apocalípticas, todavia, há algum motivo pra tanta desconfiança? Se, porventura eu fosse um estuprador, algum maligno, ou vilão/serial killer como os trouxas cultuam um temor tão grande, eu até compreenderia a razão...Sinto-me profundamente ofendido, estapeado.

"Sem dúvida hoje vai chover. Nada é impossível. Eu deveria ter dado mais crédito a esses dizeres..." bufou Remo, rendendo-se com uma careta indescritível estampando o semblante, e sentando-se ao centro da mesa, enquanto várias outras pessoas, ao redor dele, o suposto líder, me metralhavam com olhares, presumo, munidos de repulsa. Não que eu ligue, muito pelo contrário, as suposições de Lílian estavam corretíssimas. Lace o boi no pasto, ela lecionou, com uma altivez excessiva. Comparar Remo á um componente de gado, e a mim, um cowboy (a propósito, eu sempre gostei de cowboys, mesmo que tivessem de acordar cedo para lavar o traseiro de suínos e usar calças inconcebivelmente apertadas e envelhecer de forma anormal), não era o tipo de analogia mais apropriada, mas ela se fez entender."Ok, Sirius, agora que você se converteu para a classe não-vadia da escola...O que você quer estudar?" e, todos os olhos se grudaram em mim. Aquelas garotas seguiam a voz de Remo como sonares, e muitas não pareciam nada contentes na minha presença."Visto que eu nunca estudei antes e não sei o nome de todas as matérias, eu passo a pergunta pra você, Remo..." brinquei, esperando uma certa descontração que pareceu em muito com grande tensão. Aluado suspirou em alívio."Como é bom saber que eu não perdi totalmente meu amigo pra algum espírito obsessor...Que tal começar pelo básico de Defesa Contra As Artes das Trevas?" sugeriu, com um pequeno sorriso surgindo. Muitos dos presentes bufarão com reprovação.

"Como quiser, Mestre. Estou entregue aos seus ensinamentos." Aquiesci, ouvindo um riso baixo de escárnio vindo do licantropo."Hm. Veio estudar sem livros. Brilhante começo, Sirius, assim você vai longe. Toma." E estendeu o primeiro livro sob a pilha que se encontrava a sua frente, e comecei a folhear, tendo a impressão de que o livro retratava tudo o que eu aprendia, e não haveria a mínima necessidade para estudo inútil algum. Mas eu deveria seguir as palavras da Profeta Lílian, já que todas as suas previsões se confirmavam verídicas. "Ah, perdão, meninas, eu não tenho mais livros sobre o assunto...Será que vocês poderiam procurar outros individualmente?" todos, muito contrariados se ergueram dos inúmeros lugares e entraram nas seções, a fim de achar os volumes. Muito seguro de mim mesmo, aspirei a fragrância das gardênias que emanava dos vasos postos nas mesas, concluindo que se tratava do melhor aroma existente, sendo driblado somente pelo perfume dos cabelos de Remo e de sua colônia branda e almiscarada. Roubei um dos lugares mais próximos a ele, e sorri festivamente enquanto relia o exemplar com Remo.

Depois de muita leitura, certamente vã, Remo perguntara se alguém tinha dúvidas, com aquela postura pronta para acudir o precisado e sem convencimento algum. Perdi a conta de quantos dedos foram ao ar. Uma garota de rosto muito redondo e ousado abriu a boca ao mundo."Não entendi as datas e os dias da Revolta dos Gigantes na década de 20, na Ucrânia...Pode explicar, Remo?" Remo sorriu calmamente, iniciando com um doce 'Claro' que foi sobreposto por minha voz."2 de dezembro e 5 de janeiro, devido ao aniversário do líder. Satisfeita? Próximo, tempo é galeão." Ela me encarou desafiadoramente, e tive de me conter pra não explodir em risadas histéricas."Eu perguntei ao Remo. Eu tenho uma dúvida." Cruzei os braços no meio do peitoral, e vi que Remo acompanhava cada sílaba sem piscar, os lábios entreabertos em descrença. "Que já foi desfeita, não, docinho? Caso você, por alguma tragédia do destino, ainda não tenha entendido, aqui, página 251..." e atirei a apostila no meio da mesa, e, arrogantemente, aterrissei o dedo no parágrafo correspondente. Todos haviam prendido a respiração, assim que o rosto gorducho da menina se contraiu com fúria."O que foi agora, Black? Vem atrapalhar o nosso estudo, e ainda quer ser o intérprete do Remo..." O próprio ia interferir, inspirando para começar um daqueles discursos inflamados sobre a paz mundial, mas eu era rápido no gatilho, modéstia de lado."Talvez. Quem sabe. Algum problema? Eu não abro mão do cargo, se isso te incomoda tanto, a porta é a serventia da casa, o matadouro do chiqueiro, o ralo da pia, como preferir..." Assim que atravessou a porta, atirei um beijo estalado e propositadamente audacioso e cínico, soprando-o para nossa colega que se fora. Não sei se fui rude(eu presto?conte-me a verdade), mas em cerca de vinte minutos só restamos eu e Remo na biblioteca, mais jogando conversa imprópria sobre a vida fora e muito longe de estudar. Lílian falara que, se não conseguisse expulsar todos da biblioteca, romperia em lágrimas clamando o incêndio total do dormitório feminino e a perda de pertences. Mas não foi preciso, em matéria de hostilidade, eu me garanto no topo. Nesse tipo de momento eu sentia uma vontade irresistível de rodopiar com um pirulito na boca, até que a tonteira derrubasse minha confiança. Talvez Pontas esteja certo (amostra de que o mundo está para ser destruído), eu sou um apaixonado indiscreto e estúpido. Mas, decerto, tenho um gosto requintado para roupas.

"Ah, Aluado, eu queria te perguntar um negócio, não que eu me importe, ora bolas, mas como o mundo conspirou a favor da minha calamidade total hoje, eu..."

"timo momento para cair uma tempestade sob minha cabeça, já que foi exatamente isso que ocorreu. Que diabos havia acontecido com Eros, quando eu precisava da proteção dos deuses? Um vento gélido se misturou á aguaceira que caía como pedras, fazendo o uniforme se salpicar em poucos segundos. Até mesmo os galhos resistentes do Salgueiro pareceram imunes, pois muitos se moviam loucamente com a ventania e o frio glacial que parecia nos castigar sem razão. Tremendo e com os capuzes cobrindo o rosto, trilhamos para o castelo, tentando não desabar nos rios de lama e de água fria que faziam caminho."Jesus...Que diabos aconteceu com o tempo?! Meus lábios vão se grudar...!" berrei, o queixo se contraindo involuntariamente com o frio. Saltamos o Salão em velocidade impressionante, atropelando qualquer objeto sólido que se interferisse, eu, com um pensamento isolado na mente. Livrar-me do uniforme ensopado e mergulhar nas cobertas. Mas esse parecia um pensamento tão distante quanto a purificação do meu espírito deslavado, pois assim que pisamos no dormitório e atiramos as capas e camisas em direções insólitas, o frio que penetrava sorrateiramente até a alma parecia distante de ser substituído por algum tipo de ardor.

A única cama com um edredom unicamente felpudo, grosso, aveludado e protetor era a de Tiago, portanto, eis o nosso alvo. Voamos para baixo das cobertas, tremendo e eu esperava que meus lábios não estivessem mortalmente arroxeados como os de Remo, e meu nariz adquiriu uma temperatura antártica. Ajeitamo-nos na cama de forma que as cobertas nos agasalhassem na altura do pescoço, e mesmo assim, a sensação predominante era de solidificação iminente. Numa tentativa frenética e inesperada de me aquecer, passei os dois braços em torno de Remo, num aperto decidido, possessivo e obstinado, deixando para trás o fato de que estávamos seminus numa cama que não nos pertencia e vulneráveis a uma pneumonia avassaladora, ou uma hipotermia imediata. Deixei escapar um 'uuuhh' recatado, quando a perna de Aluado escorregou ternamente na minha, exibindo um toque afetuoso e incomparavelmente pueril e devastador, drogando-me maquinalmente (nada de orgasmos sucessivos nesse momento, Black, a vozinha da consciência advertiu) , mas, assim que o quadro que guardava o dormitório se abriu, trazendo consigo uma brisa provida de uma peculiaridade de me arrepiar por inteiro. Apertei Remo tão ardorosamente contra o peito, que, com um quê de felicidade, senti o calorzinho que emanava dele sendo roubado pelo meu corpo."Almofadinhas...Será que antes dos meus ossos se esmigalharem e se tornarem farinha, você podia me soltar um pouco..." Seus cabelos resvalaram na pele sensível do tórax, provocando cócegas, mas eu reprimi o riso."Nem por um decreto. Acabei de descobrir que a sua temperatura corporal é maior que a minha, e se você fosse um amigo generoso podia me ajudar a não morrer congelado, a começar por ficar calado e concentre-se em elevar a nossa temperatura." Expliquei, com vivacidade, e ele abafou uma risada, apertando-me a bochecha com furor."Sua ostra. Todo ser humano tem 36 graus de temperatura corpórea, nada a mais, nem a menos." Discursou, como se ainda estivéssemos na biblioteca, aprendendo, estreitei o enlace, para uma proximidade maior e mais íntima, fazendo meu coração rufar desordenado."Não no meu mundo. Mais uma prova de que você é anormal." Atirei, simplesmente, sendo presenteado com um olhar de legítima repulsão dele."Digo, anormalmente inteligente." E tinha coxas anormalmente desenvoltas e que roçavam anormalmente convenientemente bem nas minhas.

Tiago fez sua aparição meteórica, baixando os olhos sobre nós, em sua cama, desprovidos de roupas e distraídos com risadinhas demoníacas, e abriu a boca gigante, pronto para gritar os próprios pulmões para fora, já estendendo as mãos no ar de maneira maníaca, frenética e desvairada."Tiago, meu bom homem, prove que você é um amigo de fé e muito generoso, e traga duas jarras de chocolate quente e biscoitos frescos do forno, e salve a vida daqueles que te amam." Ordenei, refreando a histeria em que ele detonaria, pegando-o desprevenido com o pedido, ele pareceu tremendamente transtornado, e, excepcionalmente, obedeceu, murmurando algo como 'escravidão juvenil' e 'pecado medonho' num acesso de tosse simulada."Amém a isso, Sirius." Benzeu Remo, fazendo um sinal cristão muito dissimulado. Rapidamente, Tiago e Pedro apareceram, com duas canecas monstruosas de chocolate borbulhante e biscoitos fumarentos e, que, por certo, haviam deixado os fornos há pouco."Não vai se acostumando, Vossa Excelência..." resmungou Tiago, nos estendendo as xícaras, que automaticamente esquentaram nossos dedos. Remo fechou os lábios ressequidos e soprou o líquido pastoso e fervente, seu rosto lívido se tingindo de um mágico tom de vermelho-vivo com o primeiro gole. Acho que me distraí tanto com essa pequena demonstração de graciosidade, que, com o meu tremor, acabei despejando, tolamente, todo o conteúdo da minha caneca sob o edredom que nos cobria, emplastrando toda cama de marrom, e a fumaça se dispersando do local onde as pernas de Remo se estendiam. Tiago me estapeou no topo da cabeça ao ver o edredom lavado pela mãe se cobrir de doce.

"Ouch, merda, foi mal, Remo, eu juro que eu limpo...hm...assim que eu aprender como se faz isso." Me apressei em dizer, mas ele fez um sinal para que eu esperasse, e ronronou gostosamente, assim que o chocolate ia se secando de uma forma grudenta e muito chamativa para determinados insetos."Fica quieto, Almofadinhas...O chocolate está esquentando...Ah, ah...que quentinho..." e abriu um sorriso confortante e deliciado, que causou risadas em Tiago e Pedro, mas eu endureci com uma careta de dúvida profunda. Definitivamente a lavanderia da escola teria um trabalho extra de remoção de manchas desmedidas."Se você diz...Mas você vai ter de tomar um banho daqueles." Me referia ás pernas dele, que deveriam estar embebidas de chocolate, o que, não era um pensamento nada incômodo. Ele sustentou um olhar indescritivelmente zombeteiro, e afundou a mão na própria xícara, cuja qual ainda transbordava, cheia."Acho que não serei somente eu..." Tiago prendeu a respiração, alguma tempestade de risadas querendo transparecer por seu rosto. Remo mostrou a mão, empapada de chocolate até o pulso, um sorriso mais do que desconfiável demarcando suas feições. Tragicamente, escorregou a mão melada pelo meu rosto, deixando rastros de chocolate por todo o lado direito, e completando a obra-prima humanista com um pingo estúpido na extremidade do nariz."Agora, isso, foi sujeira..." matraqueei, vendo todos os outros se engasgarem nas gargalhadas, pois minha face devia estar compondo uma verdadeira besta desenfreada e apocalíptica, e, se a condição de minhas melenas não me iludia, eu era um protótipo de Medusa contemporânea."Seus amadores, aprendam com um profissional..." ralhou Tiago, esmagando nas mãos um punhado de biscoitos, que formaram uma espécie de formato em bola de golfe com várias lascas de chocolate proeminentes, dando início a uma memorável guerra de comida.

Conseqüentemente, tive de passar uma tremenda parte da noite submerso na banheira, pois algum desventurado perverso havia surgido com a brilhante idéia de me atirar farelos de biscoitos na parte detrás das cuecas, e, acredite-me, não era uma experiência noturna nada prazerosa ter crostas de cookies de sabores sortidos aderidos ao traseiro e não dispor de um escovão aceitável no momento.