Interlúdio
Hogsmead – 10/08/2003
Severus olhou em volta. Quando foi que ele concordara em chamar Mundungus Fletcher à sua casa? Era melhor conferir a prataria. Todos os professores de Hogwarts estavam ali. Sirius não tinha jeito. Pela quantidade de cabelos vermelhos, todos os Weasley também estavam ali. Os gêmeos tinham deixado as noivas soltas e estavam contando historias escandalosas para Arabela Figg, que ria deliciada dos absurdos que eles diziam. Minerva estava contando para Harry algumas das confusões em que Tonks, ou melhor, a Sra Charles Weasley, se metia na escola. Dumbledore conversava com Arthur enquanto a esposa vigiava a brincadeira de dois pirralhinhos ruivos. Hermione Granger, futura Weasley, conversava com a cunhada e aquela loirinha de olhos arregalados da Corvinal, Lovegood. Draco Malfoy e Rony Weasley conversando amigavelmente ainda era, na opinião de Snape, uma visão bizarra. Havia um pouco mais de quarenta pessoas espalhadas pelo jardim, e Severus sabia que não haviam chegado todos.
Ele observava o jardim de sua casa e admitia para si mesmo que, afinal de contas, era ótimo ter toda aquela gente ali. Sirius nunca ouvira isso de sua boca, mas já se habituara ao bando de amigos dele, só precisava tomar fôlego um pouco.
Dois braços o envolvendo por trás e um beijo no pescoço mostraram onde, afinal, Sirius estava.
-Pensando em quê, Severus?
-Em você, e no caos da existência. O que é mais ou menos a mesma coisa. – Snape se recostou no ombro de Sirius. – Onde diabos Remus e Jane se meteram?
-Eles já devem estar chegando. Está achando que tem pouca gente, Snape?
-Não vou discutir com você, Sirius. Mas da próxima vez me mostre a lista toda.
-Aí não tem graça. Como você vai dobrar a quantidade de comida e lugares de qualquer jeito, é bom guardar algumas surpresas.
-Vocês vão ficar namorando ou vão receber os amigos?
A voz alegre de Jane Lupin fez o casal se voltar para os recém-chegados.
Sirius abraçou o amigo enquanto Jane cochichava algo no ouvido de Severus.
-Remus, bem-vindo. – Severus apertou a mão do outro bruxo. - Se perderam no caminho?
Remus e Jane moravam na outra ponta do povoado, e não gastariam mais de 15 minutos a pé até a casa de Sirius e Severus.
-Minha bela amada conhece todas as formas de me atrasar, Severus. Já me conformei.
Jane fez uma caretinha para Remus e foi, sorridente, cumprimentar o resto dos convidados.
Jane era estilista de moda infantil, uma trouxa típica e feliz com o mundo, quando fora envolvida numa guerra de bruxos e em um mundo totalmente estranho para ela. Ela e Snape se deram muito bem desde o início, para surpresa geral. O que uma trouxa que desenha coloridas roupas para crianças tinha em comum com um bruxo que parecia achar que a única cor de digna de ser usada era o negro absoluto, ninguém conseguia imaginar.
Severus conversou com Remus e Sirius por algum tempo e, vendo os insistentes sinais de Jane, foi ver o que ela queria.
-Eu tenho uma coisa maravilhosa para lhe contar Severus. Remus disse que vai dizer para Sirius depois do almoço, mas eu não me seguro. Estou grávida!
Do outro lado do jardim, Remus viu a esposa se atirar no pescoço de Severus, que parecia estar cumprimentando-a por algo. Meio rindo, chamou Sirius de lado.
-Almofadinhas, meu amigo, o que você acha de ganhar mais um afilhado?
-Remus, isso é fantástico. É claro que acho ótimo ter mais um afilhado. Eu sei o tanto que você e Jane querem um filho – e olhando para o namorado ainda conversando com uma empolgadíssima Jane –quer dizer que eu vou ser o padrinho?
-São gêmeos, Sirius. Não vai conseguir implicar com Severus. Ele vai ser padrinho do outro.
Londres – 13/12/1997
A guerra piorara. Remus fora ferido seriamente. Socorrido a tempo, estava descansando na mansão dos Black. Essa era a única razão para Sirius estar ali. Ele viera imediatamente, e agora se transformara no enfermeiro de Remus.
A preocupação com o amigo se somava à irritação de estar novamente na casa. Portanto, não foi um Sirius de bom humor que abriu a porta naquela manhã. Mas, ao dar de cara com Severus, algo pareceu encaixar dentro dele. Já estava bem mais calmo quando convidou o mestre de poções para entrar.
-Vim trazer as poções que o curandeiro recomendou para Lupin. – O coração de Snape estava acelerado, principalmente porque percebera que Black havia desfeito a cara fechada quando o vira, mas o rosto era a habitual máscara de frieza. – Ele precisa tomar uma agora antes do almoço, mas eu preciso antes lavar o frasco para tirar a crosta protetora.
-Tem um lavabo ali. Remus está na sala de visitas, você sabe onde é. Vou avisar a ele que você chegou.
Sirius viu Severus se dirigir para o lavabo e ficou ali parado com os punhos fechados com força. Tivera de usar todo seu autocontrole para não afastar uma mecha do cabelo de Snape que teimava em cair no rosto. Tinha sido sempre assim nos últimos meses. Desde de que haviam ceado juntos na caverna, em junho, Severus e Sirius acabaram se envolvendo em uma série de missões conjuntas. Sirius sentia a atração pelo outro bruxo aumentar. Eles passaram a se conhecer melhor, conquistando o respeito um do outro. Era uma trégua, que muitas vezes parecia próxima de uma explosão. E isso perturbava Sirius mais do que podia suportar.
-Remus, eu preciso de um amor. Homem ou mulher, não importa. Eu só não posso ficar sozinho mais, ou vou fazer uma bobagem das grossas.
Lupin ergueu a cabeça do livro que estava lendo e encarou Black. Ele conhecia os rompantes do amigo.
-Você não espera que eu resolva seu problema, não é mesmo?
Sirius ignorou o comentário:
-Doze anos em Azkaban, dois me escondendo por aí, um ano enfiado nessa casa e agora mais um ano sozinho na floresta. Eu preciso de um amante.
-Tem alguém em mente?
-Esquece, Remus. Estou delirando. É claro que não tenho ninguém em mente. – Sirius respirou fundo, com medo de que Snape entrasse na sala. - Tem visita para você. Snape veio trazer suas poções.
-Ora essa. Ele se deu ao trabalho de vir pessoalmente. Estou impressionado. Ah... Sirius, o que a chegada de Snape tem a ver com essa súbita carência emocional?
Sirius ainda não tinha conseguido articular uma palavra sequer quando Severus entrou na sala. Enquanto Snape explicava o uso das poções para Lupin, Sirius tomou uma generosa dose de conhaque, e só assim voltou a respirar. "Eu já fiz a besteira que eu tanto temia!" Era só o que ele conseguia pensar. "De todas as pessoas no mundo....".
Remus tomou a poção e estava convidando Severus para almoçar com eles quando Molly Weasley entrou na sala, fazendo flutuar uma bandeja com uma enorme quantidade de sanduíches, seguida de uma mulher loira, com suaves olhos verdes, que carregava duas jarras de suco de abóbora.
-Severus, essa é Jane Parker. Ela é nossa hospede por algum tempo. Jane, esse é o professor Severus Snape, ele veio me trazer umas poções de cura.
A desconhecida cumprimentou Snape e olhou para Remus com um ar interrogativo.
-Sim, Jane. Severus também é bruxo, e está do nosso lado.
-Desculpe-me, professor Snape, mas isso tudo é meio estranho para mim. De qualquer forma, é um prazer conhecê-lo.
Jane estendeu a mão para Severus com um sorriso tímido. Por um segundo, Sirius prendeu o fôlego. Sabia que, pelo menos na infância e adolescência, Severus tinha alimentado um grande preconceito contra trouxas. Snape, no entanto parecia muito interessado na suave Jane.
Ele já ouvira falar na trouxa que ajudara Remus a salvar um grupo de crianças trouxas de serem sequestradas por Voldemort pouco depois que as aulas haviam começado. Sabia que ela estava vivendo na casa dos Black e que, ao contrário do que seria de se esperar, não tivera sua memória apagada.
-O prazer é meu, senhorita. Espero que a situação toda não seja muito assustadora para a senhorita.
-Todos têm se esforçado para que não seja. – O sorriso dela foi dirigido a Severus, mas os olhos passearam pela figura de Remus.
-Com exceção, é claro, da minha simpática progenitora. – Sirius rosnou, de cara fechada. – Snape, você por acaso não conhece uma boa poção removedora de tinta?
Snape detectou uma nota de ciúmes na voz de Black. "Parece que Sirius não gosta do obvio interesse da Senhorita Parker por Lupin."
-Ignore-o, professor Snape. – Sugeriu Molly. – É obvio que ele não está falando sério. Jane tem juízo suficiente para não dar confiança para o quadro da Sra Black. Venha almoçar, e hoje, professor, eu não aceito desculpas.
Severus aceitou o convite enquanto observava o rosto de Sirius. Com certeza ele falava sério. Se alguém lhe entregasse um removedor de tinta eficaz, Severus tinha certeza de que Sirius usaria no quadro.
Sirius, por seu turno, tentava manter a expressão mais neutra que conseguia. "Severus não ri para ninguém, e agora fica todo cheio de dedos com a Jane."
Depois do almoço, Remus tinha que descansar. Enquanto Sirius o ajudava a se acomodar, Molly saiu para fazer compras de Natal, e Jane e Severus ficaram conversando.
Sirius voltava para sala quando ouviu a risada de Jane:
-Severus, isso é muito engraçado.
Sirius entrou na sala de cara fechada, se sentou em um canto lendo e se sentindo excluído e enciumado. Snape, que nunca se demorava em Londres, nesse dia parecia não ter pressa nenhuma. Segundo explicou a Jane, era sábado, e ele estava de folga.
-De folga e fascinado por Jane – resmungou Sirius baixinho, antes de se dirigir a uma janela e ficar observando a rua coberta de neve pelo vidro sujo. Quantas vezes na sua adolescência não ficara parado ali, desejando ser realmente irmão de James e poder ir embora de vez?
-Sirius, como você conseguiu? – A voz admirada de Jane o trouxe de volta ao presente.
Ele se deparou com a expressão preocupada de Snape, preocupação que sumiu do rosto dele rapidamente para ser substituída pela frieza habitual, e com o ar surpreso de Jane.
-Consegui o quê, Jane? – Mesmo irritado Sirius não conseguia ser rude com ela. Jane parecia ter o dom de amansar as feras.
-Sobreviver na floresta, em uma caverna, durante o inverno passado, e de novo esse ano. Severus estava me contando sobre o trabalho de vocês.
-Eu sou um cachorro, Jane, tenho o pêlo grosso. – Vendo o ar confuso dela, Sirius veio se sentar próximo aos dois e esclareceu. – Posso assumir a forma de um cachorro; assim eu sentia menos frio e, de qualquer forma, eu tinha cobertores e outras mordomias. Não foi tão difícil assim.
-Então você é como Remus. Você se transforma em um cão, e ele em um lobo.
-Não, Jane. É diferente. Eu escolhi me transformar em um cão, e me transformo em um, ou volto ao meu normal quando eu quiser. Apesar de algumas modificações emocionais e intelectuais, ainda mantenho consciência de mim mesmo. Os lobisomens não têm escolha, e se Remus não tomar a poção que Severus prepara, ele fica perigoso.
-Eu sei. Ele já me explicou sobre isso. – Jane parecia distante por um momento – Remus sofre muito durante a transformação?
-Sim. É muito doloroso.
-Isso não perturba você, Jane? A maioria do nosso povo tem horror de lobisomens, mesmo fora da lua cheia - acrescentou Severus, diante do olhar surpreso de Jane.
-Não. Isso não me perturba. Eu não ficaria frente a frente com Remus se ele não tomasse a poção. Mas, fora isso, eu o considero uma pessoa maravilhosa. Isso perturba você, Severus?
-Houve um tempo que sim. Mas hoje não me incomoda em nada.
Ao ouvir aquilo, Sirius abriu um largo sorriso para Severus. Era a primeira vez que sorria assim para Snape. O coração do mestre de poções acelerou de tal forma que ele podia jurar que Sirius ouviria.
-E você, Sirius? - perguntou Jane. – Transformar-se em cão dói?
A risada de Sirius virou um latido alegre. ao mesmo tempo que uma Jane surpresa via um enorme cão negro apoiar a cabeça no colo dela enquanto abanava a cauda.
-Céus, Sirius. – O susto inicial virou diversão, e Jane coçou a orelha do cão. – Você é um maluco adorável.
Sirius, de ótimo humor, resolveu se exibir um pouco e começou a se comportar realmente como um cachorro, correndo em volta da poltrona de Jane e latindo alegremente. Quando começou a correr atrás da própria cauda, Jane se preocupou.
-Severus, ele está bem?
Snape tentava conter a risada pelas maluquices de Sirus; o enorme sorriso que recebera fizera maravilhas pelo humor dele.
-Não se preocupe, Jane. Ele está só se exibindo. Sossegue, Sirius, você está deixando Jane preocupada.
O susto de ser chamado pela primeira vez por seu nome de batismo por Snape fez Black derrapar durante a correria e voltar à forma humana sentado aos pés de Severus.
-Desculpe-me, Jane. Eu me empolguei. – Sirius aceitou a ajuda de Snape para se erguer, disfarçando o embaraço. – Como pode ver, não dói, e é até bem divertido.
Nesse momento, Molly e Remus entraram na sala, ela trazendo o chá e ele parecendo bem melhor do que mais cedo.
-Sirius, que confusão você estava arrumando aqui? Parece maluco.
-Mas Molly, nós estávamos dando aula de animagia para Jane. Snape explicava a teoria, e eu dava um brilhante exemplo prático.
-Sei. Com certeza um exemplo prático de como é um animago com problemas mentais.
Foi no clima de bom humor que eles tomaram chá, e Snape, a contragosto, se preparou para voltar para Hogwarts.
-Você vem para o Natal, Severus? – Jane parecia feliz com a presença do professor de poções. – Sirius me disse que virá muita gente. Seria ótimo ter você aqui.
-Lamento, Jane. Mesmo no Natal, eu tenho minhas obrigações na escola. – Severus se sentia embaraçado. Nunca lhe ocorrera passar o Natal na casa de Sirius.
-Por Merlin, professor Snape. Esse ano não ficará nenhum aluno para passar o Natal em Hogwarts. Foi o próprio Dumbledore que me falou. – Molly adotou a idéia de Jane. – Os meus meninos, mais Harry, Hermione e Draco, virão. O próprio Dumbledore virá. Não aceito nenhuma desculpa. O senhor vem também.
-Severus, Molly e Jane são as verdadeiras donas desse lugar. É sempre bom obedecer a elas. – Remus resolveu apoiar o convite. – Venha. Com certeza é melhor que passar o Natal com os fantasmas de Hogwarts.
Sirius permanecia em silencio. Surpreso demais para falar algo coerente.
-Veremos. – Severus se encaminhou à porta. Ele queria saber o que Sirius, entre todas as pessoas, pensava daquele convite.
Ao som dos berros do retrato da Sra Black, Sirius o acompanhou até a porta. Antes de fechá-la, reencontrou sua voz:
-Severus. – O professor de poções olhou para ele. – Venha mesmo.
E, meio embaraçado, Sirius acrescentou depressa:
– Se quiser, é claro.
Snape se despediu com um aceno seco de cabeça. Mas, no fundo da alma, sabia que viria para o Natal.
Hogsmead – 10/08/2003
Severus olhou em volta. Quando foi que ele concordara em chamar Mundungus Fletcher à sua casa? Era melhor conferir a prataria. Todos os professores de Hogwarts estavam ali. Sirius não tinha jeito. Pela quantidade de cabelos vermelhos, todos os Weasley também estavam ali. Os gêmeos tinham deixado as noivas soltas e estavam contando historias escandalosas para Arabela Figg, que ria deliciada dos absurdos que eles diziam. Minerva estava contando para Harry algumas das confusões em que Tonks, ou melhor, a Sra Charles Weasley, se metia na escola. Dumbledore conversava com Arthur enquanto a esposa vigiava a brincadeira de dois pirralhinhos ruivos. Hermione Granger, futura Weasley, conversava com a cunhada e aquela loirinha de olhos arregalados da Corvinal, Lovegood. Draco Malfoy e Rony Weasley conversando amigavelmente ainda era, na opinião de Snape, uma visão bizarra. Havia um pouco mais de quarenta pessoas espalhadas pelo jardim, e Severus sabia que não haviam chegado todos.
Ele observava o jardim de sua casa e admitia para si mesmo que, afinal de contas, era ótimo ter toda aquela gente ali. Sirius nunca ouvira isso de sua boca, mas já se habituara ao bando de amigos dele, só precisava tomar fôlego um pouco.
Dois braços o envolvendo por trás e um beijo no pescoço mostraram onde, afinal, Sirius estava.
-Pensando em quê, Severus?
-Em você, e no caos da existência. O que é mais ou menos a mesma coisa. – Snape se recostou no ombro de Sirius. – Onde diabos Remus e Jane se meteram?
-Eles já devem estar chegando. Está achando que tem pouca gente, Snape?
-Não vou discutir com você, Sirius. Mas da próxima vez me mostre a lista toda.
-Aí não tem graça. Como você vai dobrar a quantidade de comida e lugares de qualquer jeito, é bom guardar algumas surpresas.
-Vocês vão ficar namorando ou vão receber os amigos?
A voz alegre de Jane Lupin fez o casal se voltar para os recém-chegados.
Sirius abraçou o amigo enquanto Jane cochichava algo no ouvido de Severus.
-Remus, bem-vindo. – Severus apertou a mão do outro bruxo. - Se perderam no caminho?
Remus e Jane moravam na outra ponta do povoado, e não gastariam mais de 15 minutos a pé até a casa de Sirius e Severus.
-Minha bela amada conhece todas as formas de me atrasar, Severus. Já me conformei.
Jane fez uma caretinha para Remus e foi, sorridente, cumprimentar o resto dos convidados.
Jane era estilista de moda infantil, uma trouxa típica e feliz com o mundo, quando fora envolvida numa guerra de bruxos e em um mundo totalmente estranho para ela. Ela e Snape se deram muito bem desde o início, para surpresa geral. O que uma trouxa que desenha coloridas roupas para crianças tinha em comum com um bruxo que parecia achar que a única cor de digna de ser usada era o negro absoluto, ninguém conseguia imaginar.
Severus conversou com Remus e Sirius por algum tempo e, vendo os insistentes sinais de Jane, foi ver o que ela queria.
-Eu tenho uma coisa maravilhosa para lhe contar Severus. Remus disse que vai dizer para Sirius depois do almoço, mas eu não me seguro. Estou grávida!
Do outro lado do jardim, Remus viu a esposa se atirar no pescoço de Severus, que parecia estar cumprimentando-a por algo. Meio rindo, chamou Sirius de lado.
-Almofadinhas, meu amigo, o que você acha de ganhar mais um afilhado?
-Remus, isso é fantástico. É claro que acho ótimo ter mais um afilhado. Eu sei o tanto que você e Jane querem um filho – e olhando para o namorado ainda conversando com uma empolgadíssima Jane –quer dizer que eu vou ser o padrinho?
-São gêmeos, Sirius. Não vai conseguir implicar com Severus. Ele vai ser padrinho do outro.
Londres – 13/12/1997
A guerra piorara. Remus fora ferido seriamente. Socorrido a tempo, estava descansando na mansão dos Black. Essa era a única razão para Sirius estar ali. Ele viera imediatamente, e agora se transformara no enfermeiro de Remus.
A preocupação com o amigo se somava à irritação de estar novamente na casa. Portanto, não foi um Sirius de bom humor que abriu a porta naquela manhã. Mas, ao dar de cara com Severus, algo pareceu encaixar dentro dele. Já estava bem mais calmo quando convidou o mestre de poções para entrar.
-Vim trazer as poções que o curandeiro recomendou para Lupin. – O coração de Snape estava acelerado, principalmente porque percebera que Black havia desfeito a cara fechada quando o vira, mas o rosto era a habitual máscara de frieza. – Ele precisa tomar uma agora antes do almoço, mas eu preciso antes lavar o frasco para tirar a crosta protetora.
-Tem um lavabo ali. Remus está na sala de visitas, você sabe onde é. Vou avisar a ele que você chegou.
Sirius viu Severus se dirigir para o lavabo e ficou ali parado com os punhos fechados com força. Tivera de usar todo seu autocontrole para não afastar uma mecha do cabelo de Snape que teimava em cair no rosto. Tinha sido sempre assim nos últimos meses. Desde de que haviam ceado juntos na caverna, em junho, Severus e Sirius acabaram se envolvendo em uma série de missões conjuntas. Sirius sentia a atração pelo outro bruxo aumentar. Eles passaram a se conhecer melhor, conquistando o respeito um do outro. Era uma trégua, que muitas vezes parecia próxima de uma explosão. E isso perturbava Sirius mais do que podia suportar.
-Remus, eu preciso de um amor. Homem ou mulher, não importa. Eu só não posso ficar sozinho mais, ou vou fazer uma bobagem das grossas.
Lupin ergueu a cabeça do livro que estava lendo e encarou Black. Ele conhecia os rompantes do amigo.
-Você não espera que eu resolva seu problema, não é mesmo?
Sirius ignorou o comentário:
-Doze anos em Azkaban, dois me escondendo por aí, um ano enfiado nessa casa e agora mais um ano sozinho na floresta. Eu preciso de um amante.
-Tem alguém em mente?
-Esquece, Remus. Estou delirando. É claro que não tenho ninguém em mente. – Sirius respirou fundo, com medo de que Snape entrasse na sala. - Tem visita para você. Snape veio trazer suas poções.
-Ora essa. Ele se deu ao trabalho de vir pessoalmente. Estou impressionado. Ah... Sirius, o que a chegada de Snape tem a ver com essa súbita carência emocional?
Sirius ainda não tinha conseguido articular uma palavra sequer quando Severus entrou na sala. Enquanto Snape explicava o uso das poções para Lupin, Sirius tomou uma generosa dose de conhaque, e só assim voltou a respirar. "Eu já fiz a besteira que eu tanto temia!" Era só o que ele conseguia pensar. "De todas as pessoas no mundo....".
Remus tomou a poção e estava convidando Severus para almoçar com eles quando Molly Weasley entrou na sala, fazendo flutuar uma bandeja com uma enorme quantidade de sanduíches, seguida de uma mulher loira, com suaves olhos verdes, que carregava duas jarras de suco de abóbora.
-Severus, essa é Jane Parker. Ela é nossa hospede por algum tempo. Jane, esse é o professor Severus Snape, ele veio me trazer umas poções de cura.
A desconhecida cumprimentou Snape e olhou para Remus com um ar interrogativo.
-Sim, Jane. Severus também é bruxo, e está do nosso lado.
-Desculpe-me, professor Snape, mas isso tudo é meio estranho para mim. De qualquer forma, é um prazer conhecê-lo.
Jane estendeu a mão para Severus com um sorriso tímido. Por um segundo, Sirius prendeu o fôlego. Sabia que, pelo menos na infância e adolescência, Severus tinha alimentado um grande preconceito contra trouxas. Snape, no entanto parecia muito interessado na suave Jane.
Ele já ouvira falar na trouxa que ajudara Remus a salvar um grupo de crianças trouxas de serem sequestradas por Voldemort pouco depois que as aulas haviam começado. Sabia que ela estava vivendo na casa dos Black e que, ao contrário do que seria de se esperar, não tivera sua memória apagada.
-O prazer é meu, senhorita. Espero que a situação toda não seja muito assustadora para a senhorita.
-Todos têm se esforçado para que não seja. – O sorriso dela foi dirigido a Severus, mas os olhos passearam pela figura de Remus.
-Com exceção, é claro, da minha simpática progenitora. – Sirius rosnou, de cara fechada. – Snape, você por acaso não conhece uma boa poção removedora de tinta?
Snape detectou uma nota de ciúmes na voz de Black. "Parece que Sirius não gosta do obvio interesse da Senhorita Parker por Lupin."
-Ignore-o, professor Snape. – Sugeriu Molly. – É obvio que ele não está falando sério. Jane tem juízo suficiente para não dar confiança para o quadro da Sra Black. Venha almoçar, e hoje, professor, eu não aceito desculpas.
Severus aceitou o convite enquanto observava o rosto de Sirius. Com certeza ele falava sério. Se alguém lhe entregasse um removedor de tinta eficaz, Severus tinha certeza de que Sirius usaria no quadro.
Sirius, por seu turno, tentava manter a expressão mais neutra que conseguia. "Severus não ri para ninguém, e agora fica todo cheio de dedos com a Jane."
Depois do almoço, Remus tinha que descansar. Enquanto Sirius o ajudava a se acomodar, Molly saiu para fazer compras de Natal, e Jane e Severus ficaram conversando.
Sirius voltava para sala quando ouviu a risada de Jane:
-Severus, isso é muito engraçado.
Sirius entrou na sala de cara fechada, se sentou em um canto lendo e se sentindo excluído e enciumado. Snape, que nunca se demorava em Londres, nesse dia parecia não ter pressa nenhuma. Segundo explicou a Jane, era sábado, e ele estava de folga.
-De folga e fascinado por Jane – resmungou Sirius baixinho, antes de se dirigir a uma janela e ficar observando a rua coberta de neve pelo vidro sujo. Quantas vezes na sua adolescência não ficara parado ali, desejando ser realmente irmão de James e poder ir embora de vez?
-Sirius, como você conseguiu? – A voz admirada de Jane o trouxe de volta ao presente.
Ele se deparou com a expressão preocupada de Snape, preocupação que sumiu do rosto dele rapidamente para ser substituída pela frieza habitual, e com o ar surpreso de Jane.
-Consegui o quê, Jane? – Mesmo irritado Sirius não conseguia ser rude com ela. Jane parecia ter o dom de amansar as feras.
-Sobreviver na floresta, em uma caverna, durante o inverno passado, e de novo esse ano. Severus estava me contando sobre o trabalho de vocês.
-Eu sou um cachorro, Jane, tenho o pêlo grosso. – Vendo o ar confuso dela, Sirius veio se sentar próximo aos dois e esclareceu. – Posso assumir a forma de um cachorro; assim eu sentia menos frio e, de qualquer forma, eu tinha cobertores e outras mordomias. Não foi tão difícil assim.
-Então você é como Remus. Você se transforma em um cão, e ele em um lobo.
-Não, Jane. É diferente. Eu escolhi me transformar em um cão, e me transformo em um, ou volto ao meu normal quando eu quiser. Apesar de algumas modificações emocionais e intelectuais, ainda mantenho consciência de mim mesmo. Os lobisomens não têm escolha, e se Remus não tomar a poção que Severus prepara, ele fica perigoso.
-Eu sei. Ele já me explicou sobre isso. – Jane parecia distante por um momento – Remus sofre muito durante a transformação?
-Sim. É muito doloroso.
-Isso não perturba você, Jane? A maioria do nosso povo tem horror de lobisomens, mesmo fora da lua cheia - acrescentou Severus, diante do olhar surpreso de Jane.
-Não. Isso não me perturba. Eu não ficaria frente a frente com Remus se ele não tomasse a poção. Mas, fora isso, eu o considero uma pessoa maravilhosa. Isso perturba você, Severus?
-Houve um tempo que sim. Mas hoje não me incomoda em nada.
Ao ouvir aquilo, Sirius abriu um largo sorriso para Severus. Era a primeira vez que sorria assim para Snape. O coração do mestre de poções acelerou de tal forma que ele podia jurar que Sirius ouviria.
-E você, Sirius? - perguntou Jane. – Transformar-se em cão dói?
A risada de Sirius virou um latido alegre. ao mesmo tempo que uma Jane surpresa via um enorme cão negro apoiar a cabeça no colo dela enquanto abanava a cauda.
-Céus, Sirius. – O susto inicial virou diversão, e Jane coçou a orelha do cão. – Você é um maluco adorável.
Sirius, de ótimo humor, resolveu se exibir um pouco e começou a se comportar realmente como um cachorro, correndo em volta da poltrona de Jane e latindo alegremente. Quando começou a correr atrás da própria cauda, Jane se preocupou.
-Severus, ele está bem?
Snape tentava conter a risada pelas maluquices de Sirus; o enorme sorriso que recebera fizera maravilhas pelo humor dele.
-Não se preocupe, Jane. Ele está só se exibindo. Sossegue, Sirius, você está deixando Jane preocupada.
O susto de ser chamado pela primeira vez por seu nome de batismo por Snape fez Black derrapar durante a correria e voltar à forma humana sentado aos pés de Severus.
-Desculpe-me, Jane. Eu me empolguei. – Sirius aceitou a ajuda de Snape para se erguer, disfarçando o embaraço. – Como pode ver, não dói, e é até bem divertido.
Nesse momento, Molly e Remus entraram na sala, ela trazendo o chá e ele parecendo bem melhor do que mais cedo.
-Sirius, que confusão você estava arrumando aqui? Parece maluco.
-Mas Molly, nós estávamos dando aula de animagia para Jane. Snape explicava a teoria, e eu dava um brilhante exemplo prático.
-Sei. Com certeza um exemplo prático de como é um animago com problemas mentais.
Foi no clima de bom humor que eles tomaram chá, e Snape, a contragosto, se preparou para voltar para Hogwarts.
-Você vem para o Natal, Severus? – Jane parecia feliz com a presença do professor de poções. – Sirius me disse que virá muita gente. Seria ótimo ter você aqui.
-Lamento, Jane. Mesmo no Natal, eu tenho minhas obrigações na escola. – Severus se sentia embaraçado. Nunca lhe ocorrera passar o Natal na casa de Sirius.
-Por Merlin, professor Snape. Esse ano não ficará nenhum aluno para passar o Natal em Hogwarts. Foi o próprio Dumbledore que me falou. – Molly adotou a idéia de Jane. – Os meus meninos, mais Harry, Hermione e Draco, virão. O próprio Dumbledore virá. Não aceito nenhuma desculpa. O senhor vem também.
-Severus, Molly e Jane são as verdadeiras donas desse lugar. É sempre bom obedecer a elas. – Remus resolveu apoiar o convite. – Venha. Com certeza é melhor que passar o Natal com os fantasmas de Hogwarts.
Sirius permanecia em silencio. Surpreso demais para falar algo coerente.
-Veremos. – Severus se encaminhou à porta. Ele queria saber o que Sirius, entre todas as pessoas, pensava daquele convite.
Ao som dos berros do retrato da Sra Black, Sirius o acompanhou até a porta. Antes de fechá-la, reencontrou sua voz:
-Severus. – O professor de poções olhou para ele. – Venha mesmo.
E, meio embaraçado, Sirius acrescentou depressa:
– Se quiser, é claro.
Snape se despediu com um aceno seco de cabeça. Mas, no fundo da alma, sabia que viria para o Natal.
