Feliz Natal

Hogsmead – 10/08/2003

Já era quase hora do chá quando o último convidado se retirou. Enquanto os elfos punham ordem na casa, Severus se esticou na cama.

-Cansado, Severus?

-Um pouco. – O ar manhoso que ele fazia provocou um sorriso em Sirius, que se deitou ao lado dele.

-Foi uma festa ótima. Você se divertiu?

Severus preferiu responder só com um beijo. Sirius sabia que ele tinha gostado, mas não precisava admitir isso.

-Escolha outra veste social, Sirius Depois que escurecer nós vamos sair.

-Sair? Não me lembro de nenhum compromisso.

-Você vai ser levado para jantar fora, Black. – Severus simulava uma impaciência que não estava sentindo diante da expressão intrigada do amante.

-Pretende me sequestrar, Snape? – Sirius murmurou com os lábios colados ao ouvido de Severus.

-Não. Ninguém pagaria o resgate. De qualquer forma, por que eu sequestraria o que já é meu? – Snape traçava o contorno do rosto de Sirius com os dedos.

-Possessivo.

-Você gosta.

Ao ver Severus tentar se ajeitar na cama, Sirius tocou o ombro dele e reconheceu a rigidez provocada pela tensão que sempre atacava o amante quando tinha que ir a uma festa.

-Quer uma massagem?

-Quero. – Os tons inacreditavelmente baixos e roucos que a voz de Severus podia assumir provocam arrepios em Sirius.

Sirius desabotoou as vestes de Severus, que as retirou lentamente e deitou de bruços, se espreguiçando e se esticando todo. Havia algo felino e escandalosamente sensual na personalidade de Snape que só se manifestava entre quatro paredes.

-Se algum dia você fizer isso em público eu não respondo por mim. – Sirius deu um beijo no pescoço do namorado ao afastar a longa cabeleira negra, muito mais bem cuidada agora. – Vou cuidar de você.

-Estou em suas mãos, Sirius. – Severus relaxou e se entregou à massagem do amante.

Sirius passou óleo por suas costas e, sentando sobre seu quadril, começou a massagem. Suas mãos eram fortes e firmes, e ele adorava tocar Severus assim. Começou na base da coluna e foi subindo; a forma como Sirius friccionava as costas de Severus transformava a massagem em algo relaxante e erótico ao mesmo tempo. Antes mesmo de atingir o pescoço, Severus já estava mais interessado em fazer amor com ele do que em descansar. Mas não havia pressa. Sirius massageou os ombros, braços e desceu para as pernas e pés de Snape. Severus virou o corpo e encarou Sirius, que já havia tirado as próprias vestes. O olhar predador com que o animago fitava o amante fazia fogo e gelo correrem juntos nas veias de Severus.

-Vem cá, Sirius.

-Você disse que nós íamos sair hoje à noite – Sirius provocava.

-Tem tempo. Vem cá que eu quero te mostrar uma coisa. – O sorriso de Severus era um convite erótico.

Com uma risada rouca, Sirius se deitou por cima de Severus e, um segundo antes de se apossar dos lábios dele, pediu num sussurro safado:

-Mostra.

Londres – 25/12/1997

A campainha da porta despertou a fúria da Sra Black mais uma vez. O entra-e- sai de membros da Ordem da Fênix que tinham vindo passar o Natal na mansão havia feito o quadro gritar o dia todo. Sirius, tenso porque Severus dissera que viria, estava com uma dor de cabeça terrível.

Dessa vez era Snape na porta, trazendo uma enorme cesta em uma das mãos.

-Entre, Snape. Eu vou dar um jeito na louca.

-Espere, Black. – Enquanto detinha Sirius, que já abrira as cortinas, Severus pousou a cesta no chão e, sacando a varinha, fez sinal para Molly e Remus pararem também.

-Pictures Extuporatuns.

O feitiço fez o quadro ficar imóvel e silencioso. Silêncio que se estendeu por todos que estavam no saguão de entrada.

-Encontrei esse feitiço por acaso. Dura de três a quatro dias. – Snape olhava para Sirius, que estava mudo olhando para o retrato.

"Grande Merlin! Só espero que ele não tenha se aborrecido."

Mas a risada de Sirius dissipou a preocupação do mestre de poções.

-Fantástico. Absolutamente perfeito. Acredite, Snape, esse foi um ótimo presente de Natal para todos nós. – Sirius segurou o ombro de Severus – Muito obrigado. Em nome de todos os que tinham que aturar isso.

-Não por isso, Black.

A expressão contida de Severus encobria a alegria e o calor que se espalhava em sua alma. Sirius retirara a mão de seu ombro, mas ele ainda a sentia lá. Ainda sentia o calor da voz dele, e o sorriso de garoto que fez algo censurável ainda o acompanhava quando entregou a cesta com garrafas de vinho, uma safra rara, para Molly.

-Para o almoço, sra Weasley.

A cozinha da mansão fora magicamente ampliada para caberem todos ao mesmo tempo. De alguma forma, Severus acabara sentado de frente para Jane e ao lado de Sirius, que estava em frente a Remus. O melhor espião da ordem não levou mais de dois minutos para perceber que algo acontecera entre Lupin e Jane. Sempre que olhava para Remus, esse estava olhando para Jane, e essa parecia não ver mais nada. Em algum momento do almoço, os olhos de Severus e Sirius se cruzaram; os dois tinham estado observando a centésima vez que Remus e Jane se entreolhavam com ar enlevado. O ar de divertida aprovação nos olhos de Sirius surpreendeu Severus. Algo dessa surpresa deve ter transparecido no olhar dele, porque Sirius falou de forma que Remus não ouvisse:

-Feitos um para o outro, não?

-Parece que sim. Você aprova?

-Claro. E porque não?

Severus hesitou um pouco, mas decidiu dar uma resposta honesta:

-Sempre achei que você e Lupin...

-Eu e Remus?! – Sirius se divertiu com a idéia. – Não, nunca mesmo. Não que eu não perceba que ele é atraente, mas seria estranho. Muito estranho.

-Era só uma impressão minha, então. – Severus mostrava uma expressão neutra, mas uma espécie de embriaguez de felicidade parecia tomar conta dele.

-Sei.... E você?

-Se eu tenho algo contra Lupin e Jane? Obviamente que não! E porque eu teria?

-Acho ótimo que não tenha nada contra. Mas não foi isso que eu perguntei.

-O que foi, então?

-Eu nunca tive nada com Remus. E você? Tem algo com alguém?

-Não, eu não... – Surpreso Severus não sabia o que pensar da pergunta nada inocente de Sirius. – Que pergunta!

Sirius se limitou a sorrir. Eles continuaram a conversar baixo, sem perceber que Draco cutucara Harry e fizera sinal para que ele olhasse discretamente para os dois. Remus e Dumbledore também perceberam o inusitado da cena: Sirius Black e Severus Snape sentados lado a lado de cochichos.

Quando saíram da mesa, após um almoço divertido e farto, os mais novos se refugiaram no andar superior e os mais velhos se dirigiram à sala de visitas. Enquanto todos se sentavam e falavam sobre generalidades, Severus reparou que Sirius se afastava até uma janela e encostava a testa nela. Quando o animago levou a mão à fronte e a pressionou, gesto que fizera diversas vezes durante o almoço, Snape resolveu se aproximar.

-Dor de cabeça, Black?

-Sim. É essa casa, e aquele quadro gritando. Bom, pelo menos dele eu estou livre.

-Eu tenho uma poção para essa dor de cabeça, mas faria você ficar lento e com sono, não é uma boa escolha. – Severus hesitou mais alguns instantes, e resolveu se arriscar. – Vamos até a cozinha. Eu dou um jeito nisso.

A cozinha estava vazia, já devidamente limpa pelos elfos que McGonagall trouxera de Hogwarts. Snape diminuiu a iluminação ao mínimo, fez Sirius se sentar em um banco e parou atrás dele.

-Relaxe, Black. Só relaxe.

Snape tocou a testa de Sirius com os dedos e começou a massageá-la. Os dedos longos e firmes do professor de poções pareciam saber exatamente onde friccionar.

Sirius, que estava surpreso no início, sentiu a dor ceder e foi relaxando. De olhos fechados, um leve sorriso de contentamento nos lábios e totalmente entregue às mãos de Severus, ele se deixou levar. Snape, que descera as mãos da testa para a lateral da cabeça, agora atingia a nuca de Sirius. Os dedos hábeis encontravam os pontos de tensão e a desfaziam. A massagem que combinava toque e magia estava gerando uma aura de paz que aquela cozinha nunca conhecera. Ao tocar Sirius daquele jeito, Severus sentia a tensão abandoná-lo também. Há mais de um ano Severus brigava com o que sentia por Sirius, mas naquele momento não conseguia fazer isso, tudo o que ele conseguia fazer era deixar escapar pela ponta dos dedos um pouco do que sentia pelo bruxo sentado ali.

Quando os dedos de Severus atingiram a base do pescoço de Sirius, o animago deixou escapar um gemido. O som sensual e inesperado provocou um choque de energia na coluna de Severus, ao mesmo tempo em que Sirius se dava conta de que estava suspirando por causa dos toques de Severus Snape.

Severus se afastou, disfarçando o embaraço e o susto. Sirius se ergueu agradecendo mentalmente a pouca luminosidade do local. Sentia o rosto arder, devia estar mais vermelho que Rony Weasley se declarando para Hermione. A própria comparação o chocava.

-Obrigado, Severus. Simplesmente incrível. Não sinto mais nada.

"Mentira, eu não sinto mais dor, mas meu corpo e minha mente estão em ebulição."

-É uma técnica antiga. Às ordens.

E, antes que o embaraço tomasse conta dos dois de vez, Jane Parker entrou, salvando a situação.

-Meninos, o que estão fazendo aqui no escuro? – Ela usava um gorro vermelho e parecia irradiar felicidade.

-Black estava com dor de cabeça.

-Snape estava me ajudando.

Os dois responderam ao mesmo tempo. Minutos depois, arrastados por Jane, se juntaram ao resto do grupo. O caos emocional em que estavam seria analisado depois.

Quando Dumbledore se retirou ao cair da noite, Snape e McGonagall foram com ele.

Sirius subiu para alimentar Bicuço acompanhado de Remus. Quando entraram na área reservada ao hipogrifo, não se surpreenderam nem um pouco ao encontrar Draco e Harry, sentados abraçados em uma janela. Pela expressão dos garotos era óbvio que tinham interrompido um beijo.

-Ei! Respeitem a inocência do Bicuço! – Sirius adorava ver o afilhado se ruborizar por ter sido pego em flagrante com o namorado. E isso acontecia toda hora, os dois pareciam não conseguir manter as mãos longe um do outro. – Remus, olhe para esses garotos, você acha que um quarto com um hipogrifo, um saco de ratos mortos é um bom lugar para namorar, ou eles deveriam procurar um lugar, digamos, mais romântico?

Remus deu uma risada:

-Aos 17 anos talvez eu nem notasse isso. Nós estamos ficando velhos, Sirius.

-Para com isso, Sirius. – Harry protestou rindo sem graça.

-Vocês pelo menos alimentaram o Bicuço?

-Claro. – A voz de Draco ainda era arrastada, mas seu tom era amigável. – Senão ele não nos daria sossego.

-Vão brincar com as outras crianças. Vão. – Sirius os espantava dali.

-Mas eu só quero brincar com o Harry! – O protesto de duplo sentido de Draco fez Remus arregalar os olhos, Harry ficar vermelho e Sirius cair na risada.

Já era quase meia noite quando Remus encontrou Sirius sentado sozinho na cozinha escura.

-Sem sono, Almofadinhas?

-Inquieto demais para dormir, meu amigo.

Remus se sentou ao lado dele com duas canecas de chocolate quente.

-Então, já escolheu? Já tem alguém em mente?

-Escolhi o que, Aluado?

-Seu futuro amante. Na realidade, seu futuro amor. Você mesmo disse que estava precisando de um.

-Não, Remus. Não tenho ninguém em mente. – Ao dizer isso Sirius parecia achar o chocolate em sua xícara a coisa mais interessante do mundo para se olhar.

Depois de um momento, Remus perguntou:

-Algum problema com você e Severus? Vocês sumiram por quase uma hora hoje de tarde.

-Não. Nenhum problema. Nós só .... conversávamos. – Sirius embaraçado era uma coisa que Remus nunca tinha visto. Black sempre fora um sucesso na hora de namorar. Envolvera-se com várias garotas e um ou outro garoto em Hogwarts, sempre fora seguro e um pouco cínico até. E agora parecia não saber onde enfiar a cara. Era muito divertido para Remus, que sempre fora o tímido, aquela inversão de papeis.

-Sirius, posso fazer uma pergunta pessoal?

-Claro, Aluado. Nós nunca tivemos cerimônia.

-O seu problema nessa historia de amante é porque você acha meio excessivo o conjunto de cabelos, olhos e amplas vestes negras? Bobagem. Acho que você dá conta do recado. É meio exótico, mas você sempre teve gosto pelo inusitado.

-Remus, vá para o inferno! – Sirius não sabia o que o deixava mais chocado, o fato de Remus ter percebido a atração que sentia por Severus ou a tranquilidade com que o amigo falava disso.

-Qual o problema, Almofadinhas? Severus também está agindo totalmente diferente em relação a você. Você reparou que ele tem lavado o cabelo?

-Reparei, Remus. Reparei isso e muitas outras coisas. – Não adiantava esbravejar ou tentar negar. Não para Lupin. – Meu problema é que eu tenho reparado em Snape demais.

-Ah! Mas eu tenho reparado em você também. Você gosta quando ele está por perto. Aposto que na sua forma canina o rabinho até balança.

Sirius não precisou assumir a forma canina para rosnar para Remus. Ainda rindo, Lupin decidiu deixar o amigo em paz e ir dormir. Mas, da porta, fez uma última pergunta:

-De que você tem medo, Sirius? Que ele diga não ou que ele diga sim?