Ali ficávamos estendidos durante toda a manhã num petrificado paroxismo de desejo, aproveitando cada abençoada dobra do tempo e do espaço para nos tocarmos: sua mão movia-se lentamente em minha direção, os dedos finos chegando como sonâmbulos cada vez mais perto; depois era seu opalescente joelho que iniciava uma longa e cautelosa viagem; às vezes, uma leve diferença na grama oferecia proteção suficiente para que nossos lábios se roçassem; mas esses contatos fugazes levavam nossos corpos jovens, saudáveis e inexperientes a um estado de tamanha exacerbação que nem mesmo a neve fria e branca, sob a qual ainda nos agarrávamos, era capaz de avaliar. (texto modificado de Lolita, pág. 14)

Assim foi o ano seguinte em que começamos a nossa história de amor e profunda tristeza. Essa era uma cena comum no inverno nas manhãs de sábado e domingo. Enquanto meus amigos brincavam de atirar bolas de neve uns nos outros, eu estava com Lilly. Pouco me importava que eles implicassem comigo porque eu me dizia apaixonado. Afinal, passava muito mais tempo com eles do que com ela. Uma inexplicável forma de ciúmes que eles adquiriram dela. Principalmente Tiago... Tiago, Tiago, ele. A causa da minha fria juventude. O implacável Potter. "O popular, inteligente, divertido".

Desde sempre eu soube que aquela implicância mútua, aquele ódio que Lilly demonstrava por ele, aquilo me faria perdê-la para sempre. Por mais que eu quisesse dizer que não. Eu conhecia os dois como eu não conhecia a mim mesmo.

Foi numa tarde quente de verão. Saía do castelo para os jardins no sábado. A gravata estava me matando, aquela maldita gravata! Nunca vou me esquecer de como aquela coisa me sufocava nos dias quentes. Mas isso não vem ao caso. Estava feliz porque havia conseguido entender a matéria toda de Transfiguração e me daria bem no teste da semana seguinte. Eu sorria enquanto descia as escadas já avistando Lilly estendida sobre o manto verde claro lendo um romance grosso – que, por sinal, já lia há um mês... – ao lado das vistosas amigas. Foi aí que Tiago apareceu, com aquele jeito arrogante e superior, acompanhado por Sirius e Pedro.

Eu estava longe e não podia ter nenhuma mínima noção do que eles estavam falando. Mas a testa enrugada, os punhos fechados de Lilly e o sorriso debochado de Tiago me davam a certeza de que estavam tendo mais uma daquelas brigas infantis, das quais Lilly, infelizmente, não conseguia resistir. Um dos adoráveis defeitos dela era ser infantil, mas o que faz uma ninfeta a não ser a infantilidade diabolicamente adorável? Não demorou muito até que suas fúteis amigas entrassem na briga.

Lupin preferiu ver de longe, mas perto do suficiente para ver cada detalhe, a ir apartar a briga. Seria engraçado se não fosse trágico. Depois de mais de três minutos, Lupin contando no relógio, de bocas abrindo-se e fechando- se em terríveis ofensas, Tiago segurou o pulso de Lilly e deu um forte puxão, deixando-a perto de seu corpo., e logo depois jogando-a longe. Tragédia. Se havia alguma dúvida na cabeça de Lupin, ela acabara de ser respondida. Aquele gesto aparentemente rude de Tiago nada mais foi do que a minha – e a deles, talvez – resposta para tudo.

Breves segundos, frações de segundos, que os olhos dos dois se fixavam realmente. Pude ver a expressão apavorada, raivosa e encantada de Lilly. E a dureza com que Tiago agarrou-a pelo pulso, fazendo seu rosto se contorcer em raiva e admiração. Expressões que só eu conhecia.

Ela já não me amava.

Resolvi acabar tudo de uma só vez. Eu não queria estar com alguém que amasse meu melhor amigo. Eu não queria estar com alguém que estava iludida com a minha imagem perfeita, não aceitando o amor na pessoa totalmente oposta a mim. Não era culpa minha. Não era culpa dela. Não era culpa de Tiago.

Simplesmente não era para ser daquele jeito perfeito que pairava sobre meus sonhos. Uma época em que estávamos jovens, saudáveis, sem preocupações. Eu era feliz, relevando o fato de não poder amar e de ser um ser "anormal".

Tive alguns flertes depois de Lilly, obsessões insanas por menininhas de primeiro ano, obsessões estas reprimidas pela expressão "elas são pirralhas" que meus amigos teimavam em dizer toda vez que me pegavam olhando para algumas delas. Bonitinhas. Mas nenhuma, nenhuma como Lilly.

Ninguém nunca teria os mesmos olhos, aqueles radiantes de felicidade, sedentos por paixão, ardentes pela luxúria e, ao mesmo tempo, puramente inocentados pelo amor e pela criança que havia dentro dela. Assim ela me pareceu no dia de seu casamento. Ah, Lilly! Quem me dera que tivesse este olhar destinado a mim!

Talvez seja sina das ninfetas morrer jovens. Lilly faleceu aos 23 anos. Sacrificou-se pelo seu pequeno bebê. Lembro-me bem de como cuidava daquela criança. Harry Potter. Tudo o que ele é hoje, deve a sua mãe. Às vezes consigo ver a sombra de Lilly nos olhos de Harry. Isto me faz gostar dele como se fosse parte de mim também, como ela foi. Como se eu pudesse ser o seu pai. A tarefa de padrinho foi dada a Sirius, mas eu não me importo. Lilly, se eu a pudesse ver agora, acho que não seria a mesma. Estaria desiludida pelo tempo. Teria perdido o brilho, a emoção, o sorriso de criança e a beleza com a qual eu lembro.

Quando eu e ela éramos crianças, não via em minha pequena Lilly uma ninfeta. Mas hoje, passados vinte e nove anos, posso reconhecer nela a ninfeta original, o fatídico súcubo que me acompanhou pelo resto da vida.

"Quero agora expor uma idéia. Entre os limites de idade de nove e catorze anos, virgens há que relevam a certos viajantes enfeitiçados, bastante mais velhos do que elas, sua verdadeira natureza – que não é humana, mas nínfica (isto é, diabólica). [...] O leitor terá notado que substituo a noção de espaço pela de tempo. De fato, gostaria que visse "nove" e "catorze" como os pontos extremos – as praias refulgentes e os róseos rochedos – de uma ilha encantada onde vagam essas minhas ninfetas cercadas pelas brumas de vasto oceano. Será que todas as meninas entre esses limites de idade são ninfetas? Claro que não. [...] Tampouco a beleza serve como critério; e a vulgaridade, ou pelo menos aquilo que determinados grupos sociais entendem como tal, não é necessariamente incompatível com certas características misteriosas, a graça natural, o charme imponderável, volúvel, insidioso e perturbador que distingue a ninfeta das meninas de sua idade." (Lolita, pág. 18)

Então quando vi Lolita, naquelas vestes de tomar sol, lendo um livro no jardim, Lilly voltara para mim.

"Eu era um garoto forte e sobrevivi; mas o veneno estava na ferida, a ferida jamais se fechou, e logo depois eu me vi amadurecendo numa sociedade que permite a um homem de vinte e cinco anos cortejar uma moça de dezesseis, mas não uma menina de doze." (Lolita, pág. 19) Mas antes de chegarmos a Lolita, é necessário que lhes conte uma passagem muito engraçada e estranha de minha vida: meu casamento.

Particularmente eu achava que me arriscava demais sendo solteiro e tendo que me segurar para não esticar demais os olhos para uma menina de 12 anos. Isso foi depois da morte de Lilly e Tiago. Tive problemas de saúde e consultava um médico e psiquiatra. Nas visitas de cortesia que fazia ao doutor, reparava que sua filha me olhava enquanto jogávamos xadrez bruxo. Talvez para pintar-me em alguns de seus quadros. Devo admitir que Charlotte pintava excepcionalmente bem. Dr. Fielding tinha uma enorme simpatia por mim e não se incomodava nem um pouco com o fato de eu ser um lobisomem. Juntando isso à enorme admiração que Charlotte tinha por mim, casei-me rapidamente.

Eu poderia muito bem ter escolhido criatura bem mais graciosa do que Charlotte, é fato. Mas que pai deixaria sua filha desposar um lobisomem, por mais que a filha o amasse?

Charlotte beirava os trinta anos. O que me chamou atenção nela, foi a maneira como imitava uma garotinha. Fazia isso naturalmente. Vestia-se como estudante certas vezes. Sorria marcando as covinhas do rosto e fazia beicinho. Balançava seus cachos louros de um lado para o outro, enquanto sorria e cantarolava meu nome.

Após o casamento, nos mudamos para a França para ter um pouco mais de sossego e uma vida menos estressante nos cafés de Paris.

Então logo a fantasia terminou. Logo Charlotte não passava de uma mulher casada, gorda, de pernas curtas e seios fartos. Parecia que seu cérebro diminuía cada vez mais. Só em casos de muita urgência, escutem bem, leitores, muita urgência, eu recorria a carne de Charlotte para satisfazer meus desejos masculinos. Geralmente quando uma belíssima ninfeta passava pela janela.

Eu dava aulas de inglês numa pequena escola de línguas para bruxos. Assim ganhávamos a vida. Não vivíamos no luxo, mas nunca deixávamos de pagar as contas e comer. Uma das qualidades que Charlotte preservou foi não ser gastadeira.

Então recebi uma proposta de um parente muitíssimo distante que morava nos Estados Unidos para que fosse trabalhar na América. Seria uma boa oportunidade. Eu poderia lecionar Defesa Contra as Artes das Trevas num colégio americano e ganharia bem.

Depois que me decidi sobre o que fazer, convidei Charlotte para tomar um sorvete perto da Notre Dame. Enquanto andava com as mãos nos bolsos do casaco, observando os passos de pato de minha esposa, pensava em como seria sua reação: "C'est magnifique, mon amour!". Sentamos e disse a ela sobre a proposta. Ao contrário do que imaginei – seus olhos brilhando e sua boca seca abrindo-se em um enorme sorriso – ela arregalou os olhos extremamente verdes numa expressão de completo terror.

"Não quer ir para a América?"

Perguntei. Ela tirou a expressão afetada do rosto, baixou a cabeça e começou a mexer nas mãos incontrolavelmente, parecendo constrangida. "Há outro homem em minha vida."

Respondeu. Lupin ficara sem ação. Charlotte me traía! Ela me traía bem debaixo de minhas fuças! Dar-lhe uma surra bem no meio da rua, não me parecia conveniente. Deixei algumas moedas na mesa, o suficiente para pagar os sorvetes, e conduzi-a a um lugar deserto. Desaparatamos para casa. Então pedi-lhe que me explicasse tudo direito. Não que eu tivesse qualquer sentimento por aquela criatura grotesca, mas eu era seu marido! E, por mais que fantasiasse noites com pequenas ninfetas, nunca a traíra! Charlotte me jogou coisas na cara que eu nunca pensei que sua mente pequena fosse capaz de pensar.

"Mas quem é?!"

Esbravejei, já cansado de ela escapar dessa pergunta, dizendo como sua vida era difícil.

"O dono do 'Le Café Français', ao lado da Eiffel."

Ela resmungou baixinho. Um trouxa! UM TROUXA!

Pensando bem, lembro-me de ele ter nos servido muitas vezes lá. Um típico francês de pinturas mal acabadas que eram vendidas nas ruas de Londres. Um gorducho careca, com bigodes escovados e uma baguette debaixo do braço. Como podiam ser tão falsos e tão cínicos na minha frente?!

Minha vontade naquele momento era de matar os dois com um feitiço imperdoável, porém não queria gastar o restante de minha vida em Azkaban por causa de uma mulher desprezível como Charlotte e seu amante – do qual nem lembro seu nome ridículo – trouxa.

Fiz minhas malas rapidamente, falei com um advogado. Ele iria arrumar todos os papéis para o nosso divórcio, ver que quantia eu deveria pagar a ela como pensão e desapropriá-la da casa. Aquela vagabunda não ficaria mesmo com a minha casa! Enquanto isso, eu estaria rumando para os Estados Unidos, para dar de cara com pequenas pétalas rosadas com cabelos louros e lábios molhados, brincando no famoso Central Park. Podem imaginar quanto calor e poeira tive de suportar para ao menos entrever algumas ninfetas! Oh, doces americanas!