Saí de Hogwarts com muito mais do que entrei, de fato. Gostavam de mim, apesar do meu defeito. Tinha dinheiro, sim, isso era importante também. Tinha alguma coisa para começar de novo.

Resolvi que daria um tempo da vida bruxa, que só me causava problemas e confusões. Vivi tão bem no México como trouxa que até chegava a pensar se poderia casar-me com uma bela trouxa. Ora, de que diabos eu estava falando? Como Lupin, sendo como era, poderia um dia casar-se novamente?

Troquei dinheiro em Gringotes e fui em direção a minha nova vida. Uma vida pacata, pensava eu, numa cidade longe de Londres. Talvez um dia eu viesse a ser uma lenda urbana de lá. "E em cada lua cheia, ele se transformava na criatura mais aterrorizante que jamais passara por aqui, perseguia as criancinhas e uivava para a lua" Diriam as vovós para seus netinhos quando eu já estivesse morto.

York. Meu destino. Uma cidade turística e histórica. Seu caldo cultural, suas construções e seus gramados, fazem de York uma das cidades mais bonitas da Inglaterra.

Cheguei lá não conhecendo nada nem ninguém. As pessoas eram simples e havia muitas lojinhas de artefatos para turistas. Encantei-me com tantas coisas inúteis que os trouxas faziam e gostavam. Até achava que mesmo se fossem mágicas, seriam muitas vezes inúteis. Entrei numa lojinha simpática e familiar que encontrei na rua. Havia um cão deitado à porta. Antes de entrar, passei a mão em sua cabeça, ele me olhou e lambeu minha mão. Com certeza não era qualquer cachorro, se é que me entendem. Um labrador meio acinzentado com olhos cor de mel. Mas eu sabia que ele não me enxergava apenas em preto de branco. Entrei na loja. Uma moça de uns dezenove anos me atendeu. Não parava de mexer em seus cabelos louros e sem nenhum brilho especial enquanto perguntava que tipo de objeto eu procurava. Não tinha uma beleza original, era uma moça comum. Nem feia, nem bonita. Apenas comum. Para não deixá-la decepcionada, comprei uma coisa que não sei o que é até hoje.

Então fui a um café beber alguma coisa. Fazia um calor desesperado. Tínhamos acabado de sair de dias frios, e entrávamos no verão. Pedi uma água bem gelada e biscoitos. Aproveitei e comprei um jornal de um menino que passava na rua. Tinha que arranjar alguma pensão ou um hotel. Depois de visitar alguns lugares e de nenhum ter me agradado, fui a uma pensão que anunciava um quarto.

A casa era alta e fina. Era composta por três andares, no primeiro a cozinha e uma pequena sala de estar – curiosamente decorada com objetos mexicanos cafonas e um pingüim em cima da geladeira -, no segundo andar havia o quarto da senhora Haze e um outro quarto que eu não sabia de quem era, e no terceiro andar, na verdade o sótão, o meu quarto. Um cubículo em condições imprestáveis que estava sendo alugado a 30 libras ao mês. O cubículo, além de ser pequeno – obviamente -, estava imundamente empoeirado.

"Não se incomode com a poeira, sr Lupin. Mandarei Clotilde limpar o quarto para o senhor."

Como ela ousava chamar aquilo de quarto?! Eu estava quase desistindo de ficar ali. Mas a mulher insistente começou a contar os detalhes de sua vida enquanto mostrava o restante da casa, levando-me em direção ao jardim de fundos. Seu marido, sr Haze, trabalhava para o exército inglês e havia morrido de indigestão. Muito curioso. 

"Sabe, sr Lupin, eu trabalhava como secretária num consultório médico, mas pedi demissão quando minha filhinha nasceu." 

"Claro, claro, cuidar bem de um bebê requer muito tempo."

Respondi, examinando uma mesinha. Ela abriu um sorriso.

"Que bom que compreende. A maioria das pessoas não acredita em como acabei com a minha profissão por causa desta pestinha. Às vezes até eu acho isso. Mas agora que ela já está mais crescidinha eu já não consigo mais arranjar nada. Malditos que só empregam moças solteiras e jovens."

Calei-me o restante do tempo enquanto ela reclamava de todas as peripécias da filha. Comecei a achar que realmente tinha que me safar daquela no mesmo momento. Como conseguiria me concentrar com uma peste de criança daquelas? Então chegamos ao jardim dos fundos. Deparei-me com a mais bela e perfeita pintura jamais vista. Uma linda menina de cabelos louros ondulados em vários tons, como se houvesse pequenas flores presas nele. A pele rosada e macia como a mais fina seda. Seu corpo seminu numa roupa de tomar sol. Seus seios pequenos e firmes no micro-top da moda e as pernas desnudas num micro-short, também da moda. Ela baixou os óculos escuros em formato de coração, fazendo uma anotação mental de mim com seus olhos azuis como gotas de mar saídas de um conta gotas. A mesma doçura, o mesmo jeito, exatamente, sem tirar nem pôr, exatamente o mesmo olhar de Lilly, o eterno amor que a morte me roubara. E eu ali, disfarçando-me num homem adulto perante ela, disfarçando-me num homem que não via nada mais nela além de uma simples criança que não deveria ter atenção. Já não prestava atenção ao que sra Haze falava enquanto passávamos pela menina estendida numa esteira. Apenas deixava que as beiradas do meu campo de visão me permitissem visualizar a penugem clara e suave de suas pernas.

O jardim dos fundos era dividido em duas partes, mínimas partes. Quando passamos para a segunda, sra Haze disse o que nunca sairá de minha mente. Ela me disse o nome do meu maior pecado.

"Aquela era minha Lô, e esses são meus lírios."

"Sim, eu sei. Lindos, lindos, lindos!"

 

°

Foi um pouco duro me acostumar a viver como trouxa novamente em York. O que me ajudava era ver a linda menina Haze chegar da escola todos os dias e ir pular corda no jardim detrás. Ali eu sentava na cadeira de sol para ler o jornal e beber limonada, algumas horas antes do jantar. Mas minha Lolly só ficava lá até a esquisitona de sua mãe gritar mais de cinco vezes para ela tomar banho. Achava graça quando ela revirava os olhos, depois de errar um pulo por causa de um dos estridentes berros de Sra Haze.

Depois que ela saia, ficava lembrando-me de seus cabelos brilhando multicoloridos à luz do sol das cinco, que quase ia se pondo.

Logo a menina entrou nas férias de verão. Curiosamente, não sei porquê, as crianças de York entravam de férias depois do normal.

Ah, como foram gratificantes e dolorosos os primeiros dias! Acordei no sábado e, como de costume, fiquei sentado na cama olhando pela janela antes de me levantar por completo. Porém, ao invés de ouvir a cantoria ensurdecedora de Sra Haze, ouvia pequenos pings, como se algo batesse numa garrafa de vinho vazia. Olhei para baixo e vi as leves curvas de Lô atrás de um lençol branco, onde o sol batia. A corda estava cheia de roupas para serem retiradas e ela só estava no primeiro lençol. Ninguém nunca poderia dizer com grande convicção que a garota fazia o que a mãe mandava de ótimo humor. Vesti-me rápido e, como o lobo que sou, desci para a cozinha. Fiz um café e sentei-me na escadinha aos fundos da cozinha, que dava para os fundos da casa, onde minha Lô tirava as roupas da corda.

"Bom dia, Dolly."

Disse eu.

"Só se for pra você, o meu dia começou horrível."

Ela respondeu, mostrando o rosto por trás de uma calça jeans pendurada. Andou até onde eu estava e sentou ao meu lado, começando a catar pedrinhas para atirá-las numa garrafa vazia.

"...que agonia aquele brilho pálido e sedoso acima de suas têmporas, esbatendo-se no reflexo dourado dos cabelos castanhos. E aquele ossinho tremelicante do lado de seu tornozelo coberto de poeira." (Lolita, pág. 43)

Ping

"Os arabescos de penugem reluzente em seu antebraço. Quando ela se levantou para levar a roupa para dentro, pude adorar de longe os fundilhos desbotados de seus jeans, enrolados até acima da canela." (Lolita, pág. 43)

Ping

"Dolores Haze! Acabe de tirar a roupa da corda e não fique importunando o Sr. Lupin!"

Ouvi a mãe gritar. E mais uma vez a foca acabava com os meus devaneios... Mas que raios! A menina já tinha ido para dentro levar a roupa! Ela podia pelo menos deixá-la voltar para meu lado, não é?

O restante do meu dia foi ficar sentado no jardim escrevendo algumas coisas as quais somente uma amante muito enciumada poderia ler, já que escrevia em letras milimétricas. Um romance à la Lupin. Lolita ficou o dia inteiro às pressas para lá e para cá dentro de casa. Sua mãe mandando a pobre menina, em seu primeiro dia de férias, organizar coisas e mais coisas em casa. Às quatro da tarde, uma menina chamada Rose ficou chamando-a pelo muro. Depois de alguns minutos de insistência e nada de Lô no jardim, levantei-me e fui chamá-la. Voltei ao jardim e sentei-me na cadeira, enquanto ela ficava nas pontas dos pés para falar com a amiga.

"Não posso, minha mãe quer que eu faça umas coisas aqui em casa..."

"Ah... então tá, mas se você puder, depois passa lá."

"Tá, falou..."

"Dolores! Venha aqui!"

"Tenho que me mandar, tchau!"

E voltou correndo para dentro de casa, passando como um furacão por mim.

Uma das coisas que me excitava eram as gírias que a guria aplicava. Sua voz alta e estridente, porém contudo entretanto, doce e suave, passava como um vento prazeroso que tocava cada parte de meu corpo, fazendo-o tremer.

Para o domingo, Sra Haze havia programado um banho de sol com uma amiga no jardim de casa, apesar de ele não ser muito grande. E ver Lolita deitada de bruços em seu maiô preto deixava todos os olhos de meu atento sangue totalmente arregalados.

Na manhã do domingo, me levantei com a voz de Sra Haze gritando – Cala essa boca, garota! – e sabia que as duas Haze haviam começado o dia já a discutir.

Lupin estivera toda a semana esperando ansioso por aquele sábado para finalmente poder ver sua querida e bela ninfeta naqueles trajes de banho que deixaria seu corpo ainda mais belo.

Claro que eu imaginava que Lolly ficaria estendida sob o sol  e sua mãe ficaria conversando com alguma amiga foca, enquanto eu leria algumas poesias de famosos autores franceses para a pequena. Porém, como a maioria das coisas nunca acontecem como queremos, o banho de sol foi diferente do que a minha imaginação fértil queria.

Depois de meu café da manhã, fui para o jardim. Levei meu livro de poesias comigo. Lolita levara uma grande toalha com bordados de flores, óculos de sol com formatos de corações e um chiclete na boca. Encantadora. Sra Haze já estava com sua amiga foca.

Assim que ensaiei sentar-me ao lado de Lolly, sua mãe disse numa falsa animação.

"Não fique perto de Dolores, senhor Lupin! Ela vai o incomodar! Sente-se ali, ficará mais confortável e poderá concentrar-se melhor em sua leitura!"

"Não se preocupe, tenho certeza de que a menina não irá me incomodar."

"Mas eu tenho, querido. Acredite, ela é uma peste. Vamos, sente-se ali."

Ela disse, parecendo total e ridiculamente serena.

"Mas eu tenho, querido" Quem dera que tal frase houvesse sido proferida por outros lábios! Mas foi a Sra Haze quem disse...

Agora imagine, leitor, qual foi minha infelicidade ao obedecer a mãe e ir sentar-me alguns passos de onde a filha pudesse "me aportunar".

A foca, amiga de Sra Haze, estendeu-me o jornal do dia. Peguei numa má vontade extraordinária de levantar meus braços. Logo que o tive em minhas mãos para começar a folhear, Dolly levantou-se espevitada e correu até mim, inclinando-se por cima de meus ombros, deitando alguns fios de cabelo em meu rosto, para pegar a parte do jornal com as histórias em quadrinhos.

"Ora essa menina! Sr Lupin deveria ensina-la a ter gosto pelos estudos! Ela fica todos os dias grudada nessas malditas histórias em quadrinhos e naqueles discos horríveis!"

Reclamava Sra Hazel, enquanto Lolita continuava debruçada sobre meus ombros, mascando seu chiclete de menta e me lançando olhares como debochasse da mãe. Rapidament conseguiu o que queria e saiu correndo, pondo-se a deitar novamente de bruços e com os quadrinhos enfiadas no rosto.

"Ora Briggite, é só uma menina. Acho que deveria deixa-la se divertir um pouco. Eu mesmo quando jovem não era muito apegado aos livros, tomei gosto pelos estudos só depois."

Repliquei numa grande mentirada. Sra Haze deu de ombros e continuou a ler seu exemplar da revista de moda da famosa estilista londrina.

Mamãe Haze concentrada na revista e amiga-foca noutra revista de fofocas, os olhos atentos e discretos de Lupin conseguiram passear por Lolita mais minuciosamente.

"Olhando-a através de camadas prismáticas de luz, os lábios secos, focalizando minha concupiscência e balançando-me ligeiramente sob o manto do jornal, senti que, se me concentrasse devidamente sobre a visa que ela oferecia, talvez pudesse obter logo uma esmola de prazer..." (Lolita, pág 44)

Mas logo essa felicidade momentânea acabou, pois Sra Haze logo começou uma conversa insaciável sobre a obra pseudoliterária de um farsante de sucesso. Mulher sem nada na caixola, era o que era Briggite Haze. Fingia que sabia muitas coisas, que falava francês e tentava, inutilmente, imitar o sotaque londrino.

Por muitas vezes durante conversas maçantes com esta pobre criatura de Deus, deixei-me conduzir por meus pensamentos sobre Lô. A mulher não notaria diferença, uma vez que estava preocupada demais em figurar alguém que não era e imitar o sotaque do sul.