Capítulo 4 - Caminhos

Entrou na pequena propriedade dos Asakura, escondida por todos aqueles anos. Estava escuro, muito escuro, e frio também. Mas não precisava da luz para se guiar, e usava um longo sobretudo escuro que aquecia seu corpo frágil e delicado.
Aparentemente.
Sem qualquer dificuldade, arrebentou os selos que trancavam a porta do único aposento da casa. Sorriu indulgentemente ao ver o avô de Yoh Asakura olhando-a com surpresa e desconfiança nos olhos.
- Não pode ser você! Impossível!
- Cale-se, e não roube meu tempo. Vim para devolver o livro ao seu dono.

Sem quaisquer outras palavras, a jovem de cabelos dourados e olhos frios silenciou o velho, com apenas um golpe rápido demais para olhos humanos perceberem.
Os passos eoavam enquanto ela caminhava devagar em direção ao livro. Tomou-o nas mãos, guardando-o com cuidado debaixo do sobretudo. Sem desperdiçar mais gestos ou palavras, saiu da casa.
Seus olhos na escuridão brilhavam, e lágrimas escorriam por seu rosto. Seu coração protestava.
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Parecia que a Terra corria ao redor do Sol e de si mesma numa corrida louca e desesperada. Os dias e noites passavam rápidos como o vento árido do deserto, sem se preocupar com os xamãs que, apesar de todo o seu poder, nada podiam contra a poderosa força que fazia, dia após dia, o sol se pôr num turbilhão dourado.
Nesse estranho turbilhão, muitas coisas aconteceram. Encontraram adversários, e os eliminaram. Encontraram um novo companheiro de ar delicado e cabelos verdes, que o turbilhão do tempo levou rapidamente. Foram tornando-se mais fortes e mais confiantes. Descobriram coisas com as quais jamais sonhariam sobre o garoto de longos cabelos castanhos que aparecera no aeroporto atrás de Mei-ann, e quanto a essa, podiam apenas imaginar que estivesse também envolvida no turbilhão do tempo.
E não havia muito mais a saber. Mei-ann, após abandonar o grupo de garotos (pois não podia deixar de considerar o único adulto do grupo como uma criança), continuou em sua jornada, parando pouco, sem hesitar entre um caminho e outro. O Grande Espírito, como sempre, a guiava, e agora se encontrava a pouca distância da aldeia do Patch.
Quanto aos quatro xamãs, nesse momento encontravam-se envolvidos pela noite fria do deserto. Dois deles dormiam, mas dois permaneciam acordados, alerta ou simplesmente sem sono.
- Como vamos encontrar a aldeia do Patch?
- Não sei, Ren. Por enquanto basta prosseguir, que as coisas se resolverão ao seu tempo.

Em algum lugar, um par de olhos escuros e brilhantes como gotas de orvalho observavam os dois xamãs atentamente. Atrás da sombra à qual pertencia esse par de olhos, um rapaz de longos cabelos castanhos sorria serenamente, apenas concordando com a pessoa à sua frente. E esta, simplesmente sussurrou, um sussurro gélido na noite igualmente gelada do deserto.
- Chegou a hora.
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Já estavam lutando fazia muito tempo, e as três garotas não mostravam qualquer sinal de cansaço, enquanto eles estavam quase morrendo. Um a um, foram caindo. Primeiro Ryuu, depois Horohoro. Em seguida, caiu Ren, derrotado. E enfim, Yoh, quase toda a energia de seu corpo tomada, caiu. Mas algo impediu que os xamãs fossem assassinados. Devido às sombras do pôr do sol, não se podia ver seu corpo envolto num comprido sobretudo, e tampouco a sua face. Mas Yoh, das profundezas da miséria que restara de sua consciência, podia sentir um perfume, um perfume que já conhecia, perfume que se desprendia de cabelos desalinhados dourados, de cada articulação do corpo delicado, de todas as suas roupas.
Foi, portanto, o primeiro a se levantar. À sua frente, entre dois paredões, havia...
Algo que ele não podia identificar.
Parecia ao mesmo tempo um gás arroxeado, e algo muito sólido, com profundidade e complexidade. Curioso, aproximou-se daquilo, tocando a estranha matéria com seus dedos.
Alguma reação estranha ocorreu, e ele quase foi puxado para dentro daquela coisa estranha. Por um momento, pôde até mesmo vislumbrar um céu de veludo muito escuro, com infinitos pontos dourados brilhando para ele.
- Entre. Do que está com medo?

Ele virou-se ao ouvir a voz. Ele sentia que a reconhecia, mas algo o impedia de fazer a conexão entre a voz e o dono dela.
- Quem é você? E onde está? E o que é isso?
- Uma pergunta de cada vez, meu caro Yoh. Quem eu sou...Não creio que seja adequado responder agora. Me reconhecerá quando for a hora. Quanto à sua segunda pergunta, não estou aqui. Pode me procurar, não vai me encontrar. Não quero arriscar um reencontro agora. Essa voz que ouve agora está apenas na sua mente. Interessante, não? E agora, a sua última pergunta. Isso é um portal para uma outra dimensão, onde poderá se tornar mais forte. Porque do jeito que está agora, não vai conseguir nem mesmo chegar à aldeia do Patch. E isso seria terrivelmente triste, não é?
- Por que não consigo lembrar quem é você?
- Porque você está sob um encantamento. Já disse, deve me reconhecer no momento certo.
- Não vou entrar nessa coisa estranha.
- Você é quem sabe. Mas escute a pessoa que te salvou daquelas três garotas. Nem você, nem seus amigos chegarão à aldeia do Patch do jeito que estão. E é claro, os seus amigos também podem entrar nessa dimensão. Espero que decidam logo. O tempo está correndo.
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Quando acordei, lá estava ele, olhando para aquela coisa estranha entre os dois paredões, perdidos em pensamentos. Não parecia nem de longe o cara animado e calmo que costumava ser. Muito pelo contrário, parecia que havia uma tempestade se formando em seus olhos confusos.
- Ah, você acordou, Ren. Bom dia.
- O que é aquilo? - apontei para a substância que parecia ao mesmo tempo sólida e gasosa. Muito estranho.
- Ah, aquilo? Parece que se nós entrarmos ali, vamos ficar mais fortes. Estou esperando os outros acordarem para decidir se...
- Se vamos entrar aí ou não? Bem...Não dá pra confiar muito nessa coisa, dá?
- A voz que falou comigo. Era digna de confiança. Eu a conhecia. Não sei quem era, mas a conhecia. Ela não me deixou reconhecê-la, a voz, Ren. Disse que nos encontraríamos quando fosse a hora.
- Estranho. Pode ser uma armadilha. No entanto, precisamos ficar mais fortes.
- A voz...O dono da voz...Foi ele quem derrotou aquelas três garotas.
- Então ele deve ser bem poderoso. Pode até mesmo ser o Hao. Não dá pra confiar nele. Ou pode ser um outro xamã querendo nos colocar numa armadilha.
- Você não ouviu? Eu disse que dá pra confiar na pessoa que disse aquilo!

Os olhos de Ren encontraram os de Yoh, chocados. Nunca, jamais, tinha ouvido de Yoh um tom tão rude. Nunca tinha visto em seus olhos aquela expressão, cercada de tão forte e negro poder. E de repente, sentiu medo. Muito medo.
- Se você diz que dá pra confiar, então dá. Vamos só esperar os outros.
- Tudo bem.
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No alto do penhasco, iluminado pela luz forte do sol do meio dia no deserto, um casal conversava calmamente, as mãos do garoto de longos cabelos castanhos nos cabelos dourados e desalinhados da garota.
- Tem certeza, minha cara? Tem mesmo certeza de que ele não descobriu quem você é, mas que vai entrar naquilo? Você sabe, eu quero Yoh muito forte, para que volte para mim e me seja útil.
- Não há dúvida alguma. O encantamento é perfeito. Ele sabe que pode confiar em mim.

Um sorriso sinistro distorceu por alguns segundos as feições perfeitas como as de uma boneca, até que o garoto a segurasse com mais força, beijando delicadamente os lábios rosados.
- Então não precisamos nos preocupar. Vamos, você deve estar com fome.
- Está certo, então. Vamos.

O casal partiu serenamente, como se não sentisse o calor abrasante do sol sobre suas cabeças.
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O corpo saiu da água, gotas escorrendo pelo rosto perfeito, os cabelos dourados e molhados grudando no corpo. Estava tão quente...
As gotas de água foram rapidamente secando, e a breve sensação de frescor logo se foi, o corpo voltando a queimar. A pele há algum tempo atrás clara como a neve agora queimava e ardia, terrivelmente vermelha e sensível.
Colocou uma nova muda de roupas sobre o corpo agora seco, tentando ignorar a dor e a fome, sem se importar com o garoto de longos cabelos castanhos que a observava de longe. Não se importava em nada com o corpo fraco, ou com quem o visse ou tocasse, desde que o espírito permanecesse forte e intocado.
Rápida, porém calmamente, se pôs a andar na direção na aldeia do Patch, onde encontraria Yoh e os outros. Podia ter se atrasado, mas valera a pena.
Por alguns momentos um sorriso de recordação brincou em seus lábios rosados, para desaparecer logo depois, a expressão facial voltando ao habitual.
Virou-se na direção da aldeia, pronta para mais uma longa caminhada, dessa vez sem paradas ou interrupções de qualquer espécie.
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E então, o que acharam? Mandem reviews ou vou parar de escrever! Estou falando sério!
Sem mais comentários,
Lady Macbeth