Capítulo 7 - Luta

Ainda estava claro apesar do vento frio, geralmente um sinal da noite que se abatia sobre o deserto. A luminosidade vermelha do sol que se punha iluminava fracamente as faces de seus três adversários. Uma garota alta, de longos cabelos escuros. Um garoto estranho de cabelos azuis e um outro, de olhos verdes e cruéis. Um grupo heterogêneo, bastante curioso. Não pareciam ter um líder. Estranho. Resolveu atacar primeiro a garota, que o observava atentamente. Aquilo o incomodava. Atacou-a, esperando com prazer o momento em que ela tentaria de defender, sem sucesso. No entanto, ela não tentou. Na verdade, não moveu um único músculo enquanto ele se aproximava rapidamente dela. Mais alguns poucos metros e a ponta de sua espada perfuraria e rasgaria a pele macia e avermelhada, iluminada pelos restos da luz do sol. Mas a ponta de sua espada encontrou outro alvo. O garoto de olhos verdes estava à sua frente, portando uma espada. Emanava energia de combate pura e determinada. E ainda assim o único movimento na garota era o dos cabelos que eram balançados pelo vento das noites frias no deserto. Não estou lutando contra você. É contra ela que quero lutar. Lute depois então. Primeiro lute comigo.

Então ele não queria que lutasse contra a garota. Enquanto isso, seus outros dois companheiros atacavam o garoto de cabelos azuis. Respeitavam sua decisão de cuidar daqueles dois. O garoto era bom, muito bom. Tinha uma intensa energia, que não acabaria facilmente. Era rápido, inteligente, forte. Um guerreiro, um lutador brilhante. Atrás dele seus dois amigos - não, ele não poderia chamá-los de amigos - pareciam estar tendo dificuldades com o garoto. Sua habilidade de criar gelo, ou algo do tipo, era bastante eficiente contra os dois demônios de fogo. Ele não podia perder. Era o líder. Era a única esperança de seu povo. Colocou nesse último golpe todo o seu ódio, toda a sua miséria, toda a sua esperança. Desviou-se rapidamente de uma sucessão de golpes que o seu adversário mandou. E contra-atacou. Um contra-ataque poderoso. Sentiu com imenso prazer a pequena resistência que a pele oferecia contra a lâmina afiada. Ouviu com êxtase o som da carne sendo rasgada, perfurada. Sorriu, enquanto a garota olhava horrorizada para o jovem chinês caído no chão, que ainda tinha força suficiente para olhá-lo cheio de ódio. Por um momento pareceu que a garota ia ajudar o garoto ferido. Mas ao invés disso ela apenas lhe lançou um olhar significativo, voltando suas atenções então para o seu adversário. Ela o atacou. Desviou-se, impressionado pela sua velocidade. Era incrível como ela se movia, com naturalidade, graça e rapidez assombrosa, como se estivesse dançando ao som de uma música que só ela podia ouvir. Tinha um ar feroz, mas ao mesmo tempo gentil. E conversava lutando. Qual o seu nome? Por que quer saber? O meu é Liberté. Yuri. Por que está lutando? Por que eu contaria isso a você? Para conversar. Não gosto do silêncio. Faz com que eu pense em coisas desagradáveis. O mar do Norte está comendo, pouco a pouco, as terras boas e férteis do meu povo. Temos que agüentar um frio que nunca acaba, nunca diminui. Nenhuma criança com menos de quinze anos viu o sol alguma vez, lá. São poucas as crianças que nascem, e pouquíssimas as que sobrevivem. Meu povo está morrendo. E eu não quero isso.

Os poucos espectadores da luta observavam admirados o modo como os dois lutavam. Parecia mais uma dança cuidadosamente ensaiada. Seus golpes se completavam, seus movimentos fluíam um atrás do outro, com rapidez e coordenação impressionantes. Impossível saber quem estava ganhando. Parecia que os dois continuariam lutando pelo resto da vida, até que se esgotassem completamente. A incrível força do rapaz de cabelo castanho era compensada pela rapidez assombrosa da garota. Nenhum dos dois sofrera um único arranhão, mesmo com todo o tempo que se passara rapidamente. A lua minguante já iluminava o céu com sua sinistra luminosidade prateada, enquanto nuvens negras moviam-se vagarosamente na direção do campo de batalha, onde os dois jovens lutavam sob os olhares perplexos de seus companheiros. Quando a chuva começou a cair, a velocidade da luta diminuiu. Estavam ambos cansados, e o chão de terra lamacenta dificultava a locomoção. Se alguém ali conhecesse melhor os dois xamãs, saberia com quem estava a vantagem. Saberia que o espírito da garota era um espírito da água e da luz, que se movia com mais facilidade ainda naquele lamaçal. Quando o primeiro relâmpago atingiu o planalto onde se encontravam, o garoto saltou agilmente, tentando atingir sua adversária do alto. No entanto, em milésimos de segundo ela desapareceu de seu campo de visão. O próximo relâmpago iluminou as faces assombradas dos pouquíssimos espectadores que permaneceram na chuva e no escuro para ver o desfecho de tão estranha luta. Esse mesmo relâmpago iluminou o campo de batalha, onde apenas dois lutadores estavam em pé. O garoto de cabelos azuis, e a garota de longos cabelos negros, que se colavam à sua pele encharcada. Caídos no chão estavam dois garotos de cabelos castanhos que tentavam erguer um outro, mais alto que eles, e um jovem chinês muito pálido. A luz sombria dos relâmpagos não revelava o sangue espalhado por todo o corpo do garoto, nem seus olhos abertos em uma expressão de terror, determinação e desesperança. A luz sombria dos relâmpagos não revelava as lágrimas que se misturavam à chuva no rosto na garota, nem suas mãos e seu corpo imundo de sangue. Os relâmpagos iluminaram apenas a figura fantasmagórica da garota de longos cabelos escuros que, acompanhada pelo garoto de cabelos azuis, arrastou o seu companheiro ferido para longe da chuva que os açoitava. Os relâmpagos agora iluminavam as duas únicas figuras restantes no campo de batalha. O juiz, ainda chocado demais para revelar o resultado da luta, e uma garota de cabelos dourados cobertos por uma bandana vermelha escurecida pela chuva. Os relâmpagos não tinham revelado, mas mesmo assim seus olhos acostumados à escuridão puderam ver muito bem a expressão nos olhos mortos do garoto.

Entrou no quarto sombrio. Era noite, e não havia lua nem estrelas. Apenas chovia, como nunca se tinha visto antes na aldeia do Patch. Alguns dos habitantes de lá afirmavam que aquilo era um presságio. Outros diziam apenas que era algum fenômeno natural. De qualquer forma, estava ensopada até os ossos, e foi o barulho das gotas de água geladas pingando de seu corpo que chamou a atenção de Hao. Ele virou-se para ela com aquela serenidade atenta tão característica dele. Havia carinho nos seus olhos, preocupação e curiosidade. E então? Ela luta muito bem. Eu não seria capaz de derrotá-la. - foi o pouco que ela disse, secamente. Sério?

Sorriu. Se ela lutava bem, se era poderosa, então não poderia ser Liberté. Lembrava-se claramente de como a garota era. Era animada, gentil, carinhosa, inteligente. Mas não era nem um pouco poderosa, por um razão muito simples. Ela não queria poder. Queria apenas viver uma vida normal, como a de qualquer outra garota. Não queria ser uma xamã. Tinha até mesmo medo dos espíritos. Não era Liberté. Não podia ser. Por que está sorrindo, Hao? Por acaso acha isso bom? Sim, minha querida Anna. Por acaso acho isso muito bom. Continue vigiando.

Olhava melancolicamente para o teto do quarto, de onde pingavam diversas goteiras. Não gostava nem um pouco de chuva. Na verdade, detestava. Detestava também o cheiro de sangue em seu corpo, a fraqueza que voltava a tomar conta dela, fraqueza forte o suficiente para impedi-la de se lavar. Gastara tanta energia que parecia que ia morrer. Estava em tal estado de desligamento que nem mesmo o estardalhaço no quarto ao lado a alcançava. Nem mesmo a gritaria dos garotos, nem o som do sangue do jovem chinês que eles tentavam ajudar caindo no chão, nem nada. Tudo ao seu redor parecia ser feito de água, e os únicos sons que faziam parte daquele estranho mundo eram os sons da chuva torrencial e das goteiras no teto. Pouco a pouco, esses sons foram embalando-a, até conduzirem-na a um sono profundo e sem sonhos.

Abriu a porta do quarto dela, apenas para encarar aquele quadro melancólico. Seu corpo, sujo de lama e sangue, repousava sobre o chão encharcado, esgotado. Por todos os lados havia baldes de onde a água das goteiras transbordava, e estava fazendo um frio de rachar no quarto triste e quieto. O quarto ao lado finalmente tinha se aquietado também. Finalmente os garotos tinham conseguido estancar os seus ferimentos, e agora tinham todos ido dormir. Mei-ann, que tinha assistido a luta, parecia ter desaparecido. Colocou a mão esquerda fracamente sobre o abdômen, tentando diminuir um pouco a dor que cada inspiração lhe causava. Apesar do barulho absurdo que aquela chuva estranha fazia, estava tudo muito silencioso. Silencioso até demais. E naquele silêncio estranho, ela pode ouvir muito claramente a voz baixa e irritada no andar lá embaixo, na porta que dava para a rua. A voz da garota que ele tanto odiava. A voz da fria e melancólica noiva de Yoh Asakura. O que você está fazendo aqui?

As duas garotas de cabelos dourados se observavam, trocando olhares acusadores. Nunca tinham sido grandes amigas. O duro e solitário treinamento pelo qual ambas passaram quando crianças tinha o dom de afastar as pessoas. E agora, após tantos anos, as duas finalmente se encontravam novamente. A pouca afeição que existia parecia ter desaparecido, restando agora apenas desconfiança. A primeira a quebrar o silêncio foi a mais velha. O que você está fazendo aqui? Mei-ann.

Suas voz soou, como sempre, seca e inexpressiva. Mas não seria aquilo que assustaria a irmã, provavelmente mais seca e inexpressiva que ela. Responda. Você sabe a resposta. Não, não sei. Você veio aqui nos vigiar para o Hao? Ah, sim, eu não sou idiota. Percebi assim que Hao me disse que não me queria mais como esposa. Liguei os fatos. Sim, eu sabia, Anna-chan. Não me chame assim! Não sou mais uma criança que pode ser carregada de um lado para o outro! Não sigo mais ordens de ninguém! Ah, isso não é verdade. Talvez seja estúpida demais para perceber, mas do mesmo jeito que obedecia às ordens da família, obedece agora ordens de Hao. Aqui está você, nesse frio de rachar, encharcada até os ossos, observando. É realmente isso que você quer fazer, Anna-chan? Eu duvido. Você quer apenas ser aceita por ele. Curar seu coração ferido, não é, minha cara Anna? O que você sabe sobre isso, afinal? Está tão seca que duvido que possa sentir qualquer coisa! O que você sabe sobre mim, Anna? Não tente fazer acusações a alguém que você não conhece. Não sabe absolutamente nada sobre mim. Nossa conversa acabou por aqui. Diga a Hao que pare de mandá-la vir nos vigiar, ou vou matá-la da próxima ver que vier. Sim, minha própria irmã. Agora saia.

Sem lançar nem mais um olhar para a irmã mais nova, Mei-ann subiu para o seu quarto. Anna, surpresa pela segunda vez naquele dia, seguiu exatamente as instruções de sua irmã. Devagar e silenciosamente deixou a pensão, andando debaixo da chuva sem se importar. No entanto, não foi na direção do hotel onde Hao estava. Continuou andando na direção do deserto, sentindo-se novamente solitária.

Senhorita Anna?

Apesar de ainda ser muito nova, ninguém mais a chamava de Anna-chan. Era agora uma bruxa poderosa, e não uma criança. Vim trazê-la de volta à Mansão Asakura. Como? - sua voz era inexpressiva, seca. Uma bruxa não deve soar infantil, por mais nova que seja. Eu...Sinto muito, Senhorita Anna. Mas houve uma mudança de planos. Mei-ann está desaparecida já faz um mês. A Senhorita não soube por estar em confinamento. Ela deixou uma carta, dizendo que estava nos deixando para sempre. Tentaram encontrá-la, é claro, mas não conseguiram. Então...Bem, como eu disse, houve uma mudança de planos. A Senhorita irá se casar com Yoh-kun.

Não. Não era possível. Ela, se casar com aquele garoto bobo e fraco? Devia haver algum engano. Devia ser algum sonho, algum sonho horrível e cruel. Impossível. Não ela. Ela deveria ser uma bruxa, a mais poderosa de todas. Estava tudo estragado. Tudo.

Droga. Droga. Droga, droga, droga, droga. Ficou horrendo. Demorei tanto para escrever, e só consegui fazer essa coisa horrível. Bem, não importa. Talvez eu simplesmente não sirva para narrar lutas. No entanto, prometo que faço o próximo melhor. E mais rápido também. Deixem reviews, e me desculpem, por favor. Eu SEI que ficou ruim, mas fiz e refiz milhões de vezes e as outras versões foram ainda piores. A chuva devia ter começado no capítulo 8. E a luta decididamente deveria ter sido melhor. Perdoem-me! Lady Macbeth