Capítulo 13 – Quando tudo começou

A chuva que escorria por seu corpo, a lama que sujava a sua yukata branca, os gritos de batalha. Tudo sumiu e, por alguns instantes, foi substituído por um silêncio, um vazio aterrador. Vazio que lembrava como tinha se sentido...Quando tudo começou.

Pouco a pouco, imagens, sons, sensações foram aparecendo. As paredes de papel de arroz de uma típica casa japonesa. O chão de madeira macia e clara, que rangia sob seus pés quando se levantava à noite para observar as flores que caíam sem parar sobre a cidade. O som das pétalas caindo, o som de pingos no chão. O cheiro de sangue. O líquido rubro que cobria o chão, as paredes, o teto. De onde vinha tanto sangue? O que estava acontecendo?

E por fim, diante de si, os dois corpos. Estraçalhados, destruídos sem piedade, sem remorso. Mortos, irreversivelmente mortos. E ele, onde estava?

É claro, ele não estava. Tinha sido ele. Por isso ele tinha beijado-a. Uma despedida.

Por que não tinha matado-a? Por que a deixara sozinha? Por que matara seus pais, que tinham sido tão bons, tão carinhosos, tão gentis com ele, como somente verdadeiros pais seriam?

Raiva, muita raiva, substituiu o vazio. Muita raiva, muita dor. Não era a dor silenciosa e eterna que arrastara consigo por todos aqueles anos. Era dor forte, gritante, louca, agoniada. Vontade de gritar, de chorar, de lutar, de matar.

Então era assim que ela tinha se sentido...Tinha esquecido como era horrível aquela sensação.

Mas, por mais que tivesse esquecido, podia reconhecer que havia algo errado. Uma sensação estranha de fraqueza, como se suas forças estivessem sendo sugadas. E havia algo diferente. Ela estava diferente. Não era mais a criança inocente, com grandes olhos surpresos e horrorizados. Seus olhos agora carregavam melancolia, sabedoria, e algo mais.

Levantou-se, olhando ao redor da casa. Era tudo exatamente como se lembrava...Menos ela...Doía tanto...

Não tinha mais forças para lutar, para se vingar. Nada mais importava. Estava fraca demais. Pelo menos ficaria ali, descansando, com sua família, na tranqüilidade e no aconchego de seu lar.

Deixou-se cair no chão, e fechou os olhos.

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Ren foi mais uma vez atingido pelas fitas de luz que aquela mulher manejava tão delicadamente, tão graciosamente. Fitas com vontade, com autonomia. Ele não conseguia cortá-las. Eram etéreas, sem forma, feitas de espírito. Defendiam e atacavam com uma perfeição inacreditável.

Olhou para Horohoro, que não se encontrava em situação melhor. Conseguiu se aproximar mais dele, que resmungava:

- Não dá...É...Forte demais.

- É. Forte demais.

Horohoro olhou para ele com um sorriso cúmplice. Do canto de sua boca escorria um filete de sangue, dando um aspecto selvagem ao sorriso.

- No que você está pensando?

- Estou pensando que sozinho não dá pra vencer essa mulher. E você também não consegue vencer aquele cara sozinho. E que a Liberté não está na melhor das situações.

Horohoro lançou rapidamente um olhar na direção da garota.

- É, tem razão. E o que você sugere?

- Bem...Vamos derrotar um de cada vez. Dois contra um é mais fácil. Primeiro a gente acaba com o cara que tá lutando com você. Ele parece ser o menos forte. Você ataca, eu finjo que vou atacar a mulher. Ela não vai me atacar, está simplesmente se defendendo. Quando o espírito dele estiver ocupado repelindo o seu ataque, eu ataco.

- Vai dar certo?

- Como eu vou saber? Eu só queria mesmo é que ela voltasse ao normal... – voltando seus olhos para a garota caída no chão, ele gritou – Acorda, Liberté!

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Algo perturbou o silêncio opressor. Alguém falando, muito baixo, como se estivesse distante, muito distante. Num outro lugar, num outro universo.

Ela abriu os olhos. Conhecia aquela voz. Pertencia a um outro tempo, outra dimensão. Como ela. Como o sentimento que a ligava àquela voz. Era aquela voz, como o ódio tinha sido por muito tempo, o elo que fazia com que ela fizesse parte não daquele, mas de um mundo real, de sensações intensas, dor e alívio, ódio e amor, tristeza e alegria.

Ela não pertencia àquele lugar. Aquele tempo já tinha passado. Ela já tinha feito sua escolha. Ela não tinha escolhido morrer. Mesmo que morrer naquela paz parecesse tão mais fácil que viver. Ela tinha escolhido viver, mesmo que aquilo significasse sofrer.

Ela não ia voltar atrás. Ela ia viver.

Ela abriu os olhos, e se pôs de pé. E a cena ao seu redor começou a mudar. Imagens, milhares de imagens mostrando todos os momentos em que tinha tido a oportunidade de morrer. Mas tinha escolhido viver.

E assim ela continuaria.

Então, algo aconteceu.

As cenas que ela conhecia tão bem mudaram por cenas estranhas a ela. Cenas com pessoas, paisagens e sentimentos que ela desconhecia. Neve, lágrimas, cabelos dourados, corpos feridos, nuvens no céu e o mar, comendo dia a dia, ano a ano, a terra boa e fértil da qual um povo dependia para viver. Lembranças, cheias de dor e tristeza, como as suas. Lembranças que pertenciam não a ela, mas ao homem que tinha tentado manipulá-la.

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Horohoro atacou o homem. Não com todas as suas forças, como tinha feito até agora, mas com cautela, guardando poder caso o ataque de Ren não funcionasse.

Como os dois tinham previsto, o grande espírito pertencente ao jovem de longos cabelos dourados repeliu facilmente o ataque de Horohoro. O ataque de Ren veio então, forte e inesperado. O espírito tombou, piscou por alguns segundos como se fosse desaparecer, mas contra-atacou. Um contra-ataque cheio de força, mas sem muita convicção, que não conseguiu atingir nada além de vento. Mais uma vez, Ren atacou, e mais uma vez, o rápido espírito se esquivou, recebendo o ataque que Horohoro tinha guardado para o fim.

O garoto sentou-se no chão cansado, sua energia praticamente esgotada. Ren respirava com dificuldade, e seu ferimento tinha voltado a sangrar. Mas Tialfi tinha sido derrotado. Seu corpo jovem e forte estava deitado no chão, e ele respirava com dificuldade. Ele olhou na direção da irmã, esperando que ela viesse ajudá-lo.

Mas Niffleheim olhava apenas para a luta de seu mestre, como que hipnotizada. Embora aparentemente luta alguma estivesse sendo travada entre Asgard e a garota, a tensão e a energia entre os dois eram quase palpáveis.

E ela, que conhecia Asgard melhor do que ninguém, podia sentir que, pela primeira vez, não era ele quem estava levando vantagem. Apesar da palidez quase mortal no rosto da garota, havia uma aura de energia, esperança e determinação ao redor dela, enquanto Asgard parecia vazio, fraco, como as pessoas costumavam ficar sob o seu ataque.

E então, a garota abriu os olhos e, com dificuldade, se levantou. Asgard, ao contrário, caiu no chão de joelhos, ofegante.

Liberté levou as mãos à cabeça, tonta, e olhou calmamente para Asgard, cuja energia parecia estar se tornando cada vez mais fraca.

E, por fim, a troca de lembranças entre os dois parou, e a energia pertencente a Asgard desapareceu completamente.

Niffleheim caiu de joelhos na lama, chocada demais, horrorizada demais, para perceber o irmão caído no chão, as lágrimas que escorriam pelo seu rosto, o ataque poderoso que a garota de longos cabelos escuros preparava contra ela. O seu mestre, o seu deus, o seu herói enviado por Odin para salvar seu povo, tinha sido derrotado por uma garota. Não uma garota qualquer, mas a presa mais fácil que Asgard poderia desejar - uma pessoa amargurada, despedaçada, cheia de dúvidas, mágoas e desejos ocultos.

Niffleheim não percebeu nem mesmo quando o pequeno Espírito Guardião de Liberté atravessou-a, retirando toda a sua energia, despedaçando o espírito que formava as fitas douradas, despedaçando o seu próprio corpo. A decepção de ver o seu deus vencido e humilhado era grande demais. Significava o fim de seus sonhos, o fim de tudo para o qual ela dera os melhores anos de sua vida, treinando sem parar para chegar ao menos aos pés daquele que ela tanto amava.

Liberté olhou para ela, e depois para o juiz, que declarou o Grupo do Ren como o grupo vencedor. Em seguida, foi embora andando, sozinha, sem ter coragem para encarar Ren, que ainda sangrava com as feridas que ela causara.

Apesar de ter vencido uma das lutas em sua mente, ainda havia muitas outras a serem travadas.

No entanto, pouco a pouco, ela estava conseguindo reunir os pedaços que a compunham. E quem sabe um dia, depois de muito trabalho e muita esperança, ela conseguisse juntar aqueles pedaços. Afinal, ela tinha aprendido uma coisa muito boa com um garoto muito especial. Era que, no fim, tudo acabava dando certo.

Assim, ela foi para a pensão descansar, enquanto esperava o fim chegar.

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Oi!

Bem...Eu realmente não sei o que dizer. Em primeiro lugar, quero me desculpar por ter demorado tanto para postar esse capítulo. Mas juro, não foi por preguiça. Aconteceu um monte de coisa ruim na minha vida, que me impossibilitou completamente de escrever. Um monte gigantesco de coisa ruim. Prefiro não falar sobre isso, mas nos momentos terríveis pelos quais passei essa história era a última coisa na qual eu queria pensar.

De qualquer forma, aqui está o capítulo. Até que essa luta ficou satisfatória, não acham? Uma boa parte do próximo capítulo já está escrita, mas não prometo nada. Posso demorar dois dias para postá-lo, mas também posso demorar três semanas. Escrever essa história é muito desgastante, sabem? Além de que aparentemente só tem umas duas pessoas lendo, o que não é muito estimulante. Não que essas pessoas não sejam importantes. Muito pelo contrário, é graças a elas que eu continuo a escrever. Espero que continuem mandando reviews com sugestões (pelo amor de Deus, sugestões), elogios e críticas (construtivas, por favor).

Lady Macbeth