Capítulo 05 - Noite dos mascarados
Eu ainda estou tentando me controlar depois das cenas hilárias de ontem à tarde. Quem diria que eu viveria tempo suficiente para ver Tiago Potter e Sirius Black, meus caros e queridos amigos, desfilarem de salto alto pelo salão comunal?
Depois de dispensar Amos e Davi, nós caminhamos por mais algum tempo pelo castelo até a hora do almoço, onde, como sempre está acontecendo desde o início dessa semana, Lílian tentava fazer aqueles dois aprenderem boas maneiras à mesa. Considerando que eu passara os últimos sete anos tentando fazê-los entender que existem algumas regras mínimas para se conviver em sociedade e eles nunca me ouviram (exceto, lógico, quando era para impressionar alguma garota, aí, de alguma maneira, eles se transformavam em verdadeiros gentlemans), era de se espantar como as ordens da ruiva eram razoavelmente obedecidas.
Ela conseguiu que eles reduzissem seu apetite de seis para dois pratos (o campeão, lógico, era Pedro, que conseguia repetir nada mais, nada menos que nove vezes...), mesmo porque, seria realmente muito estranho garotas com o apetite daqueles dois; proibiu-os de fazer campeonatos de arroto (pelo menos isso eles faziam longe das vistas de todos, mas, de alguma forma, ela descobriu); entre outras coisinhas que, realmente, farão uma diferença incrível quando eles tornarem a ser eles mesmos.
E, finalmente, chegamos às cenas inesquecíveis da tarde... Ficamos no salão comunal e Lílian subiu para o dormitório para, pouco depois voltar a nossa companhia, segurando dois pares de sandálias pretas, com tiras bem fininhas e saltos que deviam ter, no mínimo, quatro a cinco centímetros.
- Lily, o que está fazendo com essas sandálias? - Tiago perguntou, meio que sem querer saber a resposta.
- Eu disse que vocês teriam que aprender a andar com isso. E a dançar com isso também. E lembrem-se que a culpa é toda de vocês e de sua tirania machista.
Sinceramente, eu acho que a Lílian é uma daquelas feministas ferrenhas que adoram implicar conosco, o verdadeiro sexo frágil.
- Eu não vou usar isso. - Sirius olhou temeroso para a ruiva.
- Vai. Ou esqueceu que você aceitou o desafio?
- Mas se a gente vai com o Remo e o Pedro, podemos passar toda a noite sentados. - Tiago objetou.
- Não tem graça. - Lílian os olhou teimosamente - Vocês vão passar o baile inteiro sentados enquanto todo mundo se diverte? Não mesmo. Pelo menos dançar soltos vocês vão ter que dançar.
Bem, desafio é desafio e, já que aqueles dois nunca iam desistir, acabaram aceitando mais aquele sacrifício. Eles também não tinham muita opção, agora que haviam começado, teriam que ir até o fim.
Alguém já viu um filhote de girafa ao nascer? Os coitados sofrem para conseguir se adaptar às longas pernas com que vêm ao mundo e sofrem um bocado para conseguir caminhar um pouco. Muito tempo depois eles conseguem andar como seus pais e, se você prestar atenção, com uma elegância discreta, como se dissessem "eu agora sou mais eu". Porque estou dizendo tudo isso? Porque os primeiros passos daqueles dois me lembravam muito os de uma girafa recém-nascida...
- Vá com calma. - Lílian disse, tentando encorajar Tiago, o primeiro a tentar se equilibrar naquele negócio - Coloque um pé diante do outro, como se houvesse uma linha reta traçada no chão.
- É fácil falar, não é você quem está caminhando como bêbado. - Tiago respondeu mau humorado.
Lílian pareceu ofendida com as palavras dele e tomou a sandália de Sirius, que tentava amarrá-la ao seu "mimoso" pezinho (eu tenho a leve impressão de que aquilo não era de se amarrar, mas tudo bem...). Em questão de segundos, ela se calçou (desconfio que se tivessem deixado Sirius com aquilo, ele teria passado horas apenas para conseguir colocá-la) e desfilou pelo salão com uma altivez e elegância que não se vêm todos os dias.
Tiago, obviamente, teve que se calar. Ela não andava tropeçando, nem com os braços abetos para não perder o equilíbrio. Agora era uma questão de honra conseguir andar naquele "troço". Ele tentou andar como Lílian, sem abrir os braços para se equilibrar, o que acabou por resultar num belo tombo...
Essa cena se repetiu com uma razoável frequência até o propriamente dia do baile. Teríamos que ir a Hogsmeade de tarde para comprar as vestes dos dois marotos antes deles se arrumarem para o baile. E, até agora, Sirius e Tiago ainda não tinham dominado a arte de andar sem cair a todo momento de suas "pernas de pau".
- Ai, Merlin... Eu vou quebrar minha coluna assim...
A ruiva abaixou-se até ficar no nível de Tiago, que tinha se sentado no chão enquanto esfregava sua coluna.
- Vem, eu ajudo você.
Tiago olhou-a com os olhos esbugalhados. Lílian, por incrível que possa parecer, estava sendo gentil com ele. O moreno levantou-se com redobrada coragem, dando as mãos para ela, que, à sua frente, começou a guiar seus passos. Meia hora depois, Tiago tinha conseguido avanços impressionantes. E chegou então a MINHA hora de sofrer. Enquanto Lílian agora tentaria ajudar Sirius a se equilibrar, eu teria que pôr meus pés a provação ensinando Tiago a dançar como uma garota. Alguém pode me dizer qual foi o enorme pecado que eu cometi?
Para minha surpresa, Tiago não pisou nos meus pés. E também não demorou muito para pegar o jeito. Era estranho ter uma garota tão bonita nos meus braços (eu já comentei como as "primas" de Lílian eram bonitas?) e saber que "aquilo" era, na verdade, meu amigo Pontas. Eu acho que a gentileza de Lílian e a lembrança que, depois de suportar tudo aquilo, ele finalmente teria uma chance com a ruiva, fizeram com que ele se dedicasse um pouquinho mais ao trabalho de "ser uma garota".
Tão entredido eu estava com esses pensamentos que não percebi quando Sirius fez uma careta de desgosto (depois de também já ter conseguido alguns avanços com o salto alto), arrancou a sandália e correu para o dormitório feminino.
Eu, Tiago, Pedro e Lílian nos entreolhamos antes da ruiva subir também para verificar o que havia acontecido. Lílian entrou correndo no quarto, mas Sirius estava agora trancado no banheiro. Só o que ela podia fazer era esperar. Assim, sentou-se na beirada de sua cama, enquanto aguardava "Sarita" sair.
- Lílian! Ô, LÍLIAN!
- Eu tô aqui, Sirius. - ela respondeu, aproximando-se da porta.
Ele entreabriu a porta de leve, e, para surpresa da garota, estava lívido.
- O que houve? - ela perguntou, começando a ficar preocupada.
- Porque é que eu tô sangrando?
Lílian ficou com a face da cor dos cabelos.
- Você tá... tá... é, bem...
- O quê? - ele perguntou temeroso (alguém duvida que ele já não soubesse qual era a resposta?)
Ela aproximou-se do ouvido dele, sussurrando algo.
- QUÊ?!
Nesse momento, Tiago adentrou o dormitório, a tempo de ver o amigo cair para trás,, desmaiado.
- O que aconteceu? - ele perguntou, tentando abrir a porta do banheiro, que fora bloqueado pelo corpo de Sirius.
- Ele está em choque. Desça que daqui a pouco ele vai estar bem.
Tiago assentiu, já que não tinha muito o que fazer. Algum tempo depois, Sirius apareceu apoiado em Lílian, com os cabelos molhados (provavelmente acabara de tomar banho) e ligeiramente pálido.
- O que aconteceu? - Pedro perguntou.
- Acredite, é melhor você não saber. - Lílian respondeu, olhando para mim e para Tiago - Sirius não está em condições, mas alguém tem que ir a Hogsmeade para comprar os seus vestidos de festa.
Eu gelei, como se adivinhando o que viria.
- E... - Tiago perguntou curioso.
- Você e o Remo vão ter que escolher algo para o Sirius também. Eu vou ficar aqui, já tenho meu vestido.
Tiago e eu nos entreolhamos receosos. Porque diabos ninguém se rebelava contra esse desafio absurdo? Tudo bem que eu não tinha me transformado em garota, mas aquela história também estava me afetando. E muito. Afinal, eu tinha que ser solidário aos meus amigos. Aquela história de "um por todos e todos por um", sabe como é.
Como não havia nada a ser feito, deixamos Pedro, Sirius e Lílian no salão comunal e nos encaminhamos para fora do castelo, onde algumas carruagens esperavam para levar os alunos a Hogsmeade. Amos e Davi deram um breve tchauzinho para "Teresa" e um aceno de boa sorte para mim. No mínimo eles estavam achando que eu e Tiago estávamos tendo um encontro. Cara, esse pensamento é simplesmente aterrador.
Fomos os dois a "Trapobelo", que era a loja de vestes a rigor que havia no povoado. Por sorte, não parecia haver ninguém ali. Provavelmente as garotas estavam numa daquelas lojas novas que tinham inaugurado quase no fim do povoado. Elas realmente adoram novidades...
Eu fiquei na calçada, observando o movimento e Tiago entrou, para olhar sem emoção alguma, as peças que estavam expostas. Uma vendedora apareceu para ajudar e, em poucos instantes, Tiago estava com uma pilha de vestidos no ombro, entrando no provador. A vendedora olhou pra mim enquanto Pontas se trocava, tendo no rosto um belo sorriso.
- Sua namorada é muito bonita. Você não vai ajudá-la a escolher?
Eu creio que nesse instante o sangue tenha me fugido da face. A garota tomou isso como algum sinal de emoção, ou sabe-se lá o quê e me ofereceu um copo d'águal. Eu não tive muito remédio além de entrar na loja, me sentar junto ao balcão e esperar que Tiago provasse aquele mundo de roupas que a garota o fizera pegar.
Como se adivinhando a provação pela qual eu estava passando, Tiago não demorou muito para escolher as roupas. Na hora eu não percebi, mas ele tinha separado três vestidos. Ele pagou e nós saímos da loja, sem conversar. Sem perceber, nós caminhamos para o Três Vassouras e, quando entramos, eu tive a impressão de que todos estavam olhando pra gente. Paranóia minha, com certeza, todos estavam muito ocupados discutindo suas vestes, máscaras e pares.
- Você comprou as máscaras também? - eu perguntei depois de pedir duas cervejas amanteigadas.
- Comprei. Espero que a Lily goste da que eu escolhi pra ela.
- Você comprou para a Lily também?
- Vou dar de presente. Acha que ela vai aceitar?
Considerando que o pobre Pontas perguntou isso anormalmente ansioso, eu só pude pensar que deveria torcer por ele. Quem sabe até rezar um pouco. Pobre coitado...
- Acho que sim.
Depois desse "interessantíssimo" diálogo, nós acabamos de beber nossas cervejas, pagamos a conta e saímos do bar, voltando a caminhar na direção do castelo. Quando chegamos no nosso salão comunal, Sirius parecia bem melhor, embora ainda estivesse obviamente incomodado. Ele, Lílian e Pedro jogavam uma partida de Snap Explosivo animadamente. Quando entramos, Pedro foi o primeiro a nos ver, e sua distração lhe rendeu uma explosão no rosto. Pobre Rabicho (alguém já notou que todos nós somos pobres, pobres marotos enredilhados nas armadilhas dessas garotas ditadoras? Eu acho que toda essa história está começando a mexer com meus miolos...).
Tiago entregou as sacolas a Lílian, que levantou-se e olhou para o relógio. Eram cinco horas da tarde, o baile começaria às oito. Ela começou a caminhar para o dormitório, mas, ao ver que não era seguida, virou-se e encarou nós quatro.
- O que vocês dois estão esperando para vir se arrumar.
- Mas ainda faltam três horas para o baile. - Tiago objetou.
- E você vai descobrir que três horas ainda é pouco para isso. Vamos logo.
Tiago e Sirius apenas se entreolharam, suspirando, e seguiram a ruiva. Eu me sentei junto de Pedro e comecei a jogar Snap com ele. Lá em cima, Sirius, que já tinha tomado banho, começou a ser maquiado por Lílian, enquanto Tiago ocupava o banheiro.
Pó, sombra, blush, batom, rímel, lápis, perfume, tudo de confundia na atmosfera do dormitório feminino. Quando Tiago saiu do banheiro, enrolado numa toalha, Lílian dava os toques finais na maquiagem de Sirius. Já se passara uma hora.
Agora faltava o cabelo. Com um feitiço rápido, ela fez todo o cabelo dele cachear, prendendo-os no alto com um arranjo de penas. A ruiva pegou o vestido que Sirius iria usar, um tomara-que-caia preto, com o busto todo bordado e uma longa echarpe a cair do pescoço. O único problema era as costas do vestido, que se fechavam como um corpete. Dez minutos depois de amarrar todas as fitas, Lílian olhou orgulhosa para "Sarita". Ela estava linda. No fundo da sacola, guardada numa pequena caixa, estava a máscara, também preta, com detalhes prateados e uma pedra azulada no alto. E, finalmente, Sirius estava pronto.
Enquanto esperava sua vez, Tiago observava a garota, que vestia apenas um robe prata. Ela era linda. Além de inteligente, doce, gentil,... apenas um pouco cabeça quente, mas até isso ele gostava nela...
- Vem, Potter. - ela disse, indicando a cadeira.
- Porque não me chama de Tiago? - ele perguntou, sentando-se, ao mesmo tempo em que Sirius saía do quarto.
- É estranho chamá-lo de Tiago você estando desse jeito. E não acho que queira ser chamado de Teresa. - ele viu o sorriso dela através do espelho - Quem sabe quando isso acabar eu não possa chamá-lo de Tiago.
- É, quem sabe...
A ruiva retirou os óculos dele, começando a maquiá-lo. Quando finalmente acabou, e Tiago reabriu os olhos, quase não podia acreditar no espelho. Se "ela" no espelho, não fosse ele, com certeza teria dado em cima "dela" (esses pensamentos confusos são típicos de Tiago...). Depois passaram pelo mesmo processo do cabelo, que, por incrível que pareça, conseguiu se aquietar. Lílian retirou o vestido que Tiago comprara para si. Era um verde-musgo, sem mangas, amarrado no pescoço. Bem, ela tinha que concordar, o rapaz tinha bom gosto apesar de tudo.
"Teresa" estava pronta e faltava uma hora para o início do baile. Agora faltava só ela se arrumar. Tiago observou-se com a máscara no espelho e ela esperou pacientemente, esperando ele sair para começar a se arrumar.
- Lily?
- O que é?
- Eu sei que você disse que já tinha um vestido. Mas eu comprei um de presente para você.
A ruiva observou ele tirar uma sacola de perto da cama dele e entregar para ela.
- Obrigada. - ela respondeu com um aceno da cabeça.
- Você vai usá-lo hoje?
Ela respirou fundo.
- Vou. Agora, se você não descer, eu não vou poder me arrumar.
Tiago sorriu e saiu do quarto assoviando. Apesar dos pesares, aquela prometia ser uma noite bem interessante. Quando ele surgiu na escadaria, eu dei um suspiro de alívio. Pelo menos com a máscara, ninguém nos reconheceria. Sirius e Pedro estavam conversando. Eles tinham formado um casal bem estranho, já que "Sarita" era bem mais alta que Rabicho.
Oito horas. A porta do dormitório feminino se abriu pela última vez e Lílian desceu. Ela estava usando um vestido prata, longo, com delicados cordões prateados caindo pelo braço, como se fazendo uma manga. O cabelo dela estava preso num coque de onde alguns fios se soltavam, caindo em cachos sobre o rosto dela. Eu acho que não preciso dizer que Tiago estava praticamente babando.
Nós entramos no salão principal, Pedro de braço dado com Sirius, eu com Tiago e Lílian sozinha. O salão estava cheio, eu tenho certeza que todas aquelas pessoas não eram apenas os alunos que ficaram no feriado. Talvez Dumbledore tivesse convidado outras pessoas.
Em todo caso, assim que entramos no salão, o cabelo de Lílian nos denunciou, afinal, não havia muitas ruivas no castelo. Mas só lá pelas onze horas alguém veio nos incomodar. Amos Diggory se aproximou, retirando sua máscara ao chegar à mesa em que nos sentamos.
- Olá, Lily. Onde está o Potter? Você não vinha com ele?
"Teresa" se remexeu levemente na cadeira.
- Ele não vai demorar. - ela respondeu com um sorriso torto, sentando-se entre Sirius e Tiago.
- É muita falta de educação, não, deixá-la sozinha...
- Na verdade, isso não é da sua conta. - Tiago respondeu mau humorado.
- E a senhorita? Veio com o Lupin, não é? - ele perguntou olhando pra mim - Acho que ele não vai se importar se eu roubá-la para dançar um pouquinho.
Eu não soube o que dizer, mas Tiago levantou-se com um sorriso hipócrita.
- Ele, não vai se importar, não se preocupe. - ele respondeu, oferecendo a mão.
Sirius e Pedro também foram dançar. Como dissera Sirius, ele não passara por toda aquela provação para ficar a noite sentado. Só sobramos eu e Lílian na mesa. Ela olhava com atenção para a pista, onde Tiago e Amos dançavam. Pela careta de Diggory, eu tenho uma boa idéia do que Tiago estava fazendo. Lílian olhou para o relógio e depois para mim.
- Vem, Remo, vamos dançar também.
Eu assenti e nós fomos para o meio do salão. Faltavam dez minutos para a meia-noite. Lentamente nós nos aproximamos de Tiago. Cinco minutos. Do outro lado do salão, Bellatrix, acompanhada de um de seus colegas de casa, se não me engano, um tal de Lestrange, observava um casal que dançava um pouco à frente dela.
Dois minutos. Estávamos tão próximos de Tiago e Diggory que eu podia ver cada cutucão que Pontas dava com o salto nos pés do lufa-lufa. Um minuto. Lílian se soltou de mim e afastou Tiago de Diggory.
- Teresa. - ela começou nervosamente - Será que você pode me acompanhar até o dormitório? Eu esqueci... minha pulseira.
Tiago olhou estranhamente para ela e eu gelei ao perceber o que estava acontecendo. Lentamente, os traços de Tiago estavam ficando menos femininos, e o corpo dele também estava mudando. Lílian não esperou resposta, apenas agarrou o braço dele e saiu correndo do salão, quase correndo.
Do outro lado do salão, Sirius ainda não tinha percebido o que estava acontecendo. "timo, eu disse para mim mesmo, suspirando, agora era a hora da catástrofe...
Eu ainda estou tentando me controlar depois das cenas hilárias de ontem à tarde. Quem diria que eu viveria tempo suficiente para ver Tiago Potter e Sirius Black, meus caros e queridos amigos, desfilarem de salto alto pelo salão comunal?
Depois de dispensar Amos e Davi, nós caminhamos por mais algum tempo pelo castelo até a hora do almoço, onde, como sempre está acontecendo desde o início dessa semana, Lílian tentava fazer aqueles dois aprenderem boas maneiras à mesa. Considerando que eu passara os últimos sete anos tentando fazê-los entender que existem algumas regras mínimas para se conviver em sociedade e eles nunca me ouviram (exceto, lógico, quando era para impressionar alguma garota, aí, de alguma maneira, eles se transformavam em verdadeiros gentlemans), era de se espantar como as ordens da ruiva eram razoavelmente obedecidas.
Ela conseguiu que eles reduzissem seu apetite de seis para dois pratos (o campeão, lógico, era Pedro, que conseguia repetir nada mais, nada menos que nove vezes...), mesmo porque, seria realmente muito estranho garotas com o apetite daqueles dois; proibiu-os de fazer campeonatos de arroto (pelo menos isso eles faziam longe das vistas de todos, mas, de alguma forma, ela descobriu); entre outras coisinhas que, realmente, farão uma diferença incrível quando eles tornarem a ser eles mesmos.
E, finalmente, chegamos às cenas inesquecíveis da tarde... Ficamos no salão comunal e Lílian subiu para o dormitório para, pouco depois voltar a nossa companhia, segurando dois pares de sandálias pretas, com tiras bem fininhas e saltos que deviam ter, no mínimo, quatro a cinco centímetros.
- Lily, o que está fazendo com essas sandálias? - Tiago perguntou, meio que sem querer saber a resposta.
- Eu disse que vocês teriam que aprender a andar com isso. E a dançar com isso também. E lembrem-se que a culpa é toda de vocês e de sua tirania machista.
Sinceramente, eu acho que a Lílian é uma daquelas feministas ferrenhas que adoram implicar conosco, o verdadeiro sexo frágil.
- Eu não vou usar isso. - Sirius olhou temeroso para a ruiva.
- Vai. Ou esqueceu que você aceitou o desafio?
- Mas se a gente vai com o Remo e o Pedro, podemos passar toda a noite sentados. - Tiago objetou.
- Não tem graça. - Lílian os olhou teimosamente - Vocês vão passar o baile inteiro sentados enquanto todo mundo se diverte? Não mesmo. Pelo menos dançar soltos vocês vão ter que dançar.
Bem, desafio é desafio e, já que aqueles dois nunca iam desistir, acabaram aceitando mais aquele sacrifício. Eles também não tinham muita opção, agora que haviam começado, teriam que ir até o fim.
Alguém já viu um filhote de girafa ao nascer? Os coitados sofrem para conseguir se adaptar às longas pernas com que vêm ao mundo e sofrem um bocado para conseguir caminhar um pouco. Muito tempo depois eles conseguem andar como seus pais e, se você prestar atenção, com uma elegância discreta, como se dissessem "eu agora sou mais eu". Porque estou dizendo tudo isso? Porque os primeiros passos daqueles dois me lembravam muito os de uma girafa recém-nascida...
- Vá com calma. - Lílian disse, tentando encorajar Tiago, o primeiro a tentar se equilibrar naquele negócio - Coloque um pé diante do outro, como se houvesse uma linha reta traçada no chão.
- É fácil falar, não é você quem está caminhando como bêbado. - Tiago respondeu mau humorado.
Lílian pareceu ofendida com as palavras dele e tomou a sandália de Sirius, que tentava amarrá-la ao seu "mimoso" pezinho (eu tenho a leve impressão de que aquilo não era de se amarrar, mas tudo bem...). Em questão de segundos, ela se calçou (desconfio que se tivessem deixado Sirius com aquilo, ele teria passado horas apenas para conseguir colocá-la) e desfilou pelo salão com uma altivez e elegância que não se vêm todos os dias.
Tiago, obviamente, teve que se calar. Ela não andava tropeçando, nem com os braços abetos para não perder o equilíbrio. Agora era uma questão de honra conseguir andar naquele "troço". Ele tentou andar como Lílian, sem abrir os braços para se equilibrar, o que acabou por resultar num belo tombo...
Essa cena se repetiu com uma razoável frequência até o propriamente dia do baile. Teríamos que ir a Hogsmeade de tarde para comprar as vestes dos dois marotos antes deles se arrumarem para o baile. E, até agora, Sirius e Tiago ainda não tinham dominado a arte de andar sem cair a todo momento de suas "pernas de pau".
- Ai, Merlin... Eu vou quebrar minha coluna assim...
A ruiva abaixou-se até ficar no nível de Tiago, que tinha se sentado no chão enquanto esfregava sua coluna.
- Vem, eu ajudo você.
Tiago olhou-a com os olhos esbugalhados. Lílian, por incrível que possa parecer, estava sendo gentil com ele. O moreno levantou-se com redobrada coragem, dando as mãos para ela, que, à sua frente, começou a guiar seus passos. Meia hora depois, Tiago tinha conseguido avanços impressionantes. E chegou então a MINHA hora de sofrer. Enquanto Lílian agora tentaria ajudar Sirius a se equilibrar, eu teria que pôr meus pés a provação ensinando Tiago a dançar como uma garota. Alguém pode me dizer qual foi o enorme pecado que eu cometi?
Para minha surpresa, Tiago não pisou nos meus pés. E também não demorou muito para pegar o jeito. Era estranho ter uma garota tão bonita nos meus braços (eu já comentei como as "primas" de Lílian eram bonitas?) e saber que "aquilo" era, na verdade, meu amigo Pontas. Eu acho que a gentileza de Lílian e a lembrança que, depois de suportar tudo aquilo, ele finalmente teria uma chance com a ruiva, fizeram com que ele se dedicasse um pouquinho mais ao trabalho de "ser uma garota".
Tão entredido eu estava com esses pensamentos que não percebi quando Sirius fez uma careta de desgosto (depois de também já ter conseguido alguns avanços com o salto alto), arrancou a sandália e correu para o dormitório feminino.
Eu, Tiago, Pedro e Lílian nos entreolhamos antes da ruiva subir também para verificar o que havia acontecido. Lílian entrou correndo no quarto, mas Sirius estava agora trancado no banheiro. Só o que ela podia fazer era esperar. Assim, sentou-se na beirada de sua cama, enquanto aguardava "Sarita" sair.
- Lílian! Ô, LÍLIAN!
- Eu tô aqui, Sirius. - ela respondeu, aproximando-se da porta.
Ele entreabriu a porta de leve, e, para surpresa da garota, estava lívido.
- O que houve? - ela perguntou, começando a ficar preocupada.
- Porque é que eu tô sangrando?
Lílian ficou com a face da cor dos cabelos.
- Você tá... tá... é, bem...
- O quê? - ele perguntou temeroso (alguém duvida que ele já não soubesse qual era a resposta?)
Ela aproximou-se do ouvido dele, sussurrando algo.
- QUÊ?!
Nesse momento, Tiago adentrou o dormitório, a tempo de ver o amigo cair para trás,, desmaiado.
- O que aconteceu? - ele perguntou, tentando abrir a porta do banheiro, que fora bloqueado pelo corpo de Sirius.
- Ele está em choque. Desça que daqui a pouco ele vai estar bem.
Tiago assentiu, já que não tinha muito o que fazer. Algum tempo depois, Sirius apareceu apoiado em Lílian, com os cabelos molhados (provavelmente acabara de tomar banho) e ligeiramente pálido.
- O que aconteceu? - Pedro perguntou.
- Acredite, é melhor você não saber. - Lílian respondeu, olhando para mim e para Tiago - Sirius não está em condições, mas alguém tem que ir a Hogsmeade para comprar os seus vestidos de festa.
Eu gelei, como se adivinhando o que viria.
- E... - Tiago perguntou curioso.
- Você e o Remo vão ter que escolher algo para o Sirius também. Eu vou ficar aqui, já tenho meu vestido.
Tiago e eu nos entreolhamos receosos. Porque diabos ninguém se rebelava contra esse desafio absurdo? Tudo bem que eu não tinha me transformado em garota, mas aquela história também estava me afetando. E muito. Afinal, eu tinha que ser solidário aos meus amigos. Aquela história de "um por todos e todos por um", sabe como é.
Como não havia nada a ser feito, deixamos Pedro, Sirius e Lílian no salão comunal e nos encaminhamos para fora do castelo, onde algumas carruagens esperavam para levar os alunos a Hogsmeade. Amos e Davi deram um breve tchauzinho para "Teresa" e um aceno de boa sorte para mim. No mínimo eles estavam achando que eu e Tiago estávamos tendo um encontro. Cara, esse pensamento é simplesmente aterrador.
Fomos os dois a "Trapobelo", que era a loja de vestes a rigor que havia no povoado. Por sorte, não parecia haver ninguém ali. Provavelmente as garotas estavam numa daquelas lojas novas que tinham inaugurado quase no fim do povoado. Elas realmente adoram novidades...
Eu fiquei na calçada, observando o movimento e Tiago entrou, para olhar sem emoção alguma, as peças que estavam expostas. Uma vendedora apareceu para ajudar e, em poucos instantes, Tiago estava com uma pilha de vestidos no ombro, entrando no provador. A vendedora olhou pra mim enquanto Pontas se trocava, tendo no rosto um belo sorriso.
- Sua namorada é muito bonita. Você não vai ajudá-la a escolher?
Eu creio que nesse instante o sangue tenha me fugido da face. A garota tomou isso como algum sinal de emoção, ou sabe-se lá o quê e me ofereceu um copo d'águal. Eu não tive muito remédio além de entrar na loja, me sentar junto ao balcão e esperar que Tiago provasse aquele mundo de roupas que a garota o fizera pegar.
Como se adivinhando a provação pela qual eu estava passando, Tiago não demorou muito para escolher as roupas. Na hora eu não percebi, mas ele tinha separado três vestidos. Ele pagou e nós saímos da loja, sem conversar. Sem perceber, nós caminhamos para o Três Vassouras e, quando entramos, eu tive a impressão de que todos estavam olhando pra gente. Paranóia minha, com certeza, todos estavam muito ocupados discutindo suas vestes, máscaras e pares.
- Você comprou as máscaras também? - eu perguntei depois de pedir duas cervejas amanteigadas.
- Comprei. Espero que a Lily goste da que eu escolhi pra ela.
- Você comprou para a Lily também?
- Vou dar de presente. Acha que ela vai aceitar?
Considerando que o pobre Pontas perguntou isso anormalmente ansioso, eu só pude pensar que deveria torcer por ele. Quem sabe até rezar um pouco. Pobre coitado...
- Acho que sim.
Depois desse "interessantíssimo" diálogo, nós acabamos de beber nossas cervejas, pagamos a conta e saímos do bar, voltando a caminhar na direção do castelo. Quando chegamos no nosso salão comunal, Sirius parecia bem melhor, embora ainda estivesse obviamente incomodado. Ele, Lílian e Pedro jogavam uma partida de Snap Explosivo animadamente. Quando entramos, Pedro foi o primeiro a nos ver, e sua distração lhe rendeu uma explosão no rosto. Pobre Rabicho (alguém já notou que todos nós somos pobres, pobres marotos enredilhados nas armadilhas dessas garotas ditadoras? Eu acho que toda essa história está começando a mexer com meus miolos...).
Tiago entregou as sacolas a Lílian, que levantou-se e olhou para o relógio. Eram cinco horas da tarde, o baile começaria às oito. Ela começou a caminhar para o dormitório, mas, ao ver que não era seguida, virou-se e encarou nós quatro.
- O que vocês dois estão esperando para vir se arrumar.
- Mas ainda faltam três horas para o baile. - Tiago objetou.
- E você vai descobrir que três horas ainda é pouco para isso. Vamos logo.
Tiago e Sirius apenas se entreolharam, suspirando, e seguiram a ruiva. Eu me sentei junto de Pedro e comecei a jogar Snap com ele. Lá em cima, Sirius, que já tinha tomado banho, começou a ser maquiado por Lílian, enquanto Tiago ocupava o banheiro.
Pó, sombra, blush, batom, rímel, lápis, perfume, tudo de confundia na atmosfera do dormitório feminino. Quando Tiago saiu do banheiro, enrolado numa toalha, Lílian dava os toques finais na maquiagem de Sirius. Já se passara uma hora.
Agora faltava o cabelo. Com um feitiço rápido, ela fez todo o cabelo dele cachear, prendendo-os no alto com um arranjo de penas. A ruiva pegou o vestido que Sirius iria usar, um tomara-que-caia preto, com o busto todo bordado e uma longa echarpe a cair do pescoço. O único problema era as costas do vestido, que se fechavam como um corpete. Dez minutos depois de amarrar todas as fitas, Lílian olhou orgulhosa para "Sarita". Ela estava linda. No fundo da sacola, guardada numa pequena caixa, estava a máscara, também preta, com detalhes prateados e uma pedra azulada no alto. E, finalmente, Sirius estava pronto.
Enquanto esperava sua vez, Tiago observava a garota, que vestia apenas um robe prata. Ela era linda. Além de inteligente, doce, gentil,... apenas um pouco cabeça quente, mas até isso ele gostava nela...
- Vem, Potter. - ela disse, indicando a cadeira.
- Porque não me chama de Tiago? - ele perguntou, sentando-se, ao mesmo tempo em que Sirius saía do quarto.
- É estranho chamá-lo de Tiago você estando desse jeito. E não acho que queira ser chamado de Teresa. - ele viu o sorriso dela através do espelho - Quem sabe quando isso acabar eu não possa chamá-lo de Tiago.
- É, quem sabe...
A ruiva retirou os óculos dele, começando a maquiá-lo. Quando finalmente acabou, e Tiago reabriu os olhos, quase não podia acreditar no espelho. Se "ela" no espelho, não fosse ele, com certeza teria dado em cima "dela" (esses pensamentos confusos são típicos de Tiago...). Depois passaram pelo mesmo processo do cabelo, que, por incrível que pareça, conseguiu se aquietar. Lílian retirou o vestido que Tiago comprara para si. Era um verde-musgo, sem mangas, amarrado no pescoço. Bem, ela tinha que concordar, o rapaz tinha bom gosto apesar de tudo.
"Teresa" estava pronta e faltava uma hora para o início do baile. Agora faltava só ela se arrumar. Tiago observou-se com a máscara no espelho e ela esperou pacientemente, esperando ele sair para começar a se arrumar.
- Lily?
- O que é?
- Eu sei que você disse que já tinha um vestido. Mas eu comprei um de presente para você.
A ruiva observou ele tirar uma sacola de perto da cama dele e entregar para ela.
- Obrigada. - ela respondeu com um aceno da cabeça.
- Você vai usá-lo hoje?
Ela respirou fundo.
- Vou. Agora, se você não descer, eu não vou poder me arrumar.
Tiago sorriu e saiu do quarto assoviando. Apesar dos pesares, aquela prometia ser uma noite bem interessante. Quando ele surgiu na escadaria, eu dei um suspiro de alívio. Pelo menos com a máscara, ninguém nos reconheceria. Sirius e Pedro estavam conversando. Eles tinham formado um casal bem estranho, já que "Sarita" era bem mais alta que Rabicho.
Oito horas. A porta do dormitório feminino se abriu pela última vez e Lílian desceu. Ela estava usando um vestido prata, longo, com delicados cordões prateados caindo pelo braço, como se fazendo uma manga. O cabelo dela estava preso num coque de onde alguns fios se soltavam, caindo em cachos sobre o rosto dela. Eu acho que não preciso dizer que Tiago estava praticamente babando.
Nós entramos no salão principal, Pedro de braço dado com Sirius, eu com Tiago e Lílian sozinha. O salão estava cheio, eu tenho certeza que todas aquelas pessoas não eram apenas os alunos que ficaram no feriado. Talvez Dumbledore tivesse convidado outras pessoas.
Em todo caso, assim que entramos no salão, o cabelo de Lílian nos denunciou, afinal, não havia muitas ruivas no castelo. Mas só lá pelas onze horas alguém veio nos incomodar. Amos Diggory se aproximou, retirando sua máscara ao chegar à mesa em que nos sentamos.
- Olá, Lily. Onde está o Potter? Você não vinha com ele?
"Teresa" se remexeu levemente na cadeira.
- Ele não vai demorar. - ela respondeu com um sorriso torto, sentando-se entre Sirius e Tiago.
- É muita falta de educação, não, deixá-la sozinha...
- Na verdade, isso não é da sua conta. - Tiago respondeu mau humorado.
- E a senhorita? Veio com o Lupin, não é? - ele perguntou olhando pra mim - Acho que ele não vai se importar se eu roubá-la para dançar um pouquinho.
Eu não soube o que dizer, mas Tiago levantou-se com um sorriso hipócrita.
- Ele, não vai se importar, não se preocupe. - ele respondeu, oferecendo a mão.
Sirius e Pedro também foram dançar. Como dissera Sirius, ele não passara por toda aquela provação para ficar a noite sentado. Só sobramos eu e Lílian na mesa. Ela olhava com atenção para a pista, onde Tiago e Amos dançavam. Pela careta de Diggory, eu tenho uma boa idéia do que Tiago estava fazendo. Lílian olhou para o relógio e depois para mim.
- Vem, Remo, vamos dançar também.
Eu assenti e nós fomos para o meio do salão. Faltavam dez minutos para a meia-noite. Lentamente nós nos aproximamos de Tiago. Cinco minutos. Do outro lado do salão, Bellatrix, acompanhada de um de seus colegas de casa, se não me engano, um tal de Lestrange, observava um casal que dançava um pouco à frente dela.
Dois minutos. Estávamos tão próximos de Tiago e Diggory que eu podia ver cada cutucão que Pontas dava com o salto nos pés do lufa-lufa. Um minuto. Lílian se soltou de mim e afastou Tiago de Diggory.
- Teresa. - ela começou nervosamente - Será que você pode me acompanhar até o dormitório? Eu esqueci... minha pulseira.
Tiago olhou estranhamente para ela e eu gelei ao perceber o que estava acontecendo. Lentamente, os traços de Tiago estavam ficando menos femininos, e o corpo dele também estava mudando. Lílian não esperou resposta, apenas agarrou o braço dele e saiu correndo do salão, quase correndo.
Do outro lado do salão, Sirius ainda não tinha percebido o que estava acontecendo. "timo, eu disse para mim mesmo, suspirando, agora era a hora da catástrofe...