Cap. 11 – Lótus

Uma noite, Shaka sentiu que o cosmos de Lan se acendeu de forma exacerbada. -Que tens, querida? -Shaka, meu amor- disse ela em voz baixa – tenho de regressar ao templo enquanto ainda vou a tempo para convidar os monges para o casamento. Não sei como me esqueci.

-Estás tão preocupada por causa disso que até o teu cosmos se expandiu dessa maneira? Eu já mandei os convites. Bem me tinham dito que o stress pré nupcial é uma doença de noivas, mas nunca pensei que fosse assim!- gracejou Shaka meigamente, olhando-a bem no fundo dos olhos, com as suas incríveis pupilas azuis. Ela acariciou-lhe o rosto e beijou-lhe os lábios. -Amo-te tanto, Shaka.

E levantou-se da cama, correu para apanhar a urna da armadura, e saiu disparada para a porta. -Onde vais, Lan,endoideceste?

-tenho de ir para a aldeia agora, mas juro que volto três semanas antes do casamento! E , perante o grande espanto do noivo,que ficou ali especado vestindo apenas umas calças, teleportou-se.

- Mas...eu nunca lhe ensinei tal coisa! Que se passa? Deve haver algo grave na aldeia. Vou ver. E, sem se demorar mais, correu a procurar Saga na casa de Gemini, explicando aos tropeções o que se passava, numa aflição tão invulgar nele que Saga mal teve tempo de pegar na armadura e correr.

Chegados ao Templo, viram Lan, na sua reluzente armadura de pavão, de cosmos altíssimo, rodeada de três indivíduos assustadores. Shaka gritou e lançou-se no alcance deles, apenas para ver Lan ser atingida por um cosmos negro e cair.

-LAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAN!- Amparou-a nos braços. Não estava atingida de forma grave, mas o golpe tinha-a atordoado. -Querido...não devias...ter vindo....é a mim...que eles querem. –e desmaiou. -A ti? A ti, porquê? -Ela está bem Shaka, vamos acabar com isto de uma vez por todas! –exclamou Saga, medindo o pulso de Lan.

-MALDITOS! Qual de vocês é o último Medo?- gritou Shaka, fora de si, com os olhos muito abertos. À frente dele estavam três pessoas, de aspecto estranho e ameaçador. -Somos os três – sorriu uma bonita rapariga ruiva

. –Eu sou DÚVIDAS – Ela vestia uma pesada armadura cor de chumbo, que se assemelhava muito a uma sappuris.

- E eu – guinchou uma velha muito magra, que caminhava em pulinhos sempre resmungando sutras, uma figura mirrada, corcovada e seca, que parecia uma personificação da Avareza – sou DESILUSÕES.

KARMA – respondeu um belo moço negro, de pala no olho, trajando uma armadura violeta. O cosmos daqueles três era intenso e depressivo, uma coisa de gelar o sangue. Saga adiantou-se. -Eu trato desse garoto! -Tens a certeza? É melhor eu acabar com esses três. -Não é por vocês dois que viemos, mas pela rapariga!- gritou o homem. -Metam-se com alguém do vosso tamanho!- berrou Shaka- vão pagar, e caro, pelo que fizeram à minha noiva quando era pouco mais que uma criança! -Isso é o que vamos ver. -Saga deu um passo em frente, apontando para o rapaz- Tu!

-Saga de Gémeos... -escarneceu ele- tens a certeza de que superarás o teu karma? É pesado...muito pesado, Saga.

Shaka afastou o amigo –Saga...acho que ele tem razão. O teu karma não é muito bom. -Não! –e lançou a Shaka um breve olhar cheio de significado. – Eu tenho de de enfrentar isto...uma ultima vez.... estou farto de carregar com a culpa! Já chega!

-Seja então. – respondeu o rapaz. ESPELHO DOS ERROS! DESARMONIA TOTAL!!! Mas...antes que o golpe atingisse Saga , ele foi novamente possuído por Ares. -Danou-se –disse Shaka. O cosmos de Saga era demolidor. –Eu não tenho medo de nenhum «karma», rapazinho! Hahahahahaa... -e devolveu o ataque que KARMA TINHA LANÇADO. Este ficou deconcertado, e deu meia volta a correr, gritando:

-nunca vi um homem que seja imune ao próprio karma! -Onde vais, cobarde ?? Termina a luta como um homem! Shaka quase rolou no chão de tanto rir, Saga riu também, voltando ao normal, para alívio do Virginiano. -Não se riam que a luta ainda não acabou! –Gritou DÚVIDAS. -Podes estar tranquila, que morres hoje.- respondeu Shaka. A jovem aumentou o cosmos. -DESTRUIÇÃO DA CONFIANÇA! – gritou a ruiva com um sorriso de triunfo –

Nenhum homem, nem mesmo o homem mais próximo de Deus, está derrotado antes de derrotarmos a sua confiança!

Uma energia fria e espessa envolveu Shaka, que começou a sentir-se muito em baixo, deprimido. Tremia. Saga nem queria acreditar.

-Porque...-murmurou Shaka –porque tenho de lutar? -Não sabes, não é? – respondeu a mulher, aproximando-se vagarosamente, com passos felinos. -A paz...é tão boa...podia...amar Lan. - É verdade, Virgo no Shaka. A guerra é perfeitamente inútil. Não percebes...a tua missão privou-te de viver.

-Não! –gemeu Shaka, tentando resistir – Não devo lutar...Não posso parar...eu vim em missão. -Não tens medo de morrer? Shaka? -Não! -Ninguém gosta de morrer, Shaka. O teu belo corpo...à mercê dos vermes. Antes do tempo. No auge da beleza e da força.

- Não, tu és um medo! Não te posso dar ouvidos. Eu possuo o 8º sentido! Não tenho medo da morte!

-A dor. A dor, Shaka. E porquê? -Por Athena...pela justiça. Eu sou um cavaleiro.

- Não digas coisas ridículas e vagas! Por acaso tiveste opção? Escolheste essa vida? -Fui escolhido. -Por quem?

-Pelas estrelas.

-estrelas...meros pontos de gás ardente. Com que idade começaste esse treino bárbaro? -6 anos. - E uma criança de 6 anos tem opção? Alguém te consultou,e quis saber quais eram os teus sentimentos a respeito? -Nunca... -Como pode ser uma criança de seis anos escolhida para reparar os erros da Humanidade? É pesado, muito pesado, Shaka. Liberta-te desse fardo. A vida é doce. -Se assim fosse, se todos desistíssemos pelas dificuldades que a vida nos apresenta, nada se teria desenvolvido neste mundo. Tu és uma idiota! -diz-me, Shaka, como sabes se tens poder? –ciciou ela, acariciando o rosto dele como uma serpente que cerca a sua vítima.

-Lutei muito, travei muitas batalhas com o poder das estrelas...e de Athena. -E como sabes se isso não é tudo sugestão que te inculcaram? A tua mente a pregar-te uma partida? Athena...um mero arquitétipo, fruto da vã esperança do homem. Religião...desculpas, meras desculpas. Por muito próximo de Deus que esteja, continua a ser...um homem, e nada mais que isso.

-Basta! – bradou Shaka – eu sou Buda! -desperdiçaste-te, Shaka...por uma ILUSÃO. -HOM! A jovem recuou e foi arrastada pelo cosmos protector do Santo de Athena, que agora subia sob a sua flor de lótus. -BENÇÃO DO REI DAS TREVAS!

Ela desapareceu, como se nunca tivesse existido. Shaka esfregou a testa repetidamente.-Uf...Faltas tu, anciã. Tens a certeza de que queres lutar comigo? -Tenho, Ó Santo Buda. Eu sou a DESILUSÃO, o medo que acompanha a humanidade desde que o mundo é mundo! -Optimo, pois sou eu quem te vai matar. -E privar o Homem daquilo que ele preza mais?

-Como dizes? Ninguém gosta de sofrer desilusões. -Estás enganado. Com medo de se desiludir, muita gente nunca faz um esforço no sentido de obter o que deseja e melhorar a sua vida. A desilusão é uma óptima justificação para culpar os outros pelas nossas próprias asneiras. Afinal, é muito mais fácil lançar culpas sobre terceiros do que assumir a responsabilidade e deitar mãos à obra! A Humanidade adora ter pena de si próprio, por estranho que isto pareça.

-Basta de discurso! TESOURO DO CÉU!

A velha desfez-se em estrelas escuras.

-Foi...fácil demais – concluiu Shaka.

E estava certo, pois em segundos, os três reapareceram como se nada se tivesse passado, como se não tivesse havido batalha.

- Eu bem disse! Os dois cavaleiros prepararam-se para voltar ao ataque. Mas foram interrompidos por um cosmos alto, dourado, maravilhoso, um cosmos de energia pura e brilhante. Era Lan. Não usava agora a armadura de Athena, mas um simples vestido branco, de tecido luxuoso. Na testa tinha pintado um bindi semelhante ao de Shaka, e estava ricamente ornamentada. Caminhava para eles de mãos postas em oração.

-Obrigada, cavaleiros de ouro. Mas esta luta é minha agora. -Lan...? MAS... -Faz como te disse...meu amor.

Shaka obedeceu, pressionado pela cosmoenergia de Lan, poderosa, inefável, semelhante à de...Athena. Saga seguiu-o, completamente abismado.

Lan ergueu a palma da mão para a frente, e avançou com o pé direito.

OM TARA TUTTARE TURE OM!!!!!!!

Expandiu o seu cosmos ainda mais, atingindo o medo em pleno peito. Eles giraram, gritaram e transformaram-se em cinza, levada rapidamente pelo vento. Em seguida, Lan surgiu sobre uma flor de lótus, suspensa no ar, cintilante de energia universal forte e branda. Shaka não desviava os olhos e gemeu angustiado:

- Lan... -Shaka, eu não sou na realidade Lan, mas Tara, a Deusa da Compaixão e parte feminina do Buda, nascida das lágrimas de Quan Yin, Deusa da Misericórdia, pela Humanidade sofredora. Sou uma botisatva que veio à terra sofrer para ajudar os Homens e as Mulheres, protegendo-os do mal, dos perigos e dos oito Medos e Calamidades externos e Internos, realizando-lhes todos os desejos do Bem. Alcancei a Iluminação para provar que as Mulheres também podem ser Budas, e, até o samsara ficar vazio, não cessarei de auxiliar aqueles que oram a mim. Os oito medos tentaram acabar comigo, mas tu, Shaka de Virgem, salvaste-me. Tu és Buda, a minha outra metade, por isso nunca ficaremos separados. Mas como vieste até aqui, e me viste como Tara antes do tempo devido, não poderei casar contigo, devo regressar ao Nirvana.

Shaka começou a chorar baixinho. Tinha perdido o amor da sua vida por uma estupidez!

-Não chores, meu querido, eu voltarei para ti no coração da mulher que te amar mais do que à sua própria vida.

Os monges acorreram, curvando-se respeitosamente, recitando os mantras de Tara, que, oculta, tinha crescido no seu Templo!

Tara baixou-se um pouco e depositou um longo beijo nos lábios de Shaka.

-Ama sempre, Shaka. O Amor em todas as suas formas é a verdadeira Iluminação.

E, com estas palavras, desapareceu nos Céus.

E foi assim que Shaka amou. Uma Deusa. A mulher mais próxima de Deus.

FIM

Notas: Esta fic surgiu por causa de um estranho sonho que tive. Foi o meu amigo Saga Mercenário que me deu a ideia e transforma-la em mais uma história. É uma homenagem à deusa Tara, uma Divindade maravilhosa do Budismo Tibetano, que protege a humanidade, especialmente crianças e mulheres, concede longevidade, riqueza, todos os desejos mundanos e espirituais e a capacidade de se tornar num Buda, ajudando os seres que sofrem e libertando-os do ciclo interminável de reencarnações (samsara). Como Tara é a parte feminina do Buda, achei que ela era simplesmente perfeita para o Shaka, o Buda mais lindo de todos!

Obrigada a Saga Mercenário (Sérgio) e Tammuz, que me ajudou a elaborar o argumento.

Se quiserem saber mais sobre Tara, consultem o site

Eu não sou Budista, mas wiccana ecléctica (por isso venero Deuses de vários sistemas de crenças), documentei-me o amis que pude, se algum budista encontrar algum erro, escreva-me.