Dor e culpa
Flear estava na sala do médico, conversando com ele sobre o estado da irmã:
- Senhorita Njörd... Sua irmã está com amnésia – disse o médico – O cérebro humano, apesar das evoluções da ciência, ainda nos é um mistério. Não há nada que possamos fazer a esse respeito, a não ser esperar...
- Ela irá se lembrar, Doutor Väinämöinen? Quanto tempo isso vai demorar? – perguntou aflita.
- Eu espero que ela se recupere... Não posso lhe dizer com certeza quando isso vai ocorrer... Se é que vai acontecer...
- Que dizer que ela pode nunca mais recuperar a memória?
- Sim... Eu sinto muito, mas isso pode acontecer. Eu já conversei com ela sobre seu estado. Ela vai precisar de todo carinho e amizade puder lhe dar. Não tente forçá-la, deixe que a curiosidade e o interesse a façam querer se lembrar e então a ajude no que puder.
- Claro Dr. Väinämöinen – Flear saiu da sala do médico sentindo-se perdida. Fechou os olhos e encostou-se na parede, enquanto lágrimas escorriam por seu rosto. Estava tão chocada pelas descobertas que fizera que nem percebera quando Hagen se aproximou dela. Olhou pra ele quando sentiu os braços fortes a envolvê-la. Encostou a cabeça em seu peito e o abraçou pela cintura, deixando que o choro a tomasse. Hagen sentia-se mal, pois não podia fazer nada para diminuir a dor que ela estava sentindo.
- Flear... – disse ele tocando os cabelos dela, acariciando-a, tentando confortá-la da melhor forma possível.
- Ela pode nunca mais se lembrar... Hagen... – ela levantou a cabeça e olhou para ele. – Eu não sei o que fazer para ajudá-la.
- Calma Flear, não fique assim. Tudo vai acabar bem... Você vai ver... – disse acariciando o rosto dela.
- Eu quero ir vê-la... – disse ela – Vem comigo? Por favor... – disse ela olhando-o com um olhar súplice.
- É claro que eu vou com você – disse. Caminharam até o quarto dela e encontraram Siegfried parado ao lado da porta, pensativo. Ele olhou para Flear e se aproximou dela e de Hagen.
- Como ela está, Flear? – perguntou angustiado.
- Ela está bem fisicamente, mas sua memória foi afetada... – disse ela baixando a cabeça, sentindo os olhos arderem por causa das lágrimas que começava a se formar novamente.
- Ela vai se recuperar... Não vai? – perguntou apreensivo.
- Eu não sei, o médico disse que não pode prever tal coisa... – respondeu desolada.
- Ela não...
- Ela pode ficar assim para sempre, Siegfried. – disse Flear. Siegfried sentiu um aperto tão forte no peito e que ficou sem ar. Ele se encostou à parede, como se estivesse buscando equilíbrio. Seus olhos não se fixavam em nada. Era como se estivesse em transe. Hagen o olhava preocupado. Siegfried estava apaixonado por Hilda. Se algo acontecesse a ela, Hagen tinha certeza de que o amigo não agüentaria – Eu vou entrar para vê-la... Quer vir conosco? – Siegfried olhou para Flear, sentindo-se perdido. Precisava vê-la, mas doía tanto olhar para seus belos olhos violetas e ver que ela não o reconhecia. Que ela não se lembrava dele e que ela estava assim por sua culpa.
Hilda estava recostada nos travesseiros, olhando a paisagem pela janela do quarto. Pensava no que o médico lhe tinha dito. Estava com amnésia, talvez fosse permanente. Não... Precisava lutar contra isso. Esforçava-se para lembrar de algo de seu passado, mas não conseguia. Era estranho, era como se as imagens começassem a se formar em sua mente e então... Desapareciam novamente, eram como os sonhos quando se faz um esforço para relembrá-los, as imagens vêm à cabeça, mas antes que se possa compreendê-los eles se dissipam. Ela fechou os olhos e o rosto de Siegfried lhe veio à mente... Única imagem nítida e clara. Fora à primeira pessoa que vira ao acordar. De onde o conhecia? Seus pensamentos são interrompidos por uma leve batida na porta.
- Oi... - Flear não sabia com agir. Achara melhor entrar sozinha. Conversar com Hilda primeiro a sós. Era uma situação muito difícil. Precisava ir com calma.
- Olá... – Hilda respondeu, fitando a jovem com curiosidade, mas também com uma sombra de tristeza em seu olhar. Flear respirou fundo e se aproximou lentamente.
- Hilda... Eu... Eu... Sou sua irmã. Meu nome é Flear... – os olhos de Hilda se encheram de lágrimas.
- Irmã?!! Eu tenho uma irmã?!! - pensou. Não conseguiu evitar que aquilo a ferisse. Por que não conseguia se lembrar? - Eu... Eu sinto... Sinto muito – ela baixou a cabeça e cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar. – Eu... Eu não cons... Consigo me lembrar – dizia entre soluços.
- Hilda, não. – disse abraçando a irmã, não conseguindo se conter ao vê-la chorar daquela forma, tão desesperada – Você não tem culpa de nada, Hilda. Não fique assim. – disse afagando os cabelos dela – Você vai se lembrar... Eu vou ajudá-la, minha irmã. – Hilda ergueu o rosto e olhou para Flear. Sentiu que podia confiar naquela moça. Flear conversou um pouco com ela para só então chamar os rapazes que esperavam do lado de fora da sala.
- Eu... Não posso – disse Siegfried. Era cedo demais, precisava de mais tempo para que pudesse enfrentar o que estava acontecendo.
- Siegfried... Você não quer vê-la? – perguntou Hagen.
- É claro que eu quero vê-la, mas... Eu preciso de mais tempo, Hagen. Eu... Ela não vai sentir minha falta. Eu preciso criar coragem para olhar pra ela novamente. Ela está aqui por minha culpa...
- Santo Deus! Quantas vezes eu vou ter que dizer que o que aconteceu não foi sua culpa?! – disse olhando-o com irritação.
- Eu... Tenho que ir... Tchau, Hagen. – Siegfried ignorou as palavras de Hagen e saiu antes que a tentação e a vontade de ver Hilda o subjugassem.
Andou pelos corredores do hospital, sua mente estava um turbilhão. As últimas notícias sobre o estado de saúde de Hilda o afetaram profundamente... Ele não sabia o que fazer... Como agir... A dor que sentiu quando viu que ela não o reconhecera foi terrível. Precisava sair daquele lugar imediatamente, podia parecer covardia, mas ainda não estava pronto para revê-la. Chegou ao estacionamento e entrou rapidamente em seu carro, deu a partida e saiu apressado. Queria ir para sua casa. Não pôde evitar relembrar tudo que acontecera quando ela acordou. Precisava respirar, estava angustiado. Parou o carro em uma estrada e encostou a testa no volante. Não conseguiu evitar que as lágrimas lhe viessem aos olhos. Chorou silenciosamente. Ele destruíra a vida dela. Aquilo o estava machucando tanto. Nunca sentira tanta dor em sua vida quanto estava sentindo naquele momento. Como poderia encará-la sabendo que o causador de sua tristeza fora ele?
Continua...
Oi pessoal... Bem... vem mais por aí: →
