Surpresa

            O reencontro de Hilda e Siegfried não surtiu o efeito que Flear e Hagen esperavam. Apesar de a jovem ter se desculpado com o rapaz por sua reação no hospital, ficaram apenas nisso.

Durante todo o jantar trocaram olhares tímidos e não conseguiram estabelecer uma conversa durante muito tempo. Siegfried ainda se corroia pela culpa e parecia não querer se permitir uma aproximação, como se não tivesse direito a uma amizade com ela e essa atitude fazia com que Hilda não conseguisse se aproximar dele.

O antigo relacionamento não fora retomado.

            Os dias passavam rapidamente e se transformavam em semanas. Hilda continuava tentando buscar lembranças. Ela remexeu algumas gavetas e encontrou uma coleção de livros de mitologia. Seu autor: Hoenir Sleipnir. Sentou-se no chão do quarto e começou a ler um dos livros. O livro era extremamente interessante. As histórias fantásticas de deuses, monstros e mortais era envolvente. Ela achou a leitura familiar. O livro a envolveu completamente e ela perdeu a noção do tempo.

Flear foi até o quarto da irmã antes de sair para ir à faculdade. Encontrou-a entretida em meio à pilha de livros, tão absorta com a leitura que nem percebeu sua presença no quarto.

- Hilda? – Flear a chamou. Hilda ergueu a cabeça, olhou para a irmã e sorriu.

- Olá! – respondeu. Levantando-se.

- O que você está fazendo aí? – perguntou sorrindo.

- Eu encontrei alguns livros... – disse aproximando-se da irmã – São incríveis! – disse. Flear olhou para o livro nas mãos de Hilda e sorriu.

- Ah... – disse enquanto examinava um dos livros - Foi Siegfried quem os escreveu... – disse ela. Hilda olhou para ela surpresa.

- Siegfried?! – ela olhou para a capa do livro, fechou-o e examinou a capa – Não é o nome dele que está na capa. – Flear a olhou.

- Ele usa um pseudônimo p...

-... Para evitar a imprensa... – Hilda disse de repente. Flear a olhou surpresa. Hilda arregalou os olhos quando percebeu pelo olhar da irmã de que tinha tido ao menos um lampejo de recordação.

- Você se lembrou?! – perguntou animada. Hilda desviou os olhos dos dela e tentou se concentrar para ver se lembrava de mais alguma coisa, mas não – Hilda? – sorriso de Flear se apagou.

- Não... Mas esse fato foi como um flash, eu nem me dei conta do que estava falando. Saiu como por reflexo... – Hilda olhou para ela novamente – Como eu sei disso? – perguntou.

- Você se interessou por ele ao ler seus livros, aos quais você adora, pois tem um acervo bem amplo de seus trabalhos. Sabia que ele apresentava palestras e resolveu convidá-lo para apresentar uma na Faculdade. Você o encontrou por intermédio da editora, pois não tinha mais nada que a levasse a ele, conseguiu o endereço de seu escritório e foi até lá, conversar com ele... - Flear começou a explicar – Como não há, como você pode verificar, nenhuma foto dele em qualquer de seus livros, você ficou muito impressionada ao descobrir que todo aquele conhecimento e paixão por história e mitologia vinham de uma pessoa tão jovem e logo que o conheceu, ele lhe disse que tinha uma condição para apresentar a palestra que era que esta fosse anunciada em seu nome verdadeiro: Siegfried Sigurd, para que dessa forma ele evitasse o assédio da imprensa. Você me contou isso quando voltou. – disse concluindo seu relato.

- Nossa! Ele parece ter verdadeira aversão à imprensa. – disse Hilda.

- É... Ele é muito reservado... Eu não faço a mínima idéia de porque ele é assim. – disse Flear pensativamente. Com certeza Hagen sabia, mas não teria coragem de perguntar uma coisa dessas. Era assunto pessoal e Hagen era um amigo muito fiel e discreto para entrar em detalhes sobre a vida do escritor - Bom... Eu tenho que ir agora... Você não quer ir comigo? – perguntou – Talvez a ajude a se lembrar de algo.

- Não vou atrapalhá-la? – perguntou Hilda.

- É claro que não! Vamos – enganchou no braço da irmã, sem mesmo permitir que ela se trocasse... Até porque estava atrasada.

Chegaram à faculdade em quarenta e cinco minutos. Hilda acompanhou Flear enquanto procurava prestar atenção em tudo a sua volta. O prédio da faculdade era enorme muito bonito. Os corredores estavam vazios, pois os alunos já estavam nas salas.

Hilda deixou a irmã trabalhando e começou a andar pelo campus. Andava pelos corredores calmamente. Aquele lugar lhe parecia familiar, mas não chegava a conseguir formar uma imagem dele. Ela ouviu uma voz familiar e caminhou corredor adentro lentamente. Parou à porta de uma sala. Aproximou-se e sentiu seu coração acelerar.

Siegfried estava naquela sala. Sua voz era calma, tranqüila e envolvente. Parecia gostar muito do que fazia. A satisfação que sentia era transmitida no modo como se dirigia aos alunos, em seus movimentos, em sua voz. Hilda estava hipnotizada pelo jovem professor. Ficou por longos minutos a admirá-lo. Lembrou-se de quando o vira no hospital e depois durante aquele jantar.

Precisara se conter durante o jantar, pois quando olhava para ele esquecia-se de tudo a sua volta e ele a flagrara olhando-o diversas vezes. Cada vez que seus olhares se cruzavam, Hilda desviava o olhar e baixava a cabeça.

Agora estava ali, em pé, parada em frente à porta, olhando-o, admirando-o como não se permitira fazer naquela noite. Sentiu-se tentada a ir falar com ele, mas não teve coragem. Afastou-se da porta e passou rapidamente, para evitar que ele a visse. Hilda ainda sentia cada nervo de seu corpo vibrar, seu coração estava acelerado e seu corpo todo tremia.

Ela saiu para o pátio e se sentou em um banco, enquanto tentava se acalmar. Estava tão imersa em seus pensamentos que não percebeu a presença de uma pessoa que a fitava com curiosidade.

Freya a tinha visto sentar-se naquele banco e aproximou-se um pouco para ter certeza de que se tratava mesmo de Hilda. Achou que depois do acidente ela ficaria um bom tempo sem aparecer na faculdade. Pelo visto... Enganara-se. Um sorriso malicioso apareceu em sua face. Sabia que Siegfried estava apaixonado por Hilda. Só um cego não perceberia. Tinha certeza de que ele não conseguiria se manter afastado dela por muito tempo. Freya sentira-se despeitada quando percebeu que Siegfried nunca demonstrou tanto amor por ela como demonstrava por Hilda. Sentia raiva, pois fora humilhada por ele no passado e não conseguira se apossar da enorme fortuna do renomado escritor. Tinha que arrumar uma forma de se vingar de Siegfried.

Hilda já estava sentada naquele banco há algum tempo. Resolveu seguir até o gabinete onde encontraria Flear.

Freya viu-a se afastar e foi para sua sala com um plano de vingança já muito bem formado.

Hilda caminhou pelos corredores, queria encontrar a sala antes que o sinal tocasse. Não queria encontrar seus ex-alunos, sabia que não os reconheceria e isso seria muito frustrante. Ela não se lembrava de onde era o gabinete e acabou entrando em uma sala qualquer. Era a biblioteca. Ficou maravilhada com a quantidade de livros que havia naquele lugar. A biblioteca era imensa. Hilda caminhou entre as prateleiras, examinado alguns livros perdeu a noção do tempo. O sinal acabava de tocar. E agora? O que faria? Com certeza alguns alunos iriam até a biblioteca durante o intervalo.

Andou apressadamente até a porta e saiu, sabia pelo pequeno passeio que havia feito, que as salas ficavam um pouco longe, talvez conseguisse chegar à diretoria antes que encontrasse algum aluno. Saiu no corredor novamente. Aquele lugar parecia um labirinto. Andou mais um pouco. Ouviu a voz animada dos alunos ecoando e entrou pela primeira porta que encontrou. Fechou a porta atrás de si, fechou os olhos e respirou aliviada. Um barulho vindo de uma sala ao lado chamou sua atenção. Abriu os olhos e perdeu o fôlego.

Siegfried acabara de voltar da secretária que ficava ao lado da sala dos professores. Ele olhou em sua direção. Ficara surpreso, não acreditava no que seus olhos estavam vendo. Hilda estava ali, parada a sua frente. O Destino dera-lhe uma oportunidade de se reencontrarem.

- Hilda?! – disse surpreso. Ela mordeu o lábio inferior e se afastou da porta. Siegfried se aproximou dela. Será que ela se lembrara de algo? – O que faz aqui?! – a jovem respirou fundo tentando encontrar a própria voz e assim, poder responder a pergunta de Siegfried.

- Eu... Eu vim com a Flear... – respondeu, Siegfried aproximava-se cada vez mais – Ela achou que se eu viesse até aqui... Talvez me lembrasse de alguma coisa... Eu gostei da idéia, mas andei pelo prédio todo e nada. Quando percebi que estava para soar o sinal eu fiquei com medo de encontrar meus ex-alunos. Seria muito chato não reconhecê-los... – concluiu. Siegfried perdeu um pouco do entusiasmo. Achou que talvez ela tivesse se lembrado de algo, mas não.

- Os alunos perguntam sobre você... – disse ele desviando o olhar – Talvez, se a vissem, poderiam ficar mais animados... Ficariam felizes de saber que está bem.

- Acha que devo falar com eles? – perguntou ela. Siegfried tornou a olhar pra ela e deu um pequeno sorriso.

- Acho. Talvez eles a ajudem a se lembrar de algo... – disse calmamente – Se quiser eu posso acompanhá-la.

- Eu quero! – disse entusiasmada e feliz com a idéia, principalmente porque poderia se aproximar mais de Siegfried. Baixou o olhar ao se dar conta de que tinha demonstrado entusiasmadamente a felicidade que o convite lhe causara – Hã... Digo... Eu adoraria que me acompanhasse, Siegfried. – tornou a olhar para ele que sorriu abertamente.

- Vamos aproveitar o intervalo... Você verá o quanto é querida por eles. Venha! – disse estendendo-lhe a mão. Hilda desviou os olhos dos dele e fitou a mão estendida em sua direção. Tornou a olhá-lo nos olhos e sorriu, aceitando o convite e pousando a mão sobre a dele que se fechou imediatamente, apertando-a afetuosamente. Hilda deixou-se guiar. Saíram da sala dos professores e logo se viram cercados pelos alunos que se aproximavam curiosos e felizes de verem que sua professora estava bem. Hilda sentiu-se privilegiada ao receber todo aquele carinho e compreensão quando perceberam que ela não se lembrava deles. Apesar de não ter conseguido se lembrar de nada ainda, Hilda se sentiu revigorada e animada para retomar sua vida. Siegfried viu o semblante dela se transformar de assustado a surpreso e então a mais pura felicidade. Estava feliz por presenciar aquela transformação e por, de alguma ser responsável por ela.

- Obrigada! – disse voltando o rosto para fitá-lo. Ele a olhou com curiosidade – Graças a você eu tive coragem de me aproximar deles. Foi muito bom saber que sentem carinho por mim. – disse com um sorriso.

- Não me agradeça por isso. – disse ele – Foi você quem os cativou... – olhou-a intensamente – É impossível não ser cativado por você... – só percebeu que deixara seus pensamentos escaparem quando a viu baixar a cabeça ruborizada, mas o sorriso tímido nos  lábios dela o deixou nas nuvens.

Continua...

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