Lembranças amargas

            As férias finalmente chegaram e Flear e Hagen não mais se desgrudavam. Iam ao cinema, saiam pra jantar, faziam tudo juntos e cada momento que passava, apreciavam ainda mais a presença um do outro.

Os dois pensavam numa forma de juntar Hilda e Siegfried, pois apesar de estarem mais próximos, ainda não tinham conseguido coragem o suficiente para se declararem. Eles pensavam em arrumar um encontro entre os dois, mas apesar de estar de férias, Siegfried não tinha muito tempo disponível.

A empresa de seu pai era sua responsabilidade e ele tinha que mantê-la. Seu livro também estava bastante atrasado e seu editor já estava reclamando da demora. O único horário disponível era à noite, mas Hilda não aceitava a sugestão de irmã de convidá-lo pra jantar, pois dizia que após um longo dia e trabalho ele deveria estar cansado. Mas toda a noite Siegfried ligava para conversar com ela e os dois ficavam horas ao telefone. Flear acreditava que eles estavam fugindo de se encontrarem com medo de deixarem transparecer seus sentimentos.

Aquele mês passou rapidamente e antes que se desse conta, Flear já estava se arrumando para voltar a Faculdade.

Volta às aulas. Siegfried estava ansioso. Apesar da dar mostras de cansaço, ele sentia falta da agitação dos alunos. Lecionar era desafio. Era troca entre ele e os alunos. Ao mesmo tempo em que ensinava, também aprendia. Era uma atividade dinâmica e estimulante. Principalmente quando conseguia passar o conhecimento que tinha para seus alunos. Sentia-se gratificado, realizado.

Era frustrante quando encontrava um colega que não se importava. Que exercia aquela profissão sem um mínimo de paixão e acaba frustrando e desestimulando os alunos.

Quando entrava em sala de aula e via aqueles rostos, na maioria de adolescentes, já com um enorme peso nas costas por ter que escolher uma profissão e estarem a um passo de entrar na vida adulta achava-os corajosos. E o mínimo que podia fazer por eles era proporcionar-lhes o máximo que podia para ajudá-los a conquistar seus objetivos e estimulá-los em sua escolha.

E lá estava ele, preparado para mais um ano de trabalho duro, mas com a certeza de que seu esforço seria recompensado pelos seus novos alunos e também alguns antigos, que passaram para o próximo ano, mas ainda não se formaram.

Flear desceu de seu carro, trancou-o e dirigiu-se para a diretoria. Começou a revisar alguns papéis, quando ouviu uma leve batida na porta que chamou sua atenção.

- Entre! – disse ela levantando-se. Hagen abriu a porta e sorriu. Flear retribuiu o sorriso. O rapaz entrou e encostou a porta. Aproximou-se dela e antes que Flear pudesse dizer qualquer coisa, roubou-lhe um beijo. Pega de surpresa, Flear se rendeu ao beijo, abraçando o rapaz. Depois de alguns minutos, Flear afastou-se sem fôlego. – Hagen... Aqui não é lugar pra namorarmos. – disse ela. Ele se afastou relutante.

- Desculpe, mas não consegui resistir. – disse ele. Essas palavras a deixaram sem reação – Pensei em você a noite toda. Estava ansioso para reencontrá-la... Não consigo ficar mais nem um minuto sem te ver. – ela sorriu e ele tentou se aproximar mais uma vez.

- Não senhor! Estamos em local de trabalho! – disse – Contenha-se! – disse fingindo severidade.

- Está bem! – disse ele contrariado. Eles começaram a conversar – E Hilda, como está?

- Está indo bem – disse Flear animada – Ela virá até aqui hoje.

- Sério?! Siegfried ficará animado com a presença dela.

- Ela virá até aqui para irmos a um psicólogo que o neurologista que cuidou dela indicou.

- Psicólogo? – perguntou ele.

- Sim. Esse psicólogo é famoso por reavivar a memória através da hipnose.

- Você acredita nessa história de hipnose? – perguntou Hagen.

- Eu não sei, mas Hilda ficou interessada. E mal não vai fazer... – disse ela – Não custa nada tentar... – a porta é aberta de repente e Freya entra no gabinete.

- Eu vim lhe entregar esses documentos. – disse sem cumprimentá-los e ignorando Hagen completamente. Saiu tão rápido quanto entrou. Hagen e Flear se entreolharam confusos com a intromissão.

Freya ouvira tudo atentamente. Então Hilda iria até a faculdade? "tima notícia. Essa era sua chance. Foi rapidamente até sua sala. As aulas já iam começar. Não via a hora de o intervalo chegar.

Hagen contara a Siegfried que Hilda iria até a faculdade e a notícia surtiu efeito imediato no rapaz. Ansiedade.

Foi até sua sala, pois o sinal já havia soado. Apesar do nervosismo tudo correra bem e a aula foi animada. Mas durante aquelas duas horas e meia, ele perdera a conta de quantas vezes olhara no relógio.

Finalmente soou o sinal do intervalo e Siegfried, depois de responder às dúvidas dos alunos, pegou sua pasta e foi para a sala dos professores esperar por Hilda. Só de pensar que a encontraria, seu coração já batia descontrolado.

Caminhou pelos corredores até a sala dos professores e colocou seu material sobre a mesa. Sentou em uma cadeira e pegou um livro para passar o tempo e controlar um pouco seu nervosismo. O livro era uma versão romanceada da lenda de Eros e Psique. Sua história preferida da mitologia grega. Vingança, intrigas, mistério e amor. Uma bela história. Estava distraído com sua leitura. Quando o barulho de alguém abrindo a porta lhe chamou a atenção. Seu coração disparou.

- É ela! - pensou. Mas no momento em que a pessoa entrou, seu semblante antes radiante, tornara-se sombrio e apreensivo. Freya entrou na sala e sorriu pra ele. Siegfried a fitava seriamente. Uma sensação estranha, deja vú.

- Olá, "professor"... – disse ela aproximando-se dele. Siegfried levantou imediatamente. Olhava-a desconfiado. Ela tinha todo o direito de estar naquela sala, mas alguma coisa em seu olhar, naquele seu sorriso jocoso o deixara temeroso. – Não precisa ter medo de mim, Siegfried. – disse ela – Eu não mordo. – Siegfried não disse nada, caminhou até a porta, mas ela se colocou no seu caminho – Fugindo de mim, Siegfried? – ela se aproximou ainda mais.

- Afinal... O que é que você quer?! – ela sorriu maliciosamente.

- Você sabe o que eu quero. – disse ela. Ela apoiou uma das mãos no peito dele e a outra em sua nuca e se aproximou dele. Freya desviou os olhos dele para fitar a porta. Hilda, Flear e Hagen estavam parados à porta e presenciaram a cena. Siegfried afastara-a bruscamente de perto si e só então percebera o olhar dela e seus olhos buscaram a porta. Ele viu Flear e Hagen parados à porta. Compreenderam a situação e olharam com desprezo para Freya.

- Hilda... – murmurou Siegfried. Não é possível. A história se repetia. Ele olhou para Freya e tudo escureceu a sua volta. Ele avançou perigosamente contra ela, mas foi impedido por Hagen.

- Não vale a pena! – disse para o amigo enquanto segurava-lhe o braço – Esqueça essa víbora. – as palavras de Hagen despertaram Siegfried e ele se desvencilhou do amigo e saiu desesperado porta a fora.

A cabeça de Hilda parecia que ia explodir. No momento em que vira aquela mulher perto de Siegfried... Causara uma reação em cadeia. Todas as suas memórias voltaram. Flashes de toda a sua vida passavam em sua mente. Mas a última cena que ela via era a do beijo dos dois naquela mesma sala onde os vira quase abraçados agora mesmo.

Estava tonta. Sentou-se em um banco numa praça perto da faculdade e finalmente suas barreiras cederam. As lágrimas vieram-lhe aos olhos e a dor que comprimia seu peito parecia querer sufocar-lhe.

Depois de quase meia hora de choro ininterrupto, ela se levantou daquele banco e chamou um táxi que passava pela rua naquele momento e foi pra casa. Sua alegria, suas esperanças... Caíram por terra.

Siegfried andava desesperadamente por todo o campus. Ele procurou-a por toda a faculdade: salas de aula, diretoria, secretaria, biblioteca, laboratório, cantina, banheiros e finalmente o estacionamento, mas não a encontrara. O pânico tomou conta dele. Não... Não de novo... Não poderia acontecer de novo. Estava saindo da faculdade para procurar pela praça quando Flear e Hagen o encontraram.

- Ela está em casa, Siegfried – disse ela que ligara para casa com a esperança de que Hilda tivesse ido para lá. Uma sensação de alívio tomou seu corpo quando a governanta da casa deu-lhe uma resposta positiva. Siegfried sentou na escada, cruzou os braços sobre os joelhos e baixou a cabeça, soltando um longo suspiro de alívio. Ele encostou as costas no batente da porta. Os olhos fechados. De repente ele se levantou.

- Preciso falar com ela! – disse ele impulsivamente. Desta vez ele não iria deixar passar. A atitude dela era... "bvia. Ele finalmente resolvera se permitir aceitar a segunda, na verdade a primeira chance de amar verdadeiramente alguém. Tinha que lutar por ela. Freya não conseguiria afastá-lo de Hilda. Ele correu até o estacionamento novamente e foi até sua moto. Flear e Hagen o seguiram. Ele montou e estava colocando o capacete quando Hagen o deteve.

- Siegfried... Espere! – disse ele. Siegfried olhou para ele, seus olhos revelavam seu desespero. Por que estava tentando detê-lo?

- O que quer Hagen? – perguntou rispidamente. Flear se adiantou.

- Deixe que eu converse com ela primeiro, Siegfried. – disse ela se aproximando dele. – Ela está magoada, talvez não queira ouvi-lo. – ele fechou os olhos ao ouvi-la dizer isso - Deixe que eu conte a ela o que houve.

- Não seja tão impulsivo, Siegfried! – disse Hagen. Ele apoiou o capacete contra o tanque da moto, seu olhar perdido na estrada a sua frente. Talvez eles estivessem certos. Ele olhou para Flear.

- Desculpe. Eu esperarei você conversar com ela. – Flear respirou aliviada. Explicaria direitinho o que acontecera naquela sala.

Hilda chegara da rua e subiu para o quarto, jogando-se em sua cama. Ficou lá, deitada. Lembranças amargas fustigando-lhe o coração, fazendo-a derramar inúmeras lágrimas. Não se julgava no direito de se sentir daquela forma. Afinal, Siegfried e ela não eram nada além de amigos, mas não conseguia aplacar a dor que a consumia.

Não era raiva o que sentia por ele. Era tristeza por não ser a escolhida pelo coração do homem que amava. Agora que lembrara de tudo, como poderia trabalhar com ele, vê-lo todos os dias e saber que ele não a amava. Não poderia suportar. Ela abraçou o travesseiro e chorou, chorou até que finalmente pegou no sono.

Continua...

Hilda recuperou a memória. A história começa a entrar nos eixos... sigam em frente, que dessa vez eu resolvi dar uma palhinha a postar três de uma vez...