"Conflitos: o passado negro de um anjo… humano e mortal"

by Ayan Ithildin

            - Dâmaris, vai-te vestir. A Senhora chamou-nos. – Dâmaris saiu do Cosmos curiosa, sobretudo porque o mestre parecia zangado. Abriu a boca para perguntar qualquer coisa mas ele cortou-lhe a palavra. – Despacha-te, miúda!

            Dez minutos depois subiam as escadas em passo rápido. Na verdade a rapariga tinha que quase correr para acompanhar as passadas do taciturno mestre, dignas de Aldebaraan. Chegada ao cimo de dois terços da escadaria a jovem começou a sentir que se passava alguma coisa de errado, a avaliar pelo espírito de quem estava lá em cima. Sobretudo porque havia gente que ela não conhecia.

            - Mestre… mestre o que se passa? – perguntou preocupada.

            - Isso gostava eu de saber… - rosnava Shaka. Há entrada esbarraram com Miro.  

            - Demoraram-se. Já estava a pensar que alguém tinha decidido fugir. – Miro riu-se e calou-se quando Shaka o empurrou bruscamente para o lado. Dâmaris ficou confusa tanto com o comportamento de Shaka como pelas palavras de Miro.

            - Sai da frente, Escorpião…

            Shaka conduziu-a para uma sala grande, de grandes janelas por onde entrava o sol da manhã. Saori estava sentada numa cadeira de espaldar alto, e à frente dela estava, ladeado de dois brutamontes e um individuo baixinho com um bigode tipo escova e uma pasta na mão, um atraente rapaz dos seus 22 anos, com os cabelos escuros ondulados curtos e uns olhos de um azul escuro com violeta bastante frios.

            O coração de Dâmaris deu um salto, mas ela controlou-se a tempo de ninguém reparar em nada. Ninguém excepto Shaka que nada disse. Mestre e aluna chegaram junto de Saori, fizeram uma vénia e esperaram que ela falasse.

            - Dâmaris, chamei-te por uma razão simples. Este senhor garante conhecer-te, aliás, tem andado à tua procura à quase um ano, e diz poder restabelecer-te o nome e os direitos de família. – Dâmaris olhou o homem, o rosto impassível, sem um único sinal de reconhecimento. Depois olhou novamente Saori como quem espera a continuação. Saori pareceu hesitar quanto ao que fazer a seguir. – Então, senhor Eversor?

            O rapaz olhou Dâmaris e começou a agir acaloradamente, embora os olhos se mantivessem frios.

            - Dâmaris, minha querida, que saudades! " meu amor, porque desapareceste assim? Eu ter-te-ia protegido de tudo! – preparava-se para a tomar nos braços perante o estado de espanto geral quando a voz fria de Dâmaris se fez ouvir.

- Desculpe, mas pode-me dizer o que se está a passar? – o rapaz parou atordoado.

            - Dâmaris, meu amor…

            - Seu amor? Desculpe, não me lembro de ser o amor de ninguém. Deve estar a haver uma confusão. – o rapaz voltou-se rapidamente para o homem engravatado.

            - Senhor Turites, há alguma hipótese de amnésia? – o homem estava pronto a responder quando Dâmaris lhe cortou a palavra.

            - Amnésia? Eu lembro-me de tudo desde criança. E, sinceramente, não me lembro de si.

            - Há cerca de 11 meses foi emitido um mandato de busca para Dâmaris Eilan Sophia McTher Kátharos. Seguiram o rasto da jovem até Athenas, onde um comerciante afirma ter empregue durante um mês uma jovem do mesmo nome e constituição semelhante. Foi a última vez que foi vista. No entanto, dado que a família Kido é directora de uma extensa rede de orfanatos, pensou-se que o Santuário seria uma escolha óbvia para uma jovem que precisa de auxílio. Temos um testemunho que afirma existir uma Dâmaris recolhida há sete meses na cidade de Athenas, actualmente aluna do Cavaleiro de Virgem. – declarou o homem engravatado em voz monocórdica.

            - Kátharos? Não é o nome daquela família extremamente rica que morreu num incêndio do ano passado? – perguntou Seiya.

            - Exacto. – afirmou Eversor. Fez um sorriso insinuante.– Então, Dâmaris já te lembras? – os olhos ficaram postos na jovem.

            - Não. – respondeu esta impassível. Turites pigarreou.

            - Minha jovem, por favor diga a verdade. Você é Dâmaris Eilan Sophia McTher Kátharos?

            - Não, não sou. – os olhos de Dâmaris estavam frios e impávidos. Eversor pareceu explodir.

            - Dâmaris, o que se passa contigo, miúda idiota? – agarrou-lhe no braço. A seguir fez um esgar de dor.

            - Trate dos assuntos que quiser com a minha discípula, mas faça o favor de lhe tirar as mãos de cima. E tratá-la com respeito. – a fisionomia de Shaka era o correspondente masculino de Dâmaris. Os guarda-costas pareceram indecisos quanto a interceder e Saori fez um gesto para Shaka o largar. Eversor olhou-o com raiva e esfregou o pulso. Depois pareceu acalmar-se, fez outro sorriso pedante e pediu a Turites:

            - Por favor, pode informar a jovem dos seus direitos legais?

            - Isso não está nos parâmetros…

            - Faça-o! – rugiu o rapaz, deixando o advogado abalado. Depois, na sua voz  monocórdica recomeçou a ler as folhas dos pertences herdados por Dâmaris. Ao fim de muito tempo parou e limpou a testa com um lenço. Eversor sorriu de novo.

            - Então, Dâmaris, a tua memória voltou?

            - Já lhe disse que não tenho amnésia e que não sou a Dâmaris Kátharos.

            - Dâmaris, apesar de algumas mudanças, bastante apreciáveis para dizer a verdade, tu ainda és a Dâmaris.

            - Continuamos assim tão parecidas? – o outro parou atordoado.

            - Parecidas? Do que estás a falar? – depois fez um gesto de impaciência – afinal qual é o teu nome?

            - Pháon. Dâmaris Hypséa Pháon.

            - Phaón? – o outro deu um passo para trás e fez uma cara enjoada. – Tu és a filha dos criados dos Kátharos?

            - Sou. E você esqueceu-se de referir uma parte: o senhor Kátharos deixou escrito que a parte da herança de Dâmaris só lhe seria auferida caso ela se casasse consigo.

            - Como é que tu…

            - Dâmaris contou-me. Nós, além de muito parecidas, éramos amigas e colegas. E digo-lhe uma coisa: não vale a pena procurar o "amor da sua vida", porque ele está morto. – a voz de Dâmaris estava fria e insensível.

            - Não! Tu estás morta!

            - Não. Eu e Dâmaris discutimos e, quando saímos do colégio, Dâmaris foi sozinha para casa. Eu não a acompanhei, estava demasiado chateada com ela. Foi Dâmaris que voltou para casa, foi Dâmaris que estava na mansão. Foi Dâmaris que morreu, não eu. – o rosto de Eversor era uma máscara de fúria. Depois acalmou-se novamente.

            - Tu és muito parecida com ela…

            - Eu não vou fazer isso.

            - Você tem consciência que isto tudo irá parar nas mãos dos lobbies do estado? – perguntou Turites.

- Eu não me casava com este desgraçado nem que ele fosse o último homem ao cimo da terra! As coisas que Dâmaris contou acerca dele são suficientes para fazer toda e qualquer mulher fugir dele. E antes a fortuna dos Kátharos nas mãos do estado, do que nas mãos dele.

            O advogado olhou-a escandalizado, Eversor ficou lívido de fúria, os outros continuavam estupefactos. Apenas Shaka permanecia impassível.

            - Saori? – a mulher pareceu acordar.

            - Bem, senhor Eversor, está tudo esclarecido? – despedindo-se rudemente, Eversor saiu furioso pela porta arrastando os outros três atrás de si.

            - Isto foi muito… - Pégasus ainda não conseguia qualificar o que aquilo fora. Shaka dirigiu-se a Saori.

            - Ainda precisam de nós?

            - Não, Shaka, podem ir. – Shaka retirou-se silenciosamente, Dâmaris fez uma vénia apressada e seguiu-o a correr, pois o mestre não esperara por ela.

            - Shaka! Shaka, espera! – exclamou enquanto corria pela escadaria tentando alcançar o mestre. – Shaka, desculpa, eu sei que estás zangado, mas eu não tenho culpa que ele continue atrás dela e…

            - Porque desististe? – interrompeu Shaka com uma calma distante. Dâmaris olhou-o confusa.

            - Porque desististe de tudo, Dâmaris Kátharos? – Dâmaris abriu a boca para protestar, mas Shaka cortou-lhe a palavra. – Sim, Kátharos, é o teu nome, não é? Eu sei que sim. Tu podes mentir bem, Dâmaris, e até Saori enganar, mas eu consigo ver perfeitamente quando não dizes a verdade. – o cavaleiro voltou a descer as escadas. Dâmaris sentou-se nos degraus e ficou a ver o mestre afastar-se. Sentiu lágrimas gordas a juntarem-se nos olhos. Sacudiu-as com raiva. Não ia chorar.

            - Shaka… - a rapariga entrou na sala de treinos. O mestre estava sentado de costas para ela. Não lhe respondeu. – Mestre, eu sei que estás zangado, mas…

            - Vais contar a verdade ou não? – a voz de Shaka estava de novo fria e irritante.

            - A verdade… a verdade sou eu. – respondeu ela olhando para o céu. Sentou-se ao lado dele. – O que queres saber?

- A verdade.

            - A minha mãe… - a rapariga hesitou. – A minha mãe era a quarta filha do Duque Mcther. É uma família extremamente influente e rica de Inglaterra. O meu… avô… - parecia ser a primeira vez que se dirigia a Mcther nestas palavras – só teve filhas. Casou-as segundo o que era melhor para os seus melhores interesses. Casou a minha mãe com Kátharos, apesar da diferença de idades. Eu nunca o vi, nem ninguém daquele lado da família. Só sei que o meu avô era bastante tirano, mesmo com a mulher. Eilan, a minha mãe, era uma mulher deslumbrante… - os olhos da jovem perderam-se ao longe – Eu e as outras raparigas ansiávamos ser como ela, bonitas, inteligentes. Foi mãe três vezes, a primeira vez aos 17 anos, mas o corpo parecia nunca ter passado por uma gravidez. Era alta e elegante, a pele era alva e sedosa, os cabelos escuros lisos e os olhos escuros pareciam ter estrelas. Todas as mulheres queriam ser como ela. Eu queria ser como ela…

            «Era muito inteligente e sábia, a todos os níveis. Foi ela que me ensinou a maioria das coisas que hoje sei. Lembro-me sempre dela recostada numa long-chaise, iluminada pelo sol que entrava por entre os reposteiros das janelas altas da biblioteca, a ler. Raramente se ouvia a voz das outras mulheres nos jantares e festas que haviam lá em casa, mas a minha mãe falava, e tudo o que falava, falava bem.

            O meu pai não gostava que ela abrisse a boca. Dizia que as mulheres deviam ser somente bonitas e ter filhos. A minha mãe respondia sempre que para ter essas duas coisas, ele tinha que suportar três. O meu pai sentia-se inferior junto a ela, sabes.

            Estava sempre a sorrir, mesmo quando ralhava connosco, os lábios mantinham-se num sorriso brando. Vê-la zangada era motivo para fugir. Nunca levantava a voz, mas impunha-se onde quer que fosse. E era boa, muito boa, doce, meiga… e ria-se, o riso dela era contagiante, fazia-nos rir, brincava connosco, e mesmo que rebolasse na relva os vestidos dela nunca ficavam sujos ou amarrotados. Não que isso tivesse importância, porque mesmo vestida de pedinte, a minha mãe parecia uma rainha.»

            Os olhos de Dâmaris estavam brilhantes e a voz doce como nunca Shaka a ouvira. Depois pareceu entristecer.

            «O meu pai ficou feliz quando ela lhe deu dois rapazes. Ele só queria rapazes, que continuassem com a empresa e o nome da família. Mas quando a minha mãe ficou grávida a terceira vez, ela não lhe disse qual o sexo da criança que transportava. A minha mãe andava mais enjoada do que costume, mais sensível e o meu pai, para salvaguardar o herdeiro, satisfez-lhe o capricho de querer ter uma surpresa. Ele era absolutamente convencido que do sangue dele não nasceria algo tão frágil e inútil como uma rapariga. E não era uma rapariga. Eram duas. Gémeas falsas.»

            Shaka contraiu levemente as sobrancelhas mas Dâmaris não reparou. Os olhos dela estavam brilhantes e a voz ficara imprecisa enquanto torcia nervosamente as mãos. 

            «Se se apresentar com uma menina nos braços ao meu pai seria um pesadelo, com duas seria algo impossível. Durante a gravidez da minha mãe, sobretudo a partir do sétimo mês em que a barriga era enorme, o meu pai ficou convencido que era um rapaz robusto que lá vinha. E em todos os serões, soirées fazia questão do proclamar. Uma noite, no oitavo mês da gravidez da minha mãe, o meu pai foi longe demais e afirmou aos amigos que depois daquele rapaz não queria ter mais filhos. Morreria de vergonha se fosse pai de uma rapariga e no caso de duas mandava-as afogar no poço da mansão quando ainda fossem recém-nascidas.

            O meu pai tinha quarenta e alguns anos e era um homem tenebroso. Era moreno e alto, muito alto e robusto, os cabelos cor de carvão encaracolados e uns olhos verdes maus e frios. Era inteligente, mas de uma inteligência e argúcia cruéis. As mãos eram grandes e pesadas, partiam cristal e porcelana todos os dias, eram inaptas para manejar um livro ou um bebé. Um leve tabefe do meu pai rebentava-nos os cantos dos lábios, enrubescia-nos a pele e fazia correr sangue do nariz. E ele dava muitos.» - a voz da jovem terminou num murmúrio absorto em más memórias. Depois recuperou a voz - «A minha mãe tinha nessa altura a tua idade. Sempre se lhe opunha, apesar de jovem, com astúcia e coragens irredutíveis. Mas nesse momento teve medo.»

            «Junto com a minha mãe tinha vindo uma governanta de Inglaterra, Dierna. Casou-se com o mordomo do meu pai, Cícero Pháon. Já antes Dierna havia sido uma espécie de dama de companhia da minha mãe, era poucos anos mais velha e um pouco parecida. E também uma amiga inseparável.  Dierna estava grávida como a minha mãe. Trocar as crianças seria impossível, pois Cícero era louro e tinha os olhos azuis. Mas Dierna combinou com a minha mãe ficar com uma das gémeas.»

            «De certa forma a ira do meu pai seria certamente aplacada e uma das crianças estaria a salvo. O meu pai cedeu ao capricho de ambas estarem na mesma enfermaria e as médicas da minha mãe foram pagas a peso de ouro para que os partos fossem provocados ao mesmo tempo. Mas houve uma coisa que correu mal no parto de Dierna. Ela desmaiou a meio do trabalho de parto e a criança acabou por morrer. Cícero, que estava dentro da história, pagou novamente às enfermeiras e quando eu e a minha irmã saímos da sala de partos já não éramos irmãs.»

            «Dierna deixou que a minha mãe escolhesse o nome das meninas. Ela deu-nos o mesmo primeiro nome: Dâmaris. Eu fiquei com nome dela, Eilan, e Sophia, que significa sabedoria. A minha irmã ficou Hypséa, que significa inteligência.»

            «O meu pai entrou em colapso quando viu uma menina nos braços da enfermeira. Não preciso de te dizer que a minha vida foi um verdadeiro inferno e a da minha mãe também. Eu cresci como uma boneca, bem vestida e arranjada para os salões de baile, em que o meu pai exigia o máximo de bom comportamento e silêncio. Aliás, ele queria-me sempre em silêncio, sem uma ruga no vestido, um cabelo fora das tranças, o fecho do fio ou da gargantilha a aparecer. Nunca teve um gesto carinhoso, uma palavra meiga. Apenas gritos, frieza e bofetadas por vezes por coisas que nem sequer tinha feito.»

            «A minha mãe, por outro lado, era doce para comigo. Meiga, gentil, amiga. Mais que isso, um ideal. Eu queria ser como ela, e ela ensinava-me tudo. Maneira de vestir, falar, comportar e matérias como história, filosofia, astronomia, matemáticas, literatura, poesia, piano, música, tudo. Eu e Hypséa passávamos o dia na biblioteca com ela, pois a minha mãe também a ensinava. Por isso sempre tivemos as notas máximas na escola, nós sabíamos tudo o que nos ensinavam e mais ainda. A minha mãe também nos ensinava religião, todas as religiões. Ela não era religiosa. Absolutamente nada. Dizia que deuses e homens eram iguais, e que os homens só faziam o que os deuses queriam por querer. Acreditava que a sabedoria pode conceder um posto, mas nunca o nascimento. O meu pai, por outro lado, era super católico. Havia muitas discussões lá em casa por causa disso, a minha mãe negava-se a por o pés numa igreja e a baptizar os filhos. Os meus irmãos foram baptizados contra sua vontade, mas eu não. Nem Hypséa.

            Hypséa ficou com os olhos negros da minha mãe, mas os cabelos escuros e encaracolados. Como os meus, mas como os usava curtos e eu compridos, os meus pareciam lisos como os da minha mãe. O meu pai nunca desconfiou. Nós éramos parecidas, mas o cabelo, a personalidade, os olhos e o físico eram diferentes. A minha irmã era muito elegante. Eu era mais para o gorducho, como a minha mãe costumava dizer. Isso irritava o meu pai, tanto que me mandou ao médico. O pobre coitado foi despedido da clínica porque disse ao meu pai que o meu metabolismo era deficiente na destruição de gorduras por causa dos nervos.» - Dâmaris perdeu de novo a voz. - «Quando eu tinha catorze anos foi diagnosticada uma doença na minha mãe que a atirou à cama. Um cancro nos intestinos. Não durou 6 meses.» - murmurou olhando para as mãos.

            «Foram seis meses agonizantes. Gritos, medicamentos, a pele branca ficou amarela, a elegância transformou-se em magreza total. Apenas os seus olhos continuavam brilhantes, mas mesmo assim, com dor. Ao fim de três meses, os meus irmãos não viram mais a minha mãe. O meu pai não os queria ver chocados. Em relação a mim… ordenava-me que ficasse a tomar conta dela dia e noite, ate a ver morrer nos meus braços. Emagreci e adoeci, nessa altura. Dierna cuidava de nós as duas e Hypséa ajudava no que podia. Esses três meses, foram os três meses de férias de verão. No dia em que morreu, a minha mãe pediu para ficar comigo e Hypséa no quarto sozinhas, e contou-nos tudo. Hypséa ficou chocada e começou a chorar. Sempre foi mais sensível que eu. A minha mãe começou-se a agitar por causa do desespero dela e eu tirei-a do quarto. Quando voltei, a minha mãe estendeu-me os braços e pediu-me para ser forte e nunca ceder. Que haveria alguém que me iria ajudar. E que eu e esse alguém iríamos passar por uma prova dura e difícil, mas que, se eu fosse forte, consegui-lo-ia realizar.»

            «Nunca percebi o real significado destas palavras. Mas quando a abracei, ela agarrou-se a mim agonizante. Depois sossegou e sorriu tranquilamente. Os olhos brilharam com todas as estrelas que possuía e pareceu que se tinha curado. Suponho que tenha enlouquecido com as dores porque me olhou a sorrir e disse: Mãe, Deusa… voltei. E… morreu.» - Dâmaris ficou silenciosa e o mestre também. Por fim a rapariga suspirou.

            «Os últimos quatro anos de vida naquela casa foram piores que o último circulo do Inferno. Foram nesses quatro anos que os meus… poderes… se começaram a desenvolver. Talvez por um mecanismo de defesa, já que a minha mãe não me podia proteger mais. Conseguia-me manter calma, bloquear a dor da pancada, e obrigar o meu pai a parar quando queria. Ele começou a ter algum medo de mim, pois quando a dor era insuportável, algo em mim conseguia transportar a minha dor para ele. Ele acabava no chão a gritar de dores. Mas eu não me conseguia controlar.

            Os Pháon ficaram lá em casa, mas Hypséa não podia sair da cozinha. Foi então que me mandou para o colégio interno, de onde só vinha a casa nas férias. Dierna mandou Hypséa comigo. O colégio era horrível, era inglês e católico, e ensinavam-me e obrigavam-me a coisas totalmente diferentes às minhas crenças e ensinamentos. Verão ou Inverno, levanta-me sempre a um quarto para as seis, banhos de água fria, rezas, aulas o dia inteiro com uma hora para almoçar. Tardes inteiras de estudo e culto, Jantar às sete e meia e deitar às nove; a única coisa boa era poder levar Gawain comigo, que a minha mãe me dera à dois anos atrás. Os empregados só nos suportavam pelo dinheiro dos pais dos alunos, que, na sua grande maioria, eram muito ricos. Os professores costumavam por Hypséa e eu de castigo por "sabermos de mais". Nunca lavei tanta latrina na minha vida!» - riu-se tristemente. - «Nas férias de natal desse ano voltei para casa cheia de raiva. Mas o meu pai preparara-me outra surpresa: o casamento com Eversor.

            Eversor era horrível, uma imagem de 18 anos do meu pai. Discuti com o meu pai, jurei que não me casava com Eversor e que ninguém me podia impedir. Então ele matou Gawain. Aproveitou o estado em que eu fiquei para assinar o noivado nesse mesmo dia, com um padre amigo. Ir-me-ia casar no dia em que voltasse do colégio, já com os dezoito anos realizados.    

            Comecei a preferir o colégio a casa. A única pessoa com quem podia contar era Hypséa. No último dia do colégio, saímos da escola juntas, com os certificados de nota máxima nas mãos. Hypséa ia entrar em medicina e juntar-se à Cruz Vermelha para ajudar a salvar as vidas dos inocentes apanhados nas guerras dos grandes senhores. Eu…» - riu-se no que parecia ser um soluço de raiva. - «Eu ia entrar em advocacia e ajudar os grandes senhores a escapar da lei por matarem inocentes nas suas guerras. Como era o desejo do meu pai. Foi por isso que discutimos. Hypséa foi para casa e eu fui dar um passeio pela cidade. Estava um calor horrível por causa dos fogos que andavam a leste da cidade. Passado umas horas senti um aperto no peito, como um grito de terror que invade a mente. Corri para casa mas quando me aproximei das árvores que cercavam a mansão ouvi o barulho de chamas. E quando cheguei ao portão vi a mansão completamente em chamas. E percebi o que se tinha passado. Então fugi e vim para Athenas, à procura de tempo e sobrevivência. E pronto, esta é a verdade.»- disse, terminando num suspiro.

            - E o que é que se tinha passado, Dâmaris? – perguntou Shaka numa voz suave. Dâmaris baixou a cabeça. – Dâmaris…

            - O fogo foi feito por mão criminosa. O fogo estava a leste e a casa situava-se muito longe, a oeste. O vento estava dessa direcção. O fogo começou no bosque a oeste da mansão, mas a erva estava seca e o vento forte. A própria casa era preenchida por hera e trepadeiras nas paredes. O fogo apanhou a casa pela frente e rodeou-a pelos arbustos. Nessa altura estavam em casa o meu pai, os meus irmãos e as suas famílias e Eversor. Os fios do telefone derreteram imediatamente pois vinham pelo bosque. Era impossível pedir ajuda e era impossível fugir…

            - Eversor… - começou Shaka.

            - Exacto! – Dâmaris espetou um murro no chão partindo alguma da pedra. Mas não deu conta disso. – Se Eversor lá estivesse, teria morrido. Porque não estava? O combinado era estarem à minha espera. – levantou-se nervosa - não percebes, Shaka? Eversor matou a minha família. Oh, não lhe chegava ficar com um terço da fortuna do homem que o considerava o filho mais perfeito. Matou-o, pois, através do seu casamento comigo, única herdeira, ficaria dono de tudo. Ao passo que eu só ficaria com alguma coisa, ilusoriamente, se me casasse com ele. Por isso é que fugi. Fugi dele. Estava sem dinheiro, mas vendi as poucas jóias que tinha comigo e o telemóvel e vim para Athenas. Deixei que pensassem que tinha sido eu a morrer no incêndio e não Hypséa. Os corpos ficaram reduzidos a cinzas e o fogo acabou por se juntar ao outro. Eversor tem demasiado poder para calar vozes inconvenientes. Quando me trouxeste pensei que ele nunca mais me iria encontrar. Mas parece que me consegue encontrar onde quer que esteja… - concluiu com amargura. Depois deixou-se cair com as mãos no rosto e começou a chorar. Shaka tocou-lhe gentilmente no ombro.

            - Eu compreendo… - foi empurrado pela rapariga que parecia furiosa, as lágrimas escorrendo-lhe pela face, os caracóis despenteados e o vestido branco desarranjado.

            - Compreendes? Compreendes? Tu não compreendes nada Shaka, nada!

            - O que é que eu não compreendo?

            - TU NÃO COMPREENDES NADA! – berrou alterada.

            - O que é que eu não compreendo, Dâmaris? - a voz continuava baixa e calma.

            - NADA! TU NÃO COMPREENDES NADA! NINGUÉM COMPREENDE NADA! – começou a dar-lhe murros com força no peito. Shaka apenas a amparou pelos ombros enquanto ela lhe dava murros cada vez mais fracos. – Eu! Eu é que deveria ter sido a gémea que ficou à guarda de Dierna! Devia ter sido eu, eu, eu! Hypséa nunca soube, ela nunca passou pelo que eu passei! Ela era a menina bonita e fofinha de toda a gente! Ela… nunca.. passou por nada! NÃO É JUSTO! – finalmente a cólera, a raiva e sobretudo a dor que  Dâmaris armazenara dentro de si durante anos explodira e jorrava agora como um rio de sangue do seu coração ferido. O cosmos dela explodiu sem que ela sentisse e a força dos murros aumentou com a dor. – Ela nunca foi espancada, insultada, castigada! Eu fui! Sempre eu! Não foi o gato dela que morreu, foi o meu! Não foi ela que ficou noiva, fui eu! Não foi ela que suportou o meu pai durante aqueles quatro anos, fui eu e apenas eu! Não foi ela que foi toda negra para a escola por ter sido espancada pelo pai… não foi ela! Não foi ela que viveu numa prisão de paredes de ouro! Não foi ela que foi obrigada a ver a mãe a agonizar até morrer! Não foi ela que teve sempre de fazer o que o meu pai queria, que nem podia escolher o curso que queria tirar! E que não tinha amigos! Fui eu, sempre eu, sempre eu quem sofreu, quem foi magoada, torturada, espancada, insultada, enganada, envergonhada, maltratada, humilhada! Sempre eu… - o cosmos começou a baixar até acabar com um último murro cansado e o choro recomeçou, também ele cansado e exausto. – Porquê Shaka, porquê… porquê eu…

            - Porque tu és especial… - murmurou o mestre abraçando-a e começando a embalá-la com carinho.  – E quem é especial sofre sempre mais que os outros… é a face negra da lei do Cosmos, Dâmy… nós só podemos lutar para vencê-la ou subjugar-nos à sua vontade para sempre…

            Pegou-lhe ao colo, amparando-a quando a sentiu cair num sono exausto, sem forças. E puniu-se a si próprio, mentalmente, por tê-la tratado tão mal. Não que ele não suspeitasse sobre quem ela era, mas, por isso mesmo, deveria ter sido mais brando.

            Olhou a jovem cujos os olhos fechados e adormecidos ainda derramavam lágrimas. Se calhar era melhor assim. Dâmaris vivia controlando a raiva e a dor. Ver-se livre dela só poderia ser bom, mesmo que, naquela tarde, tivesse sofrido por todo o tempo em que se manteve calada.

            Carregou-a até à sala, surpreso pela capacidade de auto-controlo dela. Ia deitá-la no sofá quando as mãos dela, cerradas na camisa, o impediram de se afastar. Hesitou em acordá-la e tentou libertar-se suavemente, mas as mãos pareciam duas tenazes e ela começou a agitar-se. Shaka suspirou.

            "Parece que não tenho outro remédio…"

            Depois sorriu com um misto de malícia e divertimento que lhe era próprio, ao pressentir o que ia acontecer na manhã seguinte…

N.A.: OIE!!!!!

            Mari Marin = Sobre a religião: Totalmente de acordo!

                                    Sobre o Fic: Ele não fica tãaaaaao fofinho quando está alegre??? Fica um doce de pessoa, mas aquela mania besta de ser O insensível, O supremo, O sabe-tudo, O sr.não-se-apaixona, tem que, necessariamente, ser ultrapassada (That's for what I live!!! HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA)

                                   Quanto à Athena… bem, só me estou a basear em mitologia e outros afins sobrenaturais. Mas esta história toda de Athena vs Saori vai dar festa e muita. E também vai levar as umas conclusões interessantes SOBRE AS AQUAIS NÃO VOU FALAR AGORA! (HAHAHA :P)

                                   Vai por mim: Toda a gente gosta de pelo menos um exercício. Quando era pequena quiseram-me pôr em toda a espécie de ginásio. A minha mãe queria que eu fosse para Ballet! Não tenho nada contra o ballet, mas não se enquadra muito com o meu jeito de ser (tão à la Shaka/Saga/Aioria/Shun – bem eu sou de gémeos, leão e virgem, nos três principais ramos de influência… tinha que dar barraca!). Então, quando tinha sete anos o meu pai acabou com a discussão e disse-me para experimentar Kempo. A minha mãe ficou horrorizada por uma menina ir praticar artes marciais no meio de 22 meninos, mas pensou que, se eu não tinha gostado de nada até ali, também não ia gostar de kempo. MAS eu sou geminiana (não disse?) e adoro contrariar, por isso fiquei e fiquei e fiquei… e deve ser o único desporto que realmente gosto . Só pratico natação por causa do controlo da respiração. Experimenta vários, mesmo aqueles que pensas que não gostas. Dá só uma experimentada, vais ver que encontras um!

Bjokas leoninas!

            Paula Marques = Eu pensei e pensei muito… DOIS capítulos e só porque eu, sendo filha de médico, realmente preocupo-me com a saúde das pessoas!

            Agora, em retorno, eu quero um comentário GIGANTE, tá? :P :P :P

            A minha maldade é culpa do Shaka! Ele corrompe a minha mente pura e inocente com a sua ironia e perversidade…

            Mas a sério, aqui estão dois capítulos com muito carinho!

            Bjokas!!!!!

            Kourin-sama = Bem, eu imagino que o loiro pode descontar a raiva contida em alguém então, com o espírito finalmente liberto de todo o sarcasmo e ironia e aquela crueldadezinha chata dele (imagina, mais de uma hora e meia é obra, nem imagino a Saori!), calculo que tenha tido um ataque de ternura para com a Dâmaris… SORTUDA!!!!! AI QUE RAIVA DA MINHA PR"PRIA PERSONAGEM! Credo, eu estou MESMO mal… :P

            Eu também sou um doce de pessoa (Sha… grrrrrrrrr… PÁRA de abanar a cabeça… EU SOU UM DOCE DE PESSOA SIM!.. implicante) e muito. Tanto que eu não discuto com ninguém… Não invalida que não ache certas discussões interessantes, desde que EU não tome parte activa :P

            Uma arquitecta a fazer fics??? É por isso que saem sempre bem estruturadas ;) !!!!! Agora imagina a seguinte cena:

            Juíza (eu, seis anos mais velha) para o réu: Então o senhor, acusado de tráfico e publicação na Internet de conteúdo pornográfico em sites acessados por crianças, declara a sua inocência? Por acaso está a troçar da seriedade desta Justiciae Domus????

            Réu: Jamais, senhora meritíssima! Jamais ousaria troçar da própria Justiça! Mas se eu sou culpado, o que diremos da senhora que publica hentais numa página acessada por crianças com personagens feitos para crianças????

            Juíza (muito corada): Ora seu… seu… seu… Prove! Como ousa difamar uma autoridade da justiça! Agravamento de pena! (mais tarde, no escritório em frente ao computador)

            Secretário (cópia fiel de Dorian Gray, de "The League of Extraordinary Gentlemen) : A senhora está bem?

            Juíza (desviando os olhos de um episódio de Saint Seiya): Estou tão cansada…

            Secretário: A senhora trabalha demais… Devia relaxar…

Juíza (com olhos docemente tristes): não é fácil relaxar com estas dores nas costas e com tanto frio…

Secretário: Quer uma massagem? (Começa a dobrar as mangas da camisa)

Juíza: Se puderes…

Secretário (com aquele sorriso lindo): O meu trabalho é ajudá-la em tudo o que puder.

            CENSURA!

            AI, como eu viajo com facilidade, meu Zeus…  

            Muitas Bjokas!!!!

            Pandora-Amamiya = Concordo PLENAMENTE com o que dizes. Não é à toa que considero Jesus um filósofo: todos os filósofos, ou quase todos, são homens extremamente avançados para a sua época, são homens que conseguem ver aquilo que os outros, cegos, não conseguem. Só é pena que, dois mil anos depois da morte de Cristo, continue a existir gente que continua a não "chegar l".

            Quanto ao hentai… bem… CLARO QUE VOU FAZER! EU MORRO SE NÃO FIZER! Bem mais que duas linhas… :P oh, sim , muito mais…

            BJOKAS!!!!!!

            TinuvielBrazilXXI = Meu Zeus, mas o dia 30 de Maio começou a ficar concorrido, né? :P Só gente boa, hein? Só gente boa!!!! GEMINI AT THE VERY BEST!!! (um bocadinho de publicidade, etc e tal…)

            A minha intenção foi fazer o Shaka soltar-se um pouco… a melhor altura é a manhã, quando acabam de acordar (e deixaram a língua solta na noite anterior a azucrinar a Saori, etc e tal, já se livrou da raiva…), né? Mas ele fica TÃO meigo e fofo nestas alturas!

            Grande questão… QUE CAVALEIRO DE OURO NÃO É UM GATO??? Todos são… só que tem uns mais que outros… e fica mal falar assim logo de dois que são meus irmãos e talz… :P

            BJOKINHAS!!!!

            Ia-Chan = Estudar religiões é óptimo, né? Um grande amigo meu, que infelizmente morreu este ano com uma doença muito grave, sempre me disse: Conhece a religião de um povo, e conhecerás a sua maneira de pensar, antevendo a sua maneira de agir. Então, eu acho que isto resume tudo.

            Obrigado pela força!

            Bjokinhas!!!!

                        Sem muito para dizer, na verdade… a minha gata apanhou um dos peixes tropicais do aquário do meu pai então anda tudo zangado cá em casa… ela ESCUSAVA de ter salpicado os móveis todos com água e de ter deitado abaixo uma jarra de cristal da minha mãe na sua desesperada fuga quando o meu pai a quis apanhar… Mas, falando a sério, vocês sabem o dia em que a minha gata nasceu? 28 de Maio… Geminiana, está claro! Tinha que ser minha! Então, aproveito e deixo um super abraço para a Bastet, a melhor gata do mundo!!!!

            Ok, eu sou piegas… coração mole… mas ela precisa de uma força,, vai dormir a noite na varanda de castigo, tadinha… :'(

            Actualizo o mais rapidamente que puder, para compensar a altura dos meus exames.

            Muitas bjokas para todos os que lêem a fic!!!!

            Ayan Ithildin

Próximo capítulo: "E o crescente da lua aumenta…"