"A fragilidade de uma teia de sonhos de seda"
by Ayan Ithildin
- Gatinha… - a rapariga saiu no Cosmos e olhou para Shaka. Este sorriu-lhe. – Adivinha quem faz anos hoje… - Dâmaris encolheu os ombros. Depois fez umas contas e abriu a boca. – Isso mesmo, o Mu. Vou-lhe dar os parabéns, queres vir?
- Claro! – Dâmaris levantou-se de um pulo e pôs-se ao lado dele, vendo-o com uma prenda nas mãos. Sorriu. E acompanhou-o pelas escadas até à primeira casa. Mu estava encostado a um pilar a conversar com Saga. Não, com Kanon. Virou-se para eles e Dâmaris pulou-lhe ao pescoço com a habitual energia juvenil fazendo uma festa imensa. – Parabéns! – exclamou dando-lhe um beijo na face esquerda. O gentil cavaleiro abraçou-a com um sorriso. – Desculpa… - disse ela abrindo as mãos vazias e com um olhar de culpa no rosto. Mu abanou a cabeça sorrindo e deu-lhe um murrinho de brincadeira no queixo. Depois a boca de Dâmaris abriu-se com o que viu a seguir.
- Parabéns, Mu! – Shaka abraçou-o e deu-lhe umas palmadas nas omoplatas. Depois deixou a prenda deslizar para as mãos de Áries. Mu sorriu, espantado com o amigo que não era dado a manifestações daquelas. Começou a abrir a prenda curioso, enquanto Shaka enfiava as mãos nos bolsos das calças de ganga, encostando-se ao pilar.
- Tu és doido, Shaka… - disse Mu, sorrindo e abanando a cabeça, tirando o bonito relógio do estojo. Depois reparou no símbolo de Áries gravado no centro do mostrador especialmente para ele. – É demais! – Mu deu uma palmada nas costas de Shaka que se riu, a expressão ininteligível suavizando-se por momentos, voltando a parecer ainda mais jovem.
Que Mu andava inconsolável desde que perdera o relógio favorito na festa de Afrodite, Dâmaris sabia. Mas nunca pensou que Shaka prestasse atenção a isso. Ele está muito mudado, pensou com um sorriso.
- Então, há festa? – perguntou olhando para Mu.
- Nem penses, miúda. Saori ainda não se calou desde a festa de Afrodite…
- … o Aioria e o Miro puseram-se a fazer grafittis nas paredes do salão da casa do Mestre, é compreensível…
- … e eu aproveito a desculpa para ficar sossegado ao menos no meu dia de anos!
- Sossegado? – reiterou Shaka.
- Sim, sossegado.
- Sei… - a expressão do loiro era a de quem sabia um segredo. Mu corou e tanto Dâmaris como Kanon olharam-nos sem entender. Os geminianos entreolharam-se procurando uma resposta. Shaka tirou as mãos dos bolsos e deu uma palmada de despedida nas costas do ariano. – Então vai lá para tua noite sossegada.
- Tu és mesmo doido… - afirmou Mu abanando a cabeça enfaticamente. Depois despediu-se dos amigos. Kanon acompanhou Shaka e Dâmaris até à casa de Virgem, tentando arrancar do novamente impassível cavaleiro "aquele segredinho" entre ele e Mu.
Dâmaris pôs a mesa enquanto a comida acabava de aquecer. O jantar decorreu em silêncio, Shaka não abriu a boca. A jovem começou a estranhar e pôs o livro no sofá, irritada.
- Shaka? – o cavaleiro não lhe respondeu, o rosto impassível na pseudo-meditação. Dâmaris suspirou e sentou-se no colo dele, segurando-lhe o rosto e olhando para os seus olhos. – Vá lá, o que tens?
- Nada. – a resposta foi seca e fria, enquanto desviava o rosto das suas mãos. Dâmaris olhou-o magoada.
- Diz…
- Nada! Não sabes o que significa "nada"?
- Quem nada não se afoga, sabias? – perguntou irritada, levantando-se. – Boa noite.
- Bem, ao menos um beijo de boa noite… ou já têm outro destinatário? – Dâmaris voltou-se para encará-lo. A jovem de burra não tinha nada e facilmente entendeu o que Shaka queria dizer. Começou-se a rir.
- Eu não acredito! Tu estás com ciúmes do Mu?! – perguntou enquanto sorria e abanava incredulamente a cabeça. Shaka não gostou de ter sido apanhado. Não gostou absolutamente nada. Abriu os olhos e olhou-a friamente.
- Poupa-me. Eu, com ciúmes? Por tua causa? Andas a ficar muito convencida… Talvez uma semaninha no cosmos te tire as manias, não? - O sorriso de Dâmaris desapareceu e ela voltou a ficar zangada.
- Tu… tu és um estúpido, um arrogante, um idiota, um… troglodita, um… um australopitecus… - Shaka ergueu as sobrancelhas e abriu a boca vexado e ela praticamente rosnou de fúria. – Espero que aches o sofá da sala confortável, porque nem sonhes em deitares-te naquela cama!
- Ei, a cama é minha!
- Experimenta deitares-te lá e morres! – o olhar dela deitava labaredas, virou-lhe as costas e foi-se deitar. Shaka olhou para a parede, considerando seriamente tentar partir a própria cabeça a bater-lhe. Porque é que ele era assim? Tinha ciúmes, claro que tinha ciúmes! Ele tinha ciúmes de todos os homens do mundo! Era óbvio, era a coisa mais óbvia e natural, porque é que não a admitia? Ficou ali um bocado a lutar contra o seu carácter orgulhoso e depois foi até ao quarto, desabotoando a camisa pelo caminho. Atirou-a para as costas da cadeira e olhou para Dâmaris. Deitada de costas para ele, a jovem fingia dormir. Shaka suspirou.
- Desculpa, está bem? – perguntou com a costumeira falta de jeito para pedir desculpas, o que não era de admirar, ele passara praticamente mais de vinte anos da sua vida sem pedir desculpas a ninguém. Descalçou os sapatos e as meias, e olhou para a jovem que não se mexera. – Vá lá, desculpa! – exclamou frustrado, desabotoando as calças e despindo-as. Deitou-se ao lado dela e escorregou para o chão no segundo a seguir agarrado à barriga. – Porra, Dâmaris!
- Eu avisei! – disse ela, deitando-se de novo de costas.
- Dâmaris, esta cama é minha e eu vou dormir nela! Quem está mal que se mude. – disse com um sorriso convencido. Que murchou no minuto a seguir quando ela se levantou.
- Tá, fica com a cama, boa noite! – Shaka ficou sentado na borda da cama com um ar apalermado enquanto a via sair do quarto. Isto é surreal… foi o único pensamento coerente que lhe passou pela mente, entre alguns homicidas, suicidas, genocidas e de se deitar e dormir sozinho. Foi isso mesmo que fez, mas não conseguia dormir. Virou-se para um lado, para o outro, chegou até a ficar naquele estado de quase adormecimento mas bastou o hábito de abraçar a jovem fazê-lo esticar a mão à sua procura e não a encontrar para espertar de novo. Sentou-se furioso na cama. E já que não conseguia dormir porque ela não estava ali, tratou de a ir buscar e resolver o problema.
- SHAKA! – berrou ela quando se sentiu levantada do sofá e jogada sobre o ombro dele. Começou a espernear. – Põe-me no chão! Põe-me no chão agora! Olha que eu… - tentou segurar-se na porta. – Solta-me! – Shaka acabou por deixá-la não muito delicadamente em cima da cama.
- Deita-te! Agora! Eu quero dormir e não és tu que me vais impedir!
- O quê…? – perguntou ela sentando-se e erguendo as sobrancelhas.
- Dâmaris… dá para te deitares? Por favor? Eu quero dormir! – disse ele a ficar impaciente.
- E eu estou a impedir vossa excelência de dormir?
- Uma vez que não consigo dormir sem te ter aqui, estás! Então, dá para te deitares ou não?
- Okay, mas s porque não quero aturar o teu mau humor amanhã. E nem penses em me tocar. Boa noite! – Dâmaris virou-lhe a costas e deitou-se. O cavaleiro suspirou de impaciência e deitou-se ao lado dela mas Dâmaris chegou-se totalmente para o outro lado da cama. Shaka contou até vinte e um para se acalmar. Puxou as costas dela contra o peito dele, sentindo-a estrebuchar para se soltar. – Está bem, porra, tenho ciúmes! – exclamou num acesso de consciência. – Estás feliz? – perguntou chateado por ter dado parte fraca.
- Não, não estou. – respondeu ela sentando-se na cama e olhando-o. - Eu nunca te dei razões para teres ciúmes.
Nem precisas. Sem fazeres nada atrais as abelhas como mel… pensou Shaka taciturnamente. Dâmaris chateou-se por ele não responder e deitou-se de novo de costas para ele. Shaka pareceu despertar e abraçou-a novamente.
- Desculpa. – isto é ridículo! Pensou o orgulhoso cavaleiro pela centésima vez, ela leva-me aos extremos! Deixou os olhos pousarem no corpo dela e sorriu maliciosamente. Ele até que tinha um plano para fazê-la desculpá-lo... Baixou-lhe suavemente a alça da camisola beijando-lhe o ombro e começando a chupar-lhe as costas, apertando-lhe suavemente a cintura com as mãos. Dâmaris ficou estática, numa clara demonstração de resistência e estrebuchou outra vez. Shaka subiu as carícias e beijou-lhe o pescoço, chupando e mordendo a pele suave, deslizando a língua sensualmente, uma das mãos deslizando na barriga e puxando-a contra ele e a outra subindo lentamente pelo corpo dela tocando-lhe somente com a ponta dos dedos até parar nos seios.– Desculpa… - murmurou com uma voz rouca, entre dois beijos no pescoço, deslizando a mão para dentro da camisola e tocando-lhe nos seios. Shaka era irresistível e sabia bem como usar essa particularidade quando queria. Não que com Dâmaris isso fosse um sacrifício… A jovem deixou de tentar resistir inutilmente contra a vontade de se entregar a ele. Shaka sentiu-a relaxar resignadamente e virou-a para ele, subindo para cima dela e prendendo-a entre os joelhos.
- Tu és um sacana impossível de aturar… - acusou ela. Shaka limitou-se a sorrir, nada incomodado com o insulto. Esticou-lhe os braços para cima da cabeça entrelaçando os dedos nos dela e chupando o outro lado do pescoço.
- Eu paro quando tu quiseres… - murmurou despindo-lhe a camisola e prendendo os mamilos entre os dentes. Dâmaris gemeu e arqueou as costas, entrelaçando os dedos nos cabelos da nuca dele.
- Esse é o problema… eu… não consigo pedir-te para parares… - suspirou ela enquanto ele dividia a atenção entre os seus seios e descia a língua pelo seu corpo, fazendo a calcinha deslizar pelas pernas compridas e níveas da jovem. Tirou os boxers e deitou-se por cima dela, deslizando a língua desde o umbigo até ao pescoço e beijando-a.
- Eu não vejo problema nenhum aí… - os olhos dele escureceram e deslizou a língua até à orelha dela. – Eu amo-te … - murmurou, sentindo-a arrepiar-se. Encarou por momentos os olhos brilhantes dela; depois os seus voltaram a brilhar e penetrou-a, encaixando-se entre as suas pernas, estocando-a suavemente e deixando o delicioso momento arrastar-se no que pareceu uma fugaz eternidade paradisíaca.
Dâmaris dormia profundamente com a cabeça deitada no seu ombro e o corpo enroscado pelos seus braços quando Shaka acordou com fortes batidas na porta. Imediatamente tomou consciência que eram batidas na porta.
- Puta que pariu! – exclamou exaltado, levantando-se de repente. Dâmaris acordou mesmo a tempo de ouvir novas batidas e olhou-o alarmada. – Não saias daqui! – percorreu o corredor ainda a abotoar as calças e olhou o relógio no hall. Eram seis da manhã. Mas que merda! Abriu a porta com uma brutalidade desnecessária e deu de caras Aioria, Camus e Miro. – O que foi?
- Bom dia – cumprimentou Aioria, secundado pelos outros dois. Aquilo irritou Shaka, parecia que o vinham acordar às seis da manhã apenas para lhe dizer bom dia. Mas eles tinham consciência que das seis ás oito da manhã ainda dava para fazer muita coisa? .
- Está bem, bom dia. O que foi?
- Que mau humor… - comentou Miro.
- Queres-me ver de mau humor? – rosnou Shaka. O outro encolheu os ombros desculpando-se. – Mas afinal o que se passa?
- Nós vamos treinar todos juntos na arena. Devem estar lá quase todos, hoje. Queres vir com a Dâmaris? – perguntou Camus.
- Não, obrigado.
- Milagres não acontecem todos os dias… – espicaçou Miro, referindo-se ao combate entre Dâmaris e Ikki.
- Milagre foi a tua mãe não te ter morto quando nasceste e olhou para a tua cara…
- Epá, epá! – meteu-se Aioria, vendo o rosto de Miro tornar-se numa máscara de fúria incontida, embora não entendesse porquê. No fim de contas, era mais do que o costume enfiar a mãe no rolo. – Vens ou não, Shaka?
- Não, porra, não vou, deixem-me dormir! Ou pensam que tenho a vossa vida?
- A Dâmaris não quer…
- A Dâmaris combate quando eu quero, não quando ela quer. – cortou Shaka.
- Pronto, c'est assez! Se não queres, não queres. O Shura também não vai nem o Shiriyo. – apaziguou Camus. – Vamos ver se o Saga já está despachado. Au revoir, Shaka.
- Au revoir… – e fechou a porta sem mais paciência. Quando voltou para o quarto não encontrou Dâmaris, nem a almofada. – Dâmaris? – A porta do armário abriu-se e ela pulou lá de dentro. Suspiraram os dois e Shaka abriu os olhos.
- Foi por pouco…
- Desta vez foi. – resmungou ele. E toda a irritação voltou. – Filhos da… - e pronto, começou a desbaratar contra os três e mais alguns, apelando a todos os palavrões de carga super negativa que conhecia, em todas as línguas que conhecia e, no total, não eram poucos. Dâmaris abanou a cabeça. Se Shaka era um "iluminado", seria de esperar correcção na linguagem, mas quando ele começava a praguejar, nenhum estivador lhe ganhava.
- Já só falta praticamente um dia para sairmos daqui e irmos para a praia! – exclamou Dâmaris feliz, dando uma pirueta nos colchões no final daquela tarde. Shaka sorriu displicente, abanando a cabeça. Depois fez um esgar de dor e deixou-se cair sobre os joelhos, enterrando a cabeça nas mãos. – Shaka! – exclamou Dâmaris assustada, aproximando-se dele. Mas o cavaleiro empurrou-a para trás.
- Afasta-te! – disse com rispidez. Dâmaris esfregou o ombro e olhou-o magoada. O que tinha ela feito de mal? Shaka pareceu acalmar-se, mas permaneceu de joelhos com os olhos fechados.
- Shaka? O que foi? – perguntou ela a medo.
- Nada! – a resposta foi mais que fria, foi bruta. Shaka nunca a tratava assim, era sempre tão meigo… olhou os olhos dele. Estavam de novo daquele azul frio e letal que ela primeiro vira na primeira vez em que ela os viu de olhos abertos. O rosto estava duramente cerrado. Abriu a boca para chamá-lo mas apenas lhe saiu um ruído indistinto da garganta e começou a chorar, levantando-se para sair dali.
- Dâmaris – a voz dele saiu-lhe fria e dura. O rapaz abanou a cabeça. – Dâmaris, vem cá. – disse ele no tom de voz suave que utilizava com ela. Ela olhou-o hesitante e Shaka estendeu-lhe a mão. – Vem cá. – Ela aproximou-se enquanto ele se sentava e pegou-lhe na mão. – Senta-te. Não, patetinha, no meu colo. – Dâmaris sentou-se nas suas pernas cruzadas. Shaka limpou-lhe as lágrimas com os dedos. – Não te quero a chorar. – os olhos estavam de novo dóceis. – Não te quis tratar mal. – pousou-lhe uma mão no ombro, aquecendo-o com o seu cosmos calmo e tranquilo. – Tu sabes que eu sou assim, saiu-me sem querer. Não foi de propósito. És a coisa mais valiosa que tenho, gatinha, não te quero magoar. – ergueu-lhe o rosto com uma mão e beijou-lhe docemente os lábios.
- O que te aconteceu? Estás doente? – Shaka abanou a cabeça, deslizando os dedos na face da jovem.
- Não. Só que de repente fiquei cheio de dores de cabeça. – Shaka respirou fundo. – Ás vezes sou um bocadinho queixinhas com isto, mas as dores de cabeça doem mais quanto mais desenvolvido é o cosmos na mente. Nunca te doeu a cabeça desde que começaste a treinar? – Dâmaris negou. – Isso é graças à alimentação e à vida saudável que levas. Só que eu às vezes penso demais, gatinha, e depois é inevitável. – Pegou-lhe ao colo e levantou-se.
- Queres um comprimido? Um chá, um…
- Não, vou descansar e tentar dormir um pouco. – olhou-a com ternura. – Vens comigo?
- Se queres descansar é melhor eu não…
- Tu fazes-me bem, gatinha… tranquilizas-me, relaxas-me. – Shaka carregou-a até ao quarto e deixou-a deslizar para o chão. Deitou-se só com os boxers vestidos, o rosto parecendo distender-se de alívio quando pousou a cabeça na almofada. Dâmaris deixou-se ficar com a blusa de alças e os calções, descalçando-se. Shaka puxou-a pelos braços para cima dele, abraçando-a e fazendo-lhe festas no cabelo e no braço quando ela se deitou por cima do seu corpo, apoiando a cabeça no seu peito. Suspirou e fechou os olhos, tentado expulsar a imagem que vira na sala de treinos.
Sentiu os dedos de Dâmaris na testa, passarem-lhe suavemente pelos olhos e massajarem-lhe o local do terceiro olho, um pouco acima das sobrancelhas. O cosmos dela era quente e acolhedor, relaxante. A dor de cabeça pareceu abrandar e a imagem foi saindo aos poucos da sua mente. E Shaka percebeu que também o cosmos de Dâmaris tinha particularidades curativas. Relaxou as mãos na cintura e no braço dela, semi-esticado para a sua testa e entrou por vontade própria no cosmos de Dâmaris, deixando-se rodear por aquele sentimento que ela nutria por ele e era recíproco.
O sol já não era mais do que uma ténue linha de luz alaranjada no horizonte, tingindo o céu de cor-de-rosa e lilás, escurecendo até o azul polvilhado de estrelas e iluminado pela lua cheia. Shaka e Dâmaris estavam deitados lado a lado de mãos dadas e olhos fechados no extenso areal daquela praia tão perto e ao mesmo tempo longe do Santuário.
- Shaka, tens a certeza que ninguém vem cá?
- Absoluta. Nem sabem que aqui estamos. Todos do Santuário se negam a vir aqui.
- Porquê? É um sítio lindo.
- Por causa dos suicídios. – Dâmaris sentou-se na areia e olhou sem compreender. – Antigamente as amazonas usavam uma máscara pois os homens não podiam ver os seus rostos. Se algum homem visse os rostos de uma amazona, esta só tinha três hipóteses: o amava esse homem, ou matava-o ou se suicidava. Como se negavam a matar quem amavam mas, paradoxalmente, achavam que amar alguém era perder a sua honra de amazonas, vinham para esta praia e suicidavam-se. Perdiam-se muitas amazonas assim, então Athena proibiu os suicídios e, há muito poucos anos, proibiu o uso da máscara e permiti-lhes relações.
- Nesse caso, era igual permitir que mestre e discípulo, deusa e cavaleiro poderem ter relações. – Shaka encolheu os ombros.
- Saori é uma mulher estranha. Faz as coisas que lhe interessam, é uma capitalista. Para mim, estranho é Athena ter escolhido Saori para reencarnar e, ainda por cima, deixá-la governar no seu lugar quando não há guerra. Aquela mulher está a estragar o Santuário e Athena nada faz… como pode alguém ser tão crente nos seres humanos… - o sol pusera-se por completo e os olhos azuis reflectiam as estrelas. – Nós só precisamos de mais dois meses, Dâmaris, só mais dois meses… É só o tempo que falta para acabares o treino. Dentro de uma ou duas semanas poderemos tratar dos teus golpes. Depois deixarás de ser minha discípula e eu teu mestre e esta situação absurda acaba de vez!
- E depois, o que acontece? – Shaka ergueu-se nos cotovelos e olhou-a hesitante. Era difícil dizer aquilo.
- Depois… - pela primeira vez desviou os seus olhos dos de alguém. – depois eu queria-me casar contigo… - Dâmaris olhou-o surpresa. – Estou farto de te amar e ter de o esconder de toda a gente. É insuportável! E depois… é algo que todos os dias me ocupa a mente… casar-me contigo. – Dâmaris segurou-lhe o rosto com carinho e beijou-o docemente.
- Vamos tomar banho? – sugeriu, começando a despir a blusa e os calções. A lua e as estrelas reflectidas no mar calmo, faziam do mar outro céu estrelado. Shaka assentiu, aproveitando que já estava de calções de banho para ir andando para a borda de água. Olhou para trás e viu Dâmaris a vir na sua direcção, levando as mãos ás costas e desabotoando a parte de cima do biquini que Shaka nunca chegara a meter no caixote do lixo. – Tira os calções. O mar nocturno purifica e relaxa a alma e o corpo, por isso nós devemos entregarmo-nos a ele como viemos do ventre materno… - a sua voz ficara subitamente profunda, suave e harmoniosa, e os seus olhos verdes e doirados brilhavam à luz da lua. Tirou a parte de baixo do biquini e entrou calmamente dentro de água até mergulhar quando tinha a água pela cintura. Shaka tirou os calções e entrou dentro de água. Esta pareceu-lhe diferente, mais suave, como se lhe acariciasse o corpo e o expurgasse. Dâmaris emergiu um pouco mais à frente lançando os cabelos para trás, parecendo irreal, uma aparição de tão branca que era brilhando há luz de prata da lua, parecendo ter o seu próprio brilho, que lhe iluminava os orbes felinos e os cabelos escuros começados a encaracolar. Shaka chegou até ela com poucas braçadas, mergulhando a meio do caminho para emergir há sua frente, sentindo a pele gelada e molhada dos seus braços rodearem-lhe o pescoço e os lábios rosados se colarem aos seus, a língua enroscando-se na sua e acariciando-a, os dedos dela nas suas costas, na sua nuca, enroscando-se nos seus cabelos que pareciam verdadeiramente de oiro àquela luz. As pernas de Dâmaris moviam-se suavemente para mantê-la ao de cima de água. A jovem escorregou por entre os seus braços, mergulhando na escuridão insondável das águas e Shaka mergulhou atrás dela, perseguindo o cosmos quente por entre as rochas e areias características das praias do Mediterrâneo.
Dâmaris emergiu onde a água lhe chegava pela cintura e correu para a praia, esquivando-se dele enquanto se ria e atirando-lhe água com as mãos e os pés. Deixou-se cair de costas na areia molhada, sentindo a linha de água a centímetros dos pés e estendeu os braços para cima da cabeça, tentando respirar com calma. Shaka ajoelhou-se ao seu lado, tentando recuperar o fôlego de tanto tempo de submersão. Os olhos brilhantes percorreram Dâmaris e colaram-se nos seus, as chamas visíveis nos orbes azuis-claros que a percorriam sem omitir o desejo que sentia naquele momento, desejo que encontrou companhia nos olhos dela. Deitou-se por cima dela, lambendo as gotas de água que lhe percorriam o corpo. Fizeram amor até o sol nascer, a lua aquecendo o sangue que lhes corria nas veias.
Dâmaris acordou tarde, enrolada no cobertor e deitada por cima do outro que tinham deixado na pequena caverna escavada na falésia no cimo do extenso areal. Vestiu-se e procurou Shaka, encontrando-o a meditar no limite da areia seca, de frente para o mar. Vestira apenas umas calças brancas, os cabelos deliciosamente lindos e perfumados voavam ocasionalmente há sua volta e pelo seu rosto quando soprava uma aragem. O seu rosto estava calmo e em paz, e o cosmos pacífico e tranquilo mas ao mesmo tempo poderoso e intimidante que a fascinava delineava a figura do rapaz com uma luz dourada que nos extremos se fundia com a do sol.
A memória de Dâmaris recuou cerca de ano e meio, até ao primeiro dia de treino, em que achara Shaka parecido com um anjo. Nessa altura escorraçara todas essas imagens da sua mente. No entanto era o que ele parecia, um anjo. Sentou-se ao lado dele, cruzando as pernas e endireitando as costas.
- Também quero.
- O quê? – perguntou ele mantendo os olhos fechados.
- Também quero casar contigo. Ficar contigo para sempre. – a vontade de Shaka de abraçá-la e beijá-la foi reprimida pela imagem de há dois dias atrás e por uma palavra: guerra. Se houvesse uma guerra… se eles a perdessem… Se ele morresse… Outro pensamento invadiu-lhe a mente: ele treinara-a para a guerra. Ele pusera-a nesse caminho, ela não lhe podia fugir se uma acontecesse. A menos que ele evitasse. Olhou os seus olhos.
- Eu amo-te. Aconteça o que acontecer, eu vou-te amar sempre. – ela olhou-o sem compreender mas ele pôs-lhe um dedo sobre os lábios. – Eu amo-te.
- Eu amo-te… - Shaka encostou-lhe o corpo para trás, deitando-a sobre a areia clara e beijando-a durante um tempo interminável. Não soube quanto tempo esteve naquele abraço quente, naquele beijo macio e inebriante, sentindo os lábios de ambos ficarem inchados e os seus dormentes, esquecido do mundo, esquecido de tudo. Então ouviu um grito de surpresa.
- SHAKA! Eu não acredito! – Shaka ficou estático e olhou para Dâmaris. Também ela reconhecera aquela voz.
- Eu avisei-vos, Athena, minha senhora. – disse uma voz perto de ser venenosa.
O olhar de Dâmaris reflectiu o desespero que sentiu naquele momento, o desespero que Shaka também sentia.
Tinham sido descobertos.
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N.A.: Por hoje é tudo!
Bjokas a todos,
Ayan Ithildin.
Próximo capítulo = "Apanhados, castigos e surpresas: reviravoltas no Santuário"
