"Apanhados, castigos e surpresas: reviravoltas no Santuário"
by Ayan Ithildin
Os olhos azuis e verdes-doirados escureceram e tornaram-se frios. Shaka ergueu-se de cima da jovem, sacudindo a areia das calças e estendendo-lhe a mão para ajudá-la a fazer o mesmo. Dâmaris ajeitou a blusa displicente e deu um passo para ficar ao lado de Shaka que se virou para eles. Um unânime passo para trás percorreu o grupo quando viram Shaka de olhos abertos. Saori tremia visivelmente, a mão direita segurando o báculo como uma garra.
- Sha… explica… EXPLIQUEM-SE OS DOIS JÁ! – berrou furiosa.
- O que há para explicar, Senhora? – perguntou Shaka com frieza.
- Shaka! Dâmaris! Como pudeste… trair-me? – Dâmaris ergueu as sobrancelhas e não disse nada. Saga, obviamente incomodado, tentou ajudar os amigos.
- Minha Senhora, de certeza que isto é a primeira vez que acontece. Shaka é um homem, Dâmaris uma mulher, enfim… nós podíamos…
- Dâmaris é uma mulher? – meteu-se Miro. – Eu sempre julguei que Shaka dizia que ela era uma criança…
- Como eu estava a dizer, nós podíamos… - continuou Saga, fuzilando Miro com os olhos.
- Vá lá, Saga. – riu-se Miro. – Acreditas mesmo que este foi um momento casual do qual ambos não tiveram culpa? Um beijo casual é uma coisa… aquele beijo… bem, é outra totalmente diferente.
- Miro, Saga. Calem-se. – ordenou Saori. – Se de facto este foi uma momento em que perderam o controlo… e no qual eu quero acreditar que foi… Não te metas, Miro!... eu suponho que se Dâmaris for viver com os aprendizes de prata e apenas vir Shaka nos momentos de treino o problema fica resolvido, certo? – Dâmaris e Shaka olharam-se.
- Que curioso o momento ter acontecido exactamente quando nós chegámos…
- Miro… - avisou Kanon vendo o seu gémeo ficar tenso e trocando um olhar com Mu.
- … pela sabedoria de Athena! Se chegássemos dez minutos depois encontrávamo-los a rolar pelo chão a…
- Cala a boca, meu estupor! – berrou Saga seguro a tempo pelo irmão.
- Miro, já tiveste o que querias, não podes ficar calado? – perguntou Mu pondo-se entre os dois.
- Eles desobedeceram à lei! Vais-me dizer que fiz mal em denunciar dois… criminosos?
- Amar é crime? – perguntou Afrodite do outro lado de Saori.
- Shaka tem vergonha de amar. Aliás, ele não tem coração como poderia ele amar? Nem ela o tem! Provavelmente divertiram-se muito em aulas de anatomia! Amar não é crime, crime é fazer o que eles fizeram sem se amar!
- Shaka? – perguntou Saori esperando uma resposta, sobrepondo-se ás vozes dos exaltados cavaleiros. Shaka atirou-se no abismo. Abraçando o corpo de Dâmaris contra si, encarou os olhos da pseudo-deusa e respondeu com a calma e distância que o caracterizavam.
- Não me vou envergonhar, nem vou negar os sentimentos que tenho. Se eu amo e amar é crime, eu dou-me como culpado pois é o único crime que vale a pena cometer. – os outros olharam-no estupefactos e em silêncio. – Se queres saber se a mando viver para longe de mim, se a mando viver junto a pessoas que não hesitariam em magoá-la para proveito próprio… Se queres saber se pura e simplesmente a afasto de mim e enterro os meus sentimentos… então eu respondo-te… que não. – A tríade de amigos do cavaleiro olharam-no como se há muito esperassem ouvi-lo dizer que amava alguém. Miro olhou-os abananado e Saori pareceu ficar sem palavras, possessa por a terem desafiado. Dâmaris libertou os olhos de Shaka, sem saber bem o que sentia em ouvi-lo assumir, e olhou para Saori com os olhos imensamente tristes.
- Tu amas, Saori? Tu sabes o que é amar? Tenho a certeza que sabes, és a reencarnação da deusa Athena… - Dâmaris abanou levemente a cabeça. – Como podes não aceitar que duas pessoas se amem? Nós não te vamos desrespeitar ou magoar por isso… houve um tempo em que o amor era uma dádiva dos homens que enchia o coração dos deuses de esperança e amor pela humanidade. Esse tempo já acabou, Athena? Os homens amarem-se já não é motivo para quereres defender a Terra?
- Eu… - Saori pareceu desnorteada.
- Senhora, vai deixá-los impunes?
- Mas o que se passa contigo, Miro? O que se passa contigo? – perguntou Afrodite abanando o outro pelos ombros. – O que raio tens tu a ver com isto? – Miro desviou os olhos.
- Eu penso que as leis e a justiça devem ser iguais para todos. Se a Senhora os deixar ir impunes, então penso que a justiça de Athena não é tão cega como se apregoa.
Shaka sabia que ele tinha razão. Saori também.
- Nesse caso… - a voz de Dâmaris tornou-se gelada. – Penso que a Senhora terá de partilhar o nosso castigo… assim como o cavaleiro de Pégasus? – olharam-na horrorizados. Dâmaris endireitou as costas livrando-se dos braços de Shaka, os olhos assumindo a inflexibilidade de um desafio. – Como é, Athena, a tua lei é igual para todos? Vais-te punir a ti própria?
- Como… te… ATREVES? – gritou Saori, as faces coradas e os olhos a deitarem labaredas. Respirou fundo e a voz saiu entrecortada de raiva, engolindo em seco de vez em quando. – Eu vou ser muito justa. Ou lutas com ele e ultrapassas o posto de aprendiz… ou tens até à meia-noite para sair deste Santuário para sempre!
- Saori ao seu mais alto nível e Athena ao seu mais baixo… Tenho seis horas para decidir, então? – perguntou Dâmaris, do alto de um castelo a que Saori nunca chegaria.
- Luta comigo. – disse Shaka mais implorando do que pedindo. – Luta comigo. Tu tens hipóteses de ganhar, tu podes ganhar.
- Haveria sempre alguém que diria que tu me tinhas deixado ganhar, Shaka, não é possível. – Dâmaris encostou a testa à parede fria da sala da casa de Virgem.
- Há uma maneira… - Shaka olhou-a sombriamente. – Vai para a cidade de Atenas. Esconde-te num hotel durante dois dias no máximo. Eu vou ter contigo. Não, escuta! – agarrou-lhe os ombros. – Fugimos os dois para a Índia, para Inglaterra, tu disseste que tinhas um palacete renascentista na Escócia, foi a única coisa com que conseguiste ficar. Fugimos para lá. Eu tenho dinheiro até arranjarmos outra coisa. Não, Dâmaris, é possível. – segurou-lhe o rosto entre as mãos. - Fugimos os dois, eu abandono…
- Tu estás louco? Fugirmos? Eles encontram-te em qualquer sítio, Shaka. Serias considerado um traidor! Ias acabar morto! Isto é a tua vida, foi para isto, para essa armadura que nasceste, tu não podes abandonar tudo. Íamos ser descobertos, Shaka. O teu cosmos e a tecnologia da Fundação seriam mais que suficientes.
- Ficas em Atenas, então. Escondida, eu consigo esconder-te. Posso ir ter contigo sempre, menos nas manhãs de treino e nas horas de vigília. Podemos ficar juntos, ninguém tem que saber…
- Como ninguém sabia de nós? Vivemos uma mentira…
- O meu amor por ti não é uma mentira! – gritou Shaka, espatifando uma peça de cristal na parede. – Nós não somos uma mentira! Não somos!
- Nós não somos. Nós vivemos. E fazer isso é viver outra. Vamos sempre viver mentiras? Mentira atrás de mentira? Um dia não vamos poder fugir, Shaka.
- Eu não te quero perder… Dâmaris, não quero! Luta comigo!
- Acorda! Não é possível, Shaka, acabou! Acabou tudo! Tudo! – Dâmaris enrolou os braços em trono do próprio corpo, as lágrimas caindo-lhe pela face. Shaka abraçou-a, embalando-a, enquanto sentia as lágrimas quentes escorrerem-lhe pelo rosto.
- Vais-te embora? – Dâmaris começou a chorar com mais intensidade. – Não desapareças, não te escondas de mim. Eu posso-te proteger à distância desde que não escondas o teu cosmos do meu. Eu vou acabar com esta merda, Dâmaris, e vamos ficar juntos, ouviste? Nós vamos ficar juntos! – o dia escurecia lá fora, como querendo apressar os minutos. Shaka puxou-a em direcção ao quarto. – Quero-te dar uma coisa… Depois devolves-ma, ok? – perguntou, limpando-lhe as lágrimas. – É uma promessa, tu vais ter que ma devolver. – Abriu a primeira gaveta da cómoda e de debaixo das camisolas tirou o Rosário de Buda. Dâmaris abriu a boca.
- O teu rosário…?
- Este é o Rosário de Buda. Tu já o conheces. – Shaka encostou-se à cómoda. – A lenda diz que Buda teve duas mulheres: Yashodhara e Gopika, escolhidas pelo pai, com as quais poucas vezes teve relações, não por incapacidade, mas porque de dia para dia definhava no palácio em que o rei Suddhodana, o pai, o mantinha preso. Em troca da sua saída do palácio, o pai exigiu-lhe que ele engravidasse Yashodhara. – Dâmaris olhou-o na expectativa. – As coisas não aconteceram bem assim. Buda de facto apaixonou-se por Yashodhara e escolheu-a ele próprio para ser a mãe do herdeiro do reino, não foi o rei que a escolheu. Acontece que isto ninguém sabe. Tal como não sabem que Buda lhe enviou um rosário semelhante ao que fez para si, mas com particularidades diferentes. Era feito de 108 pequenas contas que, ao invés de serem feitas de ouro, eram de uma pedra rara, a ametista vermelha. O caminho de que segue a Iluminação, não lhes permitiu amar. Enfim, os dois rosários desapareceram. – Shaka meteu novamente a mão debaixo das camisolas e tirou um rosário igual ao dele mas mais pequeno e de contas vermelhas com pequenos riscos negros dentro da própria pedra. – Eles têm um mistério. – disse com um sorriso triste. – Infelizmente eu não o posso descobrir. – deu-lhe o rosário. - Um dia vais ter que mo devolver, eu sou o guardião dele. Por isso… - Shaka engoliu em seco – mesmo que hoje digamos adeus… não é para sempre.
- Tu negaste o caminho? – perguntou Dâmaris erguendo os olhos do rosário. – Tu amas-me, tu negaste-o?
- Não, apenas atrasei o passo. – O sorriso apagou-se enquanto os seus dedos percorriam a face da jovem. Dâmaris fechou os olhos sentindo os braços envolverem-na e os lábios colarem-se aos seus. Os rosários caíram no chão ao mesmo tempo que as roupas.
O negro vulto esguio parou em frente ao grupo de pessoas que se encontravam no pátio da casa de Áries. Os olhos verdes-doirados focaram os rostos um por um com frieza até que a antipatia atingiu o auge quando os seus olhos encontraram os de Saori.
- Onde está Shaka? – perguntou Afrodite, os olhos raiados de vermelho e inchados como se tivesse passado horas a chorar. Dâmaris olhou-o com simpatia.
- A dormir. – e antes que alguém pudesse dizer alguma coisa. – Queria que um de vocês estivesse ao pé dele quando acordasse, sim? – Os olhos viajaram de Afrodite para Mu e para Saga. A tríade, pensou tristemente, tomará bem conta dele. A tríade concordou tristemente.
- E tu? – perguntou Saga.
- Eu fico bem. - assegurou-lhes com um sorriso.
- Não precisas de nada? Qualquer coisa que queiras não será demais em comparação ao que fizeste de bom. E que foi tanto… - disse Mu tristemente, pouco ligando ao olhar furioso de Saori.
- O que eu preciso foi-me tirado esta noite. Tirando o Shaka, não preciso de mais nada. A…
- Um momento. – impôs-se Saori. – A lei exige que eu te dê os meios necessários para sobreviveres durante pelo menos algum tempo. – Fez um movimento para um guarda se aproximar, mas este foi atirado contra o pilar com a mala que trazia nas mãos.
- Pensas que aceito o teu dinheiro, Athena? – Dâmaris riu-se com desprezo. – Eu não aceito nada vindo de ti. Nada. Pensas que eu sou como estes tolos que te servem? Deusa da Justiça, do Amor, da Sabedoria… perfeita, pura… bondosa e justa? Athena, Athena… tu vens do mesmo lodo putrefacto das tuas irmãs, de toda a tua família. Justa e bondosa… Os deuses não são justos e bondosos. Muito menos os deuses gregos… A tua história é podre, esquecida de ser leccionada no Santuário para que os jovenzinhos te idolatrem… Uma deusa tão fraca que é incapaz de assumir que se apaixonou novamente por um mortal e deixa que uma mulherzinha pérfida e sem escrúpulos destrua o Santuário apenas para que o seu corpo se satisfaça de luxúria com um cavaleiro tão burro que é incapaz de ver a maneira como ela o usa… como tu usas… como sempre usaste.
Os cavaleiros, de ouro e de bronze, olhavam-na sem palavras.
- Palavras desesperadas, pensam vocês? Esperem e verão… dou-te um mês, Athena, para manteres a farsa de quem és… depois veremos quem tem razão…
- Isso é uma ameaça? – rosnou Seiya.
- Eu não ameaço, Pégasus. – riu-se Dâmaris com um riso escarninho. – Eu aviso. E os meus avisos têm sempre fundamento. Agora, é meia-noite. Os meus pulmões anseiam pelo ar puro que só se encontra fora do ambiente fétido e podre deste Santuário. Se me dão licença… - Dâmaris deu um mortal perfeito por cima da barreira de cavaleiros. Virou-se com um sorriso frio e cruel, o mesmo sorriso que Shaka ostentava antes de a conhecer. – Adeusinho…
Dâmaris desapareceu, a sua presença com ela. O grupo ficou em silêncio, entreolhando-se. Marin deslizou as mãos pela barriga de cinco meses, encostou-se a Aioria e começou a chorar. Foi o sinal para que as emoções de cada um se esvaíssem. Afrodite começou a chorar em conjunto, as pétalas de rosas caindo numa chuvada intensa, murchando quando tocavam no chão. Mu olhou abstraído para um ponto qualquer no céu, parecendo querer que os olhos engolissem as lágrimas que não queria deitar. Ikki, para espanto de todos, olhou letalmente para Saori, deu um pontapé numa pedra que se desfez contra a parede, meteu as mãos nos bolsos e saiu nessa mesma noite do Santuário. Saga parecia petrificado e Kanon ausente. Cada um ficou no seu canto, cismando consigo próprio. Até que Miro emitiu um ruído indistinto com a garganta. E começou o rebuliço.
- Eu mato-te! – gritou Saga lançando-se na sua direcção. Desta vez Kanon e Mu não foram suficientes para o segurar e sobrou a pior parte para Aldebaraan. O taurino esforçou-se para segurar o geminiano, enquanto Kanon tentava fazê-lo voltar para a razão. – Larguem-me! Eu mato essa besta! O Shaka não merecia! Este animal é o único traidor!
Carlo ajudou a empurrar o peito do geminiano para trás.
- Cáspita! Pára, farabutto, ainda vais pela mesma via! – a discussão generalizou-se, na realidade ninguém ouvia bem o que se dizia, felizmente, porque houve quem disse coisas pouco elogiosas de ambas as partes em causa… A voz de Saori não era o suficiente alta e possante para se fazer ouvir no meio de tanto homem, Aioria mantivera-se à parte para proteger Marin e o bebé, mas berrava para dentro do circulo cada vez que este se aproximava. Seiya tentou acabar com aquilo mas foi nocauteado pela poderosa mão de Saga a primeira vez que se aproximou. Shun foi ajudar a proteger Marin e cedeu o seu lugar na "estúpida discussão" a Aioria que prontamente acedeu.
- Olhem! – gritou Shina, que chegara naquele momento, apontando para a enorme estátua de Athena que, desde a reconstrução e reposicionamento do Santuário, era visível de qualquer ponto. A estátua brilhava com um brilho fraco e as lágrimas corriam pela face esculpida. O rebuliço cessou e ficou tudo a olhar. O cosmos de Shaka ergueu-se na sexta casa com uma fúria desesperadamente devastadora, como os gritos desesperados do deus Pã ao procurar, chorando perdidamente, a Siringe perdida, o seu amor perdido. O choro da estátua engrossou e a lua atingiu o estado de lua nova, o pouco brilho que deitava desaparecendo. A estátua ficou iluminada pelo seu próprio brilho, que ficou mais forte. Um arrepio percorreu as medulas do grupo e Saori caiu de joelhos a chorar. As lágrimas da estátua…
… eram de sangue.
Shaka sentou-se de péssimo humor numa das cadeiras da sala reservada às reuniões dos cavaleiros. Fora arrastado pelos gémeos e Aldebaraan até ali. Mu bateu com a mão na mesa para fazer silêncio e deu a palavra a Saga.
- Ontem aconteceu algo que de todos nós apenas eu vi uma vez… e sempre esperei nunca mais ver. A estátua de Athena derramou lágrimas de sangue. – Saga observou-os um por um esperando reacções. Camus ergueu a mão.
- Onde está Saori?
- Ela está deitada. A pobrezinha passou uma noite terrível, tantas provações… - começou Seiya.
- Aqui quem quer falar ergue a mão e espera que eu lhe dê licença. – esclareceu friamente Saga. Agora sim, as relações com os de bronze pendiam apenas por um fio de união: Shun, já que Ikki desaparecera novamente. O equilibrado cavaleiro de Andrómeda era sagaz e justo de mais para não reconhecer erros apenas pela sua devoção. Apesar de defender que todos tinham o direito de errar, tinha a perfeita noção que, para todos os efeitos, Saori, deusa ou não, errara. Shiriyo fora completamente ultrapassado pela sua devoção a Saori, Hyoga jamais suportara Dâmaris (se bem que por razões pouco nobres), Seiya era actualmente visto como um "problema" dentro do Santuário.
- Eu falo quando quero. – expôs Seiya, ciente da posição tão odiada de preferido de Saori.
- Talvez sejas infantil demais para assistir a conselho de cavaleiros, que dizes, Pégasus? Será melhor saíres da sala?
- Saori…
- Saori não está, e mesmo que estivesse, quem manda aqui sou eu. Porque para o caso de seres tão favorecido que te tenhas esquecido, eu sou o Mestre do Santuário, eu mando e presido o Conselho dos Cavaleiros, eu mando em ti. Por isso, a menos que queiras ser expulso por desrespeito, aconselho-te a ter respeito e obediência, caso contrário, fica calado, o que todos nós agradecíamos. Entendido? – perguntou Saga do alto do seu metro e noventa e tais, fazendo Seiya encolher-se na cadeira, limitando-se a acenar com a cabeça. – Perfeito. – Aldebaraan levantou a mão e Saga deu-lhe a palavra.
- Qual foi a outra vez em que viste a estátua de Athena derramar lágrimas de sangue? Estamos todos mais ou menos ao mesmo tempo no Santuário e mais ninguém viu. – Saga respirou fundo, como se o assunto doesse.
- Na noite em que Ares tentou assassinar Athena, eu consegui tomar posse do corpo por segundos suficientes para emitir um aviso à estátua de Athena. Algum de vocês se a visse chorar depois de Aioros ter sido morto, depreenderia que ele não era o traidor, ou houvera injustiça, ou o traidor ainda se encontrava no Santuário. Contudo Ares apossou-se de novo do meu corpo e criou uma ilusão para que mais ninguém visse o que estava a acontecer. O único que poderia ter visto as lágrimas, o único homem com quem as ilusões não resultam – Saga indicou Shaka que se mantinha em silêncio – não sei se se lembram, estava na Índia. Ele sentiu qualquer coisa. O único homem que conseguiu enganar Ares… - Saga sorriu afectuosamente para Shaka, como dois irmãos que partilham um segredo. Os outros não ligaram importância. Quando o assunto vinha à baila, era certo que ninguém compreendia nem Shaka, nem Mu nem Saga, e muito menos Afrodite que ficava sempre silencioso, coisa muito rara quando se tratava de contar memórias. Shun ergueu a mão.
- Eu sei que foi, digamos que extremamente macabro, ver a estátua de Athena chorar sangue. Mas, sinceramente, eu não sei o que isso significa. – os de bronze e mais alguns manifestaram a mesma dúvida.
- Pode significar uma destas três coisas ou mesmo duas ou três ao mesmo tempo. Primeiro, que Athena morreu. A hipótese é descartada pelo óbvio. Só nos restam duas alternativas: ou foi cometida uma enorme injustiça neste solo sagrado, ou então… - Saga moveu-se desconfortável, mas todos o olhavam na expectativa. – ou então há um traidor entre nós. – toda a gente ficou incomodada.
- Impossível! – protestou Miro, esquecendo-se de erguer a mão, mas Saga, devido ao impacto da notícia, nem sequer ligou. – Nunca pensei que levantasses essa hipótese absurda.
- Então o quê? Athena está morta? – perguntou Saga ironicamente.
- Claro que não! Que absurdo! – reclamou Escorpião.
- Bene, então só resta una hipótese: ter sido cometida una ingiustizia en suolo sacro (uma injustiça em solo sagrado)! E a única acção ontem cometida foi a expulsão de Dâmaris. – observou Carlo.
- Nesse caso, Athena foi injusta: Dâmaris estava inocente? – objectivou Aioria.
- Por Athena! Inocente? – protestou Miro.
- Bem, Escorpião, deixas-nos sem escolhas. – disse Kanon, batendo ao de leve com as mãos na mesa e empurrando-se para trás. – Descartas as três de uma só vez.
- Três não, duas. – corrigiu Afrodite. – Athena está viva.
- Inopérant. – Camus exprimiu a sua opinião acerca da deusa concisamente.
- Querem parar de acusar Saori? Vocês parecem-me todos traidores! – explodiu o infantil Pégasus.
- Não. Se a deusa da justiça comete injustiças, é um caso muito grave. Além de se perder a confiança na sua liderança. – discordou Shun.
- Deveras. – concordou Mu, acenando com a cabeça. – Então se Dâmaris está inocente, é só ir buscá-la, certo? – perguntou, olhando para Saga.
- Vocês estão loucos! – protestou Miro.
- Excuse moi, Miro, mas o que se passa contigo? Pareces querer Dâmaris afastada do Santuário à tout hasard (à viva força)! – observou o calmo francês, expondo a dúvida de todos.
- Eu… eu… - Miro apertou os lábios. – Eu somente quero justiça.
- Justiça em relação a quê? Não me parece que o facto de Shaka e Dâmaris estarem juntos seja uma injustiça. – contrapôs Mu.
- Quebraram a lei! Eles os dois quebraram a lei! Por Athena, vocês são cegos? – rugiu Miro. – Estava tudo bem à vossa frente! Só ficou, se é que ficou, a dúvida se de facto ele a comeu ou não… - Shaka enfiou um murro no queixo de Miro atirando-o contra a coluna. Caminhou calmamente até ele, erguendo-o do chão pelos colarinhos e batendo de novo com o corpo dele contra a parede. Os outros fitaram-no arregalados, incapazes de acreditar que sempre tão frio e controlado cavaleiro de Virgem fosse capaz de fazer aquilo.
- Eu estou controlado, não se preocupem. – respondeu Shaka calmamente à questão que lhes povoava a mente. – Se não estivesse, este filho da puta já estava feito em pó, não é Miro? – Shaka deu-lhe outro murro, atirando-lhe a cabeça contra a parede e segurando-o de novo pelos colarinhos. – Diz-me, Miro, o que queres saber? Vá lá, pergunta… estou aqui para te satisfazer a curiosidade… - balançou-lhe o corpo fazendo-o bater mais duas vezes contra a coluna. – Queres saber se eu a comi, é isso? Isso está a fazer-te macaquinhos no meio da merda que tens nessa cabeça, não é? – Shaka atirou-o de novo contra a coluna com um novo murro, o sangue corria do nariz e da boca de Miro, a face escaldava de vermelho escuro. – Eu digo-te, não há problema, tudo pelo meu amigo Miro, não é? – sacudiu-o contra a coluna. – Não é? Então, Miro, eu comia-a, sim. Mais o quê? Se ela era boa na cama? É, excelente, não há melhor. E sabes que mais? – apertou-o contra a coluna. – Eu fui o único homem que ela conheceu… - fê-lo bater com força na coluna, deixando-o escorregar até à base. Pôs-se de cócoras à sua frente, dando-lhe uma bofetada com força. - É isso que te dá raiva, certo? Tu queria-la para ti, não é Miro? Ou quê? Conta-me, Miro, vamos, conta-me… – continuou Shaka naquela voz falsamente doce, parecendo que lhe prometia o Inferno.
- Eu nunca a quis! – murmurou fracamente Escorpião na sua defesa, demasiado assustado por este Shaka descontrolado que tinha à sua frente. Se quando Virgem era controlado não sabiam com o que podiam contar, descontrolado então era um caso bicudo. Shaka ergueu a mão para esmurrá-lo de novo quando Saga lhe segurou o braço.
- Por favor, Shaka, pára! Controla-te.
- Eu estou controlado. – Shaka puxou Miro para sua frente e deu-lhe uma joelhada na "zona sacra", no fundo da coluna, que o imobilizou durante algum tempo. – Sabes, Miro, quando o Saga falou em traidores eu comecei a pensar nuns quantos pontos que talvez tu me queiras esclarecer… Por exemplo, quem é que tu encontraste quando foste de férias ao túmulo da tua mãe há dois anos?
- Estás louco… - acusou Miro entre sangue. Shaka deu-lhe outro murro.
- Resposta errada.
- De que é que tu estás a falar, Shaka? – perguntou Carlo confuso.
- Non, arrête, il a du raison (não, esperem, ele tem razão)!– explodiu Camus de repente, os olhos brilhando.
- Sim, ele tem razão. – concordou Afrodite, pensativamente. – Dois anos… dois anos Saga, lembras-te? Foi aí que tudo começou.
- Tudo o quê? – perguntou Saga, preocupado em evitar que Shaka matasse Miro.
- Os problemas… os segredos… a desconfiança… os mexericos… - disse Mu, acenando com a cabeça para Seiya e apontando a mão pela janela abrangendo o Santuário.
- Então… - começou Aioria.
- Então nada! Este gajo está doido e vocês estão-se a deixar levar por ele! – reclamou Miro a custo.
- Quem é que tu encontraste à dois anos, Miro? Quem foi, diz-nos… Diz-nos agora! – exaltou-se Shaka preparando-se para fazê-lo dizer a bem ou a mal. Saga segurou-lhe o corpo, Miro aproveitou, mandou um pontapé mal direccionado mas que jogou os dois cavaleiros para o chão, empurrou Camus que se levantara contra a parede, e fazendo Shiriyo bater com a testa numa quina de um móvel, rebentando-o, pulou pela janela e correu pelo Santuário.
- Apanhem-no! – berrou Saga enquanto se levantava.
- Deixa estar, Miro sempre foi enviado nas missões que requeriam alguém escorregadio e que se soubesse misturar, não o conseguirão encontrar. – disse Shaka secamente, levantando-se.
- Miro é um traidor? – perguntou Aioria sem acreditar.
- Vou avisar os guardas para não o deixarem passar de volta. – disse Kanon, abrindo a porta. – Alguém avise Saori. Acho que o Santuário perdeu a víbora de estimação.
- Manda alguém revistar a casa de Escorpião. – pediu Saga, esfregando a barriga. O irmão acedeu e saiu.
- Miro, um traidor… C'est impossible… - murmurou Camus.
- Não creio que ele seja um traidor comum… - Shaka ajudou a erguer friamente Shiriyo. – Apanhou-te de jeito. Levem-no à enfermaria. – disse a Seiya e a Hyoga. – Há alguém a manipulá-lo.
- Shaka… - começou Afrodite.
- Miro sempre foi impulsivo e mexeriqueiro, mas era incapaz de prejudicar um amigo. Conheço-o bem desde a infância, sei o que estou a dizer. E mesmo para torná-lo um traidor, foi preciso uma grande volta. Ele está a ganhar qualquer coisa com isto… e não é poder… - respondeu Shaka, seca e pensativamente. Ele ficaram em silêncio, vendo-o raciocinar. Aioria acabou por abanar a cabeça.
- Isso não explica como é que ele sabia que tu e a Dâmaris estavam juntos Eu não sabia e moro uma casa abaixo. Ninguém o sabia, como é que ele soube?
- Ninguém o sabia… - reiterou Afrodite trocando um olhar de confusão com Mu que abanou a cabeça. Eles eram os melhores amigos de Shaka e não tinha percebido, como fora que Miro percebera? Shun olhou para Saga, esperando vê-lo dizer: "Eu sabia", já que Gémeos era basicamente irmão de Virgem: Shaka fora um dos poucos que o recebera "de braços abertos" e que confiara nele desde o inicio, quando Athena os ressuscitara há cinco anos.
- Yo lo sabía. – disse de repente Shura, quebrando o silêncio pela primeira vez naquela tarde, surpreendendo-os a todos.
-----------------------
N.A.: Ok, finalmente Shura entra na história… tipo pedra no charco. São sempre boas entradas. Ihihihih a cara, melhor, as trombas do Shaka no capítulo seguinte!!!!
E aí tá ele… o delator… Miro de Escorpião… e porquê? Tem razão, tem, tem… XP Nhaiiii, não vou contar!!! XP
Obrigado pelas reviews!!!! Megawinsone(eu falei que era fácil descobrir quem era o delator XP), Mikage-sama (Bruxaori má!!! Ela é máááááá, mais má que eu! Se eles não ficarem juntos, matem-na, a culpa é dela XP! Mas eu vou tentar que fiquem!), Miss Mandison (Vocês querem que eu mate o Miro? XP Ah, brigada pelos elogios!),
Akane Kittsune ( E eu fico com quem…? Aqui está o novo capítulo!). E obrigado às sempre presentes Terezinha, Pipe e June.
Vou tentar postar o novo capítulo mais depressa, ok?
Bjokas a todos os que seguem a fic!!!!!
Próximo capítulo: "Retorno às origens… Sê o sangue que te corre nas veias"
