"Retorno às origens… Sê o sangue que te corre nas veias"

by Ayan Ithildin

- Yo lo sabía.

- Tu o quê? – perguntou Shaka apanhado desprevenido.

- Yo lo sabía. – repetiu o espanhol, com o queixo apoiado nos braços cruzados em cima da mesa e olhando-os pacificamente através dos seus brilhantes e vivos olhos negros.

- Tu sabias do Shaka e da Dâmaris? – perguntou Mu sem acreditar.

- S, vi-os uma tarde, aí no início de Novembro passado. – concordou Shura.

- Impossível. – disse Shaka. – Eu e a Dâmaris nunca nos… manifestámos fora de casa sem ser ontem na praia.

- No, no, no, nunca dije que vos vi a beijarem-se. – avisou o espanhol sorrindo indulgente.

- Caramba! Que raio viste tu? – perguntou Aioria irritado.

- Bien, yo suponho qué tu levavas Dâmaris para meditar em cima dos rochedos que estão perto do caminho da tua casa, s? – Shaka assentiu. – Yo hay visto quando tu ajudaste Dâmaris a descer de um peñado. Estavas sorrindo com nunca te vi e la ayudaste com muy carinho. Reconozco qué, com os outros poderá no ser mucho, más contigo? Para lo demás, tens sorridomais qué en todos los otros años juntos.

Ficou tudo parvo a olhar Capricórnio, sem acreditar.

- Miren, para usted só há um relacionamento quando vêm alguém agarrado aos linguados durante mais de uma semana ou vêm uma pessoa entrar na casa da outra durante a noite. Más yo soy español, nós tenemos muito mais sensibilidade. Pequenas alterações, sorrisos, uma maneira diferente de falar, sorrir, vestir, comportar para ou em relação a uma pessoa é muito significativo. La seducción e sensualidad, los pequeños gestos e sorrisos fazem parte da nossa concepção de amor. Na realidade, para um espanhol, ver una mujer agarrada a um homem aos linguados ou a entrar/receber o homem numa casa durante a noite significa qu ela é una puta. – Shura riu-se ao ver a cara dos amigos. – Olvidaram-se qué lo flamenco e las sevillanas são suas danças do meu pais? Para nós, a sensualidad é que importa, não o corpo em si. Além do mais, um amor escondido é bem mais excitante que tudo a descoberto… no és cierto? – perguntou a Shaka sorrindo abertamente.

Virgem não sabia o que pensar. Shura era sossegado, calmo, conseguia passar invisível numa reunião, os seus olhos brilhantes e inteligentes absorvendo tudo. Era divertido à noite ou nas festas, uma companhia bastante agradável já que nunca metia a "pata na poça" como Aioria e sabia exactamente que assuntos abordar e quando abordar e era óptimo a desviar assuntos que causavam tensões no grupo. Shaka sempre o achara extremamente bem articulado e inteligente, mas nunca mantivera grandes contactos com o espanhol, que conseguia fazer com que se esquecessem da sua existência quando queria. Mas era óbvio que apenas um espanhol, ainda mais um extremamente observador e mentalmente ágil, conseguiria destrinçar aquela verdade amorosa tão bem camuflada apenas num gesto inocente e num sorriso.

- Porque é que nunca contaste? – perguntou Shaka.

- Pela mesma razão que Carlo não contou. – respondeu Capricórnio, sempre com a mesma calma e naturalidade na sua voz quente. Carlo, por muito incrível que fosse, corou e começou a praguejar no calão italiano mais baixo conhecido à face da Terra. E quando se diz "calão italiano mais baixo" realmente significa baixo, como só a língua musical e quente dos românticos consegue produzir sem ferir os ouvidos. Shaka deixou-se cair na cadeira, cobrindo o rosto com as mãos, sem querer acreditar.

- Mas afinal, quem mais sabia? – perguntou Saga, irritado.

- Yo…

- et io. – disse o italiano. – Cáspita, io sono ittaliano, va biene? Latino, por muito que não queira o meu sangue latino trai os meus princípios… - respondeu encabulado, deixando-se escorregar no assento da cadeira, o rosto corado.

- Tu tinhas razões para contar… - reflectiu Afrodite, lembrando-se do dia em que salvara Dâmaris do mau humor do amigo.

- Não, não tinha. A ragazza pediu-me desculpas…

- O quê? – Shaka levantou a cabeça das mãos.

- Ela pediu-me desculpas se me tinha ofendido, a mim e ao Ikki e ofereceu-se para combater de novo com ele apenas utilizando o corpo. Nós… somos muito orgulhosos… mas acabámos por admitir que Dâmaris foi a melhor no combate. – disse Carlo olhando para a parede. – No entanto, o facto de ela ter ido falar comigo… connosco, sem dizer a ninguém… não sei, ela fez-me arrepender do que disse. Dâmaris é uma boa ragazza, boa guerreira, muito corajosa e tem um enorme coração. É impossível alguém não gostar dela, seja de que maneira for. – terminou encolhendo os ombros. – Simplesmente não contei porque não achei que isso me dissesse respeito. Se os dois estavam felizes assim e não faziam mal a ninguém, não vi nenhum problema em estarem juntos.

- De qualquer maneira – cortou Shura – Dâmaris trouxe un corazón a este Santuário. – disse, olhando para Shaka. – e isso é sempre louvável. Se Saori se queixava de seres um insensível, não sei porque se queixa agora de teres sentimentos.

- Saori não se queixa disso. – explicou Kanon, voltando. – Ela apenas não consegue suportar que a desafiem e Dâmaris desafiou-a, jogou-lhe na cara a verdade, coisa que nenhum de nós foi capaz de fazer e terminar com esta situação insustentável que paira no Santuário. – Shaka permaneceu afundado na cadeira, cabisbaixo.

- Exactamente o que o meu irmão dizia. – meteu-se Shun, olhando para Shaka.

- Vais-me dizer que o teu irmão também sabia? – perguntou Saga exasperado afundando-se na cadeira. Shaka abanou a cabeça. Aquilo era demais. Supostamente era segredo… Mas quatro pessoas a saber!

- Sabia. – Shun nem se deu ao trabalho de esperar a pergunta "como?" – pões perfume demais, Shaka. – comentou com um sorriso doce. – Dâmaris estava coberta com o teu perfume da cabeça aos pés quando foi falar com eles. Além disso, Ikki é super sensível ao que se passa à sua volta.

- Ikki não suporta o Santuário. – disse Carlo, olhando pela janela. – Não suporta este clima, esta farsa em que o Santuário se tornou.

- Por isso ele foi-se embora… - perguntou Aioria.

- Ele ia ser posto fora, de qualquer maneira. – disse Shun abanado a cabeça lentamente.

- Ikki discutiu com Saori depois de vocês virem da praia. Ele disse que para ela vos punir, tinha que se punir a ela própria e a Seiya, que a situação deles era muito pior, e que ele não era palhaço nenhum para se deixar enganar pelo título dela. – explicou Carlo.

- A discussão foi acesa, o meu irmão atirou-lhe a verdade na cara. Saori ficou meio abalada, disse que ia pensar no caso. Depois, ficou com Miro mais uma meia hora, passou o resto da tarde trancada com Seiya. À noite pôs Dâmaris fora do Santuário, o meu irmão irritou-se e resolveu sair antes que o pusessem fora. – completou Shun. - Ikki sabe…

- Ikki é um oráculo. – disse Shaka sucintamente. – Mesmo sem ter sido desenvolvido, a capacidade de percepção dele é elevada. Sempre disse a Saori para o deixar ser treinado em Delfos, mas ela disse que Shion era o suficiente.

- Já agora: mais alguém sabia? – Saga sentia-se ultrapassado e estava de péssimo humor. Todos ficaram em silêncio durante muito tempo.

- Ela foi-se embora apenas a um dia, e sempre que me lembro dela parece que me lembro de um anjo… - acabou Afrodite por murmurar, baixando o rosto para que não vissem as lágrimas nos seus olhos.

- Ela era perfeita…. – Mu olhou pela janela perdendo-se no céu azul.

- Perfeita demais. – disse de repente Saga. Olharam todos para ele. – Mais bonita que qualquer outra mulher que já conhecemos, inteligente, ágil e lutava tão bem como um cavaleiro de ouro… no entanto inocente e gentil como um anjo… nem parecia humana… não parecia humana… - repetiu absorto.

Shaka saiu do salão e bateu com a porta com uma força tão desmesuradamente grande que as paredes que os rodearam fizeram quase o mesmo barulho que uma derrocada.

A hundred days had made me older Since the last time that I saw your pretty face A thousand lights had made me colder And I don't think I can look at this the same Shaka estava há cerca de uma hora em pé, apoiando as mãos na costas de um sofá, olhando para uma parede sem ver… Lá fora a noite caía, negra, angustiosa, implacável, mexendo nas feridas do cavaleiro, fazendo-as sangrar de novo. Se ao menos não houvesse noite… como se podia deitar ele naquela cama, onde até a madeira havia absorvido o perfume dela… aquela cama que era palco das demonstrações de carinho e amor mais profundas e meigas, mas também mais ousadas e quentes que já tinham acontecido no mundo… Dormir no sofá também não era solução, aquelas almofadas estavam gravadas pelo corpo dela, pelo perfume dela… But all the miles had separate They disappeared now when I'm dreaming of your face Pôs-se defronte ao espelho que ficava a um canto da sala. Os seu rosto pálido e sem luz, os pêlos da barba de três dias, os olhos azuis baços procuraram os seus traços no espelho… os seus olhos encontraram os orbes verdes de Dâmaris, a tristeza e seriedade do seu rosto eram reflectidos no rosto dela… ergueu a mão para lhe tocar no rosto e o reflexo do espelho ergueu também a sua, encontrando-se com a dele na superfície espelhada… Perdeu-se na imagem… assombravam-no aquelas imagens nos espelhos, nos vidros… a voz dela ecoava de vez em quando pela casa… O olhar do cavaleiro deslizou do espelho para as garrafas em cima do serviço, a boca distendendo-se num sorriso amargo. I'm here without you baby but your still on my lonely mind I think about you baby and I dream about you all the time I'm here without you baby but your still with me in my dreams And tonight it's only you and meDeixou-se cair num maple, fitando o líquido doirado escuro dentro da garrafa, atirando a rolha para cima da mesa e bebendo um golo, deixando a cabeça cair no apoio. Ele não era bêbado. Apenas a noite era difícil de passar e ele precisava de parar de pensar… se ele pudesse parar de pensar… parar de sentir… parar de viver… Abanou a cabeça no escuro da sala e engoliu uma nova porção do líquido. E outra, e outra, e outra… e nova garrafa… Se Dâmaris o visse… Visualizou a mão dela dirigindo-se à sua cara. A jovem detestava exageros. Mas Dâmaris não estava ali. E ele só bebia para esquecer isso e conseguir dormir. Dâmaris não estava ali… Onde estava ela… Já não a conseguia sentir à três semanas… sentiu-se a desesperar e levou o gargalo a boca fechando os olhos com força… The miles just keep rolling as the people either way to say hello I hear this life is overrated but I hope it gets better as we go - Shaka, sinceramente… - Shaka abriu os olhos e viu Dâmaris encostada à soleira da porta de braços cruzados e um meio sorriso desaprovador. – Olha o teu estado… - Ah não! Miragens não! - gemeu o cavaleiro levando a mão à cabeça e procurando a garrafa com a outra. Se tantos graus de álcool produziam aquele efeito, outros tantos faziam o efeito contrário. - Procuras isto? – perguntou a jovem, girando uma garrafa na mão. - Se quiseres fica, mas dá-me a garrafa. Uma alucinação a mais ou a menos não me vai fazer mal. – suspirou o cavaleiro estendendo a mão para a garrafa. - Nem penses, não bebes nem mais uma gota. - Seja. Tenho mais. – Shaka levantou-se meio cambaleante e foi até ao barzinho buscar outra. Dâmaris pôs-se à sua frente de mão na cintura. – Oh, vá lá! Não me digas que és uma alucinação tão perfeita que me vais dar um estalo? – bem dito, bem feito: Shaka ficou sentado no sofá com cinco dedos bem marcados na face esquerda. - Isto pareceu-te alguma alucinação? – perguntou irritada ao cavaleiro que parecia mais morto do que vivo a olhá-la. – Então, passou-te a bebedeira? - Dâ… Dâ… Dâmaris… Mas… como? Onde? – gaguejou estupefacto. - Tenho os meus meios. - Sentou-se no braço do sofá e cruzou a perna, olhando-o com censura. - Pronto, porra! O que queres, pensas que é fácil? -Também não foi fácil para mim e não ando a cair de bêbeda pelos cantos. Não sou homem, mas se fosse também não andava com a barba por fazer. - Onde estiveste? Não te consegui sentir. Aliás… - o cavaleiro franziu a testa e fechou os olhos. Depois abriu-os sem entender. – eu não te estou a conseguir sentir… - Queres chamar atenção no santuário? – ela abanou a cabeça e o seu rosto ficou sério. – Amanh - Amanhã é o teu aniversário. - Isso não interessa. – bufou ela, abanando a mão. – Ouve-me com atenção. Amanhã vai acontecer qualquer coisa… perigosa neste Santuário. Eu não quero que lutes para morrer, quero que lutes para ganhar. E quero que protejas Athena, sejam quais forem as situações que te surjam. Tu és um cavaleiro de ouro de Athena, Shaka, nunca te esqueças disto. Mas não podes avisar ninguém… Star Hill não funcionou como oráculo, Shion não previu nada. Athena deve estar confinada aos seus recursos. No entanto… - disse ela, alisando a saia curta do vestido preto. – tu fazes parte dos recursos dela… Não te esqueças, Shaka… - Dâmaris… - começou o cavaleiro, confuso. Ela pôs-lhe um dedo sobre os lábios. I'm here without you baby but your still on my lonely mind I think about you baby and I dream about you all the time I'm here without you baby but your still with me in my dreams And tonight girl it's only you and me - Shhh… - inclinou-se sobre ele, colando os lábios aos de Shaka, deslizando a língua contra a sua. O cavaleiro fechou os olhos, puxando-a para o colo, deslizando as finas alças do vestido simples preto que Dâmaris usava para fora dos ombros, deslizando as mãos pela pele pálida e macia. - Isto é um sonho… - murmurou ainda de olhos fechados quando os lábios se descolaram. Dâmaris deslizou as mãos sedosas pelo peito do cavaleiro, abrindo os botões que faltavam da camisa amassada. - Então é um bom sonho… - Dâmaris levantou-se puxando Shaka pela camisa, e tirando-a suavemente ao cavaleiro, desabotoando-lhe as calças enquanto lhe beijava o peito, deixando a língua deslizar pelo pescoço do rapaz. Afastou-se levemente, observando o divino corpo masculino nu à sua frente, fazendo o vestido deslizar pelo corpo, vendo chamas reluzirem e dar vida aos olhos azuis, sentindo os braços fortes derrubarem-na no sofá grande, o corpo dele unir-se ao dela e os dois corpos começarem a mover-se em sincronia, arrancando gemidos de prazer pela noite fora de ambas as partes.

Everything I know, and anywhere I go

It gets hard but it won't take away my love

And when the last one falls, when it's all said and done

it get hard but it won't take away my love

Uma jovem de extrema beleza, tanta que era fora do normal, abriu os olhos num belíssimo quarto de hotel, sentando-se na cama. Olhou para a noite escura, sabendo que pouco faltava para clarear. Sentou-se numa cadeira em frente a um espelho e apertou um bonito colar vermelho entre as mãos, olhando para uma fotografia encostada ao espelho. Alguém bateu à porta e a mulher mandou entrar. Dois homens vestidos com parcas armaduras entraram no quarto.

- Vossa mãe diz que é altura de vos prepares.

- Muito bem.

- Isso… - a jovem olhou um dos guardas que olhava para as suas mãos com um brilho de reconhecimento nos olhos. A seguir, os mesmos olhos leitosos olharam para o espelho e viram a fotografia. Um sorriso cruel surgiu na face do homem, abandonando os modos servis. – Ora, ora, o que temos nós aqui… o que dirá a sua mãe…

- Ela só dirá alguma coisa se lhe contarem…

- Porque não o faríamos?

- Porque eu posso dar-vos uma hora… - disse a jovem, erguendo o corpo esguio, ondulando-o em movimentos lânguidos por debaixo da camisola de seda preta, deitando-se de costas em cima da cama. Os homens entreolharam-se, um fechou a porta do quarto e, tentando despir-se com urgência, subiram para cima da cama, empurrando-se e tentando deitar-se um e outro ao mesmo tempo em cima da jovem. Ela sorriu e direccionou-lhes um inocente e luminoso olhar felino. Um dos homens curvou-se para a beijar e outro preparou-se para a despir. Ela falou qualquer coisa numa língua musical e estranha aos homens que pararam e olharam-na. Ela repetiu, sorrindo. Um deles abriu a boca para perguntar o que queria ela dizer, mas a única coisa que saiu foi um gemido mudo e golfadas de sangue, caindo em cima do punhal espetado na barriga, sujando os lençóis. O outro recebeu um punhal na garganta e olhou aterrorizado para a jovem que continuava a sorrir. Quando morreu, o sorriso abandonou a jovem, que se levantou, tomou um duche rápido e começou a vestir uma saia curta e uma blusa de alças, calçando umas sandálias de salto alto, tudo negro. Abriu os braços e, fechando os olhos, conjurou uma armadura que se lhe colou ao corpo. Um corpete sem mangas do frio metal com um decote pronunciado e gola semelhante às das armaduras de ouro, luvas de metal até aos cotovelos mas que lhe deixavam os dedos de fora, uma malha fina e inquebrável de metal deslizava numa saia cerca de um palmo acima do joelho e botas negras de salto que vinham até este. O metal da armadura era negro, mas parecia platina, platina negra que emitia a frieza e luminosidade da lua, toda a armadura gravada com motivos selénicos.

A jovem sentou-se e prendeu os cabelos de modo a ficarem metade deles presos no alto da cabeça, num repuxo de caracóis, dois canudos imperfeitos deslizarem-lhe pela face e o resto dos caracóis, das orelhas para trás, soltos. Prendeu-os com um estranho artefacto em platina e também de platina era a gargantilha que colocou ao pescoço que continha uma lua no metal negro-prateado da armadura. Colocou um par de brincos e uma escrava a meio caminho do ombro com os mesmo metais e motivos. Pôs perfume e deslizou uma capa pelos ombros, cobrindo o corpo e a cabeça. Pegou na fotografia com carinho e os seus olhos brilharam com lágrimas que não chorou somente para não estragar a maquilhagem. Deixou a foto arder na vela negra que em seguida apagou com os próprios dedos, deixando o quarto iluminado pela fraca luz da aurora que estava a despontar. Pegou no colar vermelho, fê-lo desaparecer entre as mãos e a capa e saiu do quarto sem ligar a mínima para os corpos que, mortos, arrefeciam nos lençóis de seda negra.

A jovem sorriu arrogantemente quando chegou junto do grupo de encapuçados, curvando-se a contra gosto a uma única figura imponente.

Cá fora, recebeu a suave brisa marítima que se transformou em vento à medida que passava à velocidade da luz, correndo em direcção a um destino certo. O sol surgiu no horizonte, erguendo-se, o céu cor-de-rosa tornando-se azul, as aves voando numa saudação ao dia.

A jovem sorriu docemente.

Apesar de saber que morreria dentro de cerca de duas horas.

- Dâmaris… - murmurou Shaka quando acordou. Encontrou-se sentado no mesmo maple, a garrafa pendendo-lhe das mãos, a roupa disposta como na noite anterior, as almofadas exactamente na mesma disposição no sofá grande. Foi um sonho.

Levantou-se e foi até ao quarto. Meteu-se na banheira, tomou um duche demorado e vestiu-se com uma roupa simples, já que iria vestir a armadura por cima. Olhou para o relógio. Porra! Já devem estar todos na arena para os treinos! Dirigiu-se a passos largos para a porta para ir vestir a armadura, mas foi acometido por uma tontura intensa. Os olhos ficaram sem ver, no meio do escuro correu sangue da ponta de um punhal de um metal brilhante como a lua a ponta para baixo no centro de um pentagrama. No centro do punhal estavam desenhadas as fases da lua, mas havia uma que tinha destaque, uma…

Tão depressa como veio, a imagem desapareceu e a tontura passou. A mesma imagem de há semanas atrás… Shaka abriu os olhos, o rosto coberto de suor. Não foi um sonho… foi um aviso… Guerra! Shaka correu a vestir a armadura e dirigiu-se para a arena na velocidade máxima que conseguia atingir.

- Estes bambinos são umas lesmas! – resmungou Carlo de mau humor. – Sposti il vostro culos grassi, cáspita! – berrou para dentro da arena, assustando os pobres bambinos.

Afrodite abanou a cabeça e Aioria e Shura rebentaram em gargalhadas. No cimo das bancadas ouviram-se as gargalhadas possantes dos gémeos e viu-se Mu a fazer cara feia de dentro da arena, ameaçando Carlo enquanto tentava acalmar os mais pequeninos, com cerca de cinco, seis anos.

- O Shaka? – perguntou Afrodite.

- No lo sea. – disse Shura, encolhendo os ombros.

- Sabes bem que há mais de um mês que Shaka praticamente não vive, existe. – constatou Aioria. – Leva a vida a meditar naquele maldito templo, não come, não fala, não dorme. Parece que se foi embora com Dâmaris e deixou uma casca vazia para trás.

- Hoje vai ser pior. – disse Carlo sem tirar os olhos da arena. Reparou que os outros o olhavam à espera de explicação. Bufou, exasperado. – É o aniversário da ragazza. E seria de mais alguém se não quisesse deixar de envelhecer. – Carlo fez uma careta. Afrodite abriu a boca.

- É verdade! – Aioria ia começar a dizer qualquer coisa mas um grito vindo do lado da saída do Santuário impediu-o. Os treinos pararam e olharam todos para cima, enquanto uma figura rechonchuda corria desajeitadamente na direcção deles, tentando chamar a atenção para alguma coisa.

- Marin! – gritou Aioria estupefacto.

- Invasores! Estamos a ser atacados! – gritou Marin com todas as forças, quase a chegar junto deles. Os cavaleiros ficaram quietos, pasmos, tentando sentir cosmos agressivos, mas sem sentir nada. Uma figura negra voou a um velocidade surpreendente na direcção de Marin quando esta estava quase junto a eles.

- Marin! – berrou Aioria. Um figura doirada apareceu de nenhures e interpôs-se entre Marin e o atacante. Parou o golpe do adversário com uma mão e empurrou Marin para os braços de Aioria com o outro. – Marin…

- Eles já passaram os de prata! Morreram todos! – disse Marin quase histérica, uma vez que a armadura não lhe servia por causa da barriga dilatada da gravidez. Shaka cerrou os dentes, ainda sentido o atrito da violência do ataque do outro empurrar-lhe o braço para trás, um ataque forte o suficiente para despedaçar os ossos e os nervos da amazona onde quer que a atingisse. Tentou passar-lhe uma rasteira, mas o vulto deu uma pirueta ágil para trás e riu-se fria e maldosamente.

- Tem calma, loirinho. Isto vai por ordem certa. Primeiro deixa-me acabar com a raça dos cães de prata. A seguir vais tu… - Shaka impediu o novo ataque, surpreendendo-se com a força e velocidade daquele invasor que, tinha quase a certeza, era uma mulher.

- Não tens honra, bastarda? – perguntou de dentes cerrados. – Ela está grávida!

- Grávida? – a figura parou e o capuz voltou-se na direcção de Aioria e Marin. Riu-se de novo, um riso que parecia vir das profundezas do inferno, que lhes arrepiava as espinhas. – Quem diria… venho matar um leão e mando logo a ninhada atrás…

- Foge, Marin… - avisou Aioria, empurrando-a para trás. Marin deu alguns passos incertos. – Vai!

- Foge, foge, aguiazinha… Nunca voarás para longe o suficiente… esse leãozinho que carregas já tem lugar marcado no último circulo dos infernos! – troçou o vulto encapuçado.

- Deixa-os em paz! – berrou o impulsivo cavaleiro de Leão, jogando-se contra o vulto, preparando-se para lançar o ataque. Demasiado lento. A atacante moveu-se com rapidez para trás dele, prendeu-lhe o braço e, torcendo-o, puxou-lho para trás, empurrando o ombro para a frente. Aioria gritou de dores, a energia acumulada no braço voltando-se contra ele.

- Reza pela tua alma, Leão, e manda cumprimentos meus ao senhor do Submun… - Shaka acertou-lhe com um pontapé na barriga, empurrando-a para trás, o segundo golpe falhou e ela levantou-se agilmente, desferindo-lhe um murro na cara. Shaka hesitou em usar os seus poderes contra uma mulher: o código de ética dos cavaleiros não lho permitia. Tentou imobilizá-la numa luta corpo-a-corpo, mas ela era forte e ágil demais. Olhou para cima, vendo que os cavaleiros de bronze e Mu já tinham rodeado Saori.

- Chega! – disse uma voz melodiosa mas de comando. A inimiga parou imediatamente de lutar e deu três piruetas para trás colocando-se ao lado do vulto que era seguido no mínimo por outros quinze. Os cavaleiros de Athena puseram-se em posição de combate e Saori retesou a mão no báculo.

- Quem sois? – perguntou, a voz ecoando na arena silenciosa, os miúdos encolhendo-se por detrás dos muros de pedra. O vulto riu-se suavemente, o riso perfumado.

- A nova… defensora?... da Terra, Athena. – a capa caiu no chão, revelando uma mulher alta, de cabelos loiros doirados encaracolados e compridos, olhos azuis brilhantes, profundos e lânguidos, boca carnuda e lábios rosados, rosto de linhas delicadas, corpo deslumbrante, muito branco e perfeito, com suaves linhas redondas, seios prometedores e ancas atrevidas. Usava um vestido branco cheio de semi-transparências, com um decote arrojado até meio do ventre, muito justo e frente única, preso no pescoço, um cinto muito trabalhado de ouro largo, o famoso cinto da Beleza, e uma saia comprida e ondulante até ao chão, muito justa nas ancas e larga dali para baixo. Usava uma gargantilha de ouro trabalhada, de onde saia um fio também de ouro com pingentes em cadeia de safiras até o final do decote. Os brincos, pulseiras e anéis eram também eles profundamente trabalhados e incrustados com pedras preciosas. Na testa usava um diadema com uma enorme safira incrustada. Muitos poucos foram os corpos masculinos que não se manifestaram perante a visão.

- A… Aphrodite… Mas como… - gaguejou Saori. Afrodite riu-se.

- Fácil, fácil, querida… Tu seduzes Poseídon… eu seduzo alguém mais acima… a imortalidade pode-se dizer uma… dádiva material… A tua morte, Athena, é um prazer do qual não me quero privar… e entre dádivas, prazeres e sedução, a vida corre como sangue célere nas veias, não é mesmo, irmãzinha?

- Não será fácil matares-me. Os meus cavaleiros…

- Sim, conheço o discurso. Mas, Athena, querida, também eu tenho os meus cavaleiros… - Aphrodite abrangeu o grupo que a ladeava com um gesto lânguido e perfumado. Um a um, os encapuçados tiraram as capas, homens e mulheres belos, uns mais do que outros, alguns de beleza humana, outros que atingiam o divino. Os dois penúltimos eram homens…

- Lua de Eros. – disse Eversor tirando a capa, uma beleza que não tinha naquele dia tomara-lhe conta do rosto e do corpo.

- Lua Minguante. – disse Miro, jogando a capa para trás. Lado a lado, os pasmos companheiros viram como eles eram parecidos. Shaka ouviu as vozes exaltadas dos companheiros, sobretudo em relação a Miro, mas a sua atenção estava presa na figura que o atacara e continuava encapuçada ao lado de Aphrodite. Virgem ergueu a voz num desfio.

- Mostra-te, Lua Negra, filha maldita de Aphrodite, escória do Olimpo, sobrinha e protegida de Hades… - os outros olharam-no sem compreender, mas Athena olhou a figura, recuando tremulamente verdadeira e profundamente aterrorizada e Mu cerrou os maxilares. Um par de mãos compridas e suaves começou a puxar a capa. Shaka preparou-se para não cegar à imagem lendária de beleza e amor enlouquecedora da jovem que estaria debaixo daquele capuz. Rezou para que poucos caíssem apaixonados, incapazes de magoar, segundo as lendas, aquela deusa cruel, mas de aspecto tão angelical, desprotegido e belo que homem algum era capaz de a magoar…

Mais bela que qualquer outra mulher, tão ou mais forte que um cavaleiro de ouro, alguém que não parecia humana, alguém que não era humana…

- Dâmaris. – constatou Shaka tristemente quando a jovem descobriu o corpo e o rosto, tomados do sangue divino e mais belos do que nunca. O doirado dos seus olhos rebrilhava hipnoticamente, mas os belos orbes verdes estavam isentos de sentimentos, frios, gelados… letais. Não era preciso os homens apaixonarem-se por ela desta vez… eles já o estavam, quem não estivesse, Afrodite, Saga, Mu, seriam incapazes de magoar a "irmãzinha", como a haviam adoptado.

- Bom dia, amor. – cumprimentou ela provocadoramente, com um sorriso deslumbrante e o corpo pálido, contrastando com o negro luminoso da armadura, brilhando ao sol, realçando as pernas níveas e o decote acentuado da armadura. Um ímpeto de desejo atravessou-lhe dolorosamente o corpo contra a armadura. Uma raiva inusitada cegou-lhe o coração. Sentiu Saga ao seu lado. Virou-se para o amigo.

- Previsões, Virgem?

- Isto está fodido, Gémeos, e bem fodido… - olhou-o gravemente nos olhos. – E não vamos ser nós a foder… - Gémeos contraiu os músculos da garganta.

- Não a consigo magoar, Shaka… - disse em voz baixa, não deixando ninguém ouvir, mas com o olhar levemente perdido. – E tu?

- Aquela não é a Dâmaris. – Aquela não é a Dâmaris… não é a minha Dâmaris. A minha Dâmaris está morta. Decidiu o cavaleiro, toda a dor do último mês transformando-se numa raiva transformada em energia e frieza. Aquela mulher… Lua Negra… assassínio e traição… não era a Dâmaris. Cerrou os maxilares, os olhos duros e gelados. – Deixa-a comigo. Eu mato-a. – Saga sentiu uma violenta contracção no estômago e olhou para o amigo. Mas não viu o amigo, viu unicamente o cruel e insensível cavaleiro de Virgem.

Este não é o Shaka… pensou mas ainda sem acreditar. O loiro notou-o e repetiu com uma voz ainda mais gelada.

- Eu mato-a.

Este é o Shaka… constatou Saga tristemente, antes de também ele se deixar tomar da frieza e distância em que todo o bom guerreiro se envolve quando se prepara para uma batalha.

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N.A.: Ok, nova reviravolta, nova corrida… Batalha que se adivinha. Vou postar a fic mais depressa porque vou para fora e não poderei postar mais. Por isso hoje postei dois capítulos.

Continuando, uma reviravolta intensa, espero que esteja a explicar e a relatar bem a situação para que não hajam dúvidas. Devo confessar que batalhas não é a minha especialidade, fiz o melhor que pude. No entanto, a maior batalha se desenvolve a nível do interior das personagens, e, como no resto da fic, é a essa que darei mais importância. No fim de contas, é essa batalha exterior que condiciona qualquer posição e condição da batalha exterior, mesmo na vida real. Pelo menos, eu assim o penso.

Bem, chega de blá blá blá, vamos continuar com a história sem esquecer:

a) Quem reparou tem toda a razão, as duas últimas frases trocadas entre Shaka e Dâmaris naquela noite são tiradas do filme "The Lord of the Rings: The Two Towers";

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b) Os agradecimentos, claro! Então, muito obrigada pelas reviews a: Mikagesama ( e é o Shura sim :) Oba! E o Milucho, enfim… Tem uma razão, claro, tudo tem um motivo na vida! Por exemplo, eu não te adicionei no MSN porque vou ficar fora e não posso falar, foi por isso, desculpa. Quando voltar, nós poderemos falar, claro!), Megawinsone (Fazer o Miro sofrer? Bem, está tudo dependente da batalha! ), Juninha 2000 ( bem, devo confessar que o Shaka me surpreendeu nessa reunião! Apesar de eu ser a autora, foi de inspiração súbita! Em relação aos dois anos atrás, tudo ficará bem explicito! Espero! ), Juliane Sandoval do Vale ( Muito obrigada pelos elogios :)! Eu sei bem o que é isso de ter falta de tempo :( Admiradoracolegaamiga ;) ), Kourin-sama (ah, tu devias estar zangada comigo porque eu esqueci-me de te pôr na "lista" do outro capítulo. Eu gostei muito do mail, mas eu já posto tão tarde (aqui) que escapou. Desculpa! É, a Dâmaris deu um jeito na situação… ou deram =P), Arashi Kaminari ( Fazer o Shaka com um lado bastante humano foi um desafio que impus a mim própria. Queria-o fazer especial à mesma, mas humano. Espero que tenha conseguido! =) ), Yoshino ( Tantos elogios! Muito obrigada! Espero continuar a ser merecedora! Eu vou tentar aceder a esse pedido, mas alguns capítulos têm títulos tão grandes que não vai caber tudo. Mas vou dar o meu melhor!), Milla-Chan (Realmente, o anda a causar dores de cabeça! Para postar então dá tempo de corrigir, recorrigir e aumentar de novo e de novo todo o carinho que tenho por vocês nestas poucas palavras, poucas mas que falam muito. E os meus humildes agradecimentos por tão bonitas congratulações! ). Quero também agradecer à Terezinha por toda a ajuda e força que me tem dado e uns bons empurrões quando encravo, e à Pipe por ser quem é e me apoiar tanto!

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c) a música transcrita é Here without you, dos 3 Doors Down. Quem nunca ouviu, eu aconselho!

Bjokas e Bjokas para todos vocês que lêem a fic!!!!

Próximo capítulo: "A cruel fortuna do guerreiro: «Silêncio e escuridão - e nada mais!»"