"Cegueira inabalável"

by Ayan Ithildin

Shaka enfiou as mãos nos bolsos das calças pretas e semi-sentou-se numa pedra da ainda não reconstruída arena.

- Devias ter pedido a Saori que te tratasse dessa ferida… - disse Marin à sua frente, tirando-lhe a franja de cima da ferida de três dias ainda aberta. Shaka tirou-lhe a mão com impaciência e um pouco de rispidez.

- Deixa estar. – Marin olhou-o um pouco magoada e preparou-se para voltar para junto de Aioria. – Fica. – Shaka suspirou. – Desculpa. – tentou sorrir sem sucesso. – Eles estão muito alterados, é melhor ficares aqui, é melhor para a bebé. – pôs uma mão na barriga dilatada da amazona, sentido o cosmos da bebé agitado. Deixou o seu próprio cosmos ir até ao minúsculo ser, acalmando-o. – Aioria devia-te levar para umas férias tranquilas, no mínimo durante um mês. A bebé sofreu muita agitação, não é nada bom. – os seus olhos ficaram de novo apáticos quando retirou a mão. Marin olhou-o com carinho. Shaka, mesmo triste e abatido, ajudara-a naqueles três dias, em que o cosmos de Aioria estava demasiado perturbado e, apesar de todo o amor e cuidados, muitas vezes excessivos, que lhe prestava, não podiam acalmar a bebé. Shaka, com o seu cosmos sempre calmo e pacífico, acalmara a leoazinha até ficar estável novamente. Tal como acalmara todas as crianças do Santuário.

- Obrigado, Shaka… Tens sido um amor. Acho que vais ser o padrinho ideal para ela. – disse, apontando para a barriga. Já tinham pensado nisso, ela e Aioria, uma vez que a criança ia nascer sob o signo de Virgem e, possivelmente, a candidata mais forte à armadura. Mas agora parecia-lhes o mais acertado a fazer; Shaka salvara a vida daquele pequeno ser que, mesmo antes de nascer, já parecia gostar do cavaleiro. Os olhos tristes do cavaleiro pareceram sorrir e Shaka deu uma palmadinha no ombro da amazona.

Athena voltou, Aldebaraan e Kanon escoltando o ex-cavaleiro de Escorpião e levando-o para cima do pequeno e improvisado estrado de pedra. A deusa parou junto de Shaka e Marin. Fez uma festa na barriga da amazona sorrindo-lhe e olhou para o cavaleiro.

- Como estás? – Shaka encolheu os ombros, olhando para os pés, dando pequenos pontapés numa pedrinha. Athena olhou-o triste e preocupada. Vira muita gente definhar e envelhecer naqueles casos, mas a tristeza parecia tornar o rosto de Shaka ainda mais bonito, mais divino, as linhas suaves e ainda juvenis sem a dureza de todos aqueles anos pareciam rejuvenescê-lo. O corpo dele, contra o sol, era o suficiente para fazer sombra sob as duas, sem ser exageradamente musculado ou alto, apenas esbelto e elegante como um deus, ocultando uma força extraordinária. Mas por dentro… sentia-o morrer pouco a pouco. Marin e Aioria queriam que ele fosse padrinho da bebé, mas Athena temia que ele não chegasse a viver para tanto. Shaka salvara tanto a bebé como a criança o salvava dele próprio e dos seus fantasmas. Se aquela criança não precisasse dele… se todas as crianças que ele ajudava e confortava, acalmando-as, naqueles três dias depois da batalha não precisassem dele, não existissem para ser uma razão para ele viver… A deusa sabia que Shaka ter-se-ia suicidado no próprio dia da guerra. Mas aquelas pequenas criaturas pareciam adorar o cavaleiro e estes, apesar de toda frieza que sempre demonstrara até ali, era tão carinhoso e meigo para elas que fazia vir lágrimas aos olhos da deusa. Como se finalmente ele aprendesse o lado bom das emoções, não a fraqueza, mas a força de viver. Sorriu-lhe tristemente e moveu-se na direcção do estrado, colocando-se ao lado de Saga, que estava com cara de caso, vestido com as roupas de Grande Mestre mas sem máscara. Cavaleiros e amazonas colocaram-se todos muito direitos e em silêncio olhando para o estrado. Saga aclarou a garganta.

- Vamos dar início ao julgamento de Miro, ex-cavaleiro de Escorpião. – Olhou para Camus que o olhava numa expectativa abatida, esperando a lista de factos para registar em acta de julgamento. – Apesar de muitos de vocês se revoltarem contra o facto de Miro ter sido salvo da morte, quero deixar bem claro que esse procedimento foi escolhido para que ele seja julgado no tribunal de Athena, como a lei exige, e punido. Se a pena for morte… - Saga engoliu em seco olhando o abatido cavaleiro. Odiava as funções de Grande Mestre, em particular aquela. – evidentemente, será executado. – Olhou para o irmão que se mantinha atrás de Miro, na ingrata função de o executar se tentasse fugir. Os olhos de Kanon impeliram-no a continuar, já que não podiam voltar atrás. Saga sabia bem que o irmão fora a favor de deixarem Miro morrer, ou um deles matá-lo enquanto o cavaleiro estava inconsciente, de modo a pouparem-lhe a vergonha de um julgamento de traidor. Talvez tivesse sido melhor… Kanon sempre foi o mais realista, o menos sonhador…Miro não se vai conseguir safar… - O réu presente em tribunal é acusado do crime de conspiração, distúrbio, alta-traição e tentativa de homicídio voluntário qualificado. Pela seguinte ordem de factos, é acusado de se associar a uma deusa inimiga, conspurcar o Santuário durante dois anos, trair a casta dos cavaleiros e a própria deusa que o acolheu e a quem deve cega obediência… atacar o santuário e tentar matar Palas Athena. – olhou para a deusa e depois para Mu e Afrodite. – Se alguém quiser acrescentar alguma coisa…

- Eu quero! – disse Aioria muito sério. – Penso que deveria ser também acusado de homicídio voluntário qualificado e não apenas de tentativa. – olharam todos para ele. – Se Miro não nos tivesse traído, Dâmaris jamais teria saído do Santuário, e teria ficado do nosso lado. Talvez a guerra nem sequer tivesse acontecido e Dâmaris estava viva. Por isso sou da opinião que Miro é o directo responsável pela morte de Dâmaris. – houve quem concordasse, houve quem se espantasse, e Saga olhou para Shaka procurando a opinião do amigo. Mas Virgem nem sequer olhava para o estrado, absorto em qualquer coisa.

- Muito bem. Juntar-se-à a acusação de homicídio voluntário qualificado… - olhou para Camus que baixou o rosto para o papel, anotando o que Saga estava a dizer. – Dada a inexistência de testemunhas… - olhou a assistência, procurando mais alguém que quisesse intervir e adiar o mais possível o fim do julgamento. – seguiremos os procedimentos normais e ouviremos o que o réu tem a dizer para sua defesa…

- Nada a declarar… - murmurou Miro, cabisbaixo, tão baixo que mal se ouviu. Saga engoliu em seco. Declara qualquer coisa, seu idiota… Mas Miro manteve-se em silêncio. Saga olhou para Athena que suspirou e abanou a cabeça, fazendo um movimento na direcção da assistência, indicando que deveriam ser exprimidas as suas opiniões, uma vez que Miro os traíra a todos e não apenas a ela própria. Saga não precisou ouvir para saber que todos queriam a terra humedecida pelo sangue do cavaleiro, cada um falando mais alto do que o outro.

- Eu acho que nos estamos a precipitar. – disse de repente Shaka, no meio da sua calma triste, mas sempre seguro de si. Olharam-no sem compreender. – Nós não sabemos o que aconteceu, nós não sabemos o que levou Miro a trair-nos, não sabemos se ele sofreu alguma espécie de ilusão, controlo de mente, ou um esquema cuidadosamente montado, para o qual eu estou mais virado, uma vez que o evitar de declarar seja o que for revela a falta de compreensão em relação a si próprio – Shaka fez uma pequena pausa. – neste caso, evidentemente. Não temos causas, apenas consequências. Consequências em si próprias são factos não provas completas, sem provas não pode haver julgamento nem condenação. É apenas a minha opinião… - disse, remetendo-se ao silêncio. Seguiu-se um curto silêncio estupefacto.

- Ele não diz nada porque não quer… - disse alguém.

- Shaka, este figlio de una puttana é oresponsável pela morte de Dâmaris! Ele é un tradittore! – protestou Carlo.

- Dâmaris sabia da verdade. Ela tentou-me dizer qualquer coisa acerca de Miro. Não acredito que ele seja somente culpado, acredito que ele seja também vitima! – refutou Shaka.

- Shaka… - disse Saga suspirando tristemente. – Se Miro não fala nem Dâmaris te disse nada… lamento que não haja solução do que condená-lo… com as provas que temos…

- Isso não é justiça! Dâmaris morreu para que houvesse justiça! – respondeu Shaka, cerrando os dentes. Ficaram em silêncio.

- Se Dâmaris estivesse viva… - disse Afrodite, com as lágrimas a brilhar nos olhos.

- Não seja esse o caso… - disse de repente uma voz trocista e harmoniosa no cimo do caminho de pedras. Viraram-se todos vendo um figura aproximar-se de costas para o sol, caminhando levemente como se flutuasse.

- Fantasma… - murmurou um cavaleiro de prata estupidamente, mas o facto é que era o que parecia. Dâmaris pulou para a arena, pálida, sempre o branco da sua pele contrastando com o castanho-escuro dos cabelos encaracolados, com o mesmo vestido branco pelos joelhos e mangas abertas e caídas desde os ombros até aos pulsos, deixando-lhe os braços a descoberto e as mesmas sandálias brancas de tiras com que tinha sido enterrada três dias antes. Os olhos verdes doirados olharam-nos doces e sorridentes e ela parou à frente de Shaka sorrindo.

- Chamaram? – perguntou alegre, como se tivesse acabado de levantar… da cama, não do tumulo. – Oh, fecha essa boca, Seiya, não sou um fantasma! – disse, repreendendo o cavaleiro de Pegasus na brincadeira.

- Co… co… como? – gaguejou Shaka, os olhos desmesuradamente abertos.

- Ah, é fácil. Saio de Elísios, atravesso as prisões num instante, aproveito que, para a margem de cá, Caronte não exige pagamento… também era melhor, não há moedas no mundo dos mortos, não é? – perguntou divertida. – Saio ali perto do cabo Sunion e entro no meu corpo. Escusado era enterrar-me... Foi mais trabalho para vocês e para mim. Vocês não pensam…? – perguntou, abanando a cabeça.

- Como é que é? – perguntou Shaka, ainda a boiar junto com o resto das pessoas. Menos Saori que abriu a boca, compreendendo qualquer coisa subitamente.

- Como é que é o quê? – perguntou Dâmaris erguendo as sobrancelhas. – Não me perguntaste por onde é que eu tinha voltado? Eu expliquei… Só não vim mais cedo porque o meu tio adorado prendeu-me lá em baixo com queixas e queixinhas e resmungos… realmente Hades fica com um humor bastante repulsivo sempre que Athena o vence… fica tão chato… - resmungou, levantado os olhos para o céu como que pedindo paciência para aturar aquele adorável tio que, por acaso era Hades e, também totalmente por acaso, era o deus do Submundo. Coisa absolutamente natural, uma família igual às outras. Shaka de repente enfureceu-se.

- Mas tu estás a brincar com isto? – praticamente gritou.

- Eu? Claro que não! Mas o que é que se passa com vocês? – perguntou, olhando para Shaka, para o grupo atónito e para Shaka novamente. Depois para Athena, procurando uma explicação. Os olhos da deusa exprimiam uma raiva confusa, um pouco diferente da raiva com que sempre brindava a sobrinha nas poucas vezes que a via.

- O que é que estás à espera? – gritou Shaka, totalmente alterado. – Morres à nossa frente, enterramos-te e três dias depois apareces levantada do tumulo, toda sorridente a falar do teu tio?

- Mas estás parvo? – gritou ela de volta, o mau génio geminiano vindo à tona. – Estavas à espera que eu ficasse lá em baixo? Deves pensar que viver no Submundo é a coisa mais divertida que à para fazer! Tirando que está toda a gente morta a cumprir castigos ou uma cambada de totós a sorrir e a apanhar flores, não há mais nada de interesse!

- Claro, é a coisa mais normal do mundo, morrer-se e voltar-se à vida apenas porque a vizinhança no Inferno é aborrecida! – berrou Shaka, furioso nem ele sabia com o quê.

- Shaka, ela… - meteu-se Mu, também ele recordado.

- Para mim, é a coisa mais normal do mundo sim, há algum problema? – berrou também ela furiosa, os olhos azuis e verdes encarando-se enquanto deitavam labaredas. – Ou não sabes que eu volto há vida quando quero e me apetece?

- Shaka… - tentou novamente Mu.

- Por acaso há um problema sim. Podias ter avisado, foda-se! - berrou Virgem de volta.

- Aphrodite avisou-vos, não tenho culpa que sejam surdos!

- Contigo a queres o meu pescoço achas que estava com paciência para ouvir aquela idiota? E já agora… - Shaka calou-se. – Aphrodite avisou-nos…?

- Avisou, Shaka, podes-me ouvir? – gritou Mu, também ele alterado.

- Podemo-nos acalmar ou ainda querem gritar mais um bocado…? – perguntou Athena, vendo as caras perfeitamente cómicas de quem estava a assistir e o olhar estupefacto de Miro a olhar para tudo sem sequer sentir a pressão exagerada que Kanon exercia distraidamente na base do seu pescoço. Saga sentara-se com a cabeça entre as mãos e Afrodite parecia o único calmo no meio de tudo se, evidentemente, não estivesse petrificado de surpresa. – É verdade Shaka, a… ela… recebeu uma dádiva de Hades e Perséfone que lhe permite reencarnar ou ressuscitar quando quer… Aphrodite disse isso, mas, no meio disto tudo, eu também me esqueci… nem nunca me passou pela cabeça que ela quisesse regressar agora… - Dâmaris encarou Athena e baixou resignadamente os olhos.

- Então – aproveitou Kanon, prático, disposto a fazer aquilo andar para a frente. – será que nos podes elucidar acerca dele? – perguntou apontando para Miro. Dâmaris ergueu os olhos e deparou-se com o cavaleiro. Suspirou e abanou levemente a cabeça.

- Miro é culpado. Mas também é, sobretudo, inocente…

- Tudo bem, tu és uma deusa, compreende-se que não tenhas seguido o destino dos guerreiros de Aphrodite e transformares-te em pó… Mas e ele? É só porque é filho dela ou lá o que é? E o… Eversor? – começou Saga a perguntar, movido pela esperança de talvez não ter que matar Miro a sangue frio. Dâmaris levantou os braços, pedindo tempo.

- A primeira coisa que têm de entender… - olhou para Miro. – tu, em especial, é que não és filho de Aphrodite nem de Ares nem nunca foste. Apenas Eversor é filho de Ares e, tal como o pai, cedeu aos caprichos de Aphrodite em troca de uma possível recompensa… - Dâmaris desviou os olhos. - … eu. Ele nem sequer é teu irmão.

- Ele era meu irmão sim. Eu vi-o mal ele nasceu, lembro-me muito bem, tinha cinco anos… - disse Miro cabisbaixo.

- Não. O teu irmão morreu à nascença. Nesse verão os teus pais souberam que vinhas para o Santuário e queriam um bebé à viva força. Quando o teu irmão morreu… Aphrodite deixou um bebé abandonado ao portões da mansão dos teus pais. Esse bebé era Eversor. Ele conseguiu convencer os teus pais de que ele era o melhor filho, ficou à frente da empresa e fê-la crescer… mas também te conseguiu convencer que era o melhor amigo que tinhas… quando na realidade te tirou tudo. Tu já estavas no Santuário, e continuavas a visitá-lo. Servias-lhe muito bem, mesmo sem saberes, as pequenas fofocas e acontecimentos que narravas acerca do santuário iam cair direitinho nos ouvidos de Aphrodite. – Dâmaris apertou os lábios. – Ela conseguiu-me descobrir, claro, sou filha dela e sou uma deusa, e mandou Eversor cair nas boas graças do meu pai… e nas minhas. Nas do meu pai foi fácil, nas minhas nunca caiu. Talvez eu devesse ter percebido, mas estou condenada a só "acordar" aos dezanove anos quando reencarno, de modo que ele me era, de facto, repulsivo e sentia-me em perigo junto a ele. A mãe do Miro morreu à mais de cinco anos… precisamente uma semana antes da vossa batalha contra Hades. Não sei se ele vos contou, mas ela apareceu assassinada. Miro, ele sempre gostou muito da mãe… - desviou os olhos do cavaleiro – talvez demais. Era super protector, adorava-a. Então sempre se culpou de não a ter defendido, ia várias vezes por anos visitar o tumulo e…

- Há dois anos que ele não vai. – raciocinou Saga.

- Exacto, há dois anos Aphrodite encontrou-se com Miro e Eversor e revelou ser a mãe de ambos. Eversor fingiu-se surpreendido, Miro foi atraído pela imagem daquela que ele mais tinha gostado. – Dâmaris fez um movimento enfático com a mão. – Vocês não percebem… o pai dele sempre o tratou com desprezo, apesar do filho ser cavaleiro de ouro, o pai dizia que isso era fantochada e valorizava Eversor em seu detrimento. A mãe sempre o amou, apesar de tudo, talvez mais do que a Eversor, mimava-o, acarinhava-o, adorava-o. Miro perdeu a estabilidade com a brutal morte da mãe… surgir-lhe uma mulher, uma deusa, e dizer que era sua mãe, oferecendo-lhe todas as regalias e justificando a má vontade do pai contra ele por ser adoptado foi a explicação e o acalmar do seu coração. A pouco e pouco, o controlo de Eversor, de quem as faculdades mentais são muito úteis, começou a fazer-se sentir mais e mais… Então eu fugi de casa, Shaka encontrou-me e trouxe-me para aqui. Aphrodite, sabendo que o meu inconsciente me traria até o Santuário, revelou-o a Eversor que se queixou ao "irmão" da fuga da noiva e Miro reconheceu-me. Meses mais tarde, ele veio e Miro não caiu no erro de ficar junto de nós… Aphrodite fora tão ardilosa a ponto de escolher um jovem que fosse parecido a Miro para o filho de Ares reencarnar. A lavagem que lhe fizeram ao cérebro constituía também numa imagem de família feliz e poderosa… Miro odiou-me por me ver ao lado de Shaka… Ele podia não saber que nós… - Dâmaris corou e baixou os olhos. – Mas Aphrodite, desde que soube que eu estava sob os cuidados de Shaka, sempre confiou que eu seria capaz de o seduzir… - a jovem corou ainda mais. – Era o processo ideal para Miro se sentir vingado, eu ser expulsa do Santuário e deixar os cavaleiros instáveis e revoltados, sobretudo os mais poderosos… disse-lhe que estávamos na praia… Três noites depois de sair daqui, Miro encontrou-me e levou-me à presença de Aphrodite. Longe de Shaka e face a face ao cosmos… da minha… mãe… não demorei a acordar… processo que já se iniciara na noite em que fui expulsa… processo que era contido pela presença de Shaka… - ergueu os olhos brilhantes – Eu nunca vos quis trair. Não seria capaz de trair Shaka… e por muito que tenha as minhas rivalidades com Athena, prefiro vê-la no comando do que Aphrodite… eu nunca quis o comando da Terra… - murmurou, baixando de novo o rosto. – Bastava teres-mo pedido, Palas, e eu ter-to-ia entregue, pedindo-te apenas que cada um honrasse o deus que quisesse, ainda que te dessem um tributo… que deixasses os meus sossegados, só isso… - suspirou. – Aphrodite considera-me incapaz de amar, que apenas sou mente e corpo, não coração. Por isso, nunca lhe passou pela cabeça que eu realmente estivesse apaixonada, e sim que necessitasse… - desviou a conversa – então nunca pensou que fosse traí-la… eu sempre fui muito boa actriz, não foi difícil convencê-la de mim mesma… Eu não queria que demorasse tanto, mas não podia ferir Shaka demais… Mas Aphrodite demorou mais tempo do que eu pensava a admitir que tinha Athena nas suas mãos e, assim, quebrar o contrato… verbal. Lamento muito o que vos aconteceu… Entendo que me odeiem, só vim explicar e tentar salvá-lo. – disse, apontando para Miro. – Ele não teve culpa, Palas, não teve culpa nenhuma… Fizeram-lhe uma lavagem ao cérebro, Shaka tem razão… ele está confuso e indeciso em relação a si próprio… Não o condenem à morte, suponho que ele próprio tem vontade de se encarregar disso… Athena… - disse num tom de voz doce. – amar não é crime… não é crime Miro amar demasiado a mãe… não é crime eu amar Shaka… não é crime amares Seiya… termina com esses pensamentos de que sempre te rodeaste, Athena… amar não impede a justiça… amar e justiça não têm nada a ver, não se misturam… Amar não é uma vergonha… nem um crime… não demores os milhares de anos que eu demorei a aprender isso… não vale a pena, Palas… é apenas mais sofrimento e injustiça… injustiça contigo própria… Tu estás a mudar, Athena, se é o amor que te muda… é para melhor…

- Pronto, agora que já acabaste a tua espantosa dissertação, vamos ao que interessa… - Saori virou os olhos irritados para Miro e ficou em silencio.

Os olhos de todos estavam presos nela. Saga aclarou a garganta.

- Então… Senhora… qual o destino de Miro?

- Eu… - Athena suspirou e olhou uma última vez as feições de Dâmaris. – Concordo com o julgamento de Dâmaris… Miro é inocente e ser-lhe-ão devolvidas as funções e armadura de cavaleiro de Escorpião. Contudo, será acompanhado pelos médicos… e espero que todos nós, eu e vocês, o possamos ajudar neste período difícil.

Miro olhou-a, andou até ela e ajoelhou-se aos seus pés.

- Serei merecedor da vossa confiança, Senhora, ou morrerei… pelas minhas próprias agulhas. Obrigado, Senhora… Palas Athena… obrigado… - Athena sorriu-lhe, passando-lhe a mão pelo rosto com suavidade. Miro levantou-se e foi até Dâmaris e também pôs um joelho no chão em frente à deusa que se espantou. – A vós pertence a minha vida… não penseis que sois um monstro, Senhora… o vosso coração é de ouro e diamantes… deste-me a vida… e perdoaste-me quando tudo o que vos trouxe foi desgraça… Obrigado…

- Todos os homens têm o direito de errar… e todos os homens têm a obrigação de aprender com os seus erros. Se aprendeste, Miro, se todos aprendemos, então tudo foi pelo melhor… - disse a jovem, abanando a cabeça com suavidade. O clima suavizou-se e começou tudo a comentar os factos, os cavaleiros de ouro e bronze rodeando Dâmaris, Saga, Mu e Afrodite fazendo uma festa. Contudo, Shaka olhava-a apreensivamente. – Perdoa-me Marin… eu nunca te iria atingir. Eu soube que Shaka iria chegar a tempo, senti-o. Em último caso, parava para dizer algumas palavras ou assim. Mas nunca seria capaz de te magoar ou a essa bebé… Nunca, Marin, nunca… - murmurou, tocando com os dedos no ventre dilatado. Sorriu. – Vai ser forte como o pai, mas tem a sagacidade e tenacidade de uma águia como a mãe… e protegida pelos deuses… - murmurou, deixando o cosmos fluir até à bebé. - Toma - a deusa evitou olhar para Shaka e pôs-lhe nas mãos o Rosário de Buda e o outro que ele lhe havia dado. – Eu cuidei bem deles, estão intactos… Agora – disse sem olhar para ninguém - tenho que ir tratar de um assunto… até logo… - murmurou com um sorriso tão triste que quase fazia chorar, virando as costas para se ir embora e começando a andar na direcção da saída do Santuário.

- Esse assunto que tens a tratar… não será no Submundo? Talvez… matares-te e ficares lá durante séculos? – perguntou Shaka de repente, olhando-a penetrantemente. Dâmaris deixou cair os ombros e suspirou, como se carregasse o peso do Universo às costas.

- Porque dizes isso?

- Porque sinto. – Ele não tinha dito porque penso. Ele tinha dito porque sinto.

- Shaka… - abanou levemente a cabeça. – Eu sou o que sou. Eu posso não ser aquilo que ficou na lenda, mas faço parte da família suprema grega… talvez até seja o que diz a lenda, não sei… não vos culpo por me odiarem… começo a achar que eu própria me odeio… Eu só vos trouxe problemas e mais problemas, especialmente a ti… Talvez eu seja um monstro, como dizem… talvez eu seja… Amo-te e, pode até ser que, esse amor que te tenho, me limpe o cadastro… Mas eu sou eu… e é aceitável que me odeiem… que me… - susteve um soluço – odeies… eu não te culpo… - sentiu o braço ser agarrado com força e Shaka voltou-a com violência.

- Queres saber uma coisa? Começo a achar que eu realmente falhei no teu treino. Porque tu continuas com essa estúpida e irritante falta de confiança em ti própria! – disse rispidamente, como se ela tivesse voltado a ser a aprendiza dele de há quase dois anos atrás. Puxou-a para a sua frente, obrigando-a a olhar o grupo pasmo. – Olha para eles, Saga, Mu… Afrodite… achas que a festa que fizeram à bocado por estares viva é porque te odeiam? Olha bem para todos eles, olha bem. Olha para Aioros… tu devolveste-lhe a vida… achas que ele te odeia – Dâmaris encarou os rostos tristes e apreensivos, os olhos exprimindo… que não queriam que ela morresse? «Porque não me odeiam…» - Sabes porquê? Porque tu não nos traíste. Tu tiveste a hipótese de teres o mundo nas tuas mãos e abdicaste do poder por nós, por Athena. Tu salvaste-a, salvaste-nos… sacrificaste-te por nós… Tu combateste-te a ti própria e ganhaste… não foi só Athena, tu também… te tornaste melhor… Não sejas o sangue que te corre nas veias…- a voz quebrou-se e ficou subitamente doce quando Shaka a virou para si, os olhos suaves e carinhosos. – Olha para mim… achas que eu te odeio? Como é que tu és capaz de apareceres à minha frente e quereres morrer outra vez? Deixares-me sozinho outra vez… Eu amo-te… - murmurou, passando-lhe os dedos pela face. – E desta vez ninguém vai afastar de mim… - ela tentou falar mas ele pôs-lhe um dedo sobre os lábios, inclinando-se sobre ela. – Ninguém… - repetiu antes de colar os lábios aos dela, abraçando-a com força e, ao mesmo tempo, um carinho e amor incondicional. – Ninguém…

- Shaka… - Dâmaris abraçou-o, escondendo o rosto na camisa dele e principiando a soluçar. O cavaleiro abraçou-a, sustendo-a enquanto o choro lhe retirava as forças, baixando a cabeça. Por isso não viu os casalinhos a juntarem-se, nem os rostos ficarem finalmente libertos das angústias da batalha.

- Mas como é que Aioros voltou… - suspirou Seiya, olhando o cavaleiro que tinha a cabeça baixa. Dâmaris afastou-se de Shaka e limpou as lágrimas, sorrindo para Sagitário que lhe retribuiu.

- Eu… ainda conheço a antiga linha de oferendas a Hades, os rituais, os sacrifícios, as palavras. Por isso ofereci a minha vida em troca da de Aioros. Não interessa quem entrega a vida, desde que um corpo morra em troca de outro ressuscitar. Por isso entreguei a minha e disse a Aioros o que ele tinha de fazer… A última vez que falei contigo – disse, sorrindo para Shaka ainda com tristeza - já estava morta.

- Dâmaris disse-me que Aphrodite invadiu o Santuário, que era necessário atingir a gema da imortalidade que ela carrega, como Eris, para a impedir de voltar… a menos que se alie a Hades, que não regressará antes de 200 anos. Não, na realidade não me disse… - olhou-a sorrindo – transmitiu-me, como Shaka faria. Eu senti-o dentro dela,… - Aioros franziu as sobrancelhas como se não compreendesse. - … por isso confiei de imediato. Mas nunca a vi… se bem que tenha percebido logo que eras tu.

- Quer dizer que acabou tudo? A guerra, finalmente acabou? – perguntou Kiki, dando dois pulos infantis.

- É, miúdo, acabou… - Shaka sorriu e abraçou Dâmaris exuberante de felicidade. – As tuas coisas ainda estão na mesma…

- Shaka… - ela sorriu meio hesitante, ainda com o cosmos erguido o suficiente para impermeabilizar o corpo e a mente a todos. – há uma coisa que precisas saber…

- Hem hem… - olharam todos para Saori que fuzilava Dâmaris com o olhar. – Eu acho que vocês se estão a esquecer de uns pormenores…

- Que pormenores, Athena? – perguntou Aioros delicadamente.

- Nenhuma outra deusa pode viver neste Santuário. Para viveres, Dâmaris tem que ser como aprendiza ou amazona… relembrando os factos do mês passado, tu e o Shaka violaram uma regra… Não são permitidos relacionamentos mestre/aluno, deusa/cavaleiro… Então, se quiseres ficar, já sabes, tens que lutar contra ele e vencer, ou morrer…

O rosto de Seiya perdera toda a alegria baseada no facto de pensar que, a partir dali, poderia assumir o seu romance com a deusa. Estava tudo chocado a olhá-los.

- Eu não acredito que tu possas ser tão rancorosa… - disse Ikki furioso.

- O quê? Mas as velhas regras ainda se praticam? – perguntou Aioros estupefacto. – Elas estão totalmente desactualizadas! E, Athena, ela salvou-te a vida e a vida de todos nós… - essa lembrança ainda enfureceu mais Saori.

- Ela é minha inimiga, tão minha inimiga que desrespeitou as regras só para me provocar!

- Palas, eu não…

- Tu sim! Se queres ficar aqui, lutas ou vais-te embora! Compreendes? Amanhã de manhã no anfiteatro oeste que ainda está de pé! E tu, Carlo, leva-a para tua casa e ninguém a visita, compreenderam, todos? – Saori segurou as saias e desandou escadas acima. Aioros abanou a cabeça.

- Foi isto que eu salvei… foi por isto que dei a minha vida?

- Irmão…

- Oria… - Sagitário abraçou o irmão carinhosamente. Dâmaris parecia em estado de choque quando Carlo apoiou as mãos nos seus ombros.

- Eu tomo conta dela, Shaka, confia em mim. Não, bambino, ouve, é melhor obedecermos, é melhor para vocês dois…


- Miúda… - Dâmaris levantou a cabeça dos joelhos e olhou para a porta, vendo Ikki.

- Não posso receber visitas…

- Não sou uma visita, esta é a casa do meu mestre… - Ikki arreganhou os dentes num sorriso felino que desapareceu rapidamente. – O que se passa contigo? Não pareces a mesma…

- Não quero lutar…

- Isso é bastante óbvio. Mas nunca foste pessoa para não querer lutar… O que é que tens?

- Não posso lutar… - ela começou a chorar. Ikki olhou-a abismado e aproximou-se dela, sentando-se a seu lado, abraçando-a. – Não posso lutar, não posso…

- Mas porquê, Dâmaris? – ela abraçou-se a ele a chorar. Ikki abraçou-a com mais força e franziu as sobrancelhas subitamente.

Não, na realidade não me disse… - olhou-a sorrindo – transmitiu-me, como Shaka faria. Eu senti-o dentro dela,… - Aioros franziu as sobrancelhas como se não compreendesse. - … por isso confiei de imediato.

- Será possível?! – Ikki olhou para Dâmaris em estado de choque. – Oh, deuses, isto vai ser pior do que eu imaginei…


N.A.: Ois!!! De volta!!!

Muito Obrigada pelas reviews a Rach Snape ( culpa Athena, oras, ela é que é má =P. adorei a review, espero que continue a surrpreender até ao fim!), Megawinsone(Ah, não fiques triste! É, acho que depois deste capítulo é para se ficar um pouco… Mas o coração é que conta! =) ), Pipe( Desta vez corei… Tamanhos e referentes elogios recebidos de alguém que eu tanto admiro na escrita fazem o meu coração e os meus dedinhos darem pulinhos de felicidade! Tb te amo muito!). Um agradecimento especial para a Terezinha, claro, por ser quem é e por me apoiar tanto!

Agora, vamos para a página seguinte…

Bjokas a todos que lêem a fic!!!