"Epílogo"

by Ayan Ithildin

-… e então, a princesa corajosa, temendo pelo seu cavaleiro, chegou-se devagarinho por de trás do monstro… devagarinho, … devagarinho… - Shaka estava deitado de costas em cima da cama segurando a bebé no ar no cimo dos seus braços esticados. – e… fez-lhe um grande ataque de cócegas! – Shaka abanou levemente a bebé no ar, fazendo-lhe cóceguinhas com dois dedos. A bebé ria-se, batendo as palmas e babando o peito desnudo do cavaleiro enquanto ele se ria para a filha. – E depois a princesa corajosa deu-lhe o último golpe… cócegas na barriga! – baixou a bebé até si, juntando os lábios à pele rosada da barriguinha e soprando, fazendo-lhe cócegas. Kanya ria-se divertida. – E depois ficaram todos amigos!

- da da ghu…

- ghu da ghu da… - Kanya riu-se de novo e começou a palrar com o pai na sua linguagem especial. Shaka sentou-a em cima da sua barriga e estendeu uma mão para as toalhitas de pano húmidas, limpando-lhe a boquinha e o queixinho e depois o próprio peito todo babado. Os grandes e pestanudos olhos verdes de Kanya começaram a fechar-se à medida que o sono vinha. Shaka deitou-a em cima do seu peito e deu-lhe chucha, beijando o cabelo loiro mais escuro que o seu com madeixas castanhas perfumado da bebé. Dâmaris saiu da casa de banho terminando de prender o cabelo molhado e feliz por os vestidos da primavera passada já lhe assentarem bem de novo. Deitou-se silenciosamente ao lado de Shaka, esticando a mão para afagar a face rosada da filha. Os olhos de Kanya olhavam-na e a bebé estendeu os bracinhos para ela, pendendo as mãos na junção das alças com o vestido e escondendo o rostinho sonolento no seu colo. Dâmaris deitou-se de lado e aconchegou-a nos braços, fechando os olhos. As brisas quentes e perfumadas de Junho acariciavam as duas, mãe e filha, quase a dormir naquele fim de tarde luminoso. Shaka levantou-se e foi tomar banho. Quando voltou ficou a observá-las com carinho.

Agora parecia-lhe que toda a sua vida esperara por aquilo.

Os sentimentos não revelam só fraqueza, também revelam força.

Eu devia ter sido como todos os outros e começado pelos sentimentos e só depois a mente. Mas a vida não é fácil…

Um pequeno órfão na Índia pobre em que eu vivi e como eu era tem de aprender muita coisa. Lembro-me que o meu primeiro impulso foi negar os sentimentos porque os sentia fracos por isso e tentar ser forte, tão forte que pudesse encontrar o caminho para todos. Depois compreendi que isso era impossível, mas já estava tão afastado do meu coração… Apenas a mente me interessava… Compreendi que cada pessoa devia procurar o caminho por si próprio e achava-as fracas por nem sequer os quererem procurar, por isso desprezava-as. Agora penso que se tivesse sido carinhoso para com as crianças órfãs como deveriam ter sido comigo, connosco, talvez esse seja realmente o caminho para ajudá-las a ser fortes… como a todas as pessoas.

A perfeição não existe, é um mito. Mesmo o amor e ódio são a face da mesma moeda, tão similares e juntos que a linha que os separa é ténue, por isso é tão fácil cair no oposto. Temos que aprender a amar a imperfeição dos outros.

Temos que aprender a perdoar para que possa haver paz…

Temos que aprender a amar para fortalecer o Cosmos…

O que é o Cosmos…

"O que é o Cosmos, Shaka?", tão longe, a voz de Dâmaris logo nas primeiras semanas.

A visão do Cosmos é diferente para cada um… Eu vi a visão da tristeza, da crueldade, da frieza, da insensibilidade, da rebeldia, e, agora, do amor…

E é quando ele é mais forte…

Será que… Isso quer dizer

- Queres mesmo saber, pequeno Shaka?

Shaka sorriu e abanou a cabeça.

- Ainda não, Mestre… Ainda tenho muita coisa para fazer neste mundo…

- Nunca me desiludiste…A sabedoria começa no coração, passa pela experiência e culmina… Onde tu um dia verás… Mas parte da ignorância…

Shaka abriu os olhos com um sorriso e deitou-se ao lado delas. Dâmaris abriu os olhos com um sorriso sonolento levantado a cabeça para apoiá-la no ombro dele, sentindo-o abraçá-la pelas costas e apoiar a outra mão no bracinho de Kanya, enquanto ela apoiava a sua no tronco musculado do cavaleiro.

- Eu amo-vos… - murmurou Shaka. Dâmaris ergueu um pouco o rosto e entreabriu os lábios, recebendo um beijo doce que correspondeu com igual carinho. Depois aninhou-se no corpo dele.


Kanya cresceu com os traços de rebeldia da mãe e o auto-controlo do pai, uma mistura exótica dos dois, mas adorável e, mais tarde, atraente. Pequenina e rebelde, sagaz e alegre, foi logo dada como capacitada, pelo próprio futuro mestre, para amazona de Capricórnio. Shura adorava a garotinha. Na realidade, Kanya tinha cerca de dezanove padrinho "oficiais" e outras tantas madrinhas. Em breve era o nome mais gritado do Santuário, fazendo a prova de fogo às cordas vocais de Saga.

Quanto a Dâmaris e Shaka… E o depois…

Bem, isso é outra história…


Fim

"Valete Fratres!"

&

Bjokas,

Ayan Ithildin

(Boa Fortuna, amigos!)