Capítulo 18: Ano novo, vida nova?
- Ai, minha cabeça!
Sirius acordou de ressaca na manhã seguinte ao baile. Não conseguia enxergar o amigo Remo Lupin à sua frente; tudo estava rodando.
- Tome isso e você vai se sentir melhor. – disse Remo oferecendo um copo ao amigo.
Sirius virou o líquido de uma vez, ignorando a queimação na garganta.
- Não adiantou nada... – ele continuava a ver tudo rodar.
- Demora um pouquinho para fazer efeito.
- Cadê o Pedrinho? – Black perguntou depois de olhar fixo para a cama do amigo e piscar várias vezes para ver se o sumiço não era apenas ilusão de ótica.
- Na enfermaria. Passou mal com alguma coisa que comeu, ou do tanto que comeu, sei lá. Aliás, você e o Tiago quase passaram a noite lá também. Mas havia tanta gente de porre que eles liberaram alguns para voltar aos dormitórios. Não se lembra de nada?
- Mais ou menos... – ele forçou a memória; a zonzeira começava a passar. – Lembro de estar jogando neve no Tiago e no Mundungo... – ele sorriu.
- É, vocês fizeram isso mesmo! Um pouco antes do Fletcher desmaiar.
- Ele desmaiou? – disso Sirius não se lembrava.
- Eu não sei é como você e o Tiago não desmaiaram também. Quantas garrafas de belinsky vocês beberam?
- Eu? Só uma.
- E você diz só? Como se uma garrafa inteira de belinsky fosse pouco... – Remo repreendeu, mas na verdade não estava bravo.
- E Tiago?
- Ainda não acordou. Passou mal a noite toda.
Sirius olhou para a cama do amigo de bebedeira. Havia um balde bem perto da cabeceira. Provavelmente algum objeto que Remo transfigurara rapidamente para conter os vômitos de Tiago (sei que estas passagens não são lá muito agradáveis, mas é um bom lembrete para que não me acusem de promover a ingestão de bebidas alcoólicas!), pois faltavam alças a ele.
- Hmmm... Almofadinhas, será que você se importa se eu perguntar por que você tomou esse porre?
- Se eu te disser que foi para fazer companhia pros dois, você acredita?
- É, eu posso acreditar, mas não acho que a Andrews vá cair nessa...
Então Sirius se lembrou:
- Nossa! A Julianne! Me esqueci completamente dela depois que a Helen...
- A Helen, é? – Remo piscou com ar maroto.
- Não é nada do que você tá pensando...
- Que pena! Porque eu tinha um recado dela para você... Mas se não é o que eu estou pensando, acho que você não vai gostar do recado.
- Recado? Para mim? Da Helen? – a essa hora, a ressaca já tinha sumido complemente.
Remo confirmou num balançar de cabeça.
- Ei, alguém enfeitiçou o teto? Não quer parar de rodar... – Tiago falou com voz sonolenta.
- Melhor dar um copo daquele negócio para ele...
- Aquele negócio é café, Sirius! – Remo riu do amigo.
Remo pegou uma xícara grande e encheu de café preto bem forte. Ao contrário de Sirius, Tiago bebeu aos pouquinhos, talvez por medo de colocar aquilo tudo para fora em seguida. O rapaz tinha olheiras fundas de quem dormiu mal e o rosto estava bastante pálido e abatido. Ele deixou a caneca pela metade e fixou o olhar no nada, tentando se recordar dos acontecimentos da noite anterior. Sirius e Remo olhavam quietos para ele.
- Como eu cheguei aqui? – ele finalmente perguntou a Remo.
- Por incrível que pareça, o Sirius me ajudou a te trazer. – Black olhou admirado para Remo.
- Eu fiz isso, é? Não me lembro!
- Lílian já bateu aqui duas vezes essa manhã querendo saber de você. – Remo olhou sério para Tiago.
O rapaz não respondeu. Ele se levantou e foi até a arca aos pés da cama. Tirou as roupas que usaria naquele dia e as vestiu. Mas Tiago também tirou outra coisa lá de dentro.
- A capa da invisibilidade? O que você vai fazer com isso uma hora dessas? – Remo olhou assustado para o amigo.
- Vou à cozinha. – ele respondeu sério. - Não pretendo almoçar com os outros hoje. Vocês querem alguma coisa de lá?
- Já tomei o café. E não perderia esse almoço por nada nesse mundo. – Remo sorriu para si mesmo, discretamente, respeitando o estado de Tiago.
- Ei, você e a Margot voltaram? – Sirius já estava de bom humor.
- Voltar, não, porque não tínhamos nada antes. Mas, bem, a gente começou alguma coisa ontem, sim. Vamos ver por quanto tempo eu consigo levar isso... – ele disse apreensivo, lembrando-se que seria difícil esconder o fato de que era um lobisomem de uma namorada.
- Bom, eu vou indo. – ele já tinha colocado a capa quando tirou só o capuz e uma cabeça ficou pairando no ar. – Ahn... se ela perguntar por mim, diz que você não faz a menor idéia de onde eu fui e nem se vou voltar, ok? – e ele tornou a desaparecer completamente.
Depois de ouvirem a porta bater, Sirius e Remo continuaram a conversa.
- É, ele ficou abalado. – Remo constatou com pesar.
- Não é para menos, né? Mas o pior é que eu acho que a Evans tá certa... – Sirius olhou pro teto. – A gente sabe que eles se adoram, mas é muito cedo para casar! Não sei o que deu no Tiago. Mas, voltando àquele assunto, - a voz de Sirius se animou outra vez. – que recado é esse que você tem para mim?
- Bem, você tem um encontro marcado para a noite de Ano Novo! Ela disse que você pode escolher o local, mas para não insistir em antecipar a data porque ela precisa se preparar psicologicamente... Pelo visto o encontro de vocês dois ontem no meio da neve foi um bom estratagema...
- Nossa, eu já tava esquecendo. Você destransfigurou minhas roupas, Remo?
- O casacão de pele? Não. Tá na cama do Pedrinho. O seu e o do Tiago... Mas o que é que isso tem a ver com a conversa?
- Tudo. Eu não tava em encontro romântico ontem à noite, como você tá pensando...
- Não? – Remo estranhou.
- Quer dizer, eu fui me encontrar com ela sem saber por quê. Como você disse agora, ela ainda não tá preparada psicologicamente para falar comigo – ele riu, enquanto pulava para a cama de Pettigrew. – Ela queria me mostrar isso! – e ele tirou um pedaço de pergaminho do bolso do casaco. – Só que o Malfoy e o Snape apareceram...
- E o que é que tem de importante num pergaminho em branco? – Remo olhava para o "papel" (eu não sei um sinônimo de pergaminho) em suas mãos.
- Foi o que eu perguntei para ela. Mas Helen insiste em dizer que tem algo escrito aí, que ela consegue enxergar. E toda vez que ela tentava ler para mim, a voz dela sumia!
- Vocês acham que está enfeitiçado?
Sirius confirmou com a cabeça.
- Reveliate! – Remo apontou a própria varinha para o pergaminho e novamente a marca negra apareceu. - O que é isso?
- Não sei. – Sirius respondeu desanimado. – Mas Helen ficou bamba quando viu essa imagem. Achei que ela fosse desmaiar. Só que não é isso que ela vê. Eu consegui ler nos lábios dela enquanto ela ficava muda que é uma propaganda antitrouxa.
- Parece com o que colocamos no Mapa do Maroto, não é?
- De certa forma... – Sirius concordou. – Mas qualquer um pode ler o mapa se estiver aberto, e isso aí...
- Como é que a Helen consegue ler?
Sirius deu de ombros.
- Nós achamos que os sonserinos podem ler... Mas Malfoy e Snape disseram se tratar de um papel em branco. Entretanto... – Sirius parou um pouco para pensar. – Deve haver um jeito de vermos o que há aí, senão Malfoy não iria se empenhar tanto em pegá-lo de volta.
- Isso era do Malfoy? – aquele pedaço de pergaminho parecia cada vez mais interessante e misterioso para Remo.
- Bom, depois do que ouvimos na Travessa do Tranco, não é muito difícil presumir que Malfoy esteja fazendo propaganda anti-trouxa em Hogwarts.
- Sirius, e se isso aqui for algum tipo de recrutamento de futuros comensais da morte? – a idéia relampejou na cabeça de Remo. – Temos que levar isso para a Sra. Figg o quanto antes.
Tiago não queria voltar para o quarto. Por mais que lá ele não corresse o risco de encontrar com Lílian, teria que enfrentar os olhares de pena dos amigos, e isso seria ainda pior. Então uma idéia lhe passou pela cabeça: já fazia tempo que não ia visitar Hagrid.
Ele andou devagar, o tempo todo coberto pela capa; sabia que o dia ia ser longo e pressa não iria ajudá-lo a apagar a estranha sensação que tinha dentro do peito. Se por um lado ele sabia que a reação de Lílian era totalmente aceitável, e inclusive, que ela estava coberta de razão, por outro, ele não conseguia fazer de conta que ela não tinha aberto uma ferida profunda. Quando achou que não podia mais ser identificado por alguém que estivesse olhando das janelas do castelo, ele tirou a capa. Estava bem próximo da cabana em que o guarda-caças de Hogwarts vivia.
Toc, toc, toc! Tiago bateu com um pouco de força na porta da cabana. Mas a Hagrid não saiu dali para lhe responder:
- Tiago! É você? – por incrível que parecesse, Hagrid conseguia identificar o jeito de bater do rapaz. Também, depois de sete anos de visitas e muitas enrascadas na floresta proibida das quais escaparam por causa daquele meio-gigante, eram poucas as coisas que um não sabia sobre o outro. – Estou aqui nos fundos! Dê a volta!
Tiago contornou a cabana e encontrou o guarda-caças com a cabeça dentro duma tina de água, lavando o rosto. Ele tinha uma barba espessa, porém não muito grande. O cabelo engruvinhado era impermeável.
- Estou cuidando de uns lesmingues, mas não consigo encontrar algo para eles comerem. – ele disse em tom sério. – Desse jeito os coitadinhos vão morrer antes que eu consiga dar nomes a eles...
- Lesmingues? – o rapaz ficou tentando imaginar que tipo de animal era aquele. Hagrid sempre aparecia com as mais estranhas formas de vida existentes no mundo mágico.
- Hagrid, acho que conseguimos! – Tiago se espantou ao ver Helen Silver correndo em direção a eles. – Oi, Tiago! – e voltando-se para Hagrid outra vez - Venha! Você tem que ver! – ela puxou o guarda-caças pela mão (como se fosse conseguir movê-lo caso ele não quisesse...).
- Alface? – Hagrid franziu os olhos vendo quatro lemas do tamanho de um cachorro devastarem a pequena horta que tinha numa estufa ao lado da cabana.
- Isso são lesmingues? – Tiago arregalou os olhos.
- São, sim. Só precisamos descobrir para que eles servem. – Helen falou animada.
Helen estava sorrindo e, pelo visto, muito bem-humorada. Isso foi mais estranho para Tiago do que os novos animais de estimação de Hagrid.
- Onde você os arranjou, Hagrid?
- Na floresta proibida. Acho que os coitados estavam órfãos, porque não consegui achar a mãe deles de jeito nenhum... – o meio-gigante disse todo sentimental.
- Hagrid, eu ainda acho que eles têm cara de adultos. – Helen opinou.
Tiago ficou imaginando onde ela tinha visto a idade na cara daqueles bichos gosmentos se ele não tinha conseguido sequer identificar onde era a frente e onde era atrás.
- Será? – Hagrid franziu a testa outra vez. – Mas eles parecem tão indefesos...
Helen e Tiago olharam um para o outro e sorriram. Só mesmo Hagrid conseguiria achar lesmas gigantes indefesas...
- Ei, Hagrid, você já mostrou Canino para Tiago?
- Não, ainda não! – Hagrid se animou outra vez, e começou a falar para Tiago. – Você tem vindo muito pouco aqui. Sei que está namorando... – ao ouvir isso Helen pareceu um pouco apreensiva, porém Tiago fingiu não se importar - ...mas isso não é motivo para esquecer os amigos.
- Pois é, Hagrid, eu tenho andado meio ocupado ultimamente. Mas quem é Canino? Algum outro "bichinho indefeso"? – ele disse piscando.
- Ah, dessa vez é indefeso mesmo, Tiago! – Helen sorriu. – Canino é um cachorrinho muito fofo.
- Vamos entrar! Deixei-o numa cesta perto da lareira. Os dias andam muito gelados. A gente também pode aproveitar para tomar um chá com bolinhos.
O rapaz fez uma careta discreta ao lembrar da habilidade culinária de Hagrid. Dentro da cabana, bem próxima à lareira, estava uma cesta de vime grande demais para o pequeno cachorro negro que dormia ali. Helen olhava com cara de apaixonada para o bichinho, o que fez Tiago pensar em como ela olharia para Sirius em sua forma de cachorro. Sem dúvidas, era uma ótima maneira de fazer troça com o amigo! Hagrid logo trouxe o chá e os bolinhos, que, Tiago reparou, eram discretamente jogados para dentro da lareira por Helen. Passaram uma manhã agradável ouvindo as histórias do guarda-caças; o apanhador da Grifinória nem teria percebido como o tempo estava correndo se Silver não se lembrasse que já eram horas do almoço de Natal.
- Você não vai, Tiago?
- Não. Vou fazer companhia a Hagrid. – ele deu como desculpa.
- Você é quem sabe...
- Ah, Helen... – ele chamou-a depois de se certificar que Hagrid não os estava ouvindo. – Por favor, não diga a Lílian que me viu aqui, está bem?
- Ah, Tiago, ela estava tão triste hoje no café-da-manhã... Sei que eu não tenho nada a ver com isso, mas dê uma chance para ela se desculpar...
- Ela não tem que se desculpar de nada. – ele olhou sério para ela. – Não estou com raiva. Mas eu preciso de um tempo sozinho, entende? Lílian me fez pensar numa coisa mais importante do que gostar ou não... Ela me fez pensar no futuro...
Tiago não sabia porque estava dizendo essas coisas para ela. Os dois se falavam muito pouco, apesar de Helen ser a melhor amiga de sua namorada. Mas o rosto da menina mostrava que ela compreendia a situação e Tiago teve certeza de que ela não diria nada à Lílian.
Já haviam se passado três dias desde o baile de formatura e Tiago ainda se recusava a encontrar Lílian, por mais que os amigos argumentassem que ele não poderia continuar usando a capa da invisibilidade quando as aulas voltassem. Ele simplesmente fingia que não ouvia; não queria pensar nisso agora. Ele precisava daquele tempo isolado para pensar no que queria para si mesmo e para Lílian, porque continuava gostando muito dela. Ele só não sabia é se ela continuava a sentir o mesmo por ele. Talvez aquela estúpida proposta de casamento tivesse posto a garota em dúvida com relação a seus verdadeiros sentimentos.
Tiago sabia que precisava esclarecer aquela situação, mas ainda não tinha coragem de encarar Lílian. Resolveu, então, escrever-lhe um bilhete que colocaria no dormitório da garota ainda naquele dia, junto com o presente de Natal, que ele não lhe entregara. Ele olhou para o par de brincos combinando com o anel que ele dera na festa. Não, ele não podia e nem queria dar aquilo. Seus olhos se demoraram num lápis de ponta quebrada em cima da mesinha onde escrevia. Por que não?
- Metamorfosis! – e o lápis se transformou numa linda borboleta escarlate, presa numa caixinha de vidro cheia de furinhos. Ele enrolou o pergaminho com cuidado e pensou em descer até o jardim do castelo para pegar uma flor.
Foi o que fez e, meia hora depois, Tiago estava parado na sala comunal, debaixo de sua capa, examinando o mapa do maroto. Lílian estava saindo da biblioteca; assim, mesmo que estivesse voltando para a torre da Grifinória, ele teria tempo suficiente para colocar o presente e o bilhete no quarto da menina. Mas ainda havia duas garotas no dormitório do sexto ano. Tiago resolveu subir assim mesmo e esperar elas saírem.
A porta do dormitório estava apenas encostada, deixando que Tiago escutasse toda a conversa entre Julianne Andrews e Patty McCoy:
- O que mais me deu raiva foi a cara de "eu te avisei" da Jones no dia seguinte! – Julianne parecia realmente irritada.
- Mas ele já te pediu desculpas, não foi? – amiga perguntou.
- Pediu, e de que isso adianta? Ele não quis nem me dizer o que estava fazendo lá fora...
Tiago percebeu que elas estavam falando de Sirius.
- Mas ele não falou que estava lá fora por causa do Potter e do Fletcher? – Patty tentava aplacar a raiva que a amiga estava sentindo.
- Patty, não o defenda! O Fletcher estava conosco quando ele saiu para pegar ponche, bem antes de Lílian e Tiago brigarem...
O rapaz engoliu em seco ao ouvir essa frase... Então estavam dizendo que eles tinham brigado? Não que não tivesse sido uma briga, mas, bem... Agora ele tinha certeza de que precisava deixar aquela carta para Lílian.
- Além disso, a Berta me contou que a Skeeter disse que viu ele conversando com Helen Silver... Aquela cobra! Não é à toa que está na Sonserina! Não podia nem ver o Sirius até outro dia... Foi só me ver com ele e começou a jogar charme...
- Ah, Julie, você não vai dar ouvidos à Berta, né? Você não lembra do que ela aprontou com a Florence?
- Mas ela não disse nenhuma mentira! Florence estava mesmo namorando o Bennings, não estava? A Berta não tem culpa se todo mundo achava que ele era namorado da irmã dela...
- Pois eu acho que se você gosta mesmo do Black, tinha que dar outra chance para ele. Se ele gostar de você não vai cair na lenga-lenga da Helen Silver...
- Não? O Sirius é um galinha, isso sim! – a menina estava revoltada. – Vai atrás de qualquer uma... Não acredito que perdi meu tempo paquerando ele! Mas o que me irrita mesmo é pensar que ele pode ter algum interesse naquela sem-sal... Mas eles se merecem... Quero ver ele agüentar aquele humor dela...
- Ei, vamos sair desse quarto, pelo amor de Deus! Você pode até não querer ver as fuças do Black, mas existem muitos outros caras lindos nessa escola.
- É, você tá certa! Eu não vou perder mais um dia da minha vida pensando naquele babaca.
Tiago se afastou rápido da porta e por um triz as meninas não esbarram nele. Enfim, o dormitório estava deserto. Ele entrou e olhou as camas uma a uma tentando adivinhar qual seria a de Lílian. Era estritamente proibido em Hogwarts que os garotos entrassem no quarto das garotas e vice-versa; assim, ele nunca tinha visto em que cama Lílian dormia. O máximo que fazia era deixá-la na porta do dormitório. Então ele viu uma caixinha em cima de um dos criados-mudos: era a caixinha em que dera o anel de noivado para Lílian. Ela tinha guardado; será que aquilo era um bom sinal? Ele abaixou o capuz e sua cabeça ficou flutuando sem corpo. Tirou a caixinha com a borboleta do bolso e a colocou, junto com a flor e a carta, em cima da cama que julgava ser de Lílian. Nesse momento, a menina entrou:
- Tiago?
Ele não respondeu. Olhou para o presente em cima da cama e voltou a pousar os olhos na garota. Ela estava abatida.
- Oi!
Agora quem não sabia o que dizer era Lílian. Tanto que ela tinha perguntado por ele, procurado por ele e agora que Tiago estava ali, ela ficara sem palavras.
- Ainda não te dei o presente de Natal... – ele se sentou na cama e acabou de tirar a capa, deixando os três objetos à mostra.
- Tiago, eu não queria...
- Não precisa dizer nada. Na verdade, eu não queria falar com você ainda...
- Você deve estar com muita raiva de mim, né? – ela não conseguia encará-lo.
- Ao contrário do que você imagina... – ele esboçou um sorriso triste.
- Tiago, eu só queria que você soubesse que eu ter recusado o seu pedido não quer dizer que eu não goste de você... – finalmente as palavras desentalaram de sua garganta.
- Eu estou deixando uma carta... – quem evitava olhar para a menina agora era Tiago. – Quero que você leia e tente me entender. – ele deu uma pausa. – O meu problema não é com você, é comigo. Eu preciso descobrir algumas coisas antes de... – ele não sabia o que dizer. Eles voltariam a namorar?
Lílian olhou para o pergaminho cuidadosamente enrolado.
- Pode deixar. Vou ler com cuidado. Só, por favor, acho que não precisamos deixar de nos falar, não é? Podemos ao menos ser amigos? – ela tentava convencer a si mesma.
- Amigos? – ele olhou para o rosto da garota. – Eu não quero ser seu amigo, Lílian. – ela ficou triste. – Quero ser seu namorado. – ela não acreditava no que estava ouvindo. – Mas eu preciso de um tempo para pensar. Leia a carta. Tenho certeza que você vai entender assim como eu entendi porque você recusou a minha proposta. Agora eu tenho que ir.
Ele chegou perto dela e deu-lhe um beijo no rosto. Então soprou baixinho no ouvido da garota, pela primeira vez:
- A única certeza que tenho é de que te amo!
Ele colocou a capa e sumiu. Então, numa reação meio retardada (não entendam a palavra no mal sentido, só quis dizer que ela demorou para reagir!), ela disse para o quarto vazio:
- Eu também te amo, Tiago Potter. – então, ela reparou na caixinha com a borboleta dentro e sorriu. Quem sabe no próximo ano? Estava tão próximo...
Noite de 31 de dezembro de 1975. Faltava pouco mais de uma hora para a chegada do novo ano e Sirius se encontrava sentado em frente a uma luneta na sala de astronomia. Mas ele não prestava atenção às estrelas, uma de suas grandes paixões. Black olhou para o relógio de pulso mais uma vez. Tinha se passado apenas um minuto desde a última vez que olhara. Então, finalmente, o motivo de sua ansiedade chegou.
Helen Silver abriu a porta devagar; Sirius a deixara apenas encostada, para que a menina não tivesse que fazer nenhum feitiço para abri-la. Assim evitariam riscos desnecessários, como a destruição da porta da sala por um encantamento mal feito (Helen só não era pior em feitiços do que era em poções).
- Oi! – ela disse timidamente.
Ele respondeu com um sorriso:
- Preparada psicologicamente?
- Para falar a verdade não, mas é melhor aproveitar que eu ando de TPM ao contrário por esses dias...
- Quê? – ele não entendeu bulhufas do que ela disse numa voz quase sussurrada.
- Nada. Tem certeza que ninguém vai precisar dessa sala hoje? – ela olhou ao redor desconfiada, como se algum colega da escola pudesse surgir de repente detrás de algum armário.
- E quem é que iria usar a sala de Astronomia justo na virada do ano?
- Ué, nós não estamos usando? – ela tinha facilidade para dificultar as coisas quando estava perto de Sirius.
- Se você quiser eu posso trancar a porta... - ele sugeriu.
- Eu? Ficar trancada aqui com você? Não. Melhor deixar a porta encostada.
- Está com medo de quê? Posso fazer parte da constelação de Cão Maior, mas eu não mordo, não... – ele brincou.
- Nossa, é verdade, você tem o nome de uma estrela, né? Me mostra?
- Claro! É naquela luneta azul ali... Ah, eu não vou fazer isso com você.
- Fazer o que comigo? – ela arregalou os olhos.
- Não dá para ver Sirius no céu da Inglaterra – ele suspirou. – Quer dizer, a não ser que eu esteja em cima de uma vassoura, daí...
- Bobo! – ela sorriu para ele.
- Sirius só é visível no céu do Hemisfério Sul. Mas se você quiser posso te mostrar estrelas tão brilhantes quanto. Conhece a constelação da professora Moonlight?
- Ela tem uma constelação com o nome dela?
- Mais ou menos. – ele pegou na mão da menina e puxou-a até um dos telescópios. – Sente-se aqui. – Helen sentou num banquinho e Sirius ajoelhou-se atrás dela, para arrumar o instrumento. - Você está olhando para a Cabeleira de Berenice. Tem esse nome por causa de uma lenda de uma princesa que cortou os cabelos e os ofereceu a uma deusa para que protegesse seu marido, que estava na guerra. No dia seguinte, as mechas de cabelo tinham sumido do templo onde haviam sido depositados. Então, um astrônomo informou que tinha achado o paradeiro da cabeleira de Berenice: ela tinha se tornado um agrupamento de estrelas no céu.
- Nossa! Isso é lindo! É uma pena que as aulas teóricas de astronomia sejam no mesmo horário de Trato das Criaturas Mágicas...
- Se você quiser posso lhe dar aulas particulares...
Ela sorriu. Continuava envergonhada, mas uma alegria incessante arfava em seu peito. Será que ela teria coragem de dizer que gostava dele outra vez? Será que ele também gostava dela? Porque até agora ele não havia dito nada que mostrasse suas intenções reais em relação a ela. Ela pediu a si própria que se acalmasse.
- Me mostre mais alguma. Uma que você ache particularmente bonita... – ela pediu.
- Hmmm... Deixe-me ver. Lyra! Com certeza! Esse vai ser o nome que vou dar a minha filha. – ele comentou enquanto levava-a para uma luneta do lado oposto da sala circular.
Dessa vez não havia banquinho. Então Sirius puxou uma das almofadas usadas para proteger os aparelhos de possíveis quedas e ajeitou-o para que a menina se sentasse.
- Não estou vendo nada...
- É porque você não está segurando direito! – ele riu gostoso. – Deixa eu te ajudar.
Ao contrário dos telescópios, as lunetas não tinham um suporte para se apoiar. Normalmente só os alunos do 6º ano em diante conseguiam utilizá-las, pois tinham que saber exatamente para onde mirar. Sirius deu ele mesmo uma olhada para tentar achar Lyra no céu e, então, passou os braços em volta de Helen, segurando a luneta na posição correta:
- Olhe agora!
Eles estavam colados. Era impossível para Sirius não sentir o perfume dos cabelos escuros de Helen e aquele aroma estava começando a embriagá-lo. Queria beijar o pescoço alvo a sua frente, mas se controlava. Como é que aquela garota o tinha deixado naquele estado? Um podia sentir a respiração do outro, ofegante. O medo de que algo acontecesse ali, fez com que Helen fizesse um movimento mais brusco e a luneta escorregou das mãos de Sirius, quebrando as lentes do aparelho e a sintonia em que se encontravam.
- Ai, meu Deus! Me desculpe! – ela olhou assustada para o instrumento quebrado e afastou o corpo do rapaz. - Você vai levar uma bronca por minha causa...
- Imagina! Isso a gente resolve num segundo. Reparo! – ele disse apontando para a luneta.
- Ei, para que é que a professora Moonlight tem uma craviola? ( craviola é uma invenção minha... não faço a menor idéia se existe um instrumento com o mesmo nome. É uma espécie de violão que toca todos os tipos de som, desde o do próprio violão, passando por flauta, piano e até o canto de um passarinho).
- Você não sabe? Para tocar musiquinhas para os alunos. – ele debochou. – A craviola é minha. Estou aqui desde as nove horas...
- Mas nós tínhamos marcado às onze! – ela achou que tinha se enganado.
- Eu sei. Mas esse aqui é meu refúgio. Gosto de ficar aqui. E como sabia que ia ficar esperando, trouxe a craviola. Ajuda a passar o tempo. Quer ouvir uma música?
Ela acenou positivamente com a cabeça. (ai, ai, que garota resiste a um cara tocando violão?)
- Acho que sei a música perfeita para essa ocasião... – e ele começou a dedilhar as cordas do instrumento, a voz grave inundando mente e alma da garota...
I gotta tell you what I'm feelin' inside,
(Eu tenho que lhe dizer o que estou sentindo)
I could lie to myself, but it's true
(eu podia mentir para mim mesmo, mas é a verdade)
There's no denying when I look in your eyes,
(Tenho a confirmação quando olho em seus olhos)
girl I'm out of my head over you
(garota, estou louco por você)
I lived so long believin' all love is blind
(Vivi tanto tempo acreditando que todo amor é cego)
But everything about you is tellin' me this time
(mas tudo em você me diz que desta vez)
It's forever, this time I know and there's no doubt in my mind
(É para sempre, desta vez eu sei e não tenho dúvidas) Forever, until my life is thru, girl I'll be lovin' you forever(Para sempre, até que minha vida se esgote, garota, vou te amar para sempre)
I hear the echo of a promise I made
(Ouço o eco de uma promessa que fiz)
When you're strong you can stand on your own
(Se você é forte, você pode ficar sozinho)
But those words grow distant as I look at your face
(mas essas palavras parecem distantes quando vejo seu rosto)
No, I don't wanna go it alone
(Não, não quero fazer isso sozinho)
I never thought I'd lay my heart on the line
(nunca pensei que deixaria meu coração falar mais alto)
But everything about you is tellin' me this time
(mas tudo em você me diz que desta vez)
It's forever, this time I know and there's no doubt in my mind
(É para sempre, desta vez eu sei e não tenho dúvidas) Forever, until my life is thru, girl I'll be lovin' you forever(Para sempre, até que minha vida se acabe, garota, vou te amar para sempre)
I see my future when I look in your eyes
(Vejo meu futuro quando olho em seus olhos)
It took your love to make my heart come alive
(Você ganhou meu amor e fez meu coração ficar vivo)
Cos I lived my life believin' all love is blind
(porque vivi minha vida acreditando que todo amor é cego)
But everything about you is tellin' me this time
(mas tudo em você me diz que desta vez)
It's forever, this time I know and there's no doubt in my mind
(É para sempre, desta vez eu sei e não tenho dúvidas) Forever, until my life is thru, girl I'll be lovin' you forever(Para sempre, até que minha vida se acabe, garota, vou te amar para sempre)
Ele deixou que seus dedos brincassem um pouco mais com as cordas da craviola e então, finalmente, encarou a garota.
- Bem, é exatamente assim que eu me sinto. Se você não fosse tão má aluna em poções eu diria até que bebi alguma poção do amor... – ele tentou descontrair, ainda meio nervoso.
Aquela fora a única maneira que ele encontrara de declarar o que sentia. Nunca fizera isso com garota alguma...
- Pois então alguém me fez tomar da mesma poção... – ela disse isso e ruboresceu.
Eles estava sentados próximos e de frente um para o outro. Sirius colocou a craviola a seu lado, no chão e levantou-se. Então estendeu a mão para garota:
- Isso não vai dar certo... – ela sentiu o coração pulsar acelerado. – Eu sou muito pequena perto de você.
- E qual é o problema? – ele se abaixou, até que seus olhos ficaram na mesma altura dos da menina.
Novamente Sirius sentiu o perfume doce dos cabelos de Helen; ele deslizou a mão direita pela face da menina, que fechou os olhos tentando absorver cada gota daquela sensação. O rapaz foi chegando devagar e primeiro encostou os lábios na ponta do nariz de Helen. Então sua mão deslizou para debaixo do queixo da garota, que ele levantou devagar, os olhos fixos nos lábios dela. Finalmente, o beijo. As duas bocas se tocaram macio e aquela ligação ia se intensificando. Os lábios se mexiam mais rápido, mais vigorosamente e ambos desejaram que aquele momento não acabasse jamais. Sirius puxou a garota para mais perto de si, e os dois corpos já eram praticamente um só. Os braços de Helen estavam na nuca no rapaz e suas mãos, perdidas no cabelo negro e macio de Sirius. Ele desviou os lábios da boca para a nuca da menina e ela ficou apenas sentindo a sensação maravilhosa que tentara evitar de todas as formas. Como era burra! Ela estava com medo daquilo? De ser feliz?
- Ham... ham... Com licença?
O casalzinho olhou assustado para a porta. A professora Berenice Moonlight acabara de entrar.
- Professora, me desculpe. Imaginei que ninguém fosse usar a sala hoje... – ao lado de um Sirius anormalmente nervoso, Helen Silver já estava roxa de tanta vergonha.
- Na verdade eu não ia, mas... Talvez sua presença aqui não seja somente um acaso, Sirius. Mas antes, vamos às apresentações.
- Ah, sim, claro! Prof. Moonlight, esta é Helen Silver... – ele olhou para ela, mais calmo. - ...minha namorada.
Helen não sabia onde se esconder. Agora estava mais envergonhada ainda. Ele a apresentou como namorada... O que a professora iria pensar que estavam fazendo ali? Mas Berenice Moonlight era mais que discreta:
- Irmã de Cameron? – ela perguntou à garota.
- Sou, sim.
- Seu irmão era um ótimo aluno. Você não gosta de astronomia?
O jeito simpático da professora venceu as resistências de Helen, e ela também se acalmou:
- Eu estava falando isso com Sirius agora a pouco. Que se não fosse a incompatibilidade de horários, essa seria uma matéria que eu adoraria fazer...
- Bem, imagino que Sirius possa lhe dar aulas particulares. É meu melhor aluno. – e a professora sorriu para o aluno e começou a conversar com ele. – Você chegou a olhar o telescópio que aponta para Marte hoje?
- Hoje? Não... – na verdade ele tinha olhado em todas as lunetas e telescópios daquela sala naquela a noite sem conseguir prestar atenção em nenhum.
- Então, olhe, por favor! – a professora pediu.
- Ei, Fobos não deveria estar uns 50º graus à direita de onde está? As duas luas estão praticamente unidas!
- Então o eclipse aconteceu?
Sirius acenou que sim com a cabeça. Helen franzia a testa, como quem não entendia nada do que falavam a sua volta. O rapaz deu lugar à professora, para que ela observasse o fenômeno com seus próprios olhos.
- O que aconteceu? – Helen perguntou a ele.
- Marte tem dois satélites, Helen: Fobos e Deimos. O primeiro é meio azulado e o segundo, violeta. Só que agora parece que só existe um satélite, o que é impossível, pois Fobos teria que começar a fazer o movimento de translação para o lado contrário para que isto acontecesse. E, ao menos que eu saiba, nenhum astro muda de rota porque deu vontade...
- Sirius, Marte é o deus da guerra, não é?
- É, sim, querida. – quem respondeu foi a professora. – Você percebeu alguma coisa estranha?
- Por favor, srta. Moolight. De que cor está a tal lua agora?
- Branca! – Sirius estava olhando pela lente do telescópio.
- Ai, meu Deus! Não pode ser...
- Do que você está falando, Helen? – Sirius não entendia que tipo de associação a garota poderia estar fazendo...
- O manifesto de Morgana! – ela olhou assombrada para os outros dois. – "Quando azul e rosa no branco se fundir / Uma guerra estará começando / Não se iludam pensando em fugir / O pesadelo os estará acompanhando..." – ela terminou de recitar um trecho do texto que conhecia como a palma da mão.
A professora Berenice já não estava mais ao lado de Sirius. Revirava desesperada a estante de livros sobre astronomia, folheando alguns ao acaso:
- Aqui! – ela finalmente achou o que procurava. – Esse eclipse já aconteceu uma vez... No início da Era das Trevas!!
- Sirius, a Helen tá aí com você? – Remo entrou correndo na sala. - Ah, oi, professora Moonlight. O Sirius... – então ele viu o casal. – Dumbledore precisa falar com você urgentemente, Helen! Não sei o que aconteceu mas parece que é grave!
A menina que já estava bastante aterrorizada com as revelações que acabara de ter saiu correndo para a sala do diretor. Sirius preparava-se para correr atrás dela quando Remo o segurou:
- É só ela. Tiago também está lá! Vamos ter que esperar eles voltarem.
- Bom, vocês não podem, mas eu preciso ir falar com Dumbledore. Sirius, por favor, não deixe que ninguém mexa nesse telescópio. Se quiser ir olhando o livro para ver se descobre alguma coisa...
Ele não teve outra alternativa senão concordar.
