Capítulo 12 – Os quatro elementos

Eram pouco mais de sete horas quando Sirius decidiu se levantar. A verdade é que nenhum dos quatro ocupantes daquele quarto dormira aquela noite. Tiago tinha motivos óbvios; estranho seria se ele conseguisse fechar os olhos sem lembrar de seus pais. Remo não tivera uma noite mais fácil: esperara durante um bom tempo na sala de Astronomia e folhear os livros da professora Moonlight só o deixara mais preocupado. Sirius presumiu que o amigo tivesse contado sobre os estranhos fatos daquela virada de ano a Pedrinho, cujo estalar dos dentes tremendo encheu aquela madrugada fria de ruídos. Nenhum deles trocou qualquer palavra depois que Tiago confirmou o que os outros dois já suspeitavam. Agora Sirius não via mais motivo para ficar rolando de um lado para o outro na cama; era melhor descer e, quem sabe, confortar um pouco a namorada.

O Salão Principal, onde faziam as refeições todos os dias, estava deserto. O batedor da Grifinória era o primeiro aluno a descer. Nem mesmo os pratos tinham aparecido sobre as mesas. Bem, quem acordaria a uma hora daquelas justamente no primeiro dia do ano? A resposta foi rápida: Alvo Dumbledore.

- Sr. Black? De pé tão cedo?

- Bem, ficamos sabendo sobre os pais de Tiago. – ele olhou para um ponto qualquer no espaço, relembrando toda a cena da noite anterior.

Dumbledore não respondeu, mas detrás dos oclinhos meia-lua, seu olhar era de pesar. Os dois ficaram assim por algum tempo, contemplando o nada, até começarem a ouvir as primeiras vozes sonolentas de alunos que vinham para o café.

- A vida continua. Não deixe Tiago se esquecer disso... – o diretor sorriu para Sirius. – Nem Helen... – e ele seguiu para a mesa onde os professores costumavam fazer o desjejum.

Então Dumbledore já sabia? Provavelmente a professora Moonlight contara sobre o que vira na sala de Astronomia. Sirius olhou para a mesa da Grifinória; os pratos e talheres já estavam todos em seus devidos lugares. E bastou o primeiro aluno sentar-se que inúmeros tipos de bolinhos, pães, frutas e geléias começaram a aparecer.

- Não vai sentar, Sirius? – Lílian chamou a atenção do rapaz, sorrindo. O humor da menina melhorara bastante desde o dia em que encontrara Taigo em seu quarto. Mas ela ainda não sabia de nada. – Credo, que cara é essa? Deu alguma coisa errada ontem?

- O que houve? O Black tentou se desculpar com a Julianne e levou um fora? – Longbottom perguntou à amiga estranhando a cara séria de Sirius.

- Infelizmente, foi algo muito pior que isso... – ele se sentou em frente aos dois alunos do sexto-ano.

- Ah, não acredito... Você brigou com a Helen outra vez? Será que vocês não vão se entender nunca?

- Helen? – Frank olhou de um para o outro sem entender. – O que é que a Helen tem a ver com a cara de enterro do Sirius?

- Na verdade, tudo e nada... – o rapaz respondeu desgostoso. - A gente não brigou, não, Lílian. Ao contrário, acho que nunca nos entendemos tão bem quanto ontem, mas...

- Se entenderam... – Longbottom repetia as palavras tentando acreditar nelas.

Lílian estava muito intrigada com a resposta de Sirius para lembrar de se preocupar com Frank:

- Mas? O que foi que aconteceu ontem?

Ele fechou os olhos e respirou fundo antes de responder:

- Voldemort atacou mais uma vez!

Lílian levou a mão à boca e Longbottom despertou de seus desvaneios:

- Mas como? Onde? Quem ele atacou dessa vez?

- Ora, Frank, não é obvio... O Sr. Silver... – Lílian concluiu atônita.

- Não foi ele. Na verdade achamos que ele era o alvo, mas as vítimas foram outras...

- Cameron? – Frank arriscou.

- Ele foi o que se saiu melhor, se é que eu posso dizer isso. Cameron foi torturado e parece que... bem... que ele não é mais o mesmo – Sirius não conseguiu achar uma palavra que definisse o estado trágico do irmão de Helen.

- Você disse vítimas... Quem foram os outros? – o tom de voz de Lílian já denunciava um certo desespero.

- O marido da professora Figg... – Lílian voltou a colocar as mãos na boca, enquanto Frank olhava para o prato vazio, incrédulo. - ... e os pais de Tiago. Todos eles estão... – ele abaixou o tom de voz para uma altura quase inaudível - ... mortos.

- Tiago! – Lílian levantou-se do banco em que estava sentada na mesma hora, os olhos ardendo de vontade de chorar. – Onde está o Tiago, Sirius?

- No dormitório... – o rapaz mordeu os lábios, tenso.

Lílian saiu correndo do Salão Principal sem tocar no café-da-manhã; tampouco o fizeram os outros dois. Frank tinha o olhar perdido no horizonte e quase não reparou quando uma menina de cerca de 1m55, cabelos castanho-escuro e a franja entrando nos olhos igualmente escuros, se aproximou:

- Oi! – Frank não conseguiu fazer nada além de dar um sorriso triste para Helen.

Ao ouvir a voz da namorada atrás de si, Sirius virou-se rapidamente, preocupado:

- Você está bem?

Que pergunta idiota para se fazer, ele pensou. Era lógico que ela não estava bem. Mas ela disse que estava, quase murmurando. Os olhos da garota ainda estavam vermelhos e o rosto parecia bastante inchado, provas de que devia ter chorado há pouco.

- Eu... eu não sei o que dizer... – Frank lamentou.

- Não há nada para ser dito. – ela estava conformada. – A vida continua...

Ela se sentou ao lado de Sirius, que passou a afagar seus cabelos, sabendo que não havia muito que fazer numa situação como aquela. Frank estendeu o braço sobre a mesa e segurou a mão da menina:

- Você é forte! Você sabe disso...

Sirius sorriu para o rival e colega de casa. Qualquer palavra que pudesse confortar Helen seria benvinda.

- Ah, Frank, eu vou ter que ser ainda mais forte do que jamais poderia imaginar...

Do outro lado do salão, uma menina de 14 anos, olhava a cena atentamente por detrás dos óculos com aro gatinho, enquanto sua mão segurava firmemente uma pena que deslizava sobre um bloco de anotações...

Lílian subiu as escadarias que davam na torre da Grifinória num átimo. Não sabia o que diria para Tiago, mas sabia que tinha que estar com ele. Ela não demorou muito para chegar à porta do dormitório masculino do sétimo ano, só que, uma vez ali, ela já não sabia se tinha coragem de chamá-lo. Afinal, por que é que eles estavam separados? Antes que pudesse tomar uma decisão, a porta se abriu. Era Remo:

- Evans? – ele olhou para ela surpreso.

- O Tiago tá aí? – ela não teve como não perguntar.

- Não. Saiu faz uns cinco minutos. Acho que foi lavar o rosto. Quer esperar aqui dentro?

Ela olhou para dentro do dormitório, desanimada.

- Não... Como ele está?

- Bem, pelo tamanho do fato eu diria que ele está reagindo bem. Não que alguém consiga ficar feliz com uma situação dessas, mas ele parece... hmm... conformado. Acho que essa é a melhor palavra.

- E que saída nós temos, não é mesmo?

- É. – Remo sorriu e levantou as sobrancelhas. – Eu estou indo tomar café... Tem certeza que não quer esperar? Pedrinho começou a dormir agora. Duvido que acorde logo...

- Tenho, sim. Na verdade não sei o que vim fazer aqui. Não sou mais nada do Tiago, né? – ela deu de ombros, melancólica.

- Não acho que seja bem assim... Lílian, quer dar uma volta pelo castelo, conversar? Acho que você está precisando.

- É, talvez seja bom.

No início de janeiro, o frio parecia longe de terminar. Ainda assim, Lílian e Remo se arriscaram a dar uma volta perto do lago. Ao menos as nevascas tinham cessado e um sol tímido corava os rostos de quem se atrevia a sair do calor morno do castelo.

- E aí, como vai seu namoro com a Stuart, Lupin? – Lílian tentou pensar em assuntos mais agradáveis. Ficar pensando em Tiago não iria resolver nada.

- Vai bem... por enquanto.

- Credo, Lupin, que pessimismo! Nem parece que vocês começaram a namorar semana passada...

Remo lembrou do dia do baile e de como estivera feliz. Mas conforme os dias passavam uma preocupação se instalava em seu peito. O que ele faria nos dias de lua cheia?

- Não é pessimismo. Eu diria que é... bem... realismo. Amor não é a única coisa que torna relacionamentos possíveis e você sabe bem disso, não é?

- Ah, Lupin, se eu pudesse voltar no tempo...

- E você ia fazer o que, Evans? Você estava certa e Tiago sabe disso... Por isso ele ficou daquele jeito...

Tiago... Por que as conversas de Lílian sempre envolviam Tiago?

- Não quero falar dele. Não mais.

Lupin olhou no rosto da garota. Lílian não era a sombra do que costumava a ser quando namorava Potter. E ele sabia que Tiago ainda gostava dela. Onde estava o empecilho para que os dois ficassem juntos? Mas ele resolveu respeitar a vontade da garota.

- Muito bem. Então vamos falar do quê? – ele sorriu mais descontraído.

- Sobre essa sua timidez incurável! – ela devolveu o sorriso.

- Eu? Tímido? De onde você tirou essa idéia? – ele não a encarou ao dizer isso.

- Remo Lupin, não pense que me engana. Sei que você é todo extrovertido com seus amigos, que inclusive ajuda nas armações dos dois malucos do Sirius e do Tiago. Mas com relação aos outros, você é uma verdadeira concha. Aposto que nem a Kudrow sabe tudo sobre você.

Bonnie Kudrow, aluna do sétimo ano da Grifinória, era a melhor amiga de Remo. Mas Lílian estava certa, Bonnie não sabia a missa metade dos mistérios do rapaz. Ela continuou:

- E tenho certeza de que é essa mesma timidez que deixa você com tanto receio de se envolver de verdade com a Margot...

- Achei que você não queria falar de relacionamentos... – Remo piscou para a garota.

- Eu falei que não quero falar sobre eu e Tiago... Os relacionamentos dos outros são menos enrolados.

- Você acha mesmo? – ele deu uma risada breve.

- É, bem. Sei lá... Se pensarmos direito, a Helen é outra enrolada, mas parece que finalmente ela tá desatando os próprios nós... O Frank não sabe o que quer: tem horas em que posso jurar que ele está interessado na Sophie, mas de repente ele começa a ter uma crise de ciúmes da Helen. A Julianne dizia para todo mundo que Sirius era o cara da vida dela, agora não pode vê-lo nem pintado de amarelo com bolinhas roxas...

- Para você ver... Nossos relacionamentos não são os únicos a ter problemas.

- Mas você acabou de começar, Lupin...

- Meu problema não é com a Margot, Lílian. É com a minha... timidez.

- Ah, mas isso pode ser consertado. Tenho certeza de que vi uma poção de encorajamento num livro da biblioteca...

- Lílian, eu já pedi ela em namoro. Não preciso mais tomar coragem para fazer isso...

- Ora, então não vejo qual o problema... Você não tem vergonha de beijá-la, tem? – ela arregalou os olhos de uma forma engraçada.

- Não, lógico que não! – Remo não conseguiu deixar de rir da idéia absurda de Lílian.

- É bom ver alguém rindo, sabia? – Lílian sorriu.

- Também acho. – ele concordou. – E quem disse que é a minha "timidez" que atrapalha meu namoro foi você...

- Eu ia dizer pessimismo, mas você não é assim tão pessimista. Daí não consegui achar outra coisa para dizer... Mas que você tem algum problema, isso você tem, ou então você não ia dizer que o namoro vai bem por enquanto...

- Lílian, o que você faria se tivesse um segredo capaz de arruinar o seu namoro?

- Remo, você não andou ficando com outra menina naquela festa, né?

- Lógico que não! Por que vocês meninas sempre acham que nossos segredos se referem à traição?

- Sei lá. Foi um palpite. Mas se não é isso, o que é então?

- É algo que eu não escolhi... Deixa eu pensar, algo como você nascer trouxa e se apaixonar por um sonserino, sabendo que os sonserinos odeiam trouxas...

- Ah, eu nunca me apaixonaria por um sonserino... Eles são muito chatos!

- Lílian Evans, você não facilita! Essa é uma suposição...

- Eu sei... Só estou dizendo que é algo muito improvável que uma nascida trouxa venha a gostar de um sonserino, porque ele já teria escorraçado ela tanto, que ela perderia o mínimo do respeito que poderia ter por um deles.

- Ué, mas a Silver não é sua amiga?

- Se você convivesse mais com ela, você perceberia que a Helen não tem nada da Sonserina... Aliás, ela não tem nada de casa nenhuma.

- Tá. Abstrai, mas pensa na situação. As pessoas se gostam, mas existe algo que as separa, independente da vontade delas.

- Ah, não é tão independente não... Por que é que o carinha tem que ser preconceituoso? E além do mais, você não é nascido trouxa, nem a Margot é da Sonserina. Que segredo é esse, Lupin?

- Eu sou um lobisomem. – ele disse na lata.

A cara de Lílian seria digna de boas gargalhadas, não fosse seu próprio constrangimento. A boca escancarada e os olhos verdes mais que arregalados davam idéia do assombro da menina. Então Remo teve um acesso de riso.

- Lupin! Que brincadeira de mau-gosto! Por um instante eu achei que podia ser verdade... E pare de rir desse jeito.

- Ué, achei que você gostasse de ver os outros rindo... – ele estava aliviado. Ela não acreditara.

- Não da minha cara. – ela fingiu estar brava. – Até parece... Você, um lobisomem. Isso realmente seria uma piada. Aposto que você não consegue nem imitar um...

- Não duvide dos meus dons artísticos... – ele piscou.

E os dois enveredaram por uma conversa muito mais tranqüila e relaxada...

- Severo? Você está aí? – Helen abriu a porta da sala de poções devagar.

Quinze dias haviam se passado desde a morte de seu tio e dos Potter. Nesse tempo ela iniciou as aulas de reforço em feitiços com Tiago e aumentou a carga horária de Poções. Além disso, Snape passara a dar mais aulas práticas que teóricas para a menina, uma vez que essa era uma necessidade urgente.

O rapaz não respondeu, apesar de se encontrar na sala. Parecia realmente entretido com qualquer coisa a altura de seus pés. Helen estranhou o comportamento do rapaz, principalmente porque ela estava atrasada e Snape odiava atrasos.

- Severo? – e então ela ouviu um ganido alto. – Severo, o que você está fazendo?

Ela já estava ao lado dele e via com terror no rosto um pequeno ratinho cinzento se contorcer de dor. Severo levantou a varinha e o bichinho pareceu aliviado, mas sem se mexer do lugar, como se qualquer pequeno movimento pudesse devolver aquela dor terrível. Helen olhava a cena aterrorizada:

- Você estava...

- Testando a maldição Cruciate. – disse ele numa calma que Helen nunca tinha visto em seu colega de casa. – E você está atrasada... Aquele seu namorado não serve nem para lhe dizer as horas, não?

- Não mude de assunto, Severo. Você estava praticando uma maldição imperdoável! Dumbledore sabe disso?

- É lógico que sabe, menina! Acha que eu sou estúpido de usar um feitiço proibido dentro do castelo sem autorização?

- Mas...

- Como Dumbledore permitiu? É isso que você quer saber? – ele se levantou da cadeira onde estava e olhou para ela de cima (o que não era muito difícil, haja vista a estatura de Helen). – Ora, Helen, qualquer coisa é permitida desde que cheguemos ao resultado final... Aqui está a gema.

Helen arregalou os olhos. Snape estava lhe entregando o pingente preenchido com um líquido – ou seria uma fumaça? – esverdeado: a essência da Sonserina.

- Você é o primeiro...

- E você tinha alguma dúvida de que eu seria o primeiro? – ele lançou à menina um olhar gélido.

- Como você conseguiu? – Helen perguntou sem desgrudar os olhos do pingente em sua mão.

- Hoje eu provei que era um verdadeiro sonserino. É só isso que você precisa saber. E é melhor começarmos essa aula logo, ou esse esforço não terá serventia nenhuma caso você não melhore seu desempenho em poções.

Ela concordou:

- Isso fica comigo?

- Acho que sim. É você quem vai usar...

Os dois começaram a arrumar as coisas para iniciar a aula. Já fazia três anos que Helen Silver tomava lições de poções com Severo Snape e se ela ainda não tinha domínio sobre o assunto, talvez se valesse mais de sua falta de vontade do que do empenho do professor. A única coisa de que não podiam acusar Snape era de não saber ensinar. E Helen melhorara bastante desde suas primeiras aulas. No início do 3º ano ela explodia pelo menos dois caldeirões por aula, hoje isso acontecia uma vez por mês. Não que suas poções funcionassem corretamente, mas pelo menos elas haviam se tornado menos catastróficas. Só que isso não ia adiantar nada para a "poção das casas", como ela e Snape apelidaram a difícil receita que a menina teria que preparar. Como os últimos ingredientes da poção eram os pequenos amuletos que cada um dos alunos deveria preencher, Snape julgou que seria proveitoso treinarem o preparo daquele caldo tirando de sua composição aqueles ingredientes únicos e especiais.

- Não, Silver, quantas vezes tenho que lhe dizer que o modo como se corta uma barbatana de grindylow pode arruinar sua poção?

Ela suspirou. De repente achou que a tortura sofrida pelo ratinho há pouco tinha sido menor do que a sua agora. Odiava aquilo. Se tinha uma certeza na vida, era a de que seria sempre uma péssima cozinheira!

- Preste atenção em como eu faço... – e Snape arregaçou as mangas das vestes escolares.

- Ei, Severo, o que é isso no seu braço? – a menina reparou numa mancha negra estranha perto do pulso do rapaz.

- Como? – ele olhou para a parte desnuda do braço e rapidamente puxou as vestes de volta para o lugar.

- O que é essa mancha que você escondeu?

- Uma queimadura... Satisfeita? Eu também me distraio de vez em quando. – ele respondeu ríspido.

- Nossa, mas você não foi falar com Madame Pomfrey? Ela não deixaria você ficar com essa marca horrível.

- Quer parar de prestar atenção a bobagens e se concentrar no modo como devemos cortar a barbatana? – ele ralhou com a menina.

- Tudo bem. – ela sabia que ele estava certo. Mas de qualquer forma, aquela queimadura devia ser algo recente, pois Helen não se lembrava de já tê-la visto alguma vez, e ela era bastante chamativa para não ser notada.

A menina voltou sua atenção para a pequena faca que Severo Snape usava. Ele tinha tanta prática com aquilo que a cada movimento uma fina película se desprendia pronta para ser usada:

- Agora tente você.

Helen segurou a faquinha, mas suas mãos não tinha a mesma firmeza que as do colega. Ela tremia e em poucos segundos havia tornado inaproveitável uma amostra de pele de grindylow. Snape olhou para aquilo desgostoso... Muitas vezes tinha dúvida de que a menina poderia preparar a tal poção. Se ao menos ele conseguisse fazer com que ela o obedecesse, que respeitasse suas instruções nos menores detalhes... E ele podia!

- Helen! Acho que sei de um jeito de você realizar essa tarefa...

- Sabe? – ela olhou para ele e, desconcentrada, tirou uma lasca de madeira da carteira onde estavam os ingredientes.

- A maldição império...

- Quê? Cê tá doido, é? Imagina que eu vou deixar você jogar essa maldição besta para cima de mim. Você tá com umas idéias...

- Muito bem, então acho melhor você começar a fazer seu trabalho direito, porque nessa poção não vai madeira... – a menina tinha arrancado outra lasca da carteira.

Ela voltou a se dedicar ao grindylow enquanto Severo dava voltas pela sala. Ele queria jogar uma maldição imperdoável nela? Aquilo era um absurdo... Mas ela ouvira dizer que as pessoas eram capazes de executar tarefas praticamente impossíveis sob o efeito daquele encantamento.

- Severo...

- Sim. – ele respondeu sem olhar a garota.

- Tente.

- Como? – ele se virou, não acreditando no que acabara de ouvir.

- Pode jogar a império... Se eu conseguir tirar um fiapo certo desse maldito peixe...

- Grindylows não são peixes...

- Ah, isso aqui não parece com um grindylow nem aqui nem na conchinchina... E olha que de bichos eu entendo... – o mau-humor de Helen se acentuava a cada tentativa frustrada de cortar aquele ingrediente do modo correto.

- É lógico que não. Você só está vendo as brânquias e as barbatanas.

- Dane-se. Anda logo com isso. Nós não podemos ficar parados nesse ingrediente o resto da tarde. – ele disse meio brava consigo mesma.

Severo olhou para a menina; ele parecia hesitar um pouco em executar a própria idéia. Talvez tivesse dito aquilo apenas porque sabia que ela não iria concordar.

- Você tem certeza?

- Tenho! – ela olhou para o caldeirão; aquela parecia a única maneira.

- Império! – e o rapaz apontou a varinha para Helen.

Uma sensação de leveza invadiu a mente da garota. Como aquilo era bom! Então ela ouviu uma voz ao longe ordenando: "Corte as barbatanas em fatias delgadas". E aquele desejo lhe pareceu tão agradável que ela pegou a faquinha a sua frente e começou a deslizar a lâmina sobre aquela espécie de carne azulada, tirando lascas cada vez mais finas. Snape parecia maravilhado diante daquela façanha. Helen jamais faria aquilo sozinha, mas então algo de errado começou a acontecer. A mão de Helen já não estava tão firme, e ela tirou um belo pedaço das guelras antes de largar o instrumento cortante e dizer:

- Argh! Como esse troço é asqueroso... – e fez cara de nojo.

- Mas como? Eu não retirei o feitiço. – Snape olhava da varinha para a garota, da garota para a varinha. – Império!

Novamente a sensação de leveza invadiu Helen. "Vamos, corte o grindylow... Lembre-se: fatias delgadas..." Ela não hesitou em pegar a faca novamente mas quando seus dedos finos tocaram o ingrediente azulado aquilo tudo sumiu. Ela só conseguia sentir nojo daquele "negócio".

- Ai, eu não consigo fazer isso...

- Mas isso é impossível! Você não poderia estar questionando... Helen, você é a primeira pessoa que conheço que consegue resistir à maldição império.

- Nossa, do jeito que você fala até parece que você já usou esse feitiço em muita gente... – ela olhou para ele sem entender o porquê de tanto alvoroço. – Vai ver você só consegue fazer isso com animais...

- É lógico que não! – ele respondeu irritado. – Senão essa droga de gema não teria se enchido.

- Eu ainda não consegui entender que raios você fez para encher seu talismã e o que é que isso tem a ver com as maldições imperdoáveis...

- A característica mais marcante dos sonserinos é a ambição... Ora, Helen, qual pode ser a maior ambição de um bruxo?

- Ah, isso depende. Para uns é ser jogador de quadribol, para outros... – ela começou a contar nos dedos todas as coisas que um bruxo poderia desejar.

- Não diga tolices, Helen Silver. A maior ambição de qualquer bruxo é saber como vencer os obstáculos a sua frente, sejam eles materiais ou humanos. Esses três feitiços dão a um bruxo a condição de determinar a vida de qualquer ser semelhante ou inferior a ele. A império lhe dá o poder de decidir por outrem; com a Cruciate você convence seu opositor pela dor; e com a Avada Kedavra...

- Você aprendeu a Avada Kedavra? – Helen estava pasma.

- E você acha que seremos capazes de derrotar o Lorde das Trevas sem usar as mesmas armas que ele, Helen? – ele disse amargo.

Ela não soube o que responder.

- Como se a palavra de um de nós valesse alguma coisa... – Sophie Alethea estava abismada com mania dos grifinórios de minimizar detalhes importantes. – Não basta só a Silver dizer, até porque ninguém ouve nada mesmo...

- Exatamente porque ninguém ouve nada quando ela lê o pergaminho é que deve haver alguma coisa. – Sirius estava começando a ficar irritado. Ele sabia que as duas meninas não se davam, mas daí a contestar uma prova importante por pura birra?

- Eu tô falando de provas, Black! Qualquer um pode dizer que ela tá fingindo que vê alguma coisa aí! Como é que vamos provar isso?

- Você tá certa, Alethea. Mas eu acho que antes de mais nada, a gente tem é que saber o que exatamente está escrito aí. – Remo era sempre o mais sensato do grupo.

Lílian, Frank, Sophie, Remo e Sirius travavam essa guerrinha no Salão Principal. Não estavam mais escondendo de ninguém o que pesquisavam, até por que depois das últimas mortes, os jornais do mundo mágico não paravam de fazer alarde sobre o assunto. Vários homens do Ministério tinham sido destacados para fazer frente ao tal de Voldemort, cujo paradeiro era desconhecido. As mortes de trouxas, por sua vez, estavam ficando ainda mais freqüentes; o que se sabia era que o bruxo tinha seus seguidores e eram eles que estavam se encarregando desse serviço. Cada uma dessas matérias era cuidadosamente recortada por Longbottom, para juntar-se à tantas outras pistas, recortes e rabiscos que fazia tentando buscar detalhes do caso.

Mas agora o motivo da discussão era o tal pergaminho que Helen achara no dia do baile. Já tinham mostrado à professora Figg, que, como os garotos, tentou em vão jogar um feitiço de revelação, sem resultados. Por fim, ela falou que eles poderiam tentar a raspagem, técnica que consistia em remover a camada que tornava o texto invisível com uma espátula mágica. Mas esse processo requeria cuidado e paciência, uma qualidade que nenhum dos sete envolvidos com aquela pesquisa parecia ter. Todos eles eram, no mínimo, ávidos demais por resultados para agüentar um mês dissecando aquele pedaço de pergaminho.

Sirius e Sophie já estavam se cansando de brigar quando ouviram a voz aguda e irritada de Helen, vindo da entrada do Salão Principal. Estava discutindo com Tiago, que não estava com uma cara nada feliz:

- Não vejo por que você não pode me ensinar...

- E eu não sei por que você enfiou na cabeça que precisa aprender...

- Ora, que tipo de professor se recusa a ensinar um aluno.

- O tipo que acha que o aluno tem preocupações desnecessárias!

- Ah, Tiago, você é muito cabeça-dura! – agora Helen já estava a dois passos da mesa onde estavam os outros.

- Eu? Cabeça-dura? Então você e o quê? – ele disse se sentando ao lado de Longbottom, enquanto a menina dava um selinho de "oi" em Sirius.

- Vicht! Que que houve? O Tiago tá com cara de quem acabou de sair de um treino de quadribol... – Sirius tentou aliviar o clima.

- Nada! – os dois responderam em uníssono, emburrados.

- Ora, pelo menos eles tem o bom senso de não trazer mais brigas para essa mesa... – Sophie deu um sorriso cínico para Sirius.

- O que é que vocês tavam discutindo? – Tiago quis saber do rumo das pesquisas.

- Quem de nós vai se responsabilizar pela raspagem. – Sirius respondeu.

- Nós não chegamos nem à conclusão se vale a pena perdermos tanto tempo nisso...

- Como? – Helen franziu a testa. – Perda de tempo? Pois então é perda de tempo ficar sabendo que... – e a voz da menina sumiu como em todas as vezes que ela tentava dizer algo sobre o conteúdo do papel.

- Sabe que o feitiço que jogaram nesse pergaminho não é de todo mal... – Sophie escrachou. Pelo visto não estava num de seus melhores dias.

- Olha aqui, sua...

Helen teria dito um belo palavrão se Frank não a interrompesse na mesma hora:

- Você duas não vão parar de criancice, não? – ele olhou zangado para as duas. – Muito bem, Helen acha que é importante, e se não confiarmos no que cada um de nós acha que é importante para esse trabalho, não vamos sair do lugar. Muito bem, temos que definir quem vai fazer essa raspagem...

- Tudo bem, eu faço. – Lílian se ofereceu como quem não consegue achar outra alternativa.

- Não! – Tiago repreendeu. – Você já está sobrecarregada com a pesquisa de magia antiga. Não acho que você deva interromper esse trabalho... Alguma coisa me diz que vamos precisar muito dele...

- Eu faço... – foi a vez de Sirius pedir pela tarefa.

- Você, Sirius? Para essa tarefa é preciso dedicação e paciência, e você só não é mais estourado que a sua namorada... – Sophie estava sarcástica.

- Dedicação e paciência... – ao invés de ficar brava, Helen passou a repetir aquelas duas palavras para si mesma. – Mas é claro... Como não pensei nisso antes? – e então ela olhou decidida para o grupo - Eu tenho a pessoa perfeita para essa tarefa! Me dêem o pergaminho!

Sirius entregou-o a Helen que saiu andando rápido pelo salão.

- De quem é que ela estava falando? – Lílian perguntou e deu com as expressões interrogativas dos colegas. Só Tiago parecia ter compreendido:

- Da Annie Preston.

- Quê? Ela não era a primeira a reclamar quando alguém resolvia tomar parte nas investigações? – Sophie lembrou indignada. – Sempre o mesmo discurso de que estávamos arriscando a vida dos outros, bla, bla, bla... Agora ela quer colocar a cunhada na história?

- Mas é claro... – Sirius finalmente compreendeu e olhou para Tiago que confirmou com um leve aceno de cabeça para que os outros não percebessem: Helen achava que tinha achado um meio para a cunhada provar que era uma verdadeira Lufa-lufa.

- O que é claro, Black? Não consigo ver sentido nenhum nisso...

Sirius se assustou com a pergunta de Frank; não percebera que dissera aquilo alto. Mas ele podia revelar parte da verdade...

- Ora, a Preston é da Lufa-lufa e, se não me engano, a maior característica dos alunos daquela casa é a persistência e a dedicação que têm com suas tarefas. Não temos ninguém da Lufa-lufa nesse grupo; Helen foi procurar alguém em quem confiava...

- É, faz sentido...

Helen corria pelos corredores do castelo. Onde será que Annie estaria uma hora daquelas? Poderia estar na sala comunal da Lufa-lufa, ou então em seu dormitório. Helen sabia o caminho dos tempos em que seu irmão ainda estudava em Hogwarts e, quando estava a menos de dois corredores da casa do texugo, ela encontrou Margot Stuart e outras duas garotas do 6º ano. A garota achou aquilo ótimo, afinal não tinha a senha para entrar na Lufa-lufa:

- Meninas, vocês não podem chamar a Annie para mim? É muito importante!

- A Preston não tá na Lufa-lufa, não. Acho que vi ela na biblioteca... – Margot respondeu. - Aliás, será que você sabe onde está o Remo?

- O Lupin? – ela já ia dizer que não quando se lembrou que ele estava na mesa com os outros, apesar de não ter dito uma palavra sequer enquanto ela estava lá. – Tá no Salão Principal. Bem, eu vou indo. Tchau!

As meninas acenaram para ela, que agora subia as escadas correndo para chegar à biblioteca, que não ficava tão longe dali. Logo que entrou, ela reconheceu Annie, que tinha à sua frente uma pilha de livros. Ela pensou que a cunhada devia estar estudando para os exames do NIEMs.

- Annie...

A voz de Helen despertou a monitora-chefe de uma espécie de transe. O rosto dela estava muito abatido, com olheiras profundas, de quem não dormia há dias.

- Estou atrapalhando?

Annie olhou para a pilha de livros e depois para a sonserina.

- Não. Acho que eu preciso parar um pouco mesmo...

- Estudando para o NIEMs?

- Não exatamente... Mas o que houve? Você quer conversar?

- Na verdade queria te pedir uma coisa que acho que pode te ajudar...

- Como assim?

- Você sabia que Severo já me entregou a gema da Sonserina? – as duas falavam num tom sussurrado que ninguém achou estranho, pois estavam na biblioteca, onde não era permitido barulho.

- Já?

- Anteontem... Bem, é que eu tive uma idéia que acho que pode ajudar a preencher a sua...

Annie tirou o pingente de dentro da blusa e apertou na mão:

- Ora, então diga logo! – uma espécie de luz encheu os olhos da garota.

- Bem, acontece que eu descobri esse pergaminho enfeitiçado. Existe uma mensagem nele que eu nem vou perder tempo tentando dizer qual é porque minha voz some todas as vezes que tento fazer isso. Tia Arabella acha que se fizermos uma raspagem nele, talvez consigamos ver a tal mensagem...

- Peraí. Vamos com calma... Como você sabe que tem algo escrito aí?

- Porque eu consigo ler. E mais ninguém. Podia ser ilusão de ótica, algum problema comigo, mas se tentarmos fazer qualquer feitiço nele, aparece a Marca Negra.

- Marca negra? Você está falando da...

- Disso mesmo. E, bem, pelo que Severo me falou, ele conseguiu preencher a gema dele sendo ambicioso. Então, achei que... bem, todos dizem que a característica primordial do pessoal da Lufa-lufa era a persistência, o esforço. E eu posso lhe garantir que não existe maior teste de paciência que executar uma raspagem. Achei que você...

- Helen, você já tentou escrever?

- Hã?

- Escrever o que tem aí? Você disse que não consegue ler em voz alta, mas...

- Ah, deve ter proteção contra isso também...

- Você já tentou?

- Não. – aquela idéia nem tinha passado pela cabeça dela.

Annie ofereceu a pena que usava e um pedaço de pergaminho em branco e Helen se pôs a copiar o que via. Para seu espanto as palavras não sumiram e o olhar de aprovação de Annie demonstrava que ela também estava enxergando o que a menina escrevia. Helen não sabia se ficava feliz ou decepcionada:

- Achei que isso ia te ajudar...

- Na verdade, querida, eu não iria aceitar. Estou um pouco ocupada ultimamente.

- A vida de uma monitora-chefe deve ser corrida, né?

- É, um pouco. Mas, bem, acho que não há mal nenhum em lhe falar. Eu prometi a mim mesma que vou descobrir um meio de recuperar a sanidade do Cameron e nada vai em desviar desse objetivo. Nem que eu tenha que revirar a biblioteca de Hogwarts inteira, desafiar regulamentos, o escambau, mas eu vou achar um meio de reverter aquele maldito feitiço. Ou não me chamo Annie Preston.

Helen olhou surpresa para Annie; parecia que a cunhada ainda não havia se dado conta, mas ela já tinha começado a provar que era uma verdadeira lufa-lufa. A menina achou melhor não dizer nada a Annie, não queria colocar mais expectativas na moça do que ela já tinha.

No Salão Principal, os outros seis ainda discutiam a pesquisa para a aula de DCAT:

- Bom, parece que ela não vai voltar tão cedo, né? – Sophie estava impaciente.

- Que é que você tem hoje, garota? Acho eu nunca te vi tão estressada. – Sirius já tinha se irritado com a menina, e não era por causa da toca de ofensas diárias que ela com a namorada dele. Se dependesse das brigas de Helen, Sirius teria que parar de falar com meia Hogwarts.

- Acho que é isso mesmo. Porque eu descobri uma coisa importante só que ninguém deixa eu falar, preocupados com essa droga de pergaminho.

- Então fala agora, ué? – Tiago não via motivo para o auê da menina.

Ela não disse nada. Estava chateada com todos eles, mas principalmente com Frank. Ele não movia um dedo para defendê-la; no mínimo continuava gostando da chata da Silver.

- Querem saber, acho que a amiguinha de vocês tava certa... Vocês não precisam de uma corvinal atrapalhando vocês.

- Do que é que você tá falando? – Sophie ouviu a voz de Helen atrás dela.

- Estou deixando o grupo, Silver. Você não vai mais ter que conviver comigo.

- Pode ir sentando aí, queridinha! Você quis se meter na encrenca. Conviver com você é o menor dos meus problemas. – Helen encarou Sophie. – E além do mais, Frank me mata se eu for o motivo de você sair desse grupo... – ela olhou marota para o ex-namorado.

Frank que andara um pouco calado, olhou boquiaberto para Helen, sem conseguir emitir qualquer som. Sophie, por sua vez, estava roxa de vergonha, mas uma alegria excessiva enchia seu peito. Se Helen estava falando aquilo... Ela nunca sentiu tanta simpatia pela sonserina como naquele momento. Sirius e Lílian trocaram olhares e seguraram a risada, enquanto Helen se sentava ao lado do namorado. Foi Tiago que recomeçou a conversa, para alívio de Longbottom e uma pequena frustração de Alethea:

- Então, o que a Annie disse? Ela topou fazer a raspagem?

- Não, ela fez melhor. Ela me deu a solução mais óbvia do mundo: copiar o que tem aí.

- E não desaparece? – Longbottom perguntou.

- Não. Eu fiz o teste.

- E cadê a transcrição? – Tiago perguntou um pouco ansioso.

- Ah, eu não fiz isso ainda... – ela se espreguiçou.

- Como não? – Sirius perguntou.

- Ah, não é nada assim tão urgente que não possa esperar até amanhã. – ela respondeu na calma. – Além disso ela me deu uma notícia muito boa e eu não estou afim de me aborrecer...

- Mas, Helen... – Lílian tentou argumentar, mas a amiga interrompeu antes que ela começasse.

- Eu ouvia a Alethea dizendo que descobriu alguma coisa...

Todos perceberam que não adiantaria insistir e voltaram seus rostos para Sophie.

- Está no manifesto... Fran... – ela hesitou. - Longbottom, seus recortes de jornal estão com você?

- Estão sim.

- Você pode me emprestar um pouco? – ela pediu evitando olhar para ele.

Frank entregou uma pasta preta repleta de recortes de jornal para a corvinal.

- Alguém mais está com o Manifesto?

Helen e Lílian levantaram as mãos.

- Evans, será que você pode sentar entre o Potter e o Longbottom ara eles acompanharem também. A Silver já tá entre o Black e o Lupin mesmo... Página 497.

As duas garotas abriram o pesado livro na página indicada.

- Muito interessante... Você agora lê números, Alethea? – Sirius brincou, vendo uma página que mais parecia arrancada de um livro trouxa de matemática.

- Ah, Sirus, isso é sério. – a namorada ralhou com ele.

- Desculpe, madame, não sabia que o bom humor tinha sido proibido. – ele deu um sorriso de derreter corações para Helen, que não teve outra alternativa senão rir do namorado.

- Eu sei que parece estranho, - Sophie começou a explicar. - Mas essa página pode ser de grande ajuda se ela for realmente o que eu estou pensando. Eu estava realmente interessada nessa página quando vi o Frank recortando um dos artigos de jornal. E, bem, numa grande coincidência do destino, percebi que a linha de números que eu observava tinha exatamente os mesmo números da página que o Longbottom recortava. Lembra Frank, daquele dia na biblioteca...

Ele balançou a cabeça rapidamente para confirmar.

- Só que além deles existem uns outros números que não faço a menor idéia de para que servem. Minha primeira impressão é que isso, bem, que seja alguma previsão de Morgana, entendem? Algumas das Visões, que ela escreveu em código.

Morgana elas outras sacerdotisas de Avalon tinham o dom de ver o futuro. Isso não acontecia quando elas queriam. Eram espasmos da realidade futura que chegavam até elas. Ninguém nunca soube que elas anotassem essas predições, mas a idéia de Sophie não era absurda.

- Acho que alguém bom em Adivinhação devia tentar decifrar esses números, e, bem, compará-los ao material que o Frank juntou, para ter certeza que essa minha idéia está certa. Depois, é tentar adivinhar o futuro.

Lílian puxou a pasta de Frank para si e pegou um dos recortes. Primeiro procurou a data entre os números do livro e depois começou a testar as informações:

- Isso aqui é Aritmancia pura, Alethea. Tenho certeza absoluta! – ela falou, deixando o recorte sobre o livro. – Os números que você não entendeu são as probabilidades. Talvez por um sistema de combinatórias, aplicado a uma matriz... Tiago, você é melhor nisso que eu. Por que você não tenta...

- O Tiago, não! – Helen respondeu sem pensar.

- Ora, por que não? – Sophie não entendeu a reação de Helen, assim como a maioria dos ocupantes da mesa.

- É que... - ela olhou apavorada para o garoto a sua frente, pedindo ajuda. Mas foi de Sirius a reposta salvadora.

- Porque a Helen está com medo de perder o melhor professor de feitiços que ela já teve, não é?

Ela olhou com estranhamento para o namorado. Ele também deveria ter estranhado o que ela dissera e, no entanto, estava ajudando a bolar uma desculpa esfarrapada:

- Isso... se Tiago pegar mais essa função, não vai ter tempo para as minhas aulas.

- Ora, Helen, mas acho que isso é mais urgente, não é? – Lílian tentou trazer a razão à amiga.

- Tá doida, Lílian? – foi o próprio Tiago quem resolveu acudir. – Helen tem que melhorar seu desempenho em feitiços urgentemente, ou na primeira briga que ela e Sirius tiverem eu perco o amigo! – ele aproveitou para tirar uma com a cara do casal de namorados.

- Bem, o Tiago não pode, Lílian não pode, Frank já tem ocupações demais, eu e Helen não entendemos bulhufas de Aritmancia... – Sirius começou a enumerar os candidatos à tarefa

- Quem disse isso? Eu sou ótima aluna de Aritmancia... – novamente Helen falou sem pensar.

- Mas a Srta. tem compromissos comigo e com o Seboso Snape, lembra? – Tiago chamou a atenção dela.

- Ah, vocês não deviam chamá-lo assim. Severo é muito competente...

- É, nós sabemos... Tanto que no ano passado você quase foi reprovada em Poções... – Sirius odiava ver Helen defendendo Snape.

- Isso não é culpa dele... – ela estava zangada.

- Não, deve ser minha decerto. – ele desdenhou.

- Se você lembrar que você quase me deixou de detenção na vésperas das provas, podemos dizer que a culpa é um pouco sua, sim!

- Ei, fui eu que levei um tapa!

- Ei, será que podemos voltar para a pesquisa? – Tiago olhou feio para os dois.

Sophie estava desanimada. Se ela não tivesse desistido de Aritmancia no quarto ano, por sobrecarga de matérias, ela mesma faria aquela tarefa.

- Lupin, sei que esse não é seu forte, mas... Lupin? – Tiago chamava o amigo que parecia estar em outro mundo.

- Hã? – ele acordou do transe. – Que foi?

- Lupin, você está bem? – Lílian parecia preocupada. Depois da conversa daquele dia no lago tinham se tornado bons amigos.

- Eu só estou meio indisposto. Acho que vou para o dormitório...

Ninguém naquela mesa além de Tiago e Sirius sabiam o real motivo daquela indisposição. Aquela noite seria primeira lua cheia do mês.

- Ah, Lupin, a Margot tá te procurando... – Helen lembrou. – O engraçado é que eu falei para ela que você tava aqui... Por que será que ela não veio?

- A Margot, é? – ele disse com uma voz triste. Que desculpa inventaria para a namorada?

Então Lílian arregalou os olhos, como se tivesse lembrado de algo absurdo. E ela encarou Remo, praticamente pedindo para que ele dissesse que aquilo era uma brincadeira. Ele desviou o olhar e saiu da sala. A partir daquele momento ela não conseguiu prestar atenção a uma palavra sequer do que foi conversado naquela mesa, muito menos que estavam falando no nome de uma outra corvinal:

- Engraçado você ter mencionado a Margot, Helen, porque, bem, a irmã dela é a melhor aluna de aritmancia da escola.

- Carol ou Florence? – Sirius perguntou.

- Carol, claro! Ela tem bom raciocínio lógico. Mas vocês não querem colocar mais ninguém no grupo.. – ela tinha uma nota de desapontamento na voz.

- Pois eu acho que a Carol é uma ótima escolha! – Helen afirmou, surpreendendo a todos.

Que ela chamasse Annie não era tão estranho, pois ela era sua cunhada e uma das pessoas em quem Helen mais confiava. Mas Carol Stuart? Longbottom podia jurar que nunca vira as duas trocando uma palavra. Percebendo os olhares espantados (inclusive de Sirius que achou que tinha que começar a disfarçar, ou a namorada logo suspeitaria que ele sabia de algo mais...), Helen se justificou:

- Eu andei pensando bem. Acho que não é tão mal assim colocar mais pessoas para ajudar... Desde que sejam pessoas confiáveis e competentes, claro...

- Bem, então, se você não se importa vou fazer um feitiço de cópia de todo o seu material, Frank, e converso com a Carol ainda hoje. Tenho certeza que ela vai nos ajudar.

Helen encarou Tiago Potter. Aquela talvez não fosse a tarefa que provaria que Carol era inteligente como uma verdadeira corvina deveria ser, mas já era um começo. Agora faltava Tiago provar sua coragem. E Helen não tinha a menor idéia de como o rapaz faria aquilo