- E aí, como estamos? – Tiago perguntou logo ao entrar na Sala de Astronomia, naquele fim de tarde com sol poente.
Sirius Black e Carol Stuart tinham passado o dia todo em frente a telescópios e lunetas, confirmando as proposições do Manifesto de Morgana. Até aquele momento tudo estava acontecendo como haviam previsto. Um número sem igual de mapas estelares estava esparramado pelo chão da sala de Astronomia e Carol parecia um tanto indecisa sobre qual deles escolher. Era uma aluna medíocre em Astronomia; sabia apenas o essencial e metade daqueles mapas estava longe de ser considerado elemento básico para um bruxo pouco interessado em astronomia. Sirius, ao contrário, rabiscava folhas de pergaminho furiosamente sem sequer despregar o olho esquerdo da luneta. Ele jogou mais uma folha na pilha ao lado, repleta de anotações, números e símbolos diversos, que para qualquer bruxo normal pareceriam hieróglifos.
- Você sabe qual desses mapas eu uso para analisar as órbitas paralelas das luas de Saturno em relação à Vênus? – a jovem perguntou ao rapaz que entrava na sala, totalmente sem idéia do que fazer.
- Aquele perto da luneta direcionada à Ursa Menor. – Sirius respondeu sem parar o que estava fazendo.
- Pode deixar que eu pego. – Tiago deu uma piscadela para Carol, que olhava confusa para todos as lunetas da sala sem descobrir à qual Sirius estava se referindo.
Com certeza o melhor aluno de Astronomia da escola era Sirius, o que não queria dizer que outros não entendessem de Astronomia. Tiago também sabia lidar bem com todos aqueles instrumentos, só lhe faltava o amor que o amigo dedicava a matéria. Na verdade ele sempre se interessou mais por aquilo que uma varinha podia fazer, o que o tornava um excelente aluno de feitiços e transfiguração.
- Aqui está. Não precisam de ajuda? – ele perguntou enquanto entregava o mapa para a menina.
- Você é bom com números, Potter? – Carol disse olhando atentamente para o mapa. - Eu preciso calcular algumas matrizes...
- Não, Carol, põe o Tiago para observar Andrômeda. Alguém tem que observar o movimento da nebulosa... Acho que ela tende a cobrir Mirach nas próximas três horas...
- Espero que você tenha entendido melhor que eu... – Carol olhou conformada para Tiago e voltou para seus pergaminhos abarrotados de números e cálculos.
O rapaz atendeu ao pedido de Sirius e se sentou no banquinho em frente ao telescópio que apontava para a constelação de Andrômeda. Mirach era a estrela beta, ou seja, a segunda estrela mais brilhante daquele conjunto. Tiago só não conseguia entender como uma nebulosa, que se encontrava duas horas antes da estrela pelas marcações da Carta Celeste e era, aparentemente, imóvel, conseguiria avançar a distância de n anos-luz para encobrir Mirach. De fato, Sirius estava certo, a nebulosa de Andrômeda já estava próxima da galáxia espiral, que marcava metade do caminho até a estrela. Ele puxou pena e pergaminho e começou a anotar os dados que apareciam na lente do telescópio, vez ou outra fazendo contas para calcular velocidade e órbita dos astros.
- Sirius, eu preciso da posição de Athena nas condições ideais... – Carol pediu ao colega de pesquisa.
- Sete horas e quinze minutos. – era incrível como Sirius conseguia fazer montes de coisas ao mesmo tempo dentro daquela sala.
- Ela perguntou a posição de Athena, não as horas, Sirius! – Helen entrou displicente na sala, acompanhada de Lílian.
- Eu não discuto astronomia com que não entende nada do assunto, Helen! – ele respondeu em tom brincalhão, mas sem olhar para a namorada. Ele não podia desviar sua atenção um minuto.
- Já são sete e quinze? – Carol perguntou assustada.
As duas meninas acenaram com a cabeça que sim:
- Achamos que vocês dois estariam com fome... – Lílian mostrou uma cesta cheia de comida, como aquelas que os trouxas levam a piqueniques. – Doze horas sem comer nada...
Só então Carol percebeu seu estômago roncando. Ela parou um pouco as anotações e foi procurar alguma coisa dentro da cesta. Pegou um croissant e voltou aos mapas e anotações. Sirius nem se mexeu na cadeira em que estava: ou não tinha ouvido, ou não tinha fome mesmo, o que era bastante estranho levando-se em conta que, depois de Pedrinho, ele era o que fazia os maiores pratos nas refeições.
- Precisa de ajuda? – Helen se ofereceu. – Não entendo muito de Astronomia, mas em Aritmancia eu posso ser de boa valia...
- Quero sim. – Carol olhou agradecida e passou um punhado de papéis para Helen.
Enquanto a sonserina se sentava num dos poucos espaços vazios do chão povoado por mapas, Lílian se aproximou do ex-namorado:
- Como vai? – ela sussurrou no ouvido de Tiago.
Ele sentiu um frio percorrer a espinha, um arrepio de susto e de prazer.
- Bem, quer dizer, mal... – ele ficou em dúvida se ela estava perguntando sobre ele ou sobre os acontecimentos astronômicos, provocando uma risada leve da garota.
- Posso olhar? – ela pediu.
- Claro.
Tiago desocupou o banquinho em que estava sentado e cedeu o lugar a Lílian.
- Nossa, essa nebulosa não devia estar a pelo menos uma hora de onde está?
- Aham. – Tiago concordou.
Apesar de conversarem quase aos sussurros, Sirius estava ouvindo a conversa. Pela primeira vez o rapaz se levantou do telescópio que ocupava – apontado para a Cabeleira de Berenice – e andou até Tiago e Lílian, passando antes por Helen para lhe dar um beijo rápido de oi.
- Onde ela está?
- Próxima à galáxia espiral... – Lílian respondeu.
- Na verdade, ela ainda não se decidiu entre Mirach e Almak. Acho que essa é uma nebulosa com conflitos amorosos. Não sabe com que estrela ela vai se encontrar primeiro! – Tiago brincou.
- Isso não é bom... - Sirius estava sério - Carol, você tem certeza que a posição da nebulosa daqui a três horas vai ser a beta-21?
- Absoluta. A não ser...
- A não ser? – Sirius estava esperando o senão.
- A não ser que um cometa saído da nuvem de Oort há exatamente 263 anos-luz atrás venha desviar sua rota ao entrar em contato com a galáxia espiral de Andrômeda... – ela respondeu consultando alguns de seus cálculos. - Mas essa probabilidade é realmente muito pequena...
- De quanto? – Sirius perguntou preocupado.
- Aproximadamente 0,00287%.
Aquela informação aumentara consideravelmente o estado de nervos de Sirius:
- Droga! Todo esse trabalho não pode ser à toa. – ele começou a esmurrar a palma de sua mão.
- Ora, Sirius, achei que já tínhamos conversado a este respeito... Não podemos evitar ou não saberemos se as previsões...
- Isso foi antes, Carol! Nós não podemos...
- Do que é que vocês estão falando? – Lílian não estava entendendo todo aquele nervosismo.
- Nós tínhamos previsto uma morte, lembra, Evans? Se esse cometa não aparecer, ela vai acontecer esta noite.
- Peraí, um punhado de estrelas no céu não podem impedir a gente de fazer alguma coisa... – Tiago respondeu inconformado.
- Achei que já tivéssemos discutido isso. E não sei porque você mudou de opinião, Sirius! Você tinha concordado comigo que não devíamos tentar impedir.
- Eu mudei de idéia, caramba! Não posso? – ele estava irritado com aquilo tudo. Na verdade, ele tinha decidido que ia impedir aquela morte a qualquer custo desde que soubera que Carol conseguira encher seu talismã, só que não podia dizer isso a ela.
- Desculpe interromper vocês, mas existe alguma constelação chamada Fênix? – Helen perguntou franzindo a testa para o mapa.
- Existe, sim, no hemisfério Sul. – Lílian respondeu.
- Hemisfério Sul? Você tem certeza, Lílian?
- É no Sul, sim. – Sirius respondeu irritado. – Você podia abrir um livro de Astronomia de vez quando, não ia perder nada. – ele descontou na namorada.
- Eu devo ter feito alguma conta errada... – ela resmungou ofendida.
- A fênix apareceu para você também? – Carol perguntou aflita.
Helen fez que sim com a cabeça.
- Eu também achei que estivesse fazendo as contas erradas... Mas você pode refazer. Vai dar 100% de novo. Simplesmente não faz sentido. - a garota começou a apertar o próprio rosto, ansiosa.
- O que é que a fênix tem a ver com a nossa previsão? – Sirius achou que aquela era uma desculpa esfarrapada de Carol para mudar de assunto
- Com a nossa previsão, nada! Essa é outra linha do Manifesto de Morgana. Só que ela diz algo simplesmente absurdo... Que a fênix vai emergir da aurora boreal... Esta noite!
- Quê? – Sirius não acreditou no que estava ouvindo.- Você deve estar mesmo muito cansada, Carol. Quem sabe alguém com uma noção melhor de astronomia do que você possa te substituir nos cálculos pelo resto da noite. – ele disse com uma ponta de amargura.
A garota ficou revoltada ao ouvir tais palavras. Quem ele pensava que era? Mas a resposta saiu da boca da namorada de Black:
- Escuta aqui, Sirius, só porque você sabe um pouco mais de Astronomia que as outras pessoas que estão nessa sala, você não pode ir tirando o crédito do que a Stuart diz, não! Até porque você não sabe bulhufas de Aritmancia, ou então não teria sido expulso da aula da professora Vector.
- Eu não fui expulso da aula porque não sabia nada! – os dois começaram a discutir. – Fui expulso porque ela não tem senso de humor!
- Então acho melhor você calar a boca e acreditar no que ela diz, porque você sozinho não vai conseguir traduzir porcaria nenhuma do que tá escrito no Manifesto. E eu aposto que a Stuart sabe muito mais de Astronomia do que você de Aritmancia. Alguém que parou de freqüentar as aulas de Aritmancia no quarto ano não é capaz sequer de analisar combinatórias...
- Ora, você freqüenta aulas de Poções desde o primeiro ano e até hoje não consegue fazer uma corretamente! – Sirius e Helen não estavam mais pensando no que diziam.
- Você dois querem fazer o favor de parar com isso! – Frank Longbottom, que chegara à sala no meio da discussão, explodiu: - Se qualquer um de vocês soubesse bem todas as matérias, não haveria motivos para fazerem uma parceria. Por que é que em vez de ficarem discutindo a esmo, vocês não se sentam junto para tentar resolver o problema? Aliás, qual é o problema? – ele ainda não sabia sobre a tal história da Fênix.
Carol explicou rapidamente, lançando um olhar de raiva para Sirius por não acreditar nela. Ele e a namorada continuavam com cara de emburrados.
- Fênix... Fênix... – e então Longbottom pareceu se lembrar de onde tinha ouvido aquela palavra recentemente. - A varinha!
- Vicht! Isso aqui tá ficando cada vez mais complicado. – Lílian suspirou.
- Escuta, em algum lugar aí diz que essa fênix é a constelação? – Longbottom perguntou.
- Não exatamente. - Carol começou a responder e Sirius deu um risinho de "eu não disse?" -, mas todos os animais encontrados normalmente fazem referência a alguma das constelações. - ela argumentou. – Lebre, Dragão, Serpente, Leão, Águia...
- A fênix vai emergir da Aurora Boreal... – Longbottom falava consigo mesmo. – Será que isso quer dizer que ele estará no Norte?
- Ele quem, Frank? – Helen estava impaciente com as voltas que o ex-namorado dava, sem chegar a lugar nenhum.
- Vocês já vão entender. Na verdade eu tinha guardado isso para te mostrar, Helen. – ele disse tirando um recorte de jornal de dentro da mochila. - Saiu hoje de manhã e como eu sei que você não gosta muito de ler jornal...
A menina tinha um ponto de interrogação na testa. O que ela tinha a ver com a tal fênix?
- Bem, eu achei que saber do que era feita a varinha de Voldemort poderia ajudar a descobrir se foi ele em pessoa que torturou Cameron... Ouçam isso: Segundo o especialista em varas de condão, Edmund Olivaras, a varinha usada por Você-Sabe-Quem provavelmente contém uma pena da cauda de fênix, que confere a ela uma precisão inigualável na execução de feitiços. Dentre todos os elementos mágicos utilizados na confecção de varinhas de condão, as penas da cauda de uma fênix se destacam pelo seu poder de condução, ou seja, de executar feitiços com a mesma força e poder com que o dono se concentra ao realizá-los. São poucos os bruxos e bruxas que se adaptam perfeitamente a essas varinhas... – ele leu o trecho que mostrava onde tinha ouvido falar do pássaro.
- A fênix representa Voldemort? – Tiago levou um baque.
- Talvez... – Longbottom estava apreensivo. – Não podemos tirar conclusões precipitadas.
- Deve ser... – Tiago deixou-se cair no chão, apoiando os cotovelos no joelho enquanto tentava se lembrar da viagem do pai, nas últimas férias. – Helen, você foi para o Norte com nossos pais...
Então Sirius se lembrou da conversa que ouvira na casa dos Potter, nas férias passadas:
- Eles achavam que a origem dos problemas estava no Norte. Você acha que... A aurora boreal?
- Nós não chegamos tão ao Norte. - ela respondeu, esquecendo-se momentaneamente da briga que tivera há pouco. - Paramos na Noruega...
- Isso enquanto você estava com eles? – Tiago inquiriu.
- É.
- Então, depois que você foi embora, eles podem ter chegado ao Pólo, não podem? – Tiago continuou seu raciocínio.
- Podem, sim. E eu me lembro que quanto mais ao Norte, mais notícias de ataques eram ouvidas. E naquela época Voldemort ainda não era lá muito conhecido... Parece que não tinha tanta força.
- Peraí, - Lílian interrompeu. – eu achava que Voldemort já tinha conseguido se tonar realmente poderoso e imortal depois... depois que... – ela olhou apreensiva para Tiago. Não queria lhe proporcionar lembranças dolorosas.
- Depois da morte dos meus pais. – ele mesmo completou. – Parece que sim. O que será que quer dizer esse emergir da Aurora Boreal?
- Que ele vai fazer algum feitiço para ganhar mais poder, ué... Só pode ser isso... – Helen disse como se tudo fosse óbvio.
- Nós ainda não temos certeza de que essa fênix se refere a Voldemort. – Longbottom lembrou. – Essa é uma suposição. Eu só estava querendo dizer que isso pode não ter tanto a ver com as estrelas...
Sirius deu um suspiro de cansaço. Mais um problema para ser resolvido ainda naquela noite. Se ao menos o tal cometa aparecesse... E se a tal morte estivesse condicionada aos eventos no Pólo Norte? Ele não conseguiria ver a Aurora Boreal por um telescópio. Esse era um fenômeno para ser apreciado a olho nu, no próprio local. Aquele show de luzes só podia ser vistos nos países do Extremo Norte e o melhor local para apreciá-lo era o Alaska. Mas que diabos Voldemort poderia fazer com aquele jogo de luzes verdes que não era mais que uma imagem bonita a ser apreciada?
- Bem, se isso for obra de Voldemort, não há muito que possamos fazer... – Carol foi realista.
- Carol, essa morte que vocês previram... Ela não vai acontecer no Norte, vai? – Helen perguntou apreensiva. Seu pai fizera uma nova viagem para o Alaska na noite anterior.
- Não. – Carol e Sirius responderam juntos. – Pela latitude e longitude indicada, o local parece ser Hogsmead... – a menina completou.
- Então nós temos o dever de evitar que ela aconteça! – Longbottom disse resoluto.
Os seis alunos se entreolharam:
- Muito bem! Meus apelos não adiantam em nada... – Carol resignou-se. - Se querem fazer isso realmente, então é melhor voltarmos ao trabalho. Ainda há muito a ser decifrado.
Sirius retomou seu lugar na frente de um dos telescópios. Longbottom e Helen se juntaram a Carol nos cálculos, enquanto Lílian e Tiago dedicavam-se à constelação de Andrômeda.
- Sirius, rápido, venha até aqui! – Tiago chamou o amigo com urgência. – O cometa! O cometa apareceu!
Black atravessou a sala correndo, pisando em alguns dos mapas que estavam jogados no chão. E não foi o único: todos os presentes na sala, que incluía agora Sophie e Remo, amontoaram-se em torno do telescópio voltado para Andrômeda. O batedor da Grifinória começou a rir à toa logo após tomar o lugar de Tiago.
- O que foi Sirius? Falei alguma besteira? – Tiago achou que o amigo estivesse rindo dele.
- Não. – ele suspirou aliviado. – O cometa está aqui. E ao que tudo indica, Carol, a sua probabilidade mínima vai acontecer... Ainda bem.... Acho que todo mundo aqui merece um descanso, concordam? – ele virou de costas para a luneta.
- Nosso astrônomo finalmente se cansou de ver estrelas? – Carol brincou. Ela também estava aliviada em pensar que ninguém mais iria morrer.
- Hum... Sem querer parecer workaholic, mas... – Frank hesitou em falar. – E a tal fênix e a aurora boreal?
- Isso está além do nosso alcance, Frank... – Sirius explicou. – Não há nada que possamos fazer se não sabemos nem a localização exata, muito menos o que estas palavras realmente significam.
- Bom, acho que o melhor que temos a fazer é sair dessa sala. Quer dizer, assim que acabarmos de arrumar tudo, ou a Srta. Moonlight nunca mais vai nos deixar ficar mofando aqui dentro com um lindo dia de sol lá fora.
- Sol é algo que já não existe mais, Carol! – Sophie apontou uma das janelas. – Tudo o que temos é uma linda lua crescente...
Eram pouco mais de nove e meia da noite quando finalmente acabaram de guardar tudo. Todos eles carregavam uma enorme leveza dentro de si, agora que sabiam que ninguém iria morrer. Esse sopro de felicidade que impregnava o ar daquela sala levou Tiago a finalmente tomar sua decisão. Ele iria reatar com Lílian; iria contar tudo para ela e seria agora. Ele chegou de mansinho e sussurrou na orelha da garota: "Que tal um passeia sob a luz do luar?". Lílian sorriu sem virar para trás, o rosto quente:
- Frank, será que você pode levar minha mochila e entregar para uma das garotas do meu dormitório? – ela pediu ao amigo.
- Ué, você não vai para lá agora?
- Eu tenho que terminar um relatório da monitoria... – ela deu como desculpa, pois mesmo os monitores eram proibidos de ficar zanzando pelo castelo durante a noite.
- Tudo bem. – ele pegou a mochila da garota.
Enquanto isso, Tiago pedia a Remo que fizesse o mesmo por ele. No entanto, ele não mentiu:
- Vou falar com a Lílian.
- Boa sorte! – o amigo piscou.
- Você não vai ver a Margot hoje? Quero dizer, eu não vou usar a capa, se você precisar...
Remo deu um suspiro de tristeza:
- Ela está louca da vida comigo porque eu disse que tenho que viajar amanhã...
Tiago não soube o que dizer. Aquele era o último dia de lua crescente. A noite seguinte já seria lua cheia e Remo novamente iria se tornar um lobisomem.
- E se você contasse para ela? – Tiago não achava aquilo realmente uma boa idéia, mas não havia uma solução melhor.
- Não. Não tenho coragem... – Remo respondeu triste.
- Alguém quer carona? Estou indo para Corvinal. – Carol Stuart estava sobre sua vassoura em frente a uma das janelas.
- Eu já tenho a minha. – Sophie, a única outra corvinal do grupo, respondeu. – Vou a pé com o Frank.
- Te vejo lá, então. – e a menina deu um impulso e saiu planando.
- Sirius, você vem comigo? – Remo perguntou, interrompendo um beijo do batedor na namorada.
- Só se estiver em seus planos passar pela cozinha do castelo! Estou morrendo de fome!
- Nós vamos fazer de conta que não ouvimos, ok? – Longbottom piscou para Lupin e Black, e deixou da sala.
- Você vem também, amor? – Sirius perguntou a Helen, depois de mais um beijo rápido.
- Tava pensando em acompanhar a Lílian. Preciso falar com o Snape e, a um hora dessas, ele deve estar na Sala dos Monitores...
Percebendo o olhar arregalado de Tiago, Sirius insistiu com a garota.
- O que é isso? Você vai me trocar pelo Seboso, é? – ele fingiu que estava emburrado.
- Ai, você sabe que detesto que chamem Severo por esse apelido... Sei que ele não é muito receptivo...
- Receptivo? Se Snape fosse um animago seria um cavalo, de tanto coice que dá nos outros.
- Sirius, você tem a mania de julgar as pessoas sem conhecê-las direito! Pois fique você sabendo...
O casal de namorados começou uma discussão que demoraria a terminar. Aproveitando que Helen se encontrava distraída, Remo fez sinal para que Lílian e Tiago saíssem rápido dali. Eles não hesitaram em obedecer.
Tiago e Lílian percorreram o castelo com cuidado para não topar com nenhum monitor, ou pior, com Argus Filch. Se fossem pegos fora da Sala Comunal naquele horário levariam uma detenção. Vez ou outra Tiago se certificava que o caminho estava livre através do Mapa do Maroto, que Lílian já conhecia do tempo em que namoravam. Foram pouco mais de quinze minutos até se encontrarem fora do castelo. Ali era muito menos provável que alguém os encontrasse; talvez a exceção fosse Hagrid, mas Tiago tinha certeza que o guarda-caças não os denunciaria.
- Hum, nada como um lindo céu estrelado. – Tiago abriu os braços, fechou os olhos e inspirou o ar da noite.
- Achei que já tivesse visto estrelas o suficiente por hoje... – Lílian debochou.
- Ah, não corta o meu barato! – ele fingiu aborrecimento. – Depois as mulheres reclamam que os homens não são românticos...
A garota deu uma risada límpida e escancarou o sorriso; as covinhas que Tiago achava adoráveis enfeitaram o rosto da menina. A notícia que recebera há pouco deixara o rapaz tão feliz que ele não imaginava que ainda poderia ficar mais alegre. Estava enganado: o sorriso de Lílian provara que a felicidade que experimentara ainda iria aumentar no decorrer da noite.
Já eram meados de março e a primavera dava o ar da graça, enfeitando o gramado que circundava o castelo com flores coloridas e perfumadas. A lua, que estaria completa na noite seguinte, se encarregava de iluminar o caminho do casalzinho.
- Hum... aposto que você não me pega! - Lílian desafiou, sentindo uma vontade enorme de voltar a ser criança e correr por aquele tapete florido.
Tiago não pensou duas vezes antes de seguir a garota. Ele sentia a brisa suave bater no rosto, enquanto a menina trançava o caminho por entre as macieiras, tentando dificultar a aproximação do rapaz. Mas ele era rápido e tinha desenvoltura para livrar-se dos obstáculos. Em pouco tempo alcançou Lílian, agarrando-a pela cintura e puxando-a para junto de si. Com os narizes a menos de dois dedos de distância, o inevitável aconteceu. Os lábios dos dois jovens se atraíram como ímãs e as bocas se beijaram violentamente, tentando recuperar o tempo perdido. A menina deixou os dedos deslizarem pelo cabelo negro e revolto de Tiago; ele a segurava firmemente, como se ela pudesse escorregar daquele abraço morno.
Os lábios enfim se descolaram e Lílian encarou o rapaz com seus olhos verdes mais brilhantes do que nunca. Aproveitando o estado de bobeira do garoto, que parecia ter sido enfeitiçado por aquele par de esmeraldas, ela se desenroscou dos braços dele e fugiu para trás de outra árvore, continuando a brincadeira.
Tiago passou ainda alguns minutos ali parado, indeciso entre continuar a admirá-la e chegar perto daquele bibelô. O vento fraco era suficiente para fazer os cabelos vermelhos da menina esvoaçarem, bem como o vestido leve que ela usava. Tiago andou devagar até onde ela estava; ela não se moveu. Lílian não resistiu quando o rapaz pegou em sua mão e guiou-a até um descampado, onde a luz branca da lua os banhava. Ali Tiago parou novamente, ajeitando o cabelo comprido da garota sobre o ombro, de modo que a pele alva da nuca ficasse à mostra.
Era como se uma música doce e suave começasse a tocar de repente. Lílian se sentiu flutuar enquanto Tiago roçava sua nuca com os lábios. Então, a menina sentiu um beliscão na ponta do nariz e, ao abrir os olhos, deu com uma pequena borboleta. Ao menos ela pensou que fosse uma borboleta, mas logo entendeu... Eram dríades, as ninfas dos bosques, que pareciam dançar ao redor dela e de Tiago, como se também pudessem ouvir a mesma melodia que a menina.
Lílian girou suavemente para encontrar a boca do namorado. Aqueles meses tinham sido tão longos. Os lábios se acariciavam mutuamente, num vai-e-vem lento e prazeroso. As línguas se tocavam afoitas, procurando reviver os momentos tão corriqueiros poucos meses atrás. Então, mais calmos e satisfeitos, os dois se abraçaram e, selando aquele momento tão esperado, Tiago sussurrou no ouvido de Lílian:
- Eu te amo, minha florzinha escarlate.
Ela sentiu as orelhas tremerem e o rosto afoguear-se. Queria ficar ali abraçada a Tiago pelo resto da vida. Mas, infelizmente, o rapaz teve que interromper aquele momento singular. Ele precisava contar tudo o que acontecera a ele desde aquela triste noite de natal. Primeiro, sobre como a recusa dela o fez refletir sobre o futuro; depois, dos acontecimentos da noite de Ano Novo. Ele contou de como, enfim, tivera que crescer, que ser realista.
A garota sentiu o coração apertar ao ouvir Tiago relatar que se comprometera a participar do Feitiço das Casas. Apesar de ela mesma ter sugerido ao grupo de estudos que fizessem o encantamento, agora ela via tudo sob uma nova perspectiva. O fato de Tiago ser o representante da Grifinória colocava-o em maior risco que as pessoas comuns e ela não suportava a idéia de poder perdê-lo. Todavia, ela não o interrompeu com suas apreensões. Deixou Tiago contar cada detalhe de como Sirius e Remo descobriram e de como ele pensara que manter-se afastado dela era o melhor meio de mantê-la protegida. O impulso de Lílian foi abraçar o namorado e encostar o rosto em seu peito. Precisava ouvir o coração acelerado de Tiago para ter certeza de que ele estava seguro. Foi então que ela sentiu o pingente debaixo da camisa:
- O que é isso? – ela perguntou baixinho, olhando para ele.
- A gema... – ele puxou o cordão para fora da camisa, desanimado. – Agora só falta a minha...
Lílian contemplou o pequeno vidrinho em forma de leão, completamente vazio. Ela não sabia o que dizer a Tiago; achou melhor dar-lhe um beijo de compreensão. Ele a apertou novamente nos braços e fechou os olhos, procurando conforto. Mas quando voltou a abri-los, o desespero tomou conta de sua alma.
- Lílian, corra para o castelo! Anda! – ele disse empurrando-a.
- O que houve, Tiago?
Então a menina se virou e percebeu uma estranha luz verde que confundia-se com o luar. As dríades que há pouco brincavam ao redor dos namorados, voaram novamente para o abrigo das árvores, assustadas. Ela levantou o olhar para a origem daquela luz e deu com a imagem de uma caveira incrustada no céu estrelado: a Marca Negra. O pânico tomou-a de tal maneira que sua voz não conseguiu sair; o grito ficou engasgado na garganta.
- Corra para o castelo, Lílian. Avise Dumbledore. – Tiago falava rápido e tenso, segurando o rosto da garota e olhando dentro dos olhos dela, tentando demonstrar uma segurança que ele não tinha.
- Vem comigo, Tiago. – ela o puxou pelo braço.
- Sirius errou, Lílian. A Marca Negra está sobre Hogsmead. Eu não posso deixar que alguém morra! Corre pro castelo, anda!
- Mas, Tiago... – ela sabia que ele estava certo, só não conseguia deixar de ter medo.
- Ah, Lílian, tem mais uma coisa que você precisa saber sobre mim.
Parecia que os olhos da menina iam saltar das órbitas no momento em que ela viu o corpo do namorado ir mudando de forma. Os cabelos espetados tinham se transformado em chifres fortes e pontudos; em volta dos olhos duas manchas circulares marcavam o lugar dos óculos. Ele deu uma lambida de leve na mão da garota e a empurrou devagar com o focinho, reforçando o pedido de que ela fosse procurar ajuda.
Ainda meio atordoada com a revelação, Lílian saiu correndo rumo ao castelo, mais rápido do que jamais correra em sua vida. Enquanto a menina avançava pelo gramado, Tiago galopou até o salgueiro lutador. Aquele era o atalho mais rápido para se chegar a Hogsmead de fora do castelo. Ao chegar perto da árvore gigantesca Tiago readquiriu sua forma humana e procurou por algum galho comprido o suficiente para alcançar a alavanca que imobilizaria o salgueiro. Não demorou muito a encontrar. O rapaz conhecia bem o túnel que ia dar na Casa dos Gritos e, uma vez no esconderijo de Remo, ele poderia aparatar para qualquer lugar de Hogsmead. Bastava verificar sobre qual lugar a Marca Negra planava.
Quanto mais perto da casa, mas certeza ele tinha de que havia uma pessoa gritando. Eram gritos de quem sofre uma dor intensa. Foi por instinto, ou simplesmente por pura sorte, que Tiago Potter preocupou-se em não fazer barulho enquanto avançava pelo túnel empoeirado. Se tivesse feito qualquer ruído, provavelmente não teria presenciado aquela cena.
Logo no primeiro cômodo da casa, Tiago encontrou Pedrinho Pettigrew agonizando em dor, pedindo clemência a um ser encapotado de pé em frente a ele. Mas as lamúrias de Rabicho não o impediram de denunciar Tiago com o olhar. Não que ele tivesse essa intenção, porém não conseguiu disfarçar o espanto em ver o amigo ali dentro. O comensal que o torturava percebeu a reação do rapaz gorducho e virou-se rapidamente. No entanto, Tiago estava preparado:
- Impedimenta! – uma rajada prateada voou de sua varinha.
- Tiago, vo-você me achou? – o tom de voz de Rabicho estava entre a surpresa e o desespero.
- Some daqui, Pedrinho! Vai buscar ajuda! Anda!
Pedro Pettigrew se transformou numa ratazana branca e obedeceu à ordem do amigo. Agora Tiago precisava arranjar um jeito de segurar o comensal ali até alguém aparecer. Àquela altura, Lílian provavelmente já tinha avisado Dumbledore e o socorro não iria demorar.
- Como assim Dumbledore não está? – Lílian olhava perplexa para Severo Snape, que estava sentado na cadeira do diretor.
- Ora, garota, ele tem assuntos mais importantes para resolver do que ficar sendo importunado com relatórios de monitores incompetentes. – ele disse olhando para um dos muitos quadros da sala do diretor.
- Então deve ser por isso... Me diga, ele saiu quando você chegou? – ela não aturou o desaforo.
- Eu já disse que Dumbledore não está, Evans. Pode ir embora.
- Então me diga onde eu posso encontrar algum professor nessa escola, porque a professora McGonnagall também não está no escritório dela, nem a Professora Figg na sala de DCAT.
- Você não acha que pode tirar dúvidas sobre as matérias uma outra hora, não?
- Snape! Se eu não achar um professor logo, Tiago pode morrer em Hogsmead!
O rapaz deu um pulo da cadeira:
- Como?
- Nós vimos a Marca Negra estampada no céu para os lados de Hogsmead. Eu vim buscar ajuda, enquanto Tiago foi tentar impedir que mais uma morte aconteça. Você está me entendendo?
O monitor-chefe não respondeu nada. Saiu correndo da sala deixando a garota sozinha.
- Ora, ora, então agora o Potter resolveu adicionar ao seu hall da fama um feito heróico. Salvar um amigo da varinha de um comensal da morte... É realmente uma pena! Eu e o Pettigrew estávamos nos divertindo!
Estar sob o efeito do Impedimenta não impedia o comensal de falar. Tiago reconheceu aquela voz arrastada de imediato:
- Vai continuar se escondendo debaixo dessa capa, Malfoy? Imaginei que os comensais fossem menos covardes! – ele disse com um misto de raiva e desprezo na voz.
- Não há motivo para pensar tal coisa. – ao levantar o capuz, os olhos cinzentos e gélidos do rapaz louro encontraram os de Tiago Potter. – Até porque você não sairá vivo daqui para contar a alguém o que viu. Crucio!
Uma rajada verde eclodiu da varinha de Malfoy, que, finalmente, estava livre do feitiço que Tiago lhe jogara há pouco. O rapaz gritou ao ser atingido pelo encantamento; uma dor inimaginável nascia em cada milímetro de seu corpo. Até mesmo respirar era doloroso e, por um instante, Tiago desejou morrer.
- Idiota! – Malfoy levantou a varinha dando fim à tortura. – Achou que poderia desafiar um comensal da morte? Você é mesmo muito presunçoso, Potter. Isso aqui não é um jogo de quadribol. Você não conseguirá salvar tudo no último minuto.
Então Malfoy apontou a varinha para o grifinório mais uma vez, disposto a reiniciar a sessão de tortura. Mas Tiago conseguiu rolar para o lado antes que o feitiço o atingisse. Para complicar a situação, sua varinha tinha ido parar longe após o primeiro ataque do comensal.
- Por que você também não se transforma num ratinho, como seu amigo, Potter? Daí você poderia correr e se esconder num armário... – e no tom mais cínico que conseguiu moldar: - Ah, aqui não é a Fogueiras & Cinzas... Não há um armário para você se esconder. Que pena! – Malfoy soltou outra rajada em direção a Tiago.
O rapaz sentiu cada músculo do seu corpo gritar com o esforço que fizera para se esquivar novamente do feitiço. Ele precisava se concentrar! Fizera isso tantas vezes quando pequeno... Malfoy ficava cada vez mais irritado com as escapadas do grifinório, por isso, não se deu ao trabalho de fazer mais um de seus ásperos comentários antes de atacar novamente:
- Crucio!
- Escudate! – Tiago ao mesmo tempo, estendendo o braço, a palma da mão esticada num sinal de pare.
Ele se concentrou com todas as forças naquele feitiço, suplicando que ele fizesse efeito e barrasse a magia lançada pelo comensal. Mas como qualquer feitiço conjurado sem varinha, o bruxinho não conseguiu evitar que o encantamento apresentasse distorções... Nesse caso, as modificações foram a favor de Tiago. Em vez de simplesmente barrar o feitiço, seu escudo encantado – uma espécie de muro formado de plasma mágico que apareceu diante dele – refletiu a maldição.
Um novo grito ecoou pela sala pequena. Tiago se levantou ofegante para constatar que Lúcio havia sido atingido pelo próprio encantamento e agiu rápido, tomando a varinha do adversário e chamando a sua com um feitiço convocatório.
- Será que você continua assim tão valente sem uma varinha, Malfoy? – o ódio era nítido no olhar de Tiago.
- Você... Você não vai usar a Cruciate em mim, vai, Potter? – suas palavras eram interrompidas pela respiração ofegante de dor e apreensão. – Isso... Isso não... não deixaria seus pais... felizes...
- Eu não preciso me igualar a você... – Tiago cuspiu no ex-aluno da Sonserina. – Mas, com certeza, você será melhor companhia estuporado do que consciente.
O grifinório apontou a varinha para Malfoy, mas antes que pronunciasse as palavras mágicas, sentiu um forte baque nas costas e caiu estuporado diante de Lúcio Malfoy.
- Sirius! Remo! Pedrinho! Qualquer um!
Lílian esmurrava a porta do dormitório masculino do sétimo ano desesperada. Exatamente por esse motivo, Remo quase levou um soco no olho ao destrancar a porta:
- Credo! Cuidado com essa direita! – ele estranhou a menina. – Que que houve?
- Ah, Remo, adivinha! No mínimo o Tiago resolveu brincar de esconde-esconde com a Evans e ela acha que ele tá aqui. – Sirius tirou sarro, sem imaginar a seriedade do problema. Qualquer vestígio do mau-humor que o assolara durante a tarde e o início da noite desaparecera por completo.
- Sirius! Vocês fizeram os cálculos errados! Acho melhor vocês virem comigo antes que a tal morte que vocês tinham previsto seja a de Tiago – ela falou rápida e aflita.
- Onde ele está? – Remo perguntou.
- Em Hogsmead! Nós vimos a Marca Negra no céu! Parecia que tinha sido lançada de lá!
- Eu vou na frente! – Sirius tirou a blusa do pijama e vestiu a primeira camisa que viu na frente. – Vocês dois vão atrás de Dumbledore.
- Dumbledore não está no castelo! Nenhum professor está!
- Como? – os dois rapazes não acreditaram.
- A primeira cosia que fiz foi procurar Dumbledore. Mas ele não estava... Só o Snape – ela falava rápido sem se preocupar em articular as frases. – Ele disse que não tem nenhum professor no castelo... Foram viajar, parece...
- O que o Snape estava fazendo sozinho no escritório de Dumbledore? – Sirius achava tudo muito estranho.
- Não há tempo para isso agora, Sirius. Lílian, você vai procurar o Longbottom e o Fletcher. Se houver comensais em Hogsmead vamos precisar de ajuda e os dois são bons em duelos. Existe uma passagem secreta para Hogsmead no terceiro andar, atrás da estátua de uma bruxa corcunda de um olho só. A senha para abri-la é Dissendium. Vai dar na Dedos de Mel. Fale para eles utilizarem e aparatarem para fora da loja assim que chegarem lá. Eu e Sirius vamos para Hogsmead imediatamente.
Lupin puxou a varinha que estava sobre o criado-mudo ao lado de sua cama e prendeu-a no cinto. Black também já estava pronto. Os três saíram correndo pela torre da Grifinória, causando estranhamento nos alunos que ainda estavam acordados. Uma monitora do 5º ano tentou barrar os dois marotos na saída da sala comunal e acabou petrificada por Sirius. Ele e Remo correram desabalados até a passagem secreta, sem se importarem em serem pegos por Filch, enquanto Lílian corria com Longbottom em direção à Corvinal.
- Seu idiota! O que você pensa que está fazendo? Quer estragar tudo? – Snape lançou seu olhar mais duro para a figura de Malfoy.
- Eu só estava me divertindo um pouco! – ele respondeu já de pé, espanando o pó das vestes. – Esse intrometido apareceu no meio de uma iniciação...
- Humpf! – Severo rosnou e fez uma careta de desaprovação.
Ele mirou o corpo de Tiago estendido no chão. Como o rapaz estava de bruços, ele o empurrou com um chute na bacia, deixando-o de barriga para cima. Os óculos tinham se partido no meio e a lente de um dos aros estava estilhaçada. Snape voltou a conversar com o comensal:
- Ele sabe que você está aqui?
- Ora, se estou seguindo ordens d'Ele...
- Acho muito arriscado iniciar novos comensais debaixo do nariz de Dumbledore.
- Você não parecia muito preocupado na sua vez... – Malfoy resmungou.
- Isso não vem ao caso. Além do mais, você se excedeu dessa vez. Acredito que o Lorde das Trevas não tenha lhe dado autorização para torturar o Potter.
- Ora, e qual o problema em torturar um amante de trouxas? Tenho certeza de que Ele aprovaria minhas atitudes, e como eu lhe disse, o Potter apareceu aqui no meio de uma iniciação. Não havia como evitar... – e ele concluiu num sussurro. - E mesmo que houvesse, eu não evitaria... Aliás, por que é que você tá se doendo por esse aí? – Malfoy voltou a falar no tom arrogante de sempre.
- Ora, não seja estúpido, Malfoy! Eu? Com pena de Tiago Potter?
- Então por que não damos um fim nele? Seria um favor para a comunidade bruxa. Ao menos aquela que honra o próprio sangue.
- Não.
- Não? E por que não, Snape?
- Ainda não lhe passou pela cabeça que a uma hora dessas a namoradinha dele já deve ter encontrado Dumbledore? – Snape mentiu. Ele sabia que o diretor não estava no castelo.
- Aquela sangue-ruim idiota! Bem, então eu vou aparatar e dar o relatório do meu serviço.
- Você conseguiu concluir a iniciação?
- Que nada... Mal tínhamos começado quando o maldito apareceu... Você apaga a memória dele? – Malfoy perguntou chutando o corpo inerte.
Snape acenou com a cabeça que sim e o outro desapareceu. Foi só o tempo de executar o feitiço e dois rapazes aparataram dentro da Casa dos Gritos. Eram Sirius e Remo.
- O que você fez com ele? – Black perguntou indignado, enquanto Remo se abaixava para examinar Tiago de perto.
- O mesmo que você: nada! Acabei de chegar.
- Como você sabia que ele estava aqui? – Remo levantou o rosto e encarou Snape.
- Eu poderia fazer a mesma pergunta aos senhores! – ele deu um sorriso cínico. – A Srta. Evans me contou que a Marca Negra fora vista em Hogsmead. Como eu estou responsável pela escola...
- Você está responsável pela escola? – os dois rapazes exclamaram juntos, achando aquela idéia totalmente despropositada.
- Se discordam, digam ao diretor. Eu não vou ficar discutindo isso com vocês.
Sirius fulminou o monitor-chefe com o olhar por aquela resposta. Mais preocupado em tirar Tiago dali, Remo conjurou uma maca:
- É melhor levarmos ele para a enfermaria. Parece que foi estuporado.
Sirius encarou o monitor-chefe com olhos rancorosos e então se abaixou para ajudar Remo a colocar o amigo sobre a maca. Snape recolheu os restos do óculos de Tiago e a varinha do mesmo:
- Acho que ele ainda vai precisar... – e entregou os objetos a Sirius, que tirou-os da mão do monitor com raiva.
Antes que levitassem a maca, outros dois alunos da escola de bruxaria aparataram no local:
- O que houve? – Mundungo não entendeu o que Snape estava fazendo ali.
- Isso só Tiago poderá dizer, quando acordar... – Remo respondeu.
- Se ele acordar... – Snape entortou a boca ao fazer o comentário maldoso.
- Pois se ele não acordar acho que nós já sabemos quem foi o culpado. – Sirius acusou.
- Vocês já me acusaram sem motivo uma vez... Estão querendo repetir a dose? Desta vez eu vou pedir algo maior em troca!
- Que tal se nós parássemos de discutir e levássemos o Potter para enfermaria logo? – Frank estava perito em terminar discussões.
- Por aqui... Conhecemos um atalho... – Remo se dirigiu para a saída pelo Salgueiro lutador.
- Ah, é, Lupin conhece esse atalho muuuito bem. - Snape não deixou de alfinetar.
- Você também se lembra desse atalho muito bem, não é, Snape? – Sirius deu o troco, deixando Longbottom e Fletcher sem entender do que os dois estavam falando.
A volta ao castelo foi rápida e Madame Pomfrey já os esperava com uma poção para reanimar pronta para ser usada. Lílian teve a sensatez de procurar a enfermeira logo depois de avisar Frank e Mundungo. Tiago despertou com uma dor de cabeça peculiar; parecia até que tinha tomado um porre.
- Onde eu estou?
- Na enfermaria, querido! Agora fique quietinho, você tem que descansar. – a voz calma da senhora ecoou nos ouvidos do rapaz.
Ele abriu os olhos e enxergou três pessoas bastante desfocadas a sua frente: Lílian, Remo e Sirius. Longbottom e Fletcher tinham ficado do lado de fora da enfermaria. "Vocês podem entrar aos poucos!", foi a recomendação de Madame Pomfrey. Snape, logicamente, não ficara para ver o desafeto acordar. Aproveitando que a enfermeira os deixou para ir buscar uma nova poção, Sirius perguntou:
- Então, o que aconteceu?
- Ãh, quê? – a cabeça de Tiago ainda estava confusa. – Cadê meus óculos?- ele perguntou esfregando as mãos nos olhos.
Sirius entregou o objeto devidamente restaurado e Tiago o pôs no rosto rapidamente. Não conseguia pensar direito sem eles. De imediato percebeu a ansiedade naqueles três pares de olhos de cores sortidas. O verde-esmeralda dos olhos de Lílian prendeu sua atenção e ele se deixou embasbacar por alguns segundos, até que Sirius o inquiriu novamente:
- Então, o que foi que aconteceu na Casa dos Gritos?
- Casa dos Gritos? Do que é que você tá falando, Sirius?
- A Marca Negra, Tiago! – Lílian tentou clarear a memória do namorado.
Então ele se lembrou da Marca Negra, pairando no céu, estragando um dos melhores momentos de sua vida. Lembrou-se de mandar Lílian de volta ao castelo para buscar ajuda e de ter imobilizado o salgueiro lutador. Só que, por mais que se esforçasse, não conseguia lembrar de nada que tivesse acontecido depois.
- Como assim não se lembra? – Sirius insistiu.
- O que vocês pensam que estão fazendo? – Madame Pomfrey voltou. - Ele tem que descansar. Fora daqui, os três! Falei que podiam ficar perto dele desde que ficassem quietos!
- Madame Pomfrey, será que eu... – Lílian tentou mais uma vez.
- Não. Os três de volta para o dormitório, ou vou chamar o Sr. Filch.
Os grifinórios saíram, muito a contragosto, para evitar confusões. Do lado de fora da enfermaria, Frank e Mundungo estavam curiosos:
- E aí, que foi que ele disse? – Fletcher perguntou.
- Nada. – como Sirius parecia frustrado demais e Lílian preocupada demais, Remo resolveu responder. – Ele não se lembra.
- Não se lembra? – Frank se admirou. - De nada?
- Nada. - Remo confirmou.
- E agora, fazemos o quê?
- Vocês eu não sei... Eu vou dar plantão na porta da sala do Dumbledore. Só saio de lá quando ele voltar e vier ver o Tiago! Ninguém me tira da cabeça que tem dedo do Snape nessa história.
Os outros quatro acharam que aquela não era uma má idéia, até porque, depois dos últimos acontecimentos, eles não conseguiriam dormir tão cedo.
Sirius não fazia idéia de que horas eram quando um ruído vindo detrás da parede onde estava recostado o acordou. Ele olhou para os companheiros um a um: todos eles estavam envoltos pelo sono, dormindo de forma desajeitada em frente à passagem que dava para o escritório de Dumbledore. Ele tentou se esticar e sentiu o músculo do pescoço repuxar. Que bela hora para se ter torcicolo! Com algum esforço para não chutar a cabeça de Fletcher, Sirius se levantou e colou o ouvido na parede, tentando descobrir de onde saíra aquele ruído.
No mesmo instante a parede começou a se abrir, e ele, que apoiava seu peso nela, perdeu o equilíbrio e caiu sobre Remo e Frank, acordando os dois. Se bem que, se não tivessem acordado daquele modo, teriam sido acordados pelo som estridente da gargalhada da professora Sprout, a diretora da Lufa-lufa, quando esta deu de cara com os cinco alunos embolados em frente à passagem:
- Eu já vi muito aluno fugir de detenção, mas procurar por uma é a primeira vez! – ela brincou.
Logo atrás dela outros professores foram surgindo, todos eles com expressões bastante felizes nos rostos. Quer dizer, todos com exceção da professora Minerva McGonagall, que parecia realmente zangada em encontrar quatro alunos de sua casa, dois deles monitores, fora dos dormitórios no meio da madrugada. Lílian se levantou de supetão, tentando arranjar uma desculpa, mas não conseguiu pensar em nada:
- Professora McGonagall, nós... é... hmmm...
A expressão severa da professora deu a entender aos dois monitores que teriam que arranjar uma boa explicação para aquilo. Mas isso seria mais tarde, porque a voz de Dumbledore apontou na passagem:
- Quer dizer que eu tenho visitas? – os alunos viram o velho bruxo de longas barbas prateadas e oclinhos meia-lua sair pela passagem.
Recuperados do susto e do sono, os cinco começaram a falar ao mesmo tempo, cada um deles contando uma coisa diferente, o que tornava impossível para qualquer um entender o que diziam:
- Um de cada vez, por favor! As damas primeiro. Srta. Evans?
A ruivinha olhou para cada um dos amigos a sua volta, tomou fôlego e começou a contar a história toda, desde o encontro com Tiago fora do castelo – nessa parte ela olhou ressabiada para a diretora de sua casa, que não parecia muito compreensiva – até o ponto em que bateu na porta do dormitório masculino do sétimo ano da Grifinória. Nesse ponto, Remo e Sirius assumiram a narração. Eles não contaram como fizeram para chegar a Hogsmead, nem Dumbledore pareceu se preocupar com isso. O semblante descontraído do velho diretor fora substituído por uma aura de apreensão e desconfiança. Sirius insistiu em ressaltar o fato de que Snape fora encontrado ao lado de um Tiago desmaiado... Nesse momento Fletcher lembrou Sirius de contar que Severo Snape dissera que a escola estava sob sua responsabilidade.
- Eu pedi que Snape tomasse providências caso alguma coisa acontecesse durante a minha ausência. – o diretor confirmou e deu o assunto por encerrado. – E como está Tiago?
- Aparentemente bem. – Lupin respondeu. Mas não se lembra de nada do que se passou dentro da casa.
- Certo. Amanhã bem cedo irei falar com ele.
- Diretor, tem mais uma coisa... – Longbottom ergueu a mão hesitante, depois de reconhecer a Srta. Moonlight e a Sra. Figg no meio dos outros professores. – Nós estávamos trabalhando no manifesto de Morgana...
- Bem, acho que acertamos a previsão, né, Longbottom. Afinal, ninguém morreu.
- Não é isso, Black. É sobre... bem... a transcrição de uma das linhas do manifesto... Alertava que a fênix iria emergir da aurora boreal esta noite...
Foi com surpresa que os garotos perceberam sorrisos nos rostos da maioria dos professores; alguns mais escancarados, outros mais discretos. Na dúvida entre se eles representavam descrédito ou admiração, Longbottom seguiu em frente:
- Nós achamos que pode ser algo relacionado a Voldemort.
Dumbledore passou os olhos vagarosamente nos cinco alunos que estavam ali e, depois, começou a dizer na habitual voz calma e pausada:
- Gostaria que vocês todos se apresentassem em meu escritório amanhã às dez horas. Como todos os professores estão aqui, eles já sabem que vocês estarão dispensados das respectivas aulas nesse horário. Sr. Fletcher, avise a Srta. Carolyn Stuart, por favor. Ela também deve estar presente.
- E a Srta. Sophie Alethea também! - a professora Figg lembrou.
- Sr. Lupin, eu gostaria que você me fizesse o favor de entrar em contato com a Srta. Preston e o Sr. Leighton, da Lufa-lufa. Sei que ultimamente você tem tomado o café-da-manhã naquela mesa. – o diretor piscou para Remo, que respondeu com um aceno positivo da cabeça. – Sr. Black...
- Eu falo com Helen. – ele adivinhou um dos pedidos do diretor.
- ... e peça a ela para avisar o Sr. Snape, por favor.
- Snape? – Sirius não gostou muito daquela história, mas ele não tinha opção.
- Agora acho que o mais sensato que têm a fazer é voltarem a seus dormitórios e dormir um bom sono. Preciso de todos bem dispostos amanhã de manhã. Boa noite – e então ouviram o primeiro galo cantar. – Bem, talvez seja melhor eu desejar-lhes um bom dia!
