Em três anos como monitor, Severo Snape nunca vira a sala do diretor em tanta desordem. Não exatamente porque Dumbledore fosse desorganizado – ele era meio louco, não bagunceiro -, mas porque havia um número muito grande de alunos fazendo barulho dentro daquela sala. Entretanto, ele não tirava os olhos de um determinado casal: Remo Lupin e Lílian Evans. Além de ver a monitora novamente suspirando pelo besta do Potter, ele ainda tinha que aturar os risinhos e confidências dos dois amigos. Ele tinha certeza que, se ela soubesse que Lupin era um lobisomem, não estaria assim tão descontraída.
- Dou um galeão pelos seus pensamentos, Severo. – Helen Silver se aproximou do rapaz.
- Eles valem mais do que isso... – ele respondeu irônico. – Por que você não está do lado do Sirius Babaca.
- Vocês e esses apelidos bestas que inventam... – ela reclamou e amarrou a cara de leve. – Afinal o que é que nós estamos esperando?
- O namoradinho da sua amiga. - ele voltou a pousar os olhos em Lílian. – Mas você não me respondeu... Brigou com ele?
- Com Sirius? – ela estranhou a pergunta -Não. Quer dizer, nada além do normal. A gente discute todo dia mesmo...
Os olhos da menina fitaram o namorado do outro lado da sala, absolutamente entretido numa conversa com Mundungo Fletcher e Carol Stuart. Por mais que ela soubesse que não havia nada entre os dois, não podia deixar de sentir uma pontinha de ciúmes. Aquilo estava além do seu controle e ela decidira que se manter afastada era a melhor forma de evitar brigas por motivos estúpidos.
Num outro canto da sala, Frank Longbottom estava encostado a uma parede, abraçado à namorada, Sophie Alethea. Pareciam ser os únicos ali que não estavam conversando, como se estivessem se comunicando apenas por pensamento, num mundo paralelo ao daquela confusão. Patrick Leighton, que depois do baile de formatura começara a namorar a goleira da Grifinória, Melissa Jones, tinha o semblante bastante apreensivo e, vez ou outra, fazia caretas enquanto ouvia Annie Preston comentar sobre alguma coisa realmente desagradável. Os dois sonserinos calaram-se e ficaram a observar o burburinho. O diretor ainda não chegara: teria ido buscar Tiago na enfermaria?
A suposição de Helen e Severo foi por água a baixo quando viram o apanhador da Grifinória aparecer no último degrau da escada acompanhado por Madame Pomfrey. A enfermeira parecia indignada de ter que trazer um de seus pacientes, ainda em recuperação, para uma bagunça daquelas. Os olhos de Lílian se arregalaram em alerta e ela andou rápido até Tiago, acompanhada por Remo.
- A gente cuida dele, Madame Pomfrey. Pode ficar tranqüila. – ela disse à enfermeira, sem sucesso.
- Sei... Do mesmo jeito que ontem? Não sei onde Dumbledore estava com a cabeça...
- Eu estou bem, Madame Pomfrey. – Tiago reclamou e a enfermeira saiu, muito a contragosto.
Lílian não se demorou a dar um pulo para cima de Tiago e agarrar-lhe pelo pescoço pronta a enchê-lo de beijos.
- Ai! Calma aí, mocinha! Eu estou todo dolorido... – ele sorriu e a afastou com delicadeza.
- Lembrou de alguma coisa? – Remo o interpelou.
Tiago balançou a cabeça desanimado; não conseguira lembrar de nada, por mais que se esforçasse.
- Olha para cara feia do Snape... Quem sabe ela não faz você lembrar de alguma coisa? – Sirius aproximou-se, irritado por ver a namorada ao lado do monitor-chefe.
Os olhares de Tiago e Severo se encontraram e era difícil descobrir quem tinha mais raiva. O grifinório ainda não engolira aquela história do sonserino exigir um beijo de Lílian como paga do desafio que lhe impuseram. Helen, por sua vez, veio para perto dos quatro, afinal, Sirius não estava mais conversando com a artilheira da Corvinal.
- Que é que você tava dando trela para aquele seboso? – Sirius reclamou.
- Ah, dá um tempo, Sirius! – a reclamação dele tirou-a do sério. - Você fica lá jogando charme para sua amiguinha e depois fica bravo porque eu tava conversando com o Severo?
- Jogando charme? Vocês é que andam amiguinhos demais ultimamente...
- Eu posso dizer o mesmo de você e da Carol. – ela rebateu.
Os outros três começaram a rir daquela discussão. Sirius e Helen sempre arranjavam um motivo para discutir, mas sempre acabavam fazendo as pazes antes mesmo de descobrir porque é que tinham brigado. Daquela vez não foi diferente e quando o chapéu de Dumbledore apontou na escada, eles já estavam abraçados como se nada tivesse acontecido.
- Desculpem-me pela demora. – o diretor ajeitou os óculos sobre o nariz. – Mas um de meus convidados teve de resolver um probleminha de última hora...
- Pai? – o queixo de Helen quase tocou o chão.
- Oi, querida. – Henry Silver deu um aceno de mão para a filha.
- O que é que você está fazendo aqui? – e então ela reparou que outros bruxos acompanhavam o pai e o diretor, a maioria deles aurores como Henry Silver.
- Matt? – Fletcher reconheceu o vizinho de imediato. Mattew Bones tinha sido aluno e goleiro da Lufa-lufa até uns três verões atrás.
- Como vai, Mund? Sua velha te mandou isso... – ele estendeu a mão que segurava um envelope vermelho: era um berrador. Provavelmente a mãe dele recebera algumas das cartas de Filch reclamando de seus negócios clandestinos com os alunos da escola...
- Acho melhor você não me entregar agora... - ele recusou a carta com uma careta. – A não ser que Dumbledore não se importe com a explosão. Sabe como é, enquanto não for entregue, não há meio dele estourar.
- E perder a bronca que a Sra. Fletcher vai dar em você? Nem morto! Toma! – o mais novo dos aurores presentes insistiu.
- Acho que podemos deixar isso para depois, não podemos, Bones? – um homem carrancudo interrompeu a brincadeira.
Alastor Moody fora um dos primeiros aurores a ser contratados pelo Ministério, quando o maior mal que um bruxo costumava fazer com os trouxas (e com outros bruxos), era dar algumas alfinetadas num bonequinho vudu. Ele era absolutamente compenetrado e marrento, e Helen duvidou que sua testa pudesse ficar lisa, tal a expressão rude das sobrancelhas levantadas que acabavam por amontoar aquele pedaço curto de pele. Ao contrário da jovialidade de Bones e da descontração de Silver, a expressão do rosto de Moody demonstrava que ele desconfiava de tudo e de todos. Os alunos suaram frio quando ele analisou uma a um, demorando-se um pouco mais em Severo Snape. Parecia até que ele enxergava algo que ninguém via.
Somente Frank Longbottom parecia eufórico com aquele encontro. Além desses três aurores, havia mais quatro bruxos presentes, todos do Ministério. Entre eles, Helen reconheceu um rapaz ruivo que trabalhara com a mãe dela há algum tempo: Arthur Weasley. Ela queria cumprimentá-lo, mas resolveu fazer isso mais tarde, receosa que Moody chamasse a atenção dela como fizera com Fletcher e Bonnes.
- Bem, já estão todos aqui, certo? – Dumbledore finalmente resolveu falar. – Sei que alguns de vocês já conhecem meus convidados, mas vou apresentá-los para os que ainda não conhecem. David McKinnon, Henry Silver, Arthur Weasley, Alastor Moody, Mattew Bonnes, Brian Connor e Cornélio Fudge.
Ao ouvir o nome do último convidado, Sirius e Mundungo abafaram o riso. Quem seria a mãe maldosa o suficiente para dar um nome daqueles ao filhos? Moody olhou desaprovando o comportamento dos dois, mas Dumbledore não ligou e continuou:
- Com exceção do Sr. Weasley e do Sr. Fudge, todos os outros são aurores. Me parece que o Sr. Longbottom já sabia disso, estou certo?
Frank deu um sorriso animado. Ele conhecia todos aqueles rostos do Profeta Diário. Seu sonho era ser como eles um dia, principalmente como Moody, o melhor auror de todo o Reino Unido.
- O Sr. Fudge cuida do Departamento de Regulamentação de Magia e o Sr. Weasley, do de Mal-uso dos Artefatos Trouxas.
Helen ignorou a cara feia de Moody e perguntou, estupefata:
- O que houve com o Departamento de Proteção aos Trouxas? – ela inquiriu o pai e o Sr. Weasley, mas quem respondeu foi Fudge.
- Foi fechado logo após o desaparecimento da encarregada daquele departamento e substituído pelo por este outro chefiado pelo Weasley. – ele disse sem grande comoção. O Sr. Weasley levantou os ombros, tentando dizer que não pôde fazer nada para evitar que fechassem o departamento depois da morte de Marianne Silver.
- Mas...
- Voltando ao assunto que os trouxe aqui – Dumbledore voltou a falar -, ontem fui surpreendido por uma comitiva na porta da minha sala. Encontrei certos alunos fora de seus dormitórios num horário bastante inadequado, mas eu imagino que a grandeza do objetivo que os fez dormir mal acomodados justifique que eu faça vista grossa à quebra do regulamento. Nesse mesmo encontro, após me contarem os resultados da minha imprudência de abandonar a escola por uma noite, o Sr. Longbottom me falou sobre uma descoberta interessante feita na noite passada.
Todos olharam para o monitor da Grifinória, cujo sorriso tinha sumido do rosto. Será que ele tinha colocado todos numa fria? Não, isso não era do feitio de Dumbledore, mas todo aquele suspense estava deixando-o louco.
- Imagine, Alastor, que esses garotos conseguiram traduzir o Diário de Morgana. E que nele havia uma linha falando sobre o surgimento de uma fênix... Na aurora boreal... Não é incrível?
Pela primeira vez o rosto de Moddy se descontraiu e ele olhou novamente para aquele bando de estudantes esboçando um sorriso de aprovação.
- Eu nunca duvidei da capacidade de qualquer um de meus alunos, mas eu tenho que confessar que, desde que contratei Arabella Figg como professora de Defesa Contra as Artes das Trevas, eu tenho me surpreendido. Primeiro pelos brilhantes estratagemas elaborados pelo Sr. Fletcher e pela Srta. Stuart em planejamento de combate e investigação...
- Hmmm... Dumbledore, eu tenho que dizer que o crédito desse trabalho é todo do Mundungo – Carol se apressou em dizer. – Até porque faz uns três meses que eu o deixei a ver navios com o projeto e ele tem feito tudo sozinho... – era possível perceber um pouco de vergonha na voz da menina.
- Eu sei. Arabella Figg me disse que teve que remanejá-la para outro grupo do qual vou falar mais adiante. Voltando ao Sr. Fletcher... Você resgatou algumas antigas formas de duelos e me impressionou com sua adaptação dos mesmos para os dias de hoje. Aposto que os senhores concordam comigo, estou certo?
- Cara, se outra pessoa tivesse me dito que foi você que bolou aquilo, eu juro que não acreditava. – Bonnes deu os parabéns ao amigo.
- Você leu? – Fletcher estava aparvalhado.
- Todos nós, Sr. Fletcher. O Ministério está pensando em colocar alguns de seus métodos em prática o mais rápido possível.- McKinnon acrescentou.
Antes que o rapaz conseguisse se refazer do choque, Dumbledore continuou:
- Em seguida, eu gostaria de comentar o trabalho que o Sr. Leighton vem fazendo e que recentemente ganhou a colaboração da Srta. Preston. Realmente há muitos mistérios que circundam a aurora boreal e você conseguiu desvendar alguns deles. Aliás, se não fosse pela sua pesquisa, essa reunião não estaria acontecendo...
- Ahn? – Patrick não entendeu o que Dumbledore quis dizer com aquilo.
- Você estudava a aurora boreal? – Sirius pareceu surpreso. – Eu nem sabia que você estava matriculado em Astronomia.
- E não estou. – o lufa-lufa respondeu. – A aurora boreal não é exatamente um evento cósmico...
O grupo de adultos presente na sala parecia bastante satisfeito com o que ouvia. Mas parte dos alunos estranhou aquele comentário:
- Como assim? – Tiago estranhou. – Já ouvi a professora Moonlight falar da aurora boreal uma infinidade de vezes.
- O que o Patrick quis dizer, Potter – Annie se intrometeu -, é que há certos mitos que envolvem a aurora boreal, e o alcance e poder desse evento envolve muito mais do que os astrônomos se limitam a analisar. Antes de ser um evento cósmico, a aurora é um evento mágico. Quanto mais visível ela se apresenta, maior o grau de controle de um bruxo sobre sua magia interior.
- É exatamente por isso que existe um mito de que a aurora aumenta os poderes dos bruxos... – Leighton completou. - Isso é uma mentira! O que ela faz é permitir que um bruxo consiga dominar e fazer o uso desejado de sua própria magia, sem a necessidade de varinhas ou qualquer outro tipo de instrumento.
- Por fim, - Dumbledore ainda tinha mais a falar – temos o trabalho de equipe. Até onde sei, tudo começou por iniciativa do Sr. Black e do Sr. Longbottom, mas parece que os outros membros do grupo se dedicaram de coração e mente para o projeto. E o resultado é que vocês conseguiram descobrir um segredo que até ontem estava muito bem guardado. Como prêmio, acredito que todos vocês merecem saber quem é a fênix a que Morgana se refere...
Nesse momento, um lindo pássaro cor-de-fogo entrou planando naquela sala:
- Garotos, deixem-me apresentá-los à Fawkes, o espírito encarnado da Ordem da Fênix.
Todos olhavam para o pássaro atônitos, sem compreender as últimas palavras do diretor:
- Imagino que todos vocês já ouviram falar na Ordem de Merlin, certo? – vendo as caras espantadas dos alunos, o Sr. Silver começou a explicar. – Pois na noite de ontem foi criada uma nova ordem de bruxos interessados em preservar o mundo mágico como o conhecemos.
- Ora, seja mais direto, Silver. – Moody arremedou. – Estamos interessados em acabar com Voldemort e com a corja que o segue.
Patrick Leighton estremeceu ao ouvir o nome do bruxo mais temido do Reino Unido; ele, como tantos outros, já se acostumara a evitar dizer aquele nome. Por mais corajosos e determinados que todos aqueles alunos fossem, todos eles ficaram apreensivos. Dumbledore interrompeu o silêncio constrangedor que se seguiu às palavras de Moody.
- A maioria de seus professores, eu, os amigos aqui presentes, e outros não presentes nos empenhamos em constituir um corpo de combate em prol de finalizar com essa guerra que aos poucos vem se instaurando no mundo mágico e envolvendo trouxas inocentes. Muitos dos presentes perderam entes queridos devido à ambição de Voldemort. Nós achamos que isso já foi longe demais e, o resultado disso é a Ordem da Fênix. As pesquisas de vocês ajudaram-nos a tornar isso possível. Os métodos de ação estão baseados nos modelos que o Sr. Fletcher nos proporcionou, é lógico que contando com a experiência de nossos melhores aurores. A pesquisa do Sr. Leighton esclareceu a todos nós o porquê dos primeiros rumores sobre mortes e desaparecimentos virem do Norte. Foi lá que Voldemort encontrou equilíbrio e controle para reaproveitar uma prática muito comum na domesticação de animais séculos atrás. Mas nós também resolvemos nos aproveitar dessa vantagem oferecida pela aurora boreal e decidimos que o Alaska seria o lugar perfeito para darmos início a nosso plano. Fawkes é a forma tomada pela união dos feitiços conjurados por todos os membros da Ordem sob a influência benéfica da aurora.
- Tá. E vocês resolveram contar isso tudo pra gente assim, sem mais nem menos? – Helen desconfiou.
- Helen, não seja mal-educada! – Henry Silver ralhou com a filha.
- Se eu sou assim, a culpa é sua. Foi você que me educou. – o modo como a garota discutia com o pai lembrava em muito a forma como ela discutia com Sirius.
- A menina é uma cópia da mãe, hein, Silver? – o auror McKinnon brincou com o colega de trabalho, que não parecia nem um pouco satisfeito com o comportamento da filha.
- Hmmm, ela está certa. – foi Tiago quem se atreveu. – Vocês nos contaram tudo isso por quê?
- Como dissemos, vocês já contribuíram para a formação da Ordem de alguma forma. Mas nós gostaríamos de lhes fazer uma proposta... – Dumbledore continuou.
- Eu sabia... – Helen parecia inconformada. – No mínimo vocês vão convidar a gente para fazer parte desse exercitozinho besta... O que são mais algumas vidinhas?? Ainda mais de adolescentes. Se morrerem não vão fazer falta, mesmo.
- Helen! – Longbottom ralhou com ela antes do pai da menina. – Eles ainda não disseram qual é a proposta. E se for isso mesmo, qual é o problema? Ao menos nós poderemos fazer alguma coisa para ajudar em vez de ficar sentados vendo as pessoas de que gostamos morrer.
- Pois eu já tô cheia disso. Eu vou embora. Ser bruxa é uma droga! Essas coisas não aconteciam quando eu vivia como uma trouxa! – ela saiu correndo antes que Sirius pudesse segurá-la.
- Eu vou atrás dela! – o namorado da menina se manifestou.
- Não, Sr. Black, por favor. Eu quero que fique. – Dumbledore pediu. - Severo, você pode ir falar com ela?
Snape acenou que sim com a cabeça e se retirou do escritório de Dumbledore, deixando Sirius intrigado. Por que raios Dumbledore mandara Snape atrás de Helen? E por que não deixara ele, que era namorado da menina, fazer isso? Dumbledore continuou:
- Helen está certa. Essa reunião tinha o propósito de convidá-los a juntar-se à Ordem. Caso se interessem, logicamente. Ninguém será obrigado a nada.
- Hmmm... Dumbledore, o que exatamente um membro da Ordem faz? – Lílian resolveu tirar a dúvida que pairava na cabeça deles todos.
- Boa pergunta, mocinha! – McKinnon se adiantou. – Na verdade, cada um contribui com aquilo que sabe fazer melhor. Os únicos que realmente se colocam na linha de batalha somos nós, aurores. Funciona como qualquer guerra. Existem os soldados, mas atrás deles há muito mais coisas. É preciso pesquisadores para consultar feitiços, reversões, criar poções... Richard Potter era nossa opção inicial para esse assunto, mas...
Tiago sentiu o coração revirar dentro de si. Agora ele começava a entender as viagens do pai em companhia de Henry Silver e Bernard Figg com clareza.
- Também precisamos de estrategistas para traçar os planos de combate e os rumos das investigações, definir as prioridades. Arabella Figg é uma das melhores. Há os espiões... Bem, desses eu não posso dar um exemplo, porque não conheço nenhum. Aliás, a melhor qualidade de um espião é justamente não ser conhecido nem por aqueles que estão do seu lado. Eu poderia passar dias listando todas as funções que uma guerra mobiliza. O Fudge e o Weasley aqui nunca chegaram perto de um comensal, no entanto, fazem parte da Ordem.
- Do jeito que você fala parece que eles vão tomar parte em algum tipo de joguinho, McKinnon. – Moody foi rude com o colega. – A amiguinha de vocês tem razão. A partir do momento que vocês se aliarem a nós, vocês serão alvos em potencial. Pensem nisso antes de decidir o que fazer.
- Ora, não há o que pensar. É lógico que topamos.
- Er... acho melhor você falar isso por você, Longbottom... – Leighton estava com medo.
- Nenhum de vocês precisa resolver agora. Além do mais, não admitiremos nenhum aluno de Hogwarts no grupo. Vocês só poderão fazer parte da Ordem depois de formados. - Dumbledore esclareceu.
- Quê? – o céu parecia ter desabado sobre Longbottom. – Mas então eu vou ter que esperar mais de um ano...
- Exatamente, mocinho. E só para lembrar, a pressa é inimiga da perfeição! – Moody advertiu.
- Vocês estão dispensados. Com exceção das Srtas. Preston e Stuart, e do Sr. Potter. Eu gostaria que vocês três ficassem um pouco mais. – Dumbledore pediu.
Só então Sirius pensou no feitiço das casas. Será que Tiago tinha cumprido sua tarefa? Pelo visto o rapaz pensara o mesmo, pois apalpou o próprio peito procurando pelo pingente. Tiago entrou em desespero: a amuleto não estava com ele. Mas Sirius não chegou a ver a expressão de terror que tinha tomado o rosto do amigo; quando percebeu já estava sendo levado para fora do escritório de Dumbledore pelo pai da namorada.
- Helen.
A menina não parou, apesar de ter ouvido o chamado de Severo Snape. Sabia que ele tentaria convencê-la a voltar à sala de Dumbledore e ela não queria iniciar uma discussão. Descobrir que Helen Silver não gostava de brigas deixaria muita gente incrédula; ela era com certeza a aluna mais encrenqueira de toda Hogwarts e não costumava ter vergonha disso. Todavia, ela não considerava isso uma qualidade.
- Diacho de garota! Você é surda, é? – Snape falou mais alto, apertando o passo.
Como a garota continuava indiferente a seus apelos, ele tentou ameaçar:
- Se você não parar agora vou ser obrigado a descontar 50 pontos da Sonserina.
A menina soltou um riso debochado, sem parar de andar:
- Até parece! No dia que você descontar 50 pontos de uma vez da Sonserina, eu me torno professora de Poções! (guardem estas palavras!)
Snape bufou de raiva com o comentário da menina e recorreu a uma última alternativa:
- Petrificus Totalis! – ele disse com a varinha apontada para a garota.
Os olhos de Helen - a única parte de seus corpo que conseguia realizar algum movimento - piscavam raivosos. Se pudesse movimentar a boca teria xingado o monitor-chefe de todos os nomes ofensivos que conhecia, bruxos e trouxas. Com a menina paralisada, Severo completou o percurso até ela andando devagar:
- Se você demonstrar um pouquinho mais de respeito e colaboração com os mais velhos eu posso pensar em retirar o feitiço. – ele disse chegando perto dela.
Helen apenas cerrou as pestanas, tentando permanecer calma. Por fim ela encarou Snape que tomou aquele olhar como uma promessa de obediência e liberou-a do feitiço.
- Nunca mais lance um feitiço em mim sem minha autorização prévia, está entendendo? – ela resmungou e voltou a caminhar.
- Eu não tirei o feitiço para você continuar andando desabalada por aí... – ele caminhava ao lado dela.
- Muito bem, Severo. O que você quer? Eu não vou voltar para aquela sala. – ela parou de supetão no meio do corredor.
- Vai sim. – ele disse em tom imperativo.
- Ah, é? E como é que você vai fazer isso? Vai lançar a Império sobre mim? Você sabe que esta tática não funciona comigo... – ela deu um sorrisinho cínico.
- Você vai voltar. Mas não agora. Você pode não querer se envolver com a Ordem, mas você já está envolvida em outra coisa. Não se esqueça.
- E como é que eu posso esquecer? – ela lamentou.
- Hmmm... Vamos sair daqui. – Snape disse apertando os olhos e observando o corredor com atenção. – Melhor conversarmos em outro local. Me siga!
- Você acha que tem alguém nos observando?
- Ora, Helen, num lugar onde até mesmo quadros adoram fofocar sobre a vida alheia, um corredor não é um local seguro o suficiente para ficar discutindo sobre você sabe o quê. – ele respondeu enquanto tomava a primeira escada à direita.
No momento em que Helen subiu o primeiro degrau, a escada começou a se mover, ligando a ala sul do segundo andar à ala oeste do quinto. Os dois entraram por mais três ou quatro corredores até finalmente pararem em frente a uma porta que Helen nunca tinha reparado. E seria mesmo difícil notá-la, uma vez que apenas a maçaneta negra denunciava que a parede de pedra não era contínua.
- Pensamento aristotélico. – Snape disse a senha para a sala dos monitores.
- Uau! – a menina olhou para a sala mais aconchegante e bonita que já vira em Hogwarts. Só agora ela conseguia entender o que é que havia de tão bom em ser monitor da escola.
- Eu vou mudar a senha de entrada por meia hora, para garantir que ninguém nos interrompa.
A menina se aboletou num dos macios sofazinhos daquela sala enquanto Severo Snape trocava o segredo da porta. Não havia quadros ali; ela imaginou que devia ser para que não ficassem tentando puxar conversa e atrapalhando o serviço dos monitores. Ela namorara Frank Longbottom por dois anos e nunca tinha estado ali.
- Esse é o sofá preferido da sua amiga. – Snape comentou ao perceber Helen sentada no sofazinho vermelho no canto esquerdo da sala.
- E desde quando você presta atenção nos locais onde Lílian se senta? – ela maliciou.
- Eu... eu... Ora, eu não presto atenção!
- Sei... – há muito tempo Helen desconfiava que Snape sentia alguma coisa por Lílian. Só isso justificaria todo o ódio que ele sentia de Tiago.
- Eu não te trouxe aqui para ficar falando de outros monitores. – Snape cortou a conversa pela raiz. – Como você está indo com a poção?
- Você sabe como eu estou indo com a poção, Severo. Continuo na mesma. Tia Arabella disse que ia pedir para o Tiago me ajudar...
- Como? O imbecil do Potter está querendo se intrometer até nisso?
- Ele não quer nada, Snape. Foi a tia Arabella que sugeriu. Disse que você andava ocupado. – ela fez uma careta de desdém ao dizer "ocupado".
- É, bem... Eu ando um pouco atarefado ultimamente, mas não estou pensando em dispensar você das aulas de reforço. Eu jamais confiaria uma tarefa como essa a alguém como o Potter... – ele resmungou.
- Ah, Tiago é um bom professor, Severo. Você tinha que parar com essa implicância... Ou isso tudo é por causa de uma certa ruivinha da Grifinória?
- Eu não estou entendendo aonde você quer chegar com essas insinuações. Há três simples motivos para que eu não gostar de alguém como Tiago Potter. O primeiro é porque ele é egocêntrico. Só porque sabe montar uma vassoura, pensa que é melhor do que os outros. O segundo é porque ele se intromete em coisas que não dizem respeito a ele, como suas aulas de reforço em poções, por exemplo. E o terceiro...
- ...é porque você está apaixonado pela Lílian! – ela sorriu, consciente de que tinha cutucado uma onça com vara curta.
- Olha aqui, Silver. Eu NÃO gosto da sua amiguinha. Será que eu fui claro? E não foi para discorrer sobre as garotas que despertam meu interesse que eu te trouxe aqui. Eu agradeceria se você parasse de mudar de assunto!
- Quem começou a falar do Tiago foi você... – ela se ajeitou na poltrona e se espreguiçou.
- E infelizmente vou ter que continuar falando daquele boçal – Snape disse meio emburrado. – Acho que o Potter conseguiu cumprir a prova dele...
- Sério? – ela jogou o corpo para frente, subitamente interessada no rumo que aquela conversa ia tomando. – Quando?
- Nesta madrugada. Ou você acha que alguém vai parar desacordado na Casa dos Gritos por acaso?
- Bem, dizem que a casa é mal-assombrada... – ela deu de ombros. – Vai ver ele encontrou algum fantasma de mau-humor...
- A casa não é mal-assombrada! – quem estava de mau-humor era Snape. Ele sabia muito bem qual era a origem dos boatos sobre aquele lugar; odiava ter que esconder que Remo Lupin era um lobisomem.
- Eu tava brincando, Severo. – ela respondeu calma. – Sirius me contou, só que ele não sabia que o Tiago tinha preenchido a gema.
- Estranho seria se soubesse, não é, Helen? Afinal, só cinco pessoas deviam saber sobre a existência delas. Ou você contou pro seu namoradinho? – ele não deixou o fora da menina passar desapercebido.
Ela tentou consertar:
- Não, lógico que não. Se eu tivesse contado, já saberia sobre o amuleto de Tiago, não acha?
- Talvez. – Snape não estava satisfeito com aquela resposta, mas preferiu deixar quieto. – Se o Potter tiver realmente cumprido a tarefa, só fica faltando sua parte. E eu tenho a impressão de que Dumbledore está com pressa.
- Eu não vou conseguir, Severo. – toda a autoconfiança de Helen tinha se esvaído. Ela era uma garota cheia de altos e baixos. Se nunca fugiu de uma responsabilidade, não era por isso que deixava de temê-las. E pensar que teria que fazer a poção mais complicada e importante de sua vida em poucos dias a deixava aterrorizada.
- Vai, sim. Você não está assim tão mal... – ele tentou animá-la, numa atitude realmente rara de sua parte. – Já superou o nojo dos grindlows. Tem feito o corte dos ingredientes corretamente. Só precisa dar a consistência exata à poção...
- Só... Como se fosse fácil dar consistência àquele caldo ralo... – ela retrucou desanimada.
- Algo me diz que quando adicionarmos as essências das casas, a poção tende a engrossar. Falta muito pouco.
- Eu não sei... Acho que Sirius estava certo...
- Black? Certo sobre o quê?
- É... bem... ontem... numa discussão... bom... ele falou que eu nunca ia conseguir fazer uma poção corretamente. – ela evitou olhar para o colega quando falou.
- Quê? Ele disse isso?
- Não exatamente com essas palavras... Mas acho que esse era o espírito...
- Eu vou matar esse cretino! Três anos tentando fazer você acreditar que poções é uma matéria simples e ele joga tudo água a baixo dizendo uma besteira dessas!
- Ah, Severo, sejamos realistas... Eu não levo o menor jeito para isso. Como você mesmo disse: já tem três anos que você me ajuda nessa matéria e eu continuo explodindo caldeirões.
- Porque você não se dedica, já lhe disse isso. Você ainda não fez nenhum estrago tentando preparar essa última. Só não atingiu o ponto...
- Será que não é porque não tem nenhum ingrediente temperamental nessa receita?
- Não, Helen. Seu namoradinho está errado. Como sempre, aliás. Não sei como você dá ouvidos a ele. Aliás, não sei como você NAMORA ele...
- E eu sei? – ela deu um breve suspiro.
Em tese, Sirius Black era tudo o que ela detestava num garoto: irônico, divertido, auto-confiante e popular. Mas estar perto dele um segundo que fosse já a deixava sem fôlego, com uma vontade incontrolável de ser abraçada e beijada pelo rapaz. Ele lhe dava a sensação de estar segura e protegida só de olhar dentro dos olhos dela. Se ela fosse uma verdadeira sonserina provavelmente nunca teria se interessado por ele. Talvez esse fosse o detalhe que mais a deixava desconfortável com relação àquele namoro: estar com Sirius era ter certeza que ela não pertencia à casa que escolhera.
Os dois ficaram alguns instantes em silêncio, refletindo. Então, como se uma luz clareasse as idéias da menina, ela fez um pedido ao colega:
- Severo, você me ensinaria a executar as Maldições Imperdoáveis?
- Quê? Você ficou louca? Lógico que não.
- Por que não? – ela insistiu.
- Você é muito instável! – ele foi franco. - Poderia ser perigoso.
Ela desistiu. Sabia que não conseguiria dobrá-lo. Já tentara antes. Da mesma forma como não conseguira dobrar Tiago em todas as inúmeras vezes que fizera o mesmo pedido a ele.
- Melhor voltarmos para a sala de Dumbledore. - Snape constatou após olhar o relógio. – Se o que eu disse sobre o Potter for verdade, eles devem estar nos esperando.
Quando Helen e Severo apontaram no corredor onde ficava a passagem para o escritório de Dumbledore, já não havia uma viva alma por ali. Apenas Pirraça circulava pelo corredor, para a irritação de Helen.
- Ai, esse fantasma idiota não tem outro lugar para assombrar, não? – ela falou baixinho e encolheu-se ao lado de Severo, como se daquela maneira pudesse passar desapercebida pelo poltergeist.
Mas o fantasma não parecia estar muito interessado nos dois alunos da Sonserina. Ele acabou sumindo por uma das paredes sem sequer chamar os alunos pelos apelidos "carinhosos" que inventara para eles. Quando chegaram à passagem, encontraram-na aberta, o que indicava que a conversa sobre a Ordem já estava terminada. Helen subiu na frente; Snape sabia ser um cavalheiro vez ou outra...
Os dois encontraram a sala razoavelmente vazia, se comparada ao número de pessoas que estava ali menos de meia hora atrás. Annie, sentada numa cadeira, esperava olhando para o teto com ar de tédio. Carol tinha os olhos presos numa das estantes repletas de livros do lugar; qualquer dia iria pedir emprestado a Dumbledore um dos volumes de Números Encantados: Um Guia de Aritmancia Avançada. Tiago roía as próprias unhas. Não tinha tido coragem de contar a nenhum dos três presentes que o amuleto não estava com ele. Não conseguia sequer imaginar o que Dumbledore faria com ele quando soubesse. Por estarem em seus respectivos transes, nenhum deles percebeu a chegada de Helen e Severo. Com exceção de Dumbledore, é claro:
- Estão um pouco atrasados. – Dumbledore, que estivera alimentando Fawkes, virou-se para a escada onde os dois sonserinos estavam parados, quietos. Ele completou a bronca com um sorriso: - Mas por hoje passa... Foi até bom vocês não encontrarem quem saiu... Poderia atrasar um pouco mais nossos planos. – ele se referia a uma provável encrenca causada pelo encontro de Sirius Black e Severo Snape. – Mais calma, Helen?
Ela acenou que sim com a cabeça e acabou de entrar na sala. Snape fez o mesmo. O olhar do sonserino encontrou rapidamente o de Tiago, e eles se encararam com fúria. Tiago tinha falado pouco com os amigos, mas o suficiente para suspeitar que Snape tivesse algo a ver com seu estado desmemoriado.
- Então, o Potter finalmente fez o serviço dele? – Snape implicou com o grifinório.
Tiago sentiu o rosto esquentar e teria se atracado com Snape naquela mesma hora se não estivesse na sala diretor. E o pior é que não tinha o que responder ao sonserino. O tom petulante da pergunta lhe fez pensar que Snape pudesse ser o responsável pelo sumiço de sua gema:
- Tiago cumpriu a prova dele na noite de ontem, como você deve ter imaginado, Severo. – Dumbledore sentenciou.
- Ahn, Dumbledore, eu não sei se cumpri a prova... – Tiago não sabia como começar a contar.
- Como assim não sabe, Potter? – Carol estranhou. – Sua gema não está cheia?
Ele mordeu os lábios e olhou para Dumbledore uma última vez antes de responder de cabeça baixa:
- Eu não sei onde está minha gema.
- Quê? – os quatro alunos arregalaram os olhos, enquanto Tiago apertava as mãos e evitava encará-los. "Olhe para seus sapatos! Olhe para seus sapatos! Olhe para seus sapatos!", era tudo o que o rapaz conseguia pensar.
- Estranho seria se soubesse. Não me recordo de grifinórios com o dom da vidência. – Dumbledore respondeu na sua calma habitual. – Essa característica é mais comum nos alunos da Corvinal. – e o diretor sorriu para Carol.
Nenhum dos quatro alunos estava entendendo o que Dumbledore estava dizendo. Vidência? O que é que aquilo tinha a ver com a perda da gema da Grifinória. Com pena das caras de interrogação dos jovens, Dumbledore esclareceu:
- Sua gema está comigo. Eu pedi que Madame Pomfrey a guardasse tão logo soube que você estava convalescente na enfermaria.
Uma grande sensação de alívio se apoderou de Tiago; nunca passara tanto nervoso quanto na última meia hora. E agora Dumbledore estava ali na sua frente, dizendo que o cordão estava com ele. Se não fosse tão piegas, ele poderia chorar de felicidade. Mas uma dúvida ainda o afligia: afinal de contas como foi que preenchera o amuleto?
- Dumbledore... Como foi que eu fiz isso?
- Você não sabe? – Annie estranhou. Ela também não tinha se dado conta logo de início que completara o próprio pingente, mas associar o cumprimento da prova ao esforço que ela fizera para encontrar um encantamento que pudesse salvar o namorado fora rápido.
Snape soltou uma exclamação de desdém. O paspalho do Potter não conseguia nem imaginar como é que tinha enchido o pingente? Ora, mesmo com a memória apagada aquela era uma dedução lógica.
- Eu não me lembro de nada do que aconteceu na noite de ontem. – ele não achou necessário comentar que lembrava-se de Lílian.
- Bem, nós podemos resolver isso rapidamente.
Dumbledore encostou a varinha na testa de Tiago e murmurou as palavras mágicas que fizeram o rapaz recuperar sua memória. As imagens que vinham à cabeça de Tiago eram confusas e rápidas, e ele sentia uma sensação estranha e incômoda percorrer suas entranhas. Um grito ficou sufocado na garganta quando ele se lembrou da dor que sentira ao ser atingido pela maldição Cruciate. A imagem de Rabicho transformando-se num pequeno ratinho, fugindo. O rosto pálido e sombrio de Malfoy aparecendo quando o comensal levantou o capuz.
- Alguém me atingiu... – foram as únicas palavras que ele conseguiu dizer depois de ver aquele videoclipe correr em sua mente.
- Mas isso é óbvio! – Snape desdenhou o comentário.
- Ora, cale a boca! Até onde me contaram, você estava do meu lado quando me acharam... – Tiago já tinha certeza de que fora Snape quem o atacou pelas costas.
- Eu já disse para os seus amiguinhos que quando cheguei você já estava estuporado!
- Será que vocês dois se lembram de onde estão? – Helen entrou no meio dos dois, que estavam prestes a se atracar.
Tiago e Severo pararam de repente, se dando conta de que estavam na sala do diretor, e olharam para o lado encontrando Dumbledore entre Annie e Carol. As duas garotas tinha o mesmo semblante impaciente, deixando claro o quanto achavam imatura a atitude daqueles dois. Todavia, o diretor sorria, como se achasse aquilo muito comum e pertinente. O mais engraçado é que os três se encontravam debaixo de um quadro dos quatro fundadores, onde as duas mulheres, Rowena Ravenclaw e Helga Huffle-Puff, também aparentavam estar irritadas, enquanto Godric Griffyndor e Salazar Slytherin pareciam apreciar as atitudes de seus respectivos representantes. Tiago e Severo se entreolharam e, baixando as cabeças, se dirigiram cada um para um canto da sala, prontos para ouvirem as palavras de Dumbledore:
- Eu imagino que você tenha encontrado um comensal na Casa dos Gritos, Tiago... – Dumbledore concluiu. Tiago assentiu com a cabeça:
- Malfoy. Eu já sabia que ele era um comensal. – o rapaz mordeu os lábios recordando-se do dia em que estivera com Remo e Sirius na Fogueiras & Cinzas.
- No entanto, não há provas contra ele. E... bem... Lúcio tem muitos amigos dentro do Ministério. Por isso os rumores a respeito da família Malfoy acabam sempre sendo abafados. Bem, acho melhor deixarmos essa discussão para depois. Precisamos iniciar o feitiço de revitalização do Espírito de Hogwarts. – e então ele se voltou para Helen, entregando a última gema. – Você já tem os quatro elementos com você. O primeiro passo é transformá-los num só.
Ela balançou a cabeça concordando. Helen ensaiara aquele feitiço umas mil vezes desde que adquirira confiança suficiente para utilizar a varinha. Tiago estava certo, ela só precisava de um pouco mais de concentração. Há mais de um mês não lançava um único feitiço errado e, agora, estava na hora de mostrar eficiência. A menina tirou uma pequena bolsinha de pano de dentro da mochila, onde ela guardava as outras três gemas. Jogou todas elas mais a gema vermelha da Grifinória dentro do próprio chapéu. A partir daquele momento ela tinha que se concentrar com todas as suas forças. Ela puxou a varinha de dentro do bolso direito e tocou com ela a borda do chapéu. Deu um último suspiro e começou:
Uma só varinha é capaz de proezas,
Mas não de todas as proezas.
Uma cabeça sozinha pode pensar;
Mas nunca dará conta de todos os pensamentos
É preciso água, ar, terra e fogo conjugados;
É preciso razão e sentimento assombrando o mesmo tolo.
Pois tudo que sei, é que nada sei
Antes que da união das magias se construa o todo.
Draco Dormiens Nunquam Titillandus.
Enquanto a menina ia pronunciando essas palavras, os outros cinco bruxos presentes na sala podiam ver fumaças de quatro cores flutuarem sobre a borda do chapéu; no início, nitidamente separadas. A cada novo trecho recitado, elas iam se misturando e avançando para o centro do chapéu. Antes mesmo de chegar à última linha, aquela névoa se tornara escura e densa, como uma pequena nuvem de chuva. Ao pronunciar o lema de Hogwarts, Helen abriu os olhos e viu aquela massa cinzenta transformar-se num pingente de vidro com o formato do emblema da escola. Nos lugares onde apareciam o leão, a águia, o texugo e a serpente, o líquido adquiria a cor característica de cada casa; no mais, era constituído de um líquido fino e transparente, parecido com água. Helen sentiu o coração acelerar: ela tinha conseguido, tinha vencido a primeira etapa do Feitiço das Casas.
A segunda parte do feitiço só poderia ser feita dali a uma semana, que era o tempo que os ingredientes da poção levariam para atingir o cozimento ideal. Mas agora o compromisso já estava selado. Independente da segunda parte do feitiço se confirmar, aqueles quatro estudantes já estavam unidos por uma força que só a morte conseguiria separar.
Tiago e Helen saíram juntos da sala e caminharam alguns minutos em silêncio, pensando em tudo o que acontecera nas últimas 24 horas. A partir de agora aquelas cinco pessoas não poderiam mais voltar atrás. Teriam que engolir as diferenças e pensar um no outro antes de pensar em si mesmos.
- Tiago, o que você teria feito se, ao invés de Malfoy, tivesse encontrado Voldemort na Casa dos Gritos? – Helen interrompeu os pensamentos do grifinório.
Ele estivera pensando naquilo desde que Dumbledore recuperou sua memória sobre os acontecimentos daquela noite. Ele conseguiu manter uma certa calma diante de Malfoy, conseguiu pensar racionalmente. Mas o que ele faria diante de Voldemort?
- Acho que eu tentaria matá-lo... – ele foi honesto.
- Eu também. – ela deu um suspiro.
Eles voltaram a ficar em silêncio, pesando as últimas palavras. Será que eles teriam coragem de matar alguém, mesmo alguém como Voldemort?
- Tiago... – Helen queria fazer um pedido, mas tinha certeza de que o rapaz iria recusar.
- Fala. – ele parou no meio do corredor, pressentindo que ela diria algo sério.
- Bem, eu sei que você já disse que não, que é perigoso, mas... Por favor, eu preciso mesmo aprender as imperdoáveis... Você sentiu na pele o que é estar na frente um comensal. E você deu sorte de ser o incompetente do Malfoy. Um outro poderia ter tentado te matar na primeira oportunidade...
- Helen, igualar-se a eles não é uma saída!
- Eu estou falando de sobrevivência, Tiago! E se Malfoy tivesse tentado te matar? – ela tinha um certo desespero na voz. – Por favor! A império é praticamente indolor... Se você tivesse usado ela, talvez nós tivéssemos capturado um dos comensais...
- Eu só perdi o Malfoy porque precisava dar tempo para o Pedrinho fugir... Ele me pegou de surpresa. Há outras formas de se combater um comensal sem usar magia negra...
- Os aurores usam as imperdoáveis...
- Nós não somos aurores. – Tiago tentava argumentar, mas na verdade, ele começava a ver o pedido de Helen com outros olhos.
- Tá. Talvez possamos enfrentar um comensal sem uso delas, mas e Voldemort? Você acha que nós poderíamos duelar com ele sem recorrer a elas?
Tiago colocou as mãos atrás da nuca. Já tivera aquela mesma conversa com Helen outras vezes. Praticamente desde que começara a dar reforço em feitiços a ela. Comentara sem querer durante a primeira aula que as maldições foram os feitiços mais complicados que já tentara realizar. Depois da visita ao Fogueiras & Cinzas, ele e Sirius resolveram praticar os encantamentos em aranhas que perambulavam pelo dormitório, deixando Remo zangado e Pedrinho apavorado. Mas aquela fora a primeira e única vez que fizera os tais feitiços, e sequer tentara a Avada Kevrada.
- A Avada Kevrada não mataria Voldemort... Ele se tornou imortal, lembra? – Tiago respondeu amargurado. Pensar que Voldemort matara seus pais para conseguir a eternidade lhe trazia uma profunda sensação de impotência.
- Não mataria, é verdade, ou Dumbledore não faria... – ela ficou quieta, lembrando-se do que Snape lhe dissera mais cedo sobre os "ouvidos" do castelo. Já não estavam tendo uma conversa muito propícia ao local. Ela não iria piorar as coisas falando do Espírito de Hogwarts. – Mas ao menos ele sofreria um centésimo da dor que já fez com que nós dois passássemos.
O olhar da menina era duro e firme. Ela sabia muito bem o que queria naquele momento. As dúvidas que sempre tinham enchido sua cabecinha se esvaíram quando ela superou sua primeira tarefa no feitiço das casas. Independente da resposta de Tiago a seu pedido, ela não desistiria de aprender as maldições. Sem perceber, ela estava fortalecendo sua identidade sonserina ao procurar atingir seus objetivos sem se preocupar de que forma.
- Helen... – Tiago responder depois de uma breve reflexão. – Você tem certeza que é isso mesmo que você quer? Você sabe que terá que tomar cuidado em dobro para não sair torturando ninguém só porque teve um acesso de raiva! Você vai conseguir se controlar?
- Vou. – ela respondeu determinada. – Eu lhe prometo, Tiago! Eu nunca vou usar nenhuma delas se não estiver em perigo de vida. Eu juro!
Ele ainda não estava bem certo se deveria fazer aquilo. Helen era a garota mais estourada que ele conhecia, qualquer coisinha a tirava do sério. Ao mesmo tempo ele entendia o que ela sentia. Ele tinha o mesmo ódio a Voldemort e, mais que a morte dele, Tiago desejara que ele pudesse sentir a mesma dor que ele sentira ao perder os pais.
- Está bem. Esta noite, depois do treino de quadribol, vá para a sala de Transfiguração. Vou dizer à McGonagall que decidimos continuar com os reforços de feitiços.
- Obrigado, Tiago. – ela deu um beijo de agradecimento na bochecha do garoto.
- Tomara que eu não me arrependa! – ele disse baixinho.
Sirius Black acordou sobressaltado de um cochilo na aula de História da Magia. Tinha tido o mesmo sonho estranho da tarde anterior. Era normal que ele, Pedrinho e Tiago aproveitassem aulas pouco importantes como aquela para tirar o atraso do sono, uma vez que era semana de lua cheia. Mas aqueles sonhos estavam deixando-o preocupado. Desde que tivera aquela conversa com o pai de Helen na cozinha do castelo, toda vez que dormia, o mesmo filme rodava em sua cabeça.
Ele estava numa rua trouxa, vestido como um bruxo, mas ninguém parecia se importar. As pessoas andavam apressadamente, olhando para o chão, sem tempo nem vontade de parar. Ele não sabia o que estava fazendo ali até que um par de olhos castanhos e melancólicos destacou-se entre a multidão. Ele conhecia aqueles olhos muito bem: eram de Helen. Mas não era a namorada que estava no meio dos transeuntes. Era só uma menina, de 7 anos no máximo, que o encarava fixamente, um semblante demasiado sério para a idade. Sirius teve o ímpeto de avançar em direção a ela, mas algo o prendia na calçada. Então ele sentiu alguém lhe puxar as barras das vestes: era um elfo doméstico.
- Sr. Black não quer mais um pedaço de bolo?
Ele perdeu apenas um segundo na figura baixa que lhe oferecia seus préstimos. O elfo usava a veste característica dos empregados de Hogwarts. Ele voltou a olhar para a rua; ela não estava mais lá. Nem ela nem nenhum das pessoas que há pouco andavam apressadas. O vazio lhe deu a chance de enxergar o outro lado da rua, onde havia um sobrado branco e um objeto estranho de duas rodas deitado na grama do pequeno jardim. Ele olhou para os dois lados antes de atravessar a rua, a atenção voltada para aquela vassoura de aço pintado de rosa, com uma cestinha branca. Ela tinha rodas?! Mas antes que conseguisse tocá-la, aquela imagem se esvaiu, como se fosse um vapor, e um homem o chamou do lugar onde estivera.
Sirius não conhecia aquele homem, mas podia dizer com certeza de que se tratava de um bruxo. E não era pelas vestes trouxas que ele concluíra aquilo; era simplesmente intuição.
- Ela já se foi. – e ao dizer estas palavras o homem subitamente se tornou um velho. – Você não conseguiu evitar.
Ele não entendeu do que o homem estava falando, mas sabia que não era da bicicleta que há pouco estava jogada no jardim. Então o rapaz pensou na menininha perdida entre os transeuntes:
- Quem é ela?
- Ela é o passado e o futuro. – e, para a surpresa de Sirius, ela apareceu caminhando e parou ao lado do velho. Ela segurou em sua mão e os dois saíram andando pela calçada, rumo ao sol poente, deixando Sirius sozinho mais uma vez.
Era sempre neste momento que ele despertava, com a nítida sensação de que aquela garotinha era Helen. Aquele sonho não fazia sentido algum, todavia, sempre lhe recordava a conversa com Henry Silver cinco dias atrás:
- Sei que conversas com o pai da namorada não costumam ser muito agradáveis... – Henry Silver o tinha levado até a cozinha do castelo e, após pedir uma xícara de chá a um dos elfos domésticos, iniciou a conversa. – Mas na verdade eu gostaria de dizer que estou feliz em saber que Helen arranjou um namorado bruxo...
- Ahn, é... Eu não sou o primeiro namorado bruxo dela – o rapaz respondeu meio incerto quanto ao fato de Helen já ter namorado alguém que não fosse bruxo.
- Eu sei. Mas eu já sabia que o outro romance não iria para frente... Pelo que eu pude perceber o Sr. Longbottom é parecido demais comigo...
- O senhor está falando sobre a vontade dele em ser auror?
- Também. Mas eu não queria conversar com você a respeito dos ex-namorados da minha filha.
Sirius ficou aliviado em saber disso. Por mais que soubesse controlar e disfarçar o seu ciúme, ficar falando do tempo em que Helen e Frank eram namorados não era um assunto muito agradável.
- Eu gostaria de pedir a sua ajuda.
- Ajuda? – Sirius estava achando aquela conversa para lá de estranha.
- Sr. Black quer pedaço de bolo? – um dos elfos domésticos puxou a bainha das vestes de Sirius.
- Não. – o rapaz respondeu um pouco irritado pelo elfo ter interrompido a conversa.
- Eu aceito, Mellow. – o auror deu uma piscadela para o elfo, que se apressou em buscar-lhe uma grossa fatia de bolo de chocolate.
- De que tipo de ajuda o senhor está falando?
- Eu preciso que você me ajude a convencer Helen de que ela é uma bruxa.
- Como assim? – Sirius achou aquilo absurdo. – Ela sabe que é uma bruxa!
- Sabe, jovem, eu conheci uma garota muito especial há mais de vinte anos. Ela não era muito mais alta que Helen, tinha os cabelos claros, quase loiros. Eu a vi de relance parada em frente a uma loja numa rua trouxa, quando estava a caminho de meu emprego. Naquela época eu não era auror, mas um simples estudante de psicostasia que trabalhava meio expediente na Floreios & Borrões. Naquele dia eu não fui trabalhar; nem no dia seguinte, ou no outro. Eu me empreguei como vendedor daquela loja, que, por um acaso, também era uma livraria, certo de que aquela garota iria retornar. E uma semana depois, lá estava ela...
- Era a mãe de Helen? – Sirius perguntou polidamente.
O auror confirmou com um aceno da cabeça. Depois, deu um suspiro e fechou os olhos, tentando visualizar a imagem da garota loura de saia rodada, que procurava por qualquer livro que pudesse lhe contar a saga do rei Arthur.
- Sem perceber, eu comecei a lhe contar histórias sobre a época, aquelas relacionadas com o mundo mágico. Ela queria saber onde eu tinha lido tudo aquilo. Era estudante de Literatura Medieval na Cambridge University, fato que eu estranhei pois estávamos em Londres. Então ela me disse que estava de férias e havia aproveitado a oportunidade para procurar bibliografia sobre o assunto numa cidade maior, onde pudesse achar algumas raridades. Duas semanas depois eu estava matriculado numa faculdade trouxa, morando numa nova cidade trouxa, vivendo como um trouxa e sem ter a menor idéia de como faria para reencontrá-la.
- Hmmm... sem querer desviá-lo do assunto, mas... o que é uma faculdade? – os conhecimentos de Sirius sobre a vida trouxa era nulos.
- É o lugar mais mágico que existe no mundo trouxa. – Henry sorriu. – São escolas onde eles aprendem suas futuras profissões. Em Cambridge, por exemplo, há um número enorme de jovens morando ali só para estudar. Eu levei alguns meses para enfim reencontrar Marianne, novamente numa livraria, o que foi bom, pois tive tempo de me adaptar à vida trouxa. Durante todo o nosso namoro e o primeiros anos de casamento, eu escondi de minha mulher que era um bruxo. Levava uma vida comum, enquanto atendia trouxas numa clínica de psicologia. Marianne se tornara professora. Eu jamais teria revelado algo a ela, se meus filhos não tivessem nascido. Cameron estava com apenas 5 meses quando fez um de seus brinquedos favoritos sair voando pelo quarto.
- Ela não se assustou?
- Muito. E naquele dia tivemos a maior briga de nossas vidas. Porque eu e Marianne sempre discutíamos; Helen tem o mesmo gênio da mãe. Você entende do que eu estou falando...
Sirius sorriu para o sogro. Ele realmente sabia muito bem do que o outro falava.
- Por isso, resolvemos criar nossos filhos como trouxas, até que ela estivesse adaptada ao mundo mágico e pudesse aceitar tudo aquilo sem tanto receio. Essa transição de Marianne foi rápida, em dois ou três anos ela já sabia mais sobre o mundo mágico do que eu mesmo. Mas nós achamos por bem continuar com a vida que levávamos, ao menos até chegar o momento em que as crianças iriam para a escola. Nesse tempo já recebíamos visitas freqüentes da minha irmã, Arabella, que foi adicionando elementos mágicos a nossa vida. Quando recebemos a primeira carta de Hogwarts, Cameron aceitou as mudanças muito facilmente; para ele era um mundo novo a ser desvendado. Mas com Helen foi diferente, ela não queria vir, não queria ser bruxa. Então Arabella teve a feliz idéia de dar-lhe o gato...
- Eros?
Henry Silver confirmou:
- Ela achou absolutamente maravilhoso o que o animal podia fazer e então a tia lhe contou que em Hogwarts ela veria muitos outros animais parecidos com Eros, ou seja, com habilidades mágicas. Com a entrada de Helen na escola, minha esposa resolveu mergulhar de cabeça nos costumes do mundo mágico, para que pudesse educar melhor os filhos. Mudamos para uma casa num vilarejo bruxo e alguns velhos amigos me arranjaram um emprego no Ministério da Magia. Um ano depois eu já estava trabalhando como auror, e o ministro da magia da época comprou a idéia de minha esposa de abrir um departamento de proteção aos trouxas, visto que alguns bruxos se utilizavam da magia para atrapalhar o relacionamento das duas comunidades. Tudo parecia ir bem, mas todos os verões tínhamos o mesmo problema: Helen não queria voltar para a escola. Queria voltar a ser trouxa... lembro até hoje dela tentado argumentar comigo: "Bruxos não andam de bicicleta!"; "Bruxos usam vassouras, filha!"; "Vassouras voam! Eu não gosto de voar!"
- Ela continua não gostando... – Sirius lembrou-se de uma das vezes em que a convidou para dar uma volta com ele, após um treino de quadribol.
- Ela tem medo de altura desde que caiu de uma árvore, quando tinha uns cinco anos... – Henry deu um suspiro desgostoso.
- Mas, bem, ela não devia gostar de ser bruxa porque não ia muito bem na escola, não é? Além do mais, ela estuda na Sonserina... – Sirius desandou a falar.
- Ai, essa história da Sonserina... No dia em que eu soube quase mandei um berrador para ela. Onde já se viu a filha de um grifinório escolher a Sonserina? Você sabe que foi ela quem escolheu, não é?
- Sei, sim. Fiquei sabendo há quase um ano.
- Helen culpa o fato de ser bruxa pelas coisas que dão errado. E para piorar a situação ela é uma elementar... Ela poderia ter caído em qualquer casa que se sentiria deslocada. A morte da mãe só piorou essa aversão que ela tem à magia.
- Desculpe, Sr. Silver, mas eu não acho que Helen tenha aversão à magia. Acho que ela só queria poder ser uma bruxa melhor. E nos últimos tempos ela tem se dedicado, tem melhorado.
- Eu não quero jogar um peso nos seus ombros maior do que você pode suportar, rapaz. Mas se ela mudou a forma como encarava as coisas, isso aconteceu por sua causa. Da mesma forma que eu resolvi me tornar um trouxa por amor a uma mulher, ela resolveu aceitar sua condição de bruxa por amor a você.
Sirius engoliu em seco. Ele jamais iria imaginar uma coisa daquelas. Para ele, Helen tinha baixa auto-estima e era só. Nunca pensara que ela poderia querer não ser uma bruxa.
- Não pense que estou lhe cobrando algo, ou que pretendo forçar você a ficar com minha filha. Na verdade, eu não quero que você faça nada do que você já não esteja fazendo, ou seja, sendo bruxo. Você se forma este ano, não é? - o rapaz balançou a cabeça confirmando. – É isso o que me preocupa. Eu queria que ela, pelo menos, completasse os estudos. Depois que você sair daqui, Helen ainda terá mais um ano e, bem, eu tenho medo que ela desista de continuar.
- Ela não vai fazer isso. Tenho certeza. Eu gosto muito dela, Sr. Silver, e sei que ela gosta de mim. – ele tentava se desculpar por algo que nem mesmo ele sabia direito o que era.
- Eu sei disso. Rapaz, eu só quero lhe pedir uma coisa: nunca, em hipótese alguma, deixe de vive como um bruxo por causa dela. Helen precisa ter consciência de que ela sempre terá sangue mágico correndo em suas veias, independente dela fazer uso dele ou não. Eu tive que aprender isso na prática. Não quero que ela repita o mesmo erro...
O auror deu uma última espetada no pedaço de bolo, totalmente desfigurado. Ele sequer provara o pedaço, mas o tinha destruído por completo. Então ele se levantou e disse adeus a Sirius, que sentiu uma bolinha acertar sua cabeça, despertando do transe.
- Pensando na morte do hipogrifo? – fora Tiago quem o acertara e agora sorria para o colega. – A aula já acabou.
- Já? – e ele se lembrou que aquela era a última aula do dia.
- Aham. – Pedrinho confirmou. – E se vamos dar a nossa voltinha noturna é melhor nos apressarmos para pegar o jantar o quanto antes.
Dar uma voltinha pela floresta proibida. Talvez fosse realmente daquilo que Sirius precisasse para deixar de lado as preocupações.
- Epa, ninguém tinha me falado nada sobre efeito colateral. – Tiago protestou com o copo cheio de um líquido alaranjado na mão. – Eu tenho um jogo de quadribol em meia hora. Não posso desfalcar o time!
- Lógico, porque um joguinho idiota de quadribol com certeza é mais importante do que isso. - Snape perdeu a paciência com a "futilidade" de Tiago.
- O Snape tá certo, Potter. Como é que você consegue pensar num jogo de quadribol numa hora dessas? – Carol deu a bronca.
Helen olhou para Annie desanimada. Como é que aquele grupo de pessoas tão diferentes iria conseguir trabalhar em conjunto? Afinal de contas, a poção era apenas para consolidar o elo entre as casas criado uma semana atrás. A condição essencial do Espírito de Hogwarts era que os representantes trabalhassem em equipe. Um deles sozinho nunca seria páreo para Voldemort.
- Você fala isso porque seu time não tá jogando, e se a Grifinória perder o jogo de hoje fica muito mais fácil para a Corvinal ganhar o campeonato das Casas. – para Tiago quadribol era algo tão importante quanto derrotar Voldemort.
- É lógico que não!
- Garotos, – Dumbledore interrompeu a discussão. – vocês estão fazendo tempestade num copo d'água. Primeiro, Sr. Potter, não há efeitos colaterais nessa poção caso ele tenha sido preparada corretamente. E a Srta. Silver me garantiu que tomou todos os cuidados.
Helen acenou a cabeça rapidamente, confirmando. Daquela vez tudo saíra correto, até mesmo a consistência da poção. Snape também a acompanhara passo-a-passo, para evitar que ela fizesse alguma besteira. Qualquer erro da menina poderia ocasionar no envenenamento de quem tomasse a poção. Mas ao que tudo indicava, a poção estava correta; ao menos ela tinha chegado na cor e na consistência desejadas sem que ela tivesse que adicionar qualquer elemento extra.
- Já que Dumbledore garante. – Tiago olhou para o copo em sua mão. Parecia com suco de abóbora.
Os quatro viraram os copos ao mesmo tempo. Beber rápido era uma solução quando o paladar não era agradável, mas, para a surpresa de Tiago, Annie, Carol e Severo, não era apenas a cor da poção que se parecia com suco de abóbora; o gosto também.
- E agora? – Annie perguntou sobre o próximo passo.
- Acabou. - Dumbledore respondeu satisfeito.
- Acabou? – Carol indagou desapontada.
- Mas eu não estou sentindo nada de diferente... – Tiago levantou os ombros e olhou para os colegas.
- Ainda bem. Sinal de que eu não envenenei ninguém. – Helen disse com um certo alívio na voz.
- Hogwarts não é composta apenas pela Grifinória, Tiago. – Dumbledore respondeu calmamente. – É preciso quatro casas para fazer essa escola funcionar.
Dumbledore não precisou dizer mais nada. Corvinal, Grifinória, Lufa-lufa e Sonserina: cada um dos representantes de Hogwarts tinha cumprido sua parte. Mas o verdadeiro teste só aconteceria quando eles enfrentassem seu objetivo e tivessem que trabalhar em equipe. Sozinhos não seriam capazes de muita coisa além do que já conseguiam, mas, juntos, carregavam o Espírito de Hogwarts. E aquilo não era pouco.
- Bom, então estamos dispensados? – Helen parecia ansiosa para sair da sala do diretor.
- Claro! Temos um jogo para assistir, não temos? – o diretor parecia muito contente.
- Dumbledore, se importa se eu usar sua janela? – Tiago pegou a vassoura que estava encostada numa das paredes do escritório.
- Ela é toda sua! Os outros também vão pela janela? - ninguém ia. – Então eu lhes acompanho até o campo.
O placar ia mudando aos poucos. Jogar contra a Sonserina nunca era fácil. Não porque tivessem uma técnica apurada, mas porque eram demasiado violentos. Sirius acabara de evitar que a goleira da Grifinória, Melissa Jones, fosse vítima de um balaço mandado por Sean Avery. No entanto, ele encobrira a visão da menina, que acabou deixando a goles arremessada por Anthony Dolohov entrar. As instruções de Tiago para aquele jogo foram simples: evitar que o time fosse desfalcado. Era melhor deixar que uma bola ou outra entrasse do que perder um jogador. No jogo contra a Lufa-lufa, os sonserinos "abateram" o goleiro logo de cara, deixando os aros desprotegidos durante o resto do jogo.
Tiago sobrevoava o campo com os olhos apertados, tentando identificar qualquer pontinho dourado pelos arredores, mas não havia nenhum sinal do pomo-de-ouro. Ele olhou para Tara Keith, a apanhadora da Sonserina, que dava cambalhotas no ar, despreocupada. Ele conhecia os métodos daquela apanhadora: deixar que o time adversário encontrasse o pomo e, então, acelerar a toda, se valendo do fato de possuir a vassoura mais veloz da escola. Seria bom dar uma canseira na garota e, com esses intuito, Tiago deu um mergulho ao centro do gramado.
- O Potter não tem jeito mesmo... – Carol Stuart, que assistia ao jogo da arquibancada, comentou com Mundungo Fletcher ao seu lado. – Ele adora aplicar o voleio... Não sei como essa tonta da Keith ainda cai nessa!
De fato, Tiago esperou a sonserina o ultrapassar e deu uma guinada de 180º para cima. Essa era a manobra de que Carol falara: fazer o adversário mergulhar e depois aproveitar para ganhar altura e melhor visualização do jogo.
- Ah, também... Até eu daria um apanhador melhor do que essa besta da Keith. – Fletcher fez pouco caso.
- Ora, eu achava que você tinha medo de altura, Mund. – Edward Turlington, goleiro da Corvinal e ex-namorado de Carol (outra vez!), meteu o nariz na conversa.
Mundungo Fletcher era apaixonado por Carol Stuart havia dois anos. Ao menos foi quando estava no quinto ano que ele se deu conta disso, exatamente quando seu melhor amigo Eddie começou a namorar a menina. Desde aquele dia a amizade dos dois ficara abalada, apesar de Fletcher nunca admitir para ninguém de sua casa a paixão que tinha pela garota. A única pessoa que o ouvira confessar aquilo com todas as letras fora Sirius Black, num dos bailes daquele fatídico quinto ano. Os dois, devidamente alcoolizados, lamentavam as decisões da garota – Carol fora a única das namoradas de Sirius a terminar com ele; normalmente, era ele quem dava um jeito de terminar os namoros.
- Tá brincado? Sério, Mund?
- Er... hum... bem... É. – ele respondeu de mau-humor.
- Então você vai ficar realmente preocupado se eu fizer isso...
Uma mureta baixa era a única proteção que os espectadores dos jogos de quadribol tinham para não sofrer uma queda de mais de vinte metros, e Carol estava de pé justamente sobre ela.
- Carol, desce daí! Por favor! – Fletcher estava petrificado de medo. Parecia que, se ele se movesse, as arquibancada poderiam sacudir e fazer com que ela caísse.
- Olha isso, Mundungo! – ela ficou nas pontas dos pés e depois equilibrou-se num pé só.
Eddie Turlington observava a cena divertido. Carol vivia fazendo malabarismos sobre a vassoura que era muito mais fina e instável que aquele murinho de concreto. Não havia motivo para temer alguma coisa.
- Ainda não entendi por que você não quis ficar junto com a torcida da Grifinória, Helen! – Annie estranhou a cunhada. Ela não assistia os jogos da arquibancada da Lufa-lufa desde a última partida em que o irmão participara.
- Cê tá brincando? Eu posso ser namorada do Sirius, mas aquele povo não ia pensar duas vezes antes de pular no meu pescoço na primeira falta que o Avery fizesse. E pensando no número de vezes que isso acontece durante um jogo, eu resolvi que, se quisesse manter minha integridade física, devia assistir o jogo bem longe da Lílian ou do Frank. Além de que... bem... eu não tô torcendo pela Grifinória... – ela respondeu meio envergonhada.
A cunhada de Helen riu, mas o sorriso foi substituído por uma careta de dor repentina. A monitora-chefe sentiu como se tivesse levado um soco no estômago, e não foi a única. Do alto de sua vassoura, Tiago teve a mesma sensação estranha. As mãos começaram a formigar e a deslizar pelo cabo do instrumento. Ele achou melhor diminuir um pouco a distância que o separava da terra firme. Na outra arquibancada, Carol pensou por um instante que perdera o equilíbrio. Mas a sensação de mal-estar passou logo e ela voltou a confiar na precisão de seus passos na mureta baixa.
- Carol, pelo amor de Merlin! Desce daí! – Fletcher mordia os lábios aflito, enquanto via a morena andar graciosa naquela "corda bamba".
- Ih, Mundungo, ela não cai, não. – Turlington tentou tranquilizá-lo. – Já vi ela fazer coisa pior em cima da vassoura.
- Não me interessa! Carol, desce daí!
- Ah, Mund, por que a gente não faz o contrário? Vem você para cá! Eu juro que te segu... – ela não conseguiu terminar a frase. Se há pouco ela sentira uma espécie de murro no estômago, essa sensação fora ampliada umas dez vezes agora. Ela pôs as mãos sobre o abdômen tentando aplacar a dor.
No campo, Tiago finalmente encontrara o pomo. Estava planando ao lado do goleiro da sonserina e o mesmo parecia ainda não ter se dado conta disso. Como um tiro, ele disparou rumo à bolinha de asas, mas no meio do caminho uma dor alucinante o atacou. Tiago pensou que tivesse sido atingido no estômago por um dos balaços, mas eles estavam bem longe do apanhador, rebatidos por Black e Sandford na tentativa de impedir o trio de artilheiros sonserinos de marcar outro ponto. Ele não conseguiu se manter sobre a vassoura.
- Tiago caiu! – Helen levantou-se para tenta ver melhor aquela cena.
Então a menina percebeu um líquido quente empapar sua saia e escorrer pela perna. Ela se virou e deu com a cunhada vomitando um líquido alaranjado, apertando o estômago com força na tentativa de aplacar a dor lancinante que sentia. Um vazio se fizera ao redor das duas; outros alunos que estavam perto das meninas se afastaram com nojo da cena.
- Annie, você está bem? – ela agachou diante da cunhada.
Quando a monitora tentou responder, outro jato de vômito saiu de sua boca, desta vez atingindo o suéter de Helen.
Mas desesperados mesmo estavam Fletcher e Turlington. Cada um segurava uma das mãos de Carol, que estava dependurada na mureta da arquibancada, gemendo de dor e amaldiçoando o suor em suas mãos, que lhe dava a certeza de que em poucos segundo ela iria escorregar. Se isso acontecesse, ela terminaria 20 metros abaixo, pois estavam todos às voltas com a queda de Tiago.
Carol não agüentou mais dez segundos e, quando um líquido quente começou a subir por sua garganta, ela pensou em dizer adeus à vida. As mãos finalmente se soltaram e os gritos desesperados dos três corvinais ecoaram pelo vale onde o estádio de quadribol fora construído.
Como uma bala de canhão, Sirius Black, que ainda estava sobre sua vassoura – Avery não tinha concordado em parar o jogo para que socorressem Tiago -, avançou em direção à menina. Conseguiu apanhá-la quando ela estava a menos de cinco metros do solo. Ele a sentou em sua frente, passando os braços em torno dela para que não pendesse para um dos lados, e começou a descer, com a garota se contorcendo e vomitando.
- O que houve com ela? – Melissa Jones, que também tinha pousado, perguntou sobre a menina que Black carregava nos braços.
- Não sei. Vou levá-la para enfermaria. Tiago está bem?
- Parece que não. Não pára de vomitar um troço alaranjado... – e olhando com cara de nojo para Carol, que acabara de sujar o uniforme de Sirius - ...igual a ela. Será que eles beberam suco de abóbora estragado?
- Sei lá! Ele tá vivo, pelo menos?
- Não em consta que mortos vomitem, Black! – a voz aguda e irônica de Severo Snape se fez presente.
Sirius não respondeu, apenas olhou com raiva para Snape e correu para o castelo carregando a corvinal.
- Eu não sabia que você era jogador para ficar dentro do campo! – Melissa fitou o rapaz com raiva, como se ele fosse o responsável por aquilo tudo.
- E até onde eu sei, o lugar de uma goleira é em frente aos aros! Volte pro seu jogo que ele ainda não acabou.
- Cala a boca! – ela retrucou, mas acabou montando e levantando vôo novamente.
Snape caminhou até onde Tiago estava. Havia uma rodinha ao redor do rapaz, que estava de quatro, expelindo um líquido alaranjado pela boca sem controle. Tiago só não tinha se esborrachado no chão porque Dumbledore conseguiu levitá-lo pouco antes que ele tocasse o solo, amortecendo o impacto. O diretor chegou ao lugar onde o capitão da Grifinória estava ao mesmo tempo que Snape. Dumbledore olhou bem apara o aluno antes de perguntar:
- Nada de errado com você?
O monitor acenou negativamente. Dumbledore cerrou as pestanas e entortou um pouco a boca, fazendo cara de intrigado. Por fim, levantou as sobrancelhas e começou a balançar a cabeça, como se tivesse chegado a alguma conclusão. Ele abriu caminho entre o punhado de alunos que cercava Tiago.
- Srta. Evans. Vá até a enfermaria e peça a Madame Pomfrey que prepare três poções desintoxicantes. Rápido.
Lílian, que estava sentada ao lado do namorado, levantou-se e correu para a saída do estádio enquanto Dumbledore conjurava uma maca para tirar o apanhador dali.
Sirius estava saindo da enfermaria quando Helen chegou, acompanhando a maca que trazia a cunhada. Ela mesma não sabia como tinha conseguido conjurar o transporte de tão nervosa que estava. Helen soluçava desesperada, o choro empapando ainda mais a blusa suja pelo líquido alaranjado. Sirius ia voltar para o jogo – a única coisa que Tiago conseguira dizer entre uma crise de vômito e outra fora para que o batedor voltasse para o campo o mais rápido possível -, mas ao vê-la ali, seu coração apertou. Tiago comentara antes do jogo que aquele seria o dia em que concluiriam o feitiço das casas e pela angústia e desespero da namorada, ele percebeu que ela estava se sentindo culpada pela indisposição dos três.
Ele olhou mais uma vez para Tiago, que voltava a encher o balde que Madame Pomfrey colocara a seu lado. Não teve dúvidas: puxou a garota pelo braço e arrastou-a para fora dali. Depois ele explicaria ao time, mas não podia deixar Helen naquele estado por causa de um jogo. Quadribol não era algo assim tão importante.
- O que houve? – ele a encarou carinhoso. – Deu alguma coisa errada hoje cedo?
Ela o fitou sem palavras. Não sabia o que dizer. Tinha certeza de que havia feito tudo certo. Ela nunca brincaria com a vida dos outros. Em vez de responder, intensificou o choro. Ela era a culpada! Sabia que era! Mas ela não tinha a intenção... Ela avisara tanto a todos que não entendia nada de poções. Por que ela tivera de nascer sob aquela maldição idiota de não pertencer a lugar nenhum, de não ter identidade? Naquele momento tudo o que ela queria era voltar a ser criança, andar de bicicleta na rua trouxa onde morava, como fazia quando ainda não sabia que era uma bruxa.
Sirius a abraçou e beijou-lhe a testa. "Calma, tudo vai acabar bem...", ele sussurrou no ouvido da menina, desejando que suas palavras se cumprissem. No entanto, Helen não conseguia parar de chorar. Se algum daqueles três morresse, sua alma morreria junto. O namorado alisou os cabelos da menina e então percebeu que alguém se aproximava:
- Você ainda está bem? – os olhos negros de Black estavam perplexos. Severo Snape não deveria estar na enfermaria como os outros?
- Lógico que estou bem. Por que não estaria? – ele deu de ombros.
Quando a menina ouviu a voz do monitor-chefe suas lágrimas secaram quase que instantaneamente. Ela virou-se rápido, olhando incrédula para o colega de casa:
- Mas, mas... Tiago, Annie e Carol passaram mal.
- Devem ter comido alguma coisa estragada. Mas eu ainda não entendi, por que é que vocês dois achavam que eu deveria estar na enfermaria? – e então ele olhou para a menina sarcástico. – Eu sabia que você tinha contado a ele... Os avisos de Dumbledore não serviram para nada?
O casal se entreolhou. Eles haviam se entregado e se alguém descobrisse como Sirius ficara sabendo do feitiço, o rapaz com certeza seria expulso. Foi pensando nisso que Helen respondeu rápido, antes que Sirius tentasse defendê-la e acabasse se encrencando:
- É, contei. Sirius já sabia sobre a minha condição mesmo... – e, retomando o assunto. – Você tem certeza que isso não é envenenamento? – os olhos dela suplicavam pela resposta do sonserino. – Eles estavam vomitando um líquido alaranjado...
- Se foi envenenamento eu não sei. Não posso garantir. Mas tenho certeza que não foi culpa da poção, ou eu estaria como eles, não acha?
- Vaso ruim não quebra.. – Black assobiou em tom baixo, mas suficiente para que o monitor pudesse ouvi-lo.
- Muito bem, Black! Você está fazendo um serviço excelente. Continue a desestimulá-la e, no dia em que vocês forem casados e ela tentar preparar uma poção revitalizante para sanar um resfriado, quem sabe você não acaba envenenado!
- Parem vocês dois. – ela parara de chorar, mas o rosto continuava vermelho e inchado. – Você tem certeza que não foi culpa minha, Severo?
- Você executou a poção perfeitamente, Helen. Eu acompanhei tudo. Saberia se houvesse algo errado. – ele olhou para dentro da enfermaria pelo quadrado de vidro que havia na porta. – Se o estado deles for por causa da poção, então era algo que você não podia evitar.
- Eu não disse? – Sirius se abaixou. - Tudo vai acabar bem... – e deu um beijo estalado na bochecha da garota.
- Disso eu não teria tanta certeza. – Snape tinha o dom de desfazer qualquer boa impressão que pudessem ter dele. - O Potter parece um bocado mal...
Helen voltou a ficar nervosa com o comentário do colega. Mordeu o lábio inferior com tanta força, que começou a sangrar. Mas ela não se importava com o gosto de sangue na boca; ela nem o sentia. Então Dumbledore abriu a porta da enfermaria.
- Você não devia estar num jogo de quadribol? – ele franziu a testa para Sirius, que levantou as sobrancelhas e deu um sorriso sem graça. – Acho que Tiago não vai ficar muito satisfeito em saber que o time da Grifinória tem dois desfalques. – ele terminou de falar sorrindo, calmo demais para a situação.
- Black já sabe, diretor. – Severo entortou a boca em sinal de desagrado.
- Eu sei. – o diretor disse calmo. – Ou então ele não teria explicado o acontecido tão bem para Madame Pomfrey.
Helen olhou pasma para o namorado: como Sirius podia ter sido tão desligado. Black fez uma careta ao pensar na besteira que fizera, mas ele só queria ajudar. E provavelmente Madame Pomfrey descobriria o antídoto mais rapidamente se soubesse o que causara aquela intoxicação. Fizera sem pensar, mas fora por uma boa causa.
- Eu-eu contei a ele... – Helen sabia que já estava bem complicada naquela história, mais esse detalhe não agravaria problema.
- Engraçado. Tiago me disse a mesma coisa lá dentro...
- Os dois me contaram... – Sirius não achou que Dumbledore iria engolir aquela história, mas não havia outra melhor. Para a surpresa do trio, ele não prolongou o assunto.
- Isso não altera o fato de que o senhor deveria estar no estádio de quadribol.
Sirius achou melhor não contrariar a vontade do diretor, que já estava sendo bastante complacente com ele. Assim que o batedor sumiu pelo corredor, ele encarou os dois sonserinos que ficaram:
- Alguma pergunta? – Helen sabia que ele tinha dado a deixa para ela, e a menina não riria desperdiçar:
- Sim. A culpa foi minha, não foi? – seus olhos pareciam mais infelizes do que nunca.
- Foi. – Dumbledore respondeu com sinceridade. – Mas imagino que esse seja um motivo para a senhorita comemorar.
- Ãh? – nem ela nem Snape entenderam o que o diretor quisera dizer.
- Bem, eu achava que a senhorita tinha um objetivo desde que entrou nessa escola. Pois parece que a senhorita finalmente o alcançou.
A Sonserina ganhou o jogo por uma diferença pequena, apesar de o time da Grifinória ter jogado a maior parte do tempo desfalcada de dois jogadores. O placar de 380 a 350 só não foi maior porque Sirius voltara realmente inspirado para o jogo (ou talvez fosse a raiva acumulada de Snape que o fizera enxergar os artilheiros sonserinos como se fossem pinos de boliche). Mas essa não foi a manchete do Focas & Fofocas dois dias depois do jogo. O jornal só comentava sobre o feito heróico de Sirius Black. Não havia nenhuma menção sobre a queda de Tiago Potter, ou sobre Annie Preston e Carol Stuart terem passado mal. Na versão de Rita Skeeter, Eddie Turlington tentara matar a ex-namorada, que fora salva de uma queda de mais de 20 metros pelo batedor da Grifinória. A matéria ainda dava destaque a um possível romance entre os dois, que estavam sendo vistos juntos com freqüência nos últimos dois meses, além de resgatar o período em que o Carol e Sirius tinham sido namorados no quarto ano.
- Cara, eu não queria estar na pele Sirius hoje. – Pedrinho fez uma careta enquanto lia o jornaleco, na hora do almoço. – Quando a namorada dele vir isso aqui...
- O que é que tá escrito aí? – Remo perguntou.
Pedrinho não respondeu, preferiu entregar o jornalzinho para que o amigo lesse. Nesse momento, Sirius chegou acompanhado de Tiago e Carol, que tinham acabado de sair da enfermaria.
- Eu vou para minha mesa! Até mais tarde. – menina ia se despedindo quando Remo a segurou.
- Acho melhor você e Sirius lerem isso...
O rapaz e a garota se entreolharam e, com grande espanto, viram que a nova edição do jornalzinho fora dedicada a eles.
- Mas isso é um absurdo! Eddie nunca tentaria me matar. Eu é que fui imprudente e escorreguei...
Ainda na enfermaria, Sirius tinha se preocupado em desfazer qualquer mal entendido a respeito da poção que Helen preparara. Ao contrário do que esperava, a reação de Tiago e Carol não foi de raiva ou indignação, mas de decepção por não terem conseguido concluir o encantamento. Nenhum deles parecia culpar Helen, principalmente, porque todos eles sabiam da dificuldade que a menina apresentava na matéria de Poções, fato que ela nunca escondera de ninguém. Mas não era porque o encantamento não dera certo que eles poderiam ficar falando sobre o assunto sem se preocupar. Por esse motivo, Carol resolveu omitir o detalhe de que um mal-estar súbito fora a verdadeira causa de seu acidente. Mas Sirius estava preocupado com outra coisa:
- Onde está Helen? Ela ainda não leu isso, leu?
- Hmmm... eu tô achando que sim... – Pedrinho apontou para o outro lado do Salão.
Helen estava em frente a jornalistinha da Sonserina, anormalmente quieta, com a varinha empunhada. Aquela matéria despertara um ódio profundo na menina, que só ia aumentando à medida que a colega de casa ironizava sobre os encontros de seu namorado com a artilheira da Corvinal na Sala de Astronomia. "Todos já sabiam que não levaria muito tempo para que você fosse passada para trás. Será que você não percebeu que era só mais uma das dezenas de namoradinhas que Sirius Black coleciona em Hogwarts?" Ao ouvir aquele comentário, Helen não se segurou:
- Crucio!
A rajada saída da varinha encontrou seu destino: Rita Skeeter contorcia-se de dor jogada no chão. Seus gritos ecoavam pelas paredes do Salão Principal fazendo os alunos que estavam no local sair em debandada e os que estavam fora desistir de entrar.
- Finite incantatum! – uma voz grave se antecipou a uma outra rajada mágica direcionada à mesma garota. Enquanto Severo Snape cortava o elo do feitiço que unia as duas meninas, Sirius Black corria em direção da namorada tomando-lhe a varinha das mãos:
- Você ficou louca? – ele agarrou-a forte pelos ombros e encarou Helen, que finalmente percebeu o que acabara de fazer.
Ela lançou ao namorado um olhar clemente antes de cair ajoelhada no chão. Duas lágrimas silenciosas vagavam pelo rosto menina indo aportar em seus lábios, deixando um gosto salgado invadir sua boca. Helen não conseguia olhar para o rapaz à sua frente; fitava o chão como se logo abaixo dele houvesse um abismo... Um abismo por onde ela nunca mais deixaria de cair. Ela fechou os olhos, tentando conter mais uma lágrima prendendo-a entre os cílios. Sirius a observou morder os lábios, como a menina fazia todas as vezes em que estava nervosa. Ele também não segurou a dor, seus olhos já estavam vermelhos e encharcados. A namorada cometera um grande erro e ele duvidava que o diretor seria benevolente com ela desta vez.
Por fim, Helen Silver levantou-se e, antes de começar a sair do Salão, trocou olhares com o monitor-chefe que socorria a outra sonserina. Severo Snape estava abalado como jamais alguém o vira naquela escola. Sua expressão não era de pesar, indignação ou sarcasmo: ele parecia dividir a culpa que a menina levava consigo. Mas Sirius não reparou nesse gesto; agora era ele quem estava no chão, de joelhos, olhos fechados, o rosto entre as mãos, tentando convencer a si mesmo de que aquilo não tinha realmente acontecido.
Em cada corredor por que passava, os olhares de todos se voltavam para a namorada de Black. Mas ela sequer conseguia prestar atenção aos cochichos e comentários acanhados que a seguiam por toda a parte. Ela sabia o que tinha feito e o quanto aquilo era ruim, só não sabia se estava arrependida. E se não estivesse arrependida, ela não poderia tentar escapar de sua sentença. Quando Helen Silver finalmente convenceu Tiago Potter a ensinar-lhe as Maldições Imperdoáveis, este a fizera jurar que jamais usaria qualquer uma delas senão sob risco de vida. Ela traíra Tiago. Ela traíra sua mãe e seu irmão, que experimentaram a dor e a morte sob aquelas mesmas circunstâncias. Ela traíra seus amigos e seu namorado, que sempre pensaram nela como uma garota incompreendida e confusa, mas de bom coração acima de tudo. Ela só não traíra a si mesma.
Desde o dia em que Severo Snape provara que era um verdadeiro sonserino, Helen Silver não tirava um certo pensamento de sua cabeça. Ora, se ele provara ser um discípulo de Salazar Slytherin apenas por executar aqueles três feitiços proibidos, talvez ela conseguisse fazer o mesmo. Certa vez, este mesmo colega dissera que o que marcava os alunos da Sonserina era sua ambição e determinação em alcançar um objetivo. E o maior objetivo de Helen, desde que entrara em Hogwarts era provar que fizera a escolha certa; era mostrar a todos que ela era uma verdadeira sonserina, apesar de todos os alunos da escola pensarem diferente. Muitas vezes pensara em desistir por conta das dificuldades; era nessas horas que gostaria de voltar a ser somente uma trouxa. Mas nos últimos tempos, principalmente depois que começara a namorar Sirius, ela desistira dessa idéia. Ela queria, precisava ser uma bruxa, e, além disso, ela precisava ter uma identidade.
Foi com esse intuito que ela tentara de todas as maneiras convencer o colega de casa a ensinar-lhe as maldições. Todas as tentativas foram vãs: Snape se mostrava irredutível em sua opinião. Ele acreditava que pessoas de temperamento explosivo como Helen poderiam machucar alguém acidentalmente, para não dizer coisa pior. Ela também tentara surrupiar as instruções que os marotos trouxeram da Cinzas & Fogueiras tempos atrás, mas Frank Longbottom e Lílian Evans - que guardavam todo o material referente à pesquisa de DCAT - tinham colocado proteção em todos os papéis para que ninguém pudesse fazer uso deles sem autorização dos mesmos. Não que desconfiassem dela, mas para que o material não caísse em mãos erradas. Foi então que ela teve a idéia de convencer o professor de reforço em Feitiços. Tiago se opôs a ensinar-lhe por muito tempo. Fazia pouco mais de uma semana que ela conseguira provar ao grifinório que saber como executar as maldições eram uma necessidade.
Agora ela estava ali, diante da entrada do escritório de Dumbledore. Não seria nem preciso dizer a senha: parecia que tinha sido aberta propositadamente. O palpite da garota se confirmou quando ela terminou de subir as escadas e encontrou o diretor de costas para ela, a fitar um dos quadros da sala:
- A senhorita não se demorou. – ele deu meia volta e a encarou.
Aquele não era nem de longe o Dumbledore com quem a garota costumava lidar toda vez que aprontava alguma travessura de porte maior. Seus olhos azuis estavam duros como gelo e a longa barba prateada não era suficiente para esconder a seriedade de seu rosto. Ele passou a mão pela barba enquanto observava a menina, que não conseguia fazer mais que fitar os próprios pés. Ela não saberia mentir para o diretor e isso significava que seria punida com a pena máxima: a expulsão. Os dois ficaram naquele silêncio durante longos minutos, como se conversassem em pensamento, até que Helen não agüentou mais:
- Quando terei que deixar a escola?
- Amanhã de manhã. Já mandei uma coruja para seu pai.
- Achei que minha tia me levaria embora... – ela respondeu, ainda sem olhar para o diretor.
- Preciso que Arabella continue aqui por algum tempo. Assim como seu shadowcat, se você permitir.
- Claro! Acho que já atrapalhei o suficiente... Emprestar Eros é o mínimo que eu posso fazer...
- Helen, eu gostaria de lhe fazer uma pergunta, mas quero que você responda olhando para mim.
A menina mordeu os lábios, temerosa. Ele ia perguntar por que ela tinha feito aquilo. Será que ela poderia responder...
- Você não fez o que fez para ser expulsa, fez?
Pela primeira vez na vida, Helen viu os olhos de Dumbledore, sempre tão seguros, parecerem intrigados. Ela não sabia responder àquela pergunta... Quantas vezes sonhara que era apenas uma trouxa, como sua mãe? Quantas vezes ela pedira ao pai que não a mandasse de volta para a escola? Quantas vezes ela amaldiçoara a própria varinha que até alguns meses atrás era incapaz de produzir um feitiço corretamente? Talvez, lá no seu íntimo ela realmente quisesse ser uma trouxa, principalmente depois que arruinara os planos para derrotar Você-Sabe-Quem por não conseguir preparar uma poção idiota. Já que ela não se encaixava em nenhuma casa, que não tinha uma personalidade definida, talvez fosse melhor nem ser uma bruxa. No entanto, ela queria ser uma bruxa e, ainda mais, ela queria ser uma sonserina:
- Não, Dumbledore. – foi só o que ela conseguiu dizer mantendo o contato visual.
- Você pode ir arrumar suas malas. E, bem, não é necessário assistir às aulas restantes. Acho que você não quer provocar comentários...
- Não... – ela respondeu baixinho e se retirou da sala.
O olhar de Dumbledore continha grande pesar. Ela tinha crescido muito como bruxa nos últimos tempos. Ainda assim, a expulsão era a menor das penalidades que ele poderia aplicar, levando-se em conta que o Ministério havia dado ordem de prisão a todo e qualquer bruxo que executasse uma das três Imperdoáveis sem autorização prévia. E se dependesse de Dumbledore, ele faria o possível e o impossível para manter a menina longe da recém-inaugurada prisão de Azkaban.
Snape conjurou uma maca e levitou Rita Skeeter, então, chamou um dos monitores do quinto ano para que acompanhasse a menina até a enfermaria. Ele tinha algo mais importante para fazer, algo que não lhe agradava nem um pouco:
- Black? - Snape chamou o rapaz, que ainda estava em estado de choque. – Por favor, me acompanhe.
Sirius pareceu não perceber o chamado do monitor-chefe. Continuou mirando o nada, apertando as próprias mãos furiosamente.
- Black? – Snape insistiu.
O batedor da Grifinória pôs seus olhos na figura magra e seca de Severo Snape. O que aquele diabo queria com ele? Ainda assim ele não disse nada, ficou apenas encarando um de seus maiores inimigos. Snape, pela primeira vez na vida, desviou o olhar e disse, virando-se para a saída do Salão Principal:
- Acho que ela gostaria de se despedir de você. – ele cruzou os braços.
- Ela não tem que se despedir de mim. – Sirius finalmente falou alguma coisa. – Ela não tem que ir embora...
Severo virou-se novamente:
- Ora, e você acha mesmo que Dumbledore vai ser complacente com ela?
- Não foi ela... – Sirius tentava convencer a si mesmo. – Não a Helen que eu conheço. Ela nunca faria isso.
- Então você não a conhece direito. – Snape retrucou amargo.
Sirius fitou Snape com desprezo:
- Por que é que você não fala logo? Admita ao menos para mim. Ou você não tem coragem?
- Sirius? – Tiago parou ao lado do amigo e ao deparar com Snape lançou-lhe um olhar de raiva e desdém. – Sirius, vamos sair daqui... – ele tentou mover o amigo.
- Eu não vou a lugar nenhum até ele assumir a própria culpa. – o ódio fumegava no rosto do rapaz. – Não bastou a Lílian?
Snape franziu a testa finalmente entendendo que Black o culpava pela atitude da namorada.
- Vocês não se cansam de fazer acusações infundadas? Não sei se você se lembra, mas eu NÃO enfeiticei a Evans. E se por um acaso você está insinuando...
- Eu não estou insinuando. Eu estou dizendo claramente que minha namorada nunca faria uma coisa dessas! – Sirius estava desesperado. Ao seu lado Tiago estava impaciente; queria tirar o amigo dali antes que ele ouvisse da boca de Snape algo que deveria saber pela sua. – ... a não ser que ela estivesse sob o efeito da Império! E se não foi você, foi um de seus amiguinhos. Vocês não me enganam!!
- Sirius! – Tiago tentava levá-lo inutilmente. Remo chegou para ajudar.
- Nós não o enganamos? Pois muito bem. Eu estava disposto a ser benevolente, não por sua causa, mas por ela. Talvez a expulsão seja melhor mesmo... Ao menos ela se livra de você.
- Ora, seu...
Tiago e Remo seguraram Sirius antes que ele avançasse para cima do monitor-chefe. Evan Rosier e Sean Avery também tinham se aproximado da cena e não demoraram a se colocar ao lado de Snape.
- Para seu governo, Black, a única desculpa que a sua namorada não pode usar é de que estava sob o efeito dessa maldição! Acho que ela nunca lhe contou, mas Helen consegue resistir à Império!
- MENTIRA! – Sirius fazia força para se soltar, mas ele ainda era apenas um. Remo e Tiago estavam dando o máximo de si para que ele não saísse do lugar.
- Não é mentira! E não grite comigo pois não estou gritando com você. Se não acredita em mim, deveria perguntar ao Potter. Aposto que ele pode confirmar a história para você, já que foi imprudente o suficiente para ensinar sua namorada a executar as maldições...
Tiago soltou o braço de Sirius. Todo aquele esforço já era desnecessário. Snape contara o que fizera antes que ele pudesse se explicar. Sirius fitava o amigo incrédulo e boquiaberto, como se não tivesse entendido direito as palavras de Snape.
- Ora, Black, do que é que você está reclamando? Parece que sua namorada finalmente provou que era uma Sonserina... Para ter sangue-frio suficiente para rogar uma maldição no meio de tanta gente. – Avery soltou, sarcástico. – Dê meus cumprimentos a ela quando a vir, se é que você ainda vai vê-la.
Depois dessa provocação, Sirius não se agüentou. A mão contraída expulsou toda a sua raiva num murro no olho direito do batedor da Sonserina. Snape e Rosier riram do colega de casa, que estava estabacado no chão, com as mãos no rosto:
- Você não vai fazer nada, Snape? – Avery ficou encarando o monitor, pedindo que ele tomasse alguma providência, como tirar 50 pontos da Grifinória em punição à atitude de Black.
- Eu? De jeito nenhum. – ele virou o rosto e fitou Sirius com cinismo. – Black já recebeu punições suficientes por um dia.
Sirius sentiu a mão se fechar pronta para um novo soco, mas conseguiu se controlar. Se fosse esmurrar cada uma das pessoas de quem sentia raiva naquele momento, todos os leitos da ala hospitalar ficariam ocupados em menos de meia hora. Ele voltou a encarar Tiago que não conseguiu manter o olhar. Ele se sentia culpado pelo que acontecera... Se não tivesse se rendido aos argumentos de Helen, aquilo não estaria acontecendo. Snape finalmente achou que não tinha mais nada a fazer ali e ia se retirar quando sentiu uma mão detendo-o por sobre o ombro:
- Tire suas patas de cima de mim, Black! – Snape advertiu sem sequer se virar.
- Por favor, espere. – Sirius engoliu o orgulho. - Preciso que você me faça um favor...
- Eu pretendia lhe fazer um favor antes. Agora não sei se estou disposto.
- Eu estou pedindo por favor, Snape. Posso me humilhar ainda mais se você quiser, mas preciso que você entregue um bilhete a ela.
- Não é necessário. – Severo respondeu dando meia volta e conjurando pergaminho e pena. – Tome! Escreva!
Os outros quatro olhavam a cena perplexos. Tiago e Remo juravam que nunca veriam Sirius numa posição de tamanha humilhação em frente a seu maior desafeto. Depender de um favor de Severo Snape era algo tão arrasador quanto uma possível expulsão. Já Avery e Rosier não estavam acreditando que Severo deixara de aproveitar a oportunidade de ver Sirius rastejar a seus pés, e ainda, que ele iria fazer um favor para o grifinório. Por mais que o ódio transbordasse do olhar dos dois, naquele momento Sirius estava grato ao monitor-chefe. Ele não demorou muito para rabiscar as seguintes palavras: "Estou te esperando na Sala de Astronomia. Apareça assim que puder. Te amo. Sirius." Aquela era primeira vez que declarava que a amava. Ele esperava que não fosse tarde para dizer aquelas três palavras ao vivo.
Quando os três sonserinos saíram do Salão Principal – Avery bastante emburrado por sinal -, Tiago se arriscou a pedir desculpas:
- A culpa é minha, eu sei... Jamais devia ter ensinado isso a ela, mas...
- A culpa não é sua, Tiago. – Remo interferiu. – E Sirius sabe disso.
Black suspirou mais forte:
- Sabe, Tiago, acho que entendi porque a poção não deu certo... – Sirius comentou em tom de desapontamento.
- A poção? Você quer dizer... – Tiago e Remo estavam surpresos.
- Exatamente. E posso dizer com certeza que Snape estava certo quando disse que ela não manipulou nenhum ingrediente errado... – e Black começou a sair lentamente do Salão deixando os amigos "boiando".
- Você demorou...
- Eu não pretendia vir...
A sala de Astronomia estava escura. Apenas duas das dez enormes janelas do local estavam abertas e a luz fraca da lua minguante não era suficiente para iluminar os dois vultos que conversavam na penumbra. Um não olhava para o outro e mantinham-se afastados sem saber bem o porquê. Afinal, tudo o que Helen queria era um abraço reconfortante de Sirius, e ele, ter certeza que as coisas continuariam como antes. Mas o abraço não apagaria os últimos acontecimentos e nada mais seria como antes.
Ele estava sentado bem próximo a uma das janelas fechadas e uma faixa do luar que entrava por outra janela tatuava seu rosto, deixando que a menina percebesse o quão triste o rapaz estava. Ela não planejara nada daquilo, mas já estava conformada. Ela teria que aceitar o que o destino lhe oferecia. Helen avançou para dentro da sala, parando em frente a uma das janelas abertas. Ficou olhando para as estrelas, recordando-se da primeira vez em que estivera com Sirius naquele local. Aquela seria a última.
- Acho que já consigo identificar a constelação de Lira. – ela tentou cortar o gelo.
Sirius não respondeu, apenas se levantou e caminhou em direção à menina. Uma brisa gelada entrava pela janela. Parou diante dela e fitou-a insistentemente, embora ela não conseguisse encará-lo. Isso fez com que ele fosse um pouco rude e levantasse o queixo da menina, obrigando-a a olhar para ele. Ela precisava se desculpar:
- Sirius, eu...
- Shiuu! – ele encostou o indicador nos lábios dela. Não queria ouvir uma palavra sequer. Não queria lembrar que, no dia seguinte, quando acordasse, ela não estaria mais ali. Ele continuou a observá-la, tentando decorar cada pedacinho de seu rosto.
Sirius aproximou o rosto devagar, mantendo os olhos abertos. As bocas estavam a menos de um dedo de distância quando ele disse que a amava, as palavras saindo mornas por entre seus lábios. Ela queria retribuir os dizeres, mas não podia. Eles não se beijaram.
O rapaz se virou e pôs-se a fitar a lua, com o pensamento noutro lugar. Talvez por isso tenha se assustado ao perceber os dedos da menina deslizarem por seu braço direito e terminarem por entrelaçar os seus. Ele olhou para ela, que, pela primeira vez naquela noite, retribuía o gesto franco e direto. Então Helen tomou uma atitude que Sirius não esperava, soltou a mão da dele e começou a desfazer o laço que prendia a capa, sem desviar o olhar um segundo sequer.
Na cabeça de Helen, só havia um pensamento: se ela não conseguia declarar-se em palavras, podia fazê-lo em atos. A capa cinza caiu no chão amontoada. Estava vestida como uma trouxa: calças jeans boca de sino, o tênis velho e detonado, uma camisete estampada com finas listras em verde e branco escolhida aleatoriamente. Ela começou a desabotoar a camisa, devagar, sem despregar os olhos do namorado.
Ele não a deixou prosseguir. Pegou em suas mãos e puxou-a para si, beijando com intensidade e ardor. Ficaram alguns instantes com os lábios apenas encostados, para que pudessem decorar o sabor que tinham. Sirius olhou uma última vez nos olhos da namorada antes de desfazer o laço de sua própria capa e estendê-la no chão. Então pegou Helen nos braços e deitou-a sobre o tecido, procurando ajeitar-lhe os cabelos de forma que não ficassem no caminho dos lábios da garota. Ela voltou a desabotoar a camisa, deixando o colo branco à mostra...
CENSURADO!!!
Eles não dormiram. Apenas ficaram em silêncio contemplando as estrelas, evitando pensar no dia que começaria em poucas horas. As coisas pareciam mais claras para Sirius agora. Nada seria como antes, nem por isso seria pior. Ele se formaria em menos de três meses e, então, os dois poderiam se ver com freqüência. Não havia motivo para pânico. Ou havia?
- Você foi proibida de fazer magia? – Sirius se lembrou de repente das conseqüências de uma expulsão.
- Aham. – ela respondeu rápido e começou a se arrumar, disposta a se levantar. – Sou uma trouxa. – ela disse já de pé, com um sorriso triste.
- Você não é uma trouxa... – ele respondeu no reflexo e depois pensou na situação. – Você continua sendo tão bruxa quanto antes, só não pode usar magia...
- Grande utilidade tem uma bruxa que não pode fazer mágica. – ela ironizou e caminhou até a janela aberta.
- Eu não me importo, quero dizer, eu gostaria de você mesmo que você não fosse uma bruxa...
- Se eu não fosse uma bruxa você nunca teria me conhecido. – ela estava amarga.
- Achei... Achei que você gostasse de ser trouxa... – Sirius lembrou da conversa que tivera com o pai da menina alguns dias antes.
A menina ficou quieta ao ouvir as palavras do namorado. Helen Silver pensara muitas vezes em desistir de ser uma bruxa; mas, provavelmente, nunca pensara realmente a sério naquela possibilidade. Era um tanto esquentada, e, por isso, às vezes as idéias lhe escapavam pela boca antes de passarem pelo cérebro. Ela gostava de ser trouxa, sim, mas nunca pensara que, para viver como uma, teria que abdicar de seu lado mágico. Ela fechou os olhos. Por que aquilo tinha que acontecer justo quando conseguira provar para si mesma que era uma verdadeira sonserina?
- É, não existe mesmo muita alternativa... Ao menos vivendo como uma trouxa eu não vou atrapalhar os planos de ninguém.
- Você não teve culpa do Feitiço das Casas ter dado errado. Nós dois sabemos muito bem que é preciso ser neutro para executar aquele feitiço e... bem... Você agora é uma sonserina, não é?
Ela se virou, surpresa.
- Anda lendo pensamentos agora, Sirius? – ela esboçou um sorriso.
- Só quando eles são os mesmos que os meus... – ele se levantou e pegou nas mãos da menina. – Hoje, pouco depois de pedir a Severo para lhe entregar o bilhete, eu lembrei do livro que Lupin e Lílian andaram estudando quando sugeriram o feitiço das casas para o grupo de estudos. E, bem, lá contava o que aconteceria caso o bruxo que realizasse o feitiço não fosse um elementar... Você não tinha errado a poção, senão os três teriam sido envenenados. Eles sofreram uma rejeição. Uma rejeição ao espírito da Sonserina que você depositou involuntariamente enquanto preparava a poção. Por isso Snape não passou mal: ele era o representante da Sonserina.
- Ora, ora... Estou vendo que em vez de um astrônomo teremos um auror... Alguém consegue esconder alguma coisa de você, Sr. Black? – ela brincou, fingindo não estar tão abalada.
- Você. Você está me escondendo alguma coisa exatamente agora.
- Ouvi de Dumbledore semana passada que ele não conhecia nenhum grifinório com o dom da vidência...
- Não é preciso ser vidente quando se conhece bem uma pessoa, Helen.
Ela não disse nada. Apenas desenroscou as mãos das deles, pegou sua capa, que ainda estava no chão, e saiu, deixando-o ali sozinho e com a desagradável sensação de que ele demoraria a revê-la.
